Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 1 de Julho de 1999. - DIR International Film Srl, Nostradamus Enterprises Ltd, Union PN Srl, United International Pictures BV, United International Pictures AB, United International Pictures APS, United International Pictures A/S, United International Pictures EPE, United International Pictures OY e United International Pictures y Cía SRC contra Comissão das Comunidades Europeias. - Programa MEDIA - Condições para concessão de empréstimos - Poder de apreciação - Fundamentação. - Processo C-164/98 P.
Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-00447
A - Introdução
1 As recorrentes, enquanto sociedades de produção e de distribuição de filmes, tinham solicitado um apoio financeiro para a distribuição de duas produções cinematográficas. Esse financiamento foi recusado pela Comissão e pelo European Film Distribution Office - Europäisches Filmbüro eV (a seguir «EFDO»). As recorrentes interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal de Primeira Instância (a seguir «Tribunal»), ao qual foi negado provimento por acórdão de 19 de Fevereiro de 1998 (1). As recorrentes impugnam agora esse acórdão no presente processo.
2 O financiamento foi recusado por dois motivos. Por um lado, tratando-se da primeira produção cinematográfica das sociedades de distribuição, não se enumeraram pelo menos três distribuidores diferentes, visto que essas sociedades eram simplesmente filiais da mesma sociedade de distribuição. Por outro lado, a Comissão não tinha ainda concluído o processo de isenção (2) iniciado com base no artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE (actual artigo 81._, n._ 3, CE) e não pretendia interferir com este processo ao tomar uma decisão relativa à atribuição de um apoio financeiro. No processo que se desenrolou no Tribunal de Primeira Instância, as recorrentes defenderam que a decisão de recusa tinha sido adoptada com violação dos critérios de concessão de uma participação financeira e que continha vários erros de fundamentação. As recorrentes alegam, censurando o acórdão que rejeitou o seu recurso, que o Tribunal cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão dispõe de um poder de apreciação no quadro da concessão de apoios financeiros, que, além disso, substituiu pela sua própria fundamentação a da Comissão e afirma erradamente que existe uma relação entre a concessão de uma contribuição financeira e um procedimento de isenção.
B - Enquadramento jurídico
3 As recorrentes tinham apresentado pedidos de financiamento no quadro do programa MEDIA. Nos n.os 1 a 12 do seu acórdão, o Tribunal apresenta os seguintes elementos sobre esse programa:
«1 O Conselho adoptou, em 21 de Dezembro de 1990, a Decisão 90/685/CEE relativa à execução de um programa de acção destinado a promover o desenvolvimento da indústria audiovisual europeia (MEDIA) (1991-1995) (JO L 380, p. 37...), sendo MEDIA o acrónimo de `mesures pour encourager le développement de l'industrie audiovisuelle'. Declara aí, antes de mais, que o reforço da capacidade audiovisual da Europa foi considerado pelo Conselho Europeu como sendo da maior importância (primeiro considerando)... Salienta ainda que a indústria audiovisual europeia devia ultrapassar a fragmentação dos mercados e adaptar as suas estruturas de produção e de distribuição, demasiado limitadas e insuficientemente rentáveis (décimo quarto considerando) e que, neste contexto, se deve dar especial atenção às pequenas e médias empresas (décimo quinto considerando).
2 O artigo 2._ da Decisão 90/685 enumera assim os objectivos do programa MEDIA:
...
- estimular e reforçar a capacidade de oferta competitiva dos produtos audiovisuais europeus, tendo em conta, nomeadamente, o papel e as necessidades das pequenas e médias empresas, os legítimos interesses de todos os profissionais que participam na criação original desses produtos e a situação dos países com menos capacidade de produção audiovisual e/ou com uma área geográfico-linguística restrita na Europa,
- multiplicar os intercâmbios intra-europeus de filmes e de programas audiovisuais e explorar ao máximo os diferentes meios de distribuição existentes ou a criar na Europa...
- aumentar a posição que as empresas europeias de produção e de distribuição ocupam nos mercados mundiais,
- promover o acesso às novas tecnologias de comunicação, especialmente europeias, na produção e distribuição de obras audiovisuais, bem como a utilização das mesmas tecnologias,
...
3 Além disso, a Comissão declarou na sua comunicação sobre a política audiovisual (p. 9) que o [EFDO], associação registada em Hamburgo (Alemanha), `contribui para criar redes de co-distribuição promovendo a cooperação entre sociedades que, cada uma delas, operavam anteriormente de modo isolado no respectivo território nacional'.
4 O artigo 7._, n._ 1, da Decisão 90/685 dispõe que a Comissão é responsável pela realização do programa MEDIA. Nos termos do ponto 1.1. do Anexo I da Decisão 90/685, um dos mecanismos a aplicar na realização do programa MEDIA é desenvolver de modo significativo a acção empreendida pelo EFDO no apoio à distribuição transnacional de filmes europeus nas salas de cinema.
