61998C0049

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 13 de Julho de 2000. - Finalarte Sociedade de Construção Civil Ldª (C-49/98), Portugaia Construções Ldª (C-70/98) e Engil Sociedade de Construção Civil SA (C-71/98) contra Urlaubs- und Lohnausgleichskasse der Bauwirtschaft e Urlaubs- und Lohnausgleichskasse der Bauwirtschaft contra Amilcar Oliveira Rocha (C-50/98), Tudor Stone Ltd (C-52/98), Tecnamb-Tecnologia do Ambiante Ldª (C-53/98), Turiprata Construções Civil Ldª (C-54/98), Duarte dos Santos Sousa (C-68/98) e Santos & Kewitz Construções Ldª (C-69/98). - Pedidos de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Wiesbaden - Alemanha. - Livre prestação de serviços - Destacamento temporário para cumprimento de um contrato - Férias pagas e subsídio de férias. - Processos apensos C-49/98, C-50/98, C-52/98 a C-54/98 e C-68/98 a C-71/98.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-07831


Conclusões do Advogado-Geral


1. Os presentes processos levantam de novo um problema já por várias vezes submetido à atenção do Tribunal de Justiça: o da interpretação do direito comunitário em relação com o destacamento temporário de trabalhadores nacionais da União Europeia por empresas estabelecidas num Estado-Membro (a seguir «Estado