5 Neste âmbito, a Comissão celebrou com o EFDO acordos sobre a realização financeira do programa MEDIA...
6 O artigo 3._, n._ 2, do referido acordo faz referência às modalidades de colaboração descritas em anexo 3, que são parte integrante do acordo. Essas modalidades de colaboração foram também juntas aos autos pela Comissão. Prevêem designadamente a obtenção de um acordo prévio dos representantes da Comissão quando estejam em causa questões que afectem a realização do programa MEDIA e designadamente quando estejam em causa `de modo geral, quaisquer negociações susceptíveis de ter repercussões nas relações entre a Comissão e poderes públicos e/ou organizações profissionais' [n._ 1, alínea g)].
7 Além disso, o funcionamento do EFDO está sujeito às orientações adoptadas por ele próprio e aprovadas... pela Comissão... Nos termos dessas orientações, o EFDO gere um fundo que concede a distribuidores empréstimos até 50% dos custos de distribuição previstos, sem juros e reembolsáveis apenas se o filme amortizar os custos previstos no país para o qual o empréstimo é concedido. O empréstimo serve para reduzir o risco relativo à distribuição de filmes e ajuda a assegurar a exploração de filmes que, na falta de tal financiamento, teriam poucas hipóteses de ser divulgados nas salas. As decisões sobre os pedidos de empréstimos são tomadas pelo comité de selecção do EFDO.
8 O ponto VI.2, dessas orientações prevê que o comité de selecção do EFDO examinará os pedidos... e concederá empréstimos aos projectos elegíveis até esgotamento dos fundos.
...
10 O ponto III.1, alínea a), das orientações impõe, designadamente, aos candidatos a apoios do EFDO as seguintes condições:
`Pelo menos três distribuidores diferentes de pelo menos três países diferentes da União [Europeia], ou de países com quem tenham sido celebrados contratos de cooperação, devem ter um acordo para explorar um filme nas salas. Todos os distribuidores em questão devem entregar os seus pedidos até à mesma data-limite.'»
11 As orientações prevêem além disso uma ordem de prioridades na selecção dos projectos de distribuição (ponto VI.1):
«1.a prioridade
Os projectos de distribuição (filmes) que reúnam o maior número de distribuidores, isto é, que garantam a distribuição no maior número de países, têm prioridade sobre os projectos que reúnam menos distribuidores/países.
2.a prioridade
Os projectos (filmes) dos países considerados `difíceis' a nível da exportação têm prioridade sobre os projectos de todos os outros países. Após avaliação da fase-piloto do EFDO e em conformidade com a decisão do comité director, são considerados `difíceis' a nível da exportação todos os países das União Europeia... com excepção da França, Grã-Bretanha e Alemanha....
3.a prioridade
Em caso de projectos igualmente elegíveis à luz dos critérios anteriores, será dada preferência aos filmes de países que não tenham beneficiado ainda do fundo de apoio ou aos filmes de países que dele tenham beneficiado menos.
4.a prioridade
Se forem necessários critérios adicionais, será dada preferência aos projectos que, devido à concepção da sua distribuição, pareçam ter mais possibilidades de êxito aquando do seu lançamento nas salas.
12 O ponto VI.3 das orientações permite, por fim, que seja rejeitado sem fundamentação um pedido de apoio se o EFDO tiver conhecimento, directa ou indirectamente, de qualquer facto que permita pensar que o empréstimo não será ou não poderá ser devidamente reembolsado.»
C - Quadro factual
4 Quanto ao quadro factual, o Tribunal apresentou os seguintes elementos nos n.os 13 a 22 do acórdão recorrido:
«13 A primeira e a terceira recorrente, DIR International Film Srl e União PN Srl, são produtoras do filme italiano `Maniaci Sentimentali' e a segunda recorrente, Nostradamus Entreprises Ltd, é produtora do filme `Nostradamus', uma co-produção anglo-alemã. A quarta recorrente, United International Pictures BV (a seguir `UIP'), uma `joint venture' das sociedades Paramount Communications Inc. (sociedade americana), MCA Inc. (sociedade japonesa) e Metro-Goldwyn-Mayer Inc. (sociedade francesa)... tem como actividade principal a distribuição de longas metragens em todo o mundo, com excepção dos Estados Unidos, Porto Rico e Canadá. As quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima recorrentes... são filiais da UIP e funcionam como distribuidores locais nos respectivos países (a seguir `filiais').
14 Em 28 de Julho de 1994, a pedido das produtoras do filme `Maniaci Sentimentali', a UIP dirigiu ao EFDO pedidos de financiamento para a distribuição do filme na Noruega, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Grécia e Espanha pelas respectivas filiais (e por conta de Filmes Lusomundo SARL, sociedade não ligada à UIP, para Portugal).
15 Na mesma data, a pedido da produtora do filme `Nostradamus', a UIP dirigiu ao EFDO um pedido de financiamento para a distribuição do filme na Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca pelas respectivas filiais.
16 Resulta da correspondência trocada entre o EFDO e a Comissão... que a Comissão, por fax de 7 de Setembro de 1994, se opôs a que o EFDO decidisse sobre os pedidos de financiamento apresentados pelas filiais da UIP antes de se pronunciar sobre o pedido de renovação da isenção apresentado pela UIP. Por outro fax da mesma data, a Comissão pediu de novo ao EFDO `que não tom[asse] posição [nesse dia] sobre essas candidaturas e as mantiv[esse] em suspenso até a Comissão ter tomado uma posição definitiva sobre o processo UIP que [estava] a instruir' na altura.
17 Em 12 de Setembro de 1994, as filiais da UIP receberam por fax cartas do EFDO indicando que `o comité do EFDO [adiou] a decisão relativa ao pedido respeitante aos filmes 'Nostradamus' e 'Maniaci Sentimentali'... até a Comissão Europeia adoptar a sua decisão geral sobre o estatuto da [UIP] na Europa' (a seguir `cartas controvertidas'). A decisão geral em questão era, segundo as partes, a que a Comissão devia tomar a respeito do pedido da UIP de renovação da isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE, do acordo de constituição da `joint venture' pelas três sociedades-mãe e de acordos conexos relativos principalmente à produção e distribuição de filmes de longa metragem de ficção. A isenção concedida pela Decisão da Comissão 89/467/CEE, de 12 de Julho de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/30.566-UIP), era válida até 26 de Julho de 1993 (JO L 226, p. 25...).
18 Após recepção das cartas controvertidas, as quatro primeiras recorrentes entraram em contacto com representantes do EFDO e da Comissão para manifestar a sua discordância e obter determinadas informações e documentos, e para que os seus pedidos fossem reapreciados. Os representantes da UIP contactaram também o membro da Comissão que tinha a seu cargo, entre outras, as questões culturais, J. de Deus Pinheiro, a fim de lhe pedirem que interviesse para que os pedidos fossem reconsiderados. Tendo sido informado de que o processo fora transmitido à Direcção-Geral da Concorrência, o advogado da UIP escreveu também ao membro da Comissão encarregado das questões de concorrência, K. Van Miert, pedindo-lhe algumas informações. Este salientou na resposta que não havia qualquer relação entre o procedimento relativo ao pedido da UIP para renovação da sua isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado e o procedimento relativo à concessão de subvenções pelo EFDO...
...
20 Em 5 de Dezembro de 1994, o comité do EFDO (3), `na sequência dos protestos da UIP', apreciou os pedidos de financiamento referidos e decidiu rejeitá-los. A decisão foi comunicada à UIP por carta do EFDO datada de 10 de Janeiro de 1995 (a seguir `decisão controvertida').
21 Resulta da correspondência entre o EFDO e a Comissão... que a Comissão, em data não especificada, propusera ao EFDO que rejeitasse os pedidos das recorrentes com fundamento de que não eram elegíveis porque várias filiais de uma mesma sociedade de distribuição não eram `distribuidores diferentes', na acepção das orientações do EFDO.
22 Nos termos da decisão controvertida, redigida pelos serviços do EFDO, os pedidos foram rejeitados porque `a Comissão da União Europeia não tinha ainda decidido do estatuto futuro da UIP na Europa. Como os contratos de empréstimo do EFDO se baseiam num período de cinco anos de exibição nas salas dos filmes que beneficiam do auxílio, era impossível tomar outra decisão para não interferir com o processo judicial intentado pela UIP contra a Comissão da União Europeia. Além disso, o comité do EFDO (4) pensa que a UIP não satisfaz plenamente os objectivos do programa MEDIA tal como são adiante descritos: '... criar redes de co-distribuição promovendo a cooperação entre sociedades que, cada uma delas, operavam anteriormente de modo isolado no respectivo território nacional'...'».
5 Tendo sido indeferido o pedido de financiamento pela decisão de 10 de Janeiro de 1995, as recorrentes interpuseram recurso da decisão controvertida e/ou do acto através do qual a Comissão tinha dado instruções ao EFDO para tomar essas decisões para o Tribunal de Primeira Instância (5). As recorrentes concluíram pedindo que o Tribunal se dignasse,
- anular as cartas controvertidas e/ou o acto através do qual a Comissão deu instruções ao EFDO para tomar essas decisões;
- condenar a Comissão nas despesas.
6 A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal se dignasse:
- julgar o recurso inadmissível;
- condenar as recorrentes nas despesas.
7 Após ter sido negado provimento ao recurso pelo Tribunal, no seu acórdão de 19 de Fevereiro de 1998, as recorrentes interpuseram recurso desse acórdão para o Tribunal de Justiça em 28 de Abril de 1998. As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne,
1) anular o acórdão recorrido e, consequentemente, decidir definitivamente o litígio, julgar procedente o pedido das recorrentes no Tribunal de Primeira Instância e condenar a Comissão nas despesas do processo tanto no Tribunal de Primeira Instância como no Tribunal de Justiça;
2) a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para decisão, reservando para final a decisão quanto às despesas.
8 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne,
1) negar provimento ao recurso;
2) condenar as recorrentes nas despesas.
9 O recurso assenta em três fundamentos. Segundo as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para decidir da oportunidade de um financiamento do EFDO; além disso, o Tribunal substituiu indevidamente pela sua própria apreciação um dos dois fundamentos avançados na decisão impugnada e fez errada interpretação do artigo 81._ CE, conjugado com o Regulamento n._ 17 (6), na medida em que faz depender a concessão de financiamento ao abrigo do programa MEDIA da obtenção de uma isenção.
10 Voltarei à argumentação das partes quanto a cada um destes fundamentos no âmbito da discussão.
D - Discussão
a) Poder de apreciação
Argumentos das partes
11 Através do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal considerou erradamente que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação no exame dos pedidos de financiamento do EFDO. O Tribunal admitiu a existência desse poder de apreciação, por um lado, no quadro do exame dos critérios para a obtenção de um apoio financeiro (n.os 91 e 93 do acórdão recorrido) e, por outro lado, relativamente aos fundamentos de rejeição (n._ 105 do acórdão recorrido).
12 A concessão de um apoio financeiro devia, contudo, obedecer a regras claras, uniformes e objectivas adequadas para definir antecipadamente as categorias de candidatos que podem receber benefícios, a fim de evitar qualquer medida arbitrária. Em consequência, os critérios de concessão de um financiamento estão limitativamente enumerados, no caso vertente, nas orientações do EFDO. Assim, deixou de existir poder discricionário na apreciação da elegibilidade para o financiamento. Uma vez que as instituições estão vinculadas pelas disposições e normas que elas próprias produziram, a Comissão também não podia afastar-se, para recusar um apoio financeiro, das características factuais objectivas estabelecidas pelas orientações do EFDO e invocar o seu poder de apreciação para excluir determinados requerentes do círculo de beneficiários. Ainda que essas orientações devam, em princípio, ser interpretadas à luz da Decisão 90/685, essa interpretação não poderá levar a encontrar novos critérios que a Comissão possa considerar necessários, conforme os casos, para alcançar os objectivos da referida decisão. É certo que o Tribunal terá antes de mais admitido a possibilidade de interpretar essas orientações à luz da finalidade da Decisão 90/685, mas, de seguida, reconheceu a existência de um poder de apreciação da Comissão, cometendo assim um erro de direito e, ignorou, portanto, os princípios gerais da segurança jurídica e da confiança legítima.
13 Na opinião da Comissão, o exame dos pedidos de financiamento do EFDO pressupõe um poder de apreciação como declarou o Tribunal com razão. Quanto à interpretação dos critérios de elegibilidade para o financiamento adoptada pela Comissão e confirmada pelo Tribunal, as recorrentes não invocaram qualquer argumento que contrarie o método seguido pela Comissão. Assim, esta considerou, com razão, que apenas os pedidos apresentados pelo menos por três distribuidores que não tenham anteriormente cooperado de modo substancial e permanente podiam ser elegíveis para um apoio financeiro.
14 Quanto aos fundamentos de rejeição, o Tribunal afirmou com razão que a Comissão, ao decidir sobre a concessão de uma participação financeira, podia velar para que a mesma sirva à execução dos objectivos do programa MEDIA, ainda que isso não esteja expressamente mencionado como um fundamento de recusa nas orientações do EFDO. Além disso, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ao aplicar uma disposição do direito comunitário, a Comissão não pode ignorar outra norma em vigor do direito comunitário. Ainda que a decisão relativa à concessão de apoio financeiro não tenha qualquer influência sobre o procedimento de isenção do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE, a Comissão deve assegurar uma aplicação uniforme de todas as disposições do direito comunitário. Daí resulta que tinha o direito de ter em conta a incerteza em torno do estatuto jurídico das recorrentes para recusar a concessão de apoio financeiro.
Apreciação
15 A questão de saber se a Comissão dispõe de um poder de apreciação coloca-se sob dois pontos de vista. O Tribunal reconheceu-lhe um poder de apreciação, por um lado, no exame dos critérios de elegibilidade para o financiamento e, por outro, na análise dos fundamentos de recusa.
16 Quanto ao primeiro problema, trata-se da interpretação da condição de elegibilidade para o financiamento prevista nas orientações do EFDO (7), segundo a qual «pelo menos três distribuidores diferentes de pelo menos três países diferentes da União [Europeia], ou de países com quem tenham sido celebrados contratos de cooperação, devem ter um acordo para explorar um filme nas salas...».
17 O Tribunal afirmou a este respeito que a Comissão e o EFDO dispõem de um poder de apreciação, visto que esse elemento deve ser interpretado à luz dos objectivos do programa MEDIA.
18 A própria redacção dessa disposição não permite ainda deduzir dela um poder de apreciação susceptível de apoiar a interpretação adoptada pela Comissão - pelo menos três distribuidores que não tenham cooperado de maneira substancial e permanente. Todavia, visto que as orientações do EFDO e da Decisão 90/685 são normas de direito comunitário, devem ser apreciadas de acordo com as regras de interpretação em vigor.
19 Os objectivos essenciais do programa MEDIA são mencionados no artigo 2._ da Decisão 90/685 (8). Trata-se, em resumo, de desenvolver a capacidade audiovisual da Europa, através da livre circulação de programas, da promoção do sistema europeu de televisão de alta definição e de uma política de incentivo à criatividade, à produção e à difusão, que permita traduzir a riqueza inerente à diversidade da cultura europeia (9). Por outro lado, ao adoptar a Decisão 90/685, o Conselho inspirou-se igualmente na comunicação da Comissão sobre a política audiovisual. Nessa comunicação, a Comissão declarava, nomeadamente, que o EFDO executou um primeiro projecto-piloto destinado a promover a cooperação dos distribuidores europeus. Isso podia permitir criar uma exploração internacional de filmes, a fim de tentar realizar um grande mercado interno de produções cinematográficas. Além disso, o EFDO contribuía para criar redes de co-distribuição, promovendo a cooperação entre sociedades que, cada uma, operavam anteriormente de modo isolado no respectivo território nacional. Se se examinarem ainda, a este respeito, o décimo quarto e o décimo quinto considerandos da Decisão 90/685, segundo os quais a indústria audiovisual europeia deve ultrapassar a fragmentação dos mercados e deve ser dada especial atenção às pequenas e médias empresas bem como aos países da Europa que têm menor capacidade audiovisual adaptando as estruturas do mercado, a criação de redes de co-distribuição aparece como um elemento de extrema importância.
20 Resulta destes considerandos - em conformidade com as afirmações do Tribunal quanto a este aspecto - que um dos objectivos essenciais do programa MEDIA é promover os contactos e a cooperação entre os distribuidores dos diferentes países europeus. Pode igualmente deduzir-se daí que o programa MEDIA deve favorecer novos desenvolvimentos do mercado europeu de produções cinematográficas e, em especial, a criação de novas formas de cooperação entre os operadores deste mercado europeu.
21 Este objectivo resulta igualmente das orientações do EFDO, quando estas estabelecem que pelo menos três distribuidores diferentes de pelo menos três países diferentes da União ou de países com quem tenham sido celebrados contratos de cooperação devem ter um acordo para explorar um filme nas salas.
22 A criação de redes de co-distribuição através da promoção da cooperação entre sociedades que operavam anteriormente de modo isolado no respectivo território nacional impõe-se, assim, como um dos objectivos essenciais do programa MEDIA.
23 Todavia, quando é necessário, como no caso em apreço, interpretar os critérios de elegibilidade para o financiamento e os fundamentos de rejeição previstos nas orientações do EFDO à luz dos objectivos do programa MEDIA, foi com razão que o Tribunal considerou que a Comissão dispõe a este respeito de um poder de apreciação. Este resulta, em especial, da responsabilidade que lhe cabe nos termos do artigo 7._, n._ 1, da Decisão 90/685, na realização do programa de acção. Esta responsabilidade implica igualmente que a Comissão deve ter sempre presentes os objectivos do programa quando se trata de tomar decisões. A este respeito, não se lhe pode contestar o poder de escolher as modalidades do programa adequadas para assegurar a concretização dos seus objectivos.
24 Há, assim, que declarar que a Comissão e o EFDO, no quadro das missões que lhes são confiadas, dispõem de um poder de apreciação quanto à interpretação de algumas características factuais. A fim de garantir a eficácia do programa de apoio financeiro, este poder de apreciação deve abranger, em especial, a interpretação dos critérios de elegibilidade para o financiamento e a lista das prioridades bem como dos fundamentos de recusa, para poder assegurar uma repartição adequada e oportuna dos limitados meios financeiros disponíveis.
25 Daí resulta que o Tribunal teve razão ao considerar, nos n.os 91 e 93 do acórdão recorrido, que a Comissão e o EFDO dispõem de um poder de apreciação quanto à interpretação dos critérios de elegibilidade para o financiamento e dos fundamentos de rejeição.
b) Substituição dos fundamentos
26 Através deste fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal substituiu pelos seus próprios fundamentos os da Comissão na decisão impugnada, cometendo assim um erro de direito. Este fundamento refere-se à recusa de financiamento para o filme «Nostradamus». A fundamentação invocada a este respeito era a de que a Comissão não tinha ainda decidido sobre o futuro estatuto da UIP na Europa e que não era possível tomar outra decisão sem interferir com o procedimento de isenção.
Argumentos das partes
27 As recorrentes alegam que o Tribunal declarou, no n._ 100 do acórdão recorrido, que os critérios para a concessão de um apoio financeiro para a distribuição do filme «Nostradamus» estavam preenchidos. Durante a instância no Tribunal de Primeira Instância, a Comissão admitiu a este respeito que, efectivamente, o fundamento da rejeição era a situação financeira incerta da UIP. O procedimento de isenção do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE, que estava em curso na altura, não era a causa directa da rejeição dos pedidos. O Tribunal retomou esta argumentação no n._ 101 do acórdão recorrido. Contrariamente aos termos dessa argumentação, afirmaria, contudo, em seguida, no n._ 119 do acórdão recorrido, que uma entidade como a UIP, que é parte num procedimento de aplicação das regras de concorrência, não podia directa ou indirectamente por intermédio das suas filiais beneficiar de um empréstimo no quadro do programa MEDIA.
28 As recorrentes vêem nisso a violação pelo Tribunal do artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE) e do artigo 190._ do Tratado CE (actual artigo 253._ CE). Nos termos do artigo 173._ do Tratado CE, o Tribunal deve controlar a legalidade dos actos da Comissão e, se necessário, anulá-los. Contudo, não é competente, segundo as recorrentes, para substituir a fundamentação de uma decisão. De acordo com o disposto no artigo 190._ do Tratado CE, compete à Comissão fundamentar as decisões que adopta. Essa competência não poderá ser reconhecida ao juiz comunitário, porque, de outro modo, o destinatário dessa decisão não poderia beneficiar de uma protecção jurisdicional efectiva.
29 A Comissão afirma que a interpretação das passagens controvertidas da decisão impugnada, tal como foi adoptada pelo Tribunal, não corresponde exactamente à que ela defendeu no decurso da instância. Apenas evocou o procedimento de isenção na medida em que este suscitava dúvidas quanto à capacidade das sociedades filiais da UIP para reembolsar o empréstimo. O Tribunal ter-se-ia, contudo, baseado, no essencial, na incerteza do estatuto jurídico, o que não constituía, de modo algum, uma modificação dos fundamentos invocados pela Comissão. A fundamentação do Tribunal não poderia ser considerada como uma violação do artigo 173._ do Tratado CE, visto que a interpretação adoptada por este era perfeitamente defensável. Além disso, não estava em causa uma violação do princípio da confiança legítima, uma vez que as recorrentes tinham contestado a interpretação da Comissão e não estavam, assim, confiantes numa interpretação precisa que se viesse a revelar posteriormente errada.
Apreciação
30 No n._ 101 do acórdão recorrido, o Tribunal afirmou que o motivo essencial da rejeição dos pedidos era que a Comissão não tinha ainda decidido do estatuto futuro da UIP na Europa e que era impossível tomar outra decisão para não interferir com o processo de isenção. O Tribunal apresenta, a este respeito, o seu ponto de vista, segundo o qual foi efectivamente o estatuto incerto da UIP e das suas filiais que esteve na origem da rejeição dos pedidos de empréstimo. Como resulta dos n.os 105 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal faz desse modo uma interpretação dos fundamentos da decisão da Comissão. Em primeiro lugar, examina os elementos por ela apresentados durante a instância no sentido de que a participação da UIP num procedimento de renovação de uma isenção concedida ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE não teria levado o EFDO a rejeitar os pedidos e que, pelo contrário, foi a incerteza quanto à capacidade das filiais da UIP para efectuarem os reembolsos necessários que, em definitivo, terá justificado essa rejeição.
31 A carta de resposta do comissário competente para as questões de concorrência, Sr. Van Miert, foi interpretada pelo Tribunal no sentido de que, da perspectiva específica do direito comunitário da concorrência, a inexistência, nesta fase, de uma decisão sobre o pedido de renovação da isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE, apresentada pela UIP, não obstava à eventual concessão da subvenção solicitada, sendo certo que esta, se fosse concedida, não tinha qualquer incidência na aplicação das regras de concorrência.
32 Para o Tribunal, as circunstâncias factuais que se inscrevem no quadro desta questão apresentam-se da seguinte forma. No momento da adopção da decisão de rejeição, a eventual renovação da isenção da UIP era incerta. Em contrapartida, verificava-se que o futuro das filiais da UIP dependia do da sociedade-mãe, que não podia continuar a existir sem a renovação da isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE. Nestas condições, verificava-se que essas filiais já não estariam em condições de prosseguir a sua actividade se a Comissão não renovasse a isenção da UIP (10). Daí o Tribunal deduz que a situação da UIP e das suas filiais era nesse momento totalmente incerta, porque era necessária uma isenção para autorizar um eventual acordo contrário ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE.
33 Com base na interpretação assim adoptada, o Tribunal não podia reconhecer qualquer erro de apreciação da Comissão ou do EFDO na recusa de conceder um apoio financeiro.
34 Há que referir, antes de mais, que o Tribunal, no quadro da competência que lhe é atribuída, deve examinar a legalidade dos actos das instituições. No quadro desse exame, é contudo inevitável, no caso vertente, que o Tribunal interprete a decisão impugnada. A este respeito, foi com razão - como já indiquei no n._ 24 - que o Tribunal considerou que a Comissão e o EFDO dispõem em princípio de um poder de apreciação para decidir sobre a concessão de um apoio financeiro. Esse poder de apreciação foi reconhecido, exercido, e manifestamente não foi ultrapassado. A questão de saber se o Tribunal interpretou correctamente a passagem controvertida da decisão impugnada deve ser apreciada em função da questão de saber se procedeu a um simples aperfeiçoamento dos fundamentos, que não é contestável ao nível do direito comunitário, ou se introduziu novos elementos substanciais que servem de fundamento à decisão.
35 A este respeito, observe-se que o Tribunal não se deve limitar estritamente à redacção do texto a interpretar, mas, pelo contrário, deve examinar a vontade real do autor da decisão. Foi isso precisamente o que o Tribunal fez no acórdão recorrido, ao examinar, em primeiro lugar, os objectivos do programa MEDIA, depois confrontando as circunstâncias factuais do caso vertente com esses objectivos e, finalmente, ao concluir que, em virtude das incertezas jurídicas, podiam colocar-se problemas de ordem financeira, a tal ponto que o reembolso do empréstimo podia parecer duvidoso. Embora a Comissão tivesse realçado na sua fundamentação as dificuldades financeiras, a interpretação adoptada pelo Tribunal traduz igualmente a sua vontade de recusar a concessão de meios financeiros em razão dessas dificuldades. O motivo que está na origem da recusa - aguardar uma decisão relativa a uma isenção - resulta tanto da interpretação da Comissão como da do Tribunal. Apenas varia a análise jurídica das verificações de ordem factual. Todavia, não se pode afirmar que a interpretação adoptada pelo Tribunal seja manifestamente errónea, arbitrária ou ainda contrária à vontade da Comissão.
36 Assim, não se trata, no caso vertente, da substituição de fundamentos, já que o Tribunal, no quadro da sua competência de controlo, se limita a interpretar a decisão da Comissão, melhorando a fundamentação dessa decisão, e em caso algum integrou novos elementos substanciais adequados para constituírem a fundamentação. Visto que não foi introduzida nenhuma nova fundamentação e que a decisão não foi modificada quanto ao fundo, as recorrentes não podem invocar uma violação dos seus direitos da defesa ou do princípio da confiança legítima.
c) O artigo 85._ do Tratado CE, o Regulamento n._ 17 e os objectivos do programa MEDIA
Argumentos das partes
37 Este argumento invoca um erro de fundamentação do acórdão recorrido. Mesmo que o Tribunal tivesse considerado - contrariamente à tese das recorrentes - que a Comissão dispõe de um poder de apreciação e o tivesse validamente interpretado, a fundamentação do acórdão seria, apesar disso, errónea. As redes de co-distribuição são sempre susceptíveis de ser abrangidas no âmbito de aplicação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE, com a consequência de que, enquanto se aguardasse uma decisão de isenção, os objectivos do programa MEDIA não poderiam ser realizados. Seria impossível deduzir do artigo 85._ do Tratado CE, conjugado com o Regulamento n._ 17, que as estruturas potencialmente anticoncorrenciais e que até aqui não tivessem beneficiado de qualquer isenção estavam numa situação completamente incerta e não podiam, assim, beneficiar de apoio financeiro. Por um lado, o artigo 81._, n._ 1, CE não impõe às empresas interessadas qualquer obrigação de informação da Comissão e, por outro lado, o Regulamento n._ 17 prevê apenas um controlo a posteriori. Se as afirmações do Tribunal fossem exactas, os requerentes deveriam, para poder beneficiar de um apoio financeiro, obter uma isenção antes da criação das redes de co-distribuição. Todavia, isso criaria uma conexão entre os dois procedimentos que, como tal, não poderia existir. O comissário responsável pelas questões da concorrência, Sr. Van Miert, terá assim explicado numa carta dirigida à UIP que o procedimento de isenção não tinha qualquer relação com o procedimento de concessão de uma participação financeira pelo EFDO. Foi igualmente o que considerou a Comissão no decurso da instância no Tribunal de Primeira Instância.
38 Porém, a fundamentação do Tribunal obriga os requerentes a terminar o procedimento de isenção para poderem beneficiar de um apoio financeiro. Além disso, deve observar-se que a Comissão não toma sistematicamente medidas em relação a cada informação comunicada nos termos do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE e que a duração média desse procedimento varia entre vários meses e mais de dois anos. Em definitivo, o que o Tribunal considera como o procedimento adequado vai precisamente contra o objectivo essencial do programa MEDIA, a saber, a criação de redes de co-distribuição. Com efeito, essas redes são sempre susceptíveis de se incluírem no âmbito de aplicação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE, com a consequência de que, enquanto não tiver sido tomada uma decisão de isenção, não é possível realizar os objectivos desse programa.
39 No quadro da sua argumentação, a Comissão salienta em primeiro lugar que os acordos entre empresas referidos no artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE que não podem beneficiar de isenção nos termos do n._ 3 desse mesmo artigo são proibidos e devem considerar-se nulos. Daí que as empresas que celebrem tais acordos encontram-se numa situação juridicamente precária. Foi com razão que o Tribunal considerou que esses elementos podem ser tomados em consideração pela Comissão no momento da concessão de uma participação financeira, como no caso vertente. A carta do comissário Van Miert pode igualmente ser interpretada no mesmo sentido. Decorre dessa carta que a existência de um procedimento de isenção em curso não exclui, em princípio, a concessão de um apoio financeiro. Quando, apesar de tudo, os requerentes não recebem qualquer financiamento - sempre segundo a Comissão - os objectivos do programa MEDIA não ficarão comprometidos, visto que também podem ser garantidos favorecendo outros requerentes que se encontrem numa situação juridicamente mais clara. De resto, uma simples cooperação no quadro do programa MEDIA não implica qualquer violação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE, de modo que a argumentação das recorrentes a este respeito não pode igualmente ser acolhida. Em definitivo, este fundamento deve igualmente ser rejeitado como improcedente.
Apreciação
40 A questão que aqui deve ser examinada prende-se com o aspecto de saber se o Tribunal considerou acertadamente que a Comissão podia recusar o pedido de financiamento com o fundamento em que os requerentes se encontravam numa situação juridicamente incerta em razão da ausência da isenção.
41 Antes de mais, convém observar que, ao adoptar uma decisão de rejeição, a Comissão exerceu o seu poder de apreciação. A este respeito, o Tribunal afirmou com razão que ela não ultrapassou os limites desse poder. Isto significa que a Comissão não desnaturou nenhum facto nem cometeu qualquer erro manifesto de apreciação dos factos, nem um desvio de poder ou de processo (11). O controlo jurisdicional limita-se, neste caso, à questão de saber se o acto de uma autoridade comunitária está viciado por erro manifesto ou desvio de poder ou ainda se essa autoridade ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação (12).
42 Como já demonstrei nos n.os 30 a 36, era, em princípio, possível recusar um apoio financeiro com base na incerteza do estatuto jurídico da UIP. Admitir-se-á, certamente, de acordo com as recorrentes, que o procedimento do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE (isenção) e as orientações do EFDO quanto à concessão do apoio financeiro são independentes uma da outra. Isto não significa contudo que a Comissão, no quadro dessa decisão, não devesse ter em conta as disposições específicas do Tratado, em especial as regras relativas à concorrência. Seria contrário ao sentido e à finalidade do Tratado que a Comissão, concedendo-lhes um empréstimo, sustentasse estruturas potencialmente incompatíveis com o mercado comum por força do artigo 85._, n._ 1, do Tratado CE. Segundo os vigésimo quarto e vigésimo quinto considerandos da Decisão 90/685, o programa MEDIA tem igualmente como objectivo realizar um mercado comum das produções cinematográficas. Esse mercado deve também fundar-se numa concorrência leal protegida pelo artigo 85._, n._ 1 do Tratado CE. Contudo, este objectivo não poderia ser realizado se a Comissão concedesse um apoio financeiro que se traduzisse em benefícios para as empresas que celebraram acordos contrários ao mercado comum. Assim, quando decide a concessão de um financiamento, a Comissão não poderá negligenciar o risco de entrave à concorrência no seio do mercado comum que alguns operadores económicos podem representar.
43 O Tribunal afirmou a este respeito, no n._ 105 do acórdão recorrido, que a concessão desse empréstimo dificilmente seria conciliável com a condição perfeitamente razoável de a Comissão não poder apoiar estruturas potencialmente incompatíveis com as regras de concorrência. O Tribunal remete igualmente para a finalidade essencial do programa MEDIA, que consiste em encorajar o desenvolvimento de uma indústria audiovisual europeia poderosa e capaz de superar quaisquer desafios. Em virtude do volume limitado das disponibilidades financeiras (13), a concessão de um empréstimo às recorrentes, nas circunstâncias do caso vertente, teria como resultado privar de qualquer financiamento comunitário outras empresas cuja actividade era sem qualquer dúvida compatível com as regras de concorrência e que tinham a vontade e a capacidade de criar ou desenvolver uma rede de distribuição.
44 Assim, há que reconhecer que a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido não revela qualquer violação do artigo 85._ do Tratado CE ou do Regulamento n._ 17. Foi com razão que o Tribunal reconheceu que a Comissão, igualmente no quadro das subvenções concedidas para promover a indústria cinematográfica, deve, em especial, ter em conta as disposições do Tratado em matéria de concorrência. A Comissão, no quadro da decisão que adoptou no caso vertente, com base no seu poder de apreciação, recusou de forma completamente válida a concessão de um apoio financeiro. Assim, há que rejeitar igualmente o terceiro fundamento.
45 Em definitivo, deve ser negado provimento ao recurso.
Despesas
46 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recurso por força do artigo 118._, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. A Comissão concluiu pedindo a condenação das recorrentes nas despesas. Tendo estas sido vencidas, há que condená-las nas despesas.
E - Conclusão
47 Com base nas considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:
«1) É negado provimento ao recurso.
2) As recorrentes são condenadas nas despesas.»
(1) - Acórdão DIR International Film e o./Comissão (T-369/94 e T-85/95, Colect., p. II-357).
(2) - Quanto à quarta recorrente, a renovação da isenção preexistente era incerta no momento da adopção da decisão de recusa. Em contrapartida, verificou-se que o futuro das sociedades filiais da UIP - ou seja, a quinta e a sexta recorrente - dependia do da sua sociedade-mãe, cuja sobrevivência ficaria ameaçada se a isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado CE não tivesse sido renovada. Nestas condições, era manifesto que essas sociedades filiais não estariam em condições de prosseguir a sua actividade se a Comissão não tivesse renovado a isenção da UIP.
(3) - Na versão inglesa original, trata-se do «Commitee», o que significa provavelmente o comité de selecção mencionado no n._ 8 do acórdão.
(4) - Ibidem.
(5) - Os fundamentos invocados eram a violação, pelo comportamento de Comissão, dos critérios de selecção contidos nas orientações do EFDO, a incompatibilidade da decisão impugnada com o conteúdo e os objectivos do programa MEDIA, bem como a falta de fundamentação.
(6) - Regulamento do Conselho de 6 de Fevereiro de 1992, primeiro regulamento de execução dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).
(7) - Já referido no n._ 3, n._ 10 do acórdão recorrido.
(8) - V. supra, n._ 2, terceiro travessão, do acórdão recorrido.
(9) - V. o primeiro considerando da Decisão 90/685.
(10) - V. n._ 103 do acórdão recorrido.
(11) - Quanto ao conceito de erro de apreciação, v. igualmente o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão (C-225/91, Colect., p. I-3203, n._ 25).
(12) - Acórdão de 21 de Janeiro de 1999, Upjohn (C-120/97, Colect., p. I-223, n._ 34, contendo outras referências).
(13) - V. n._ 3, supra, n._ 8 do acórdão recorrido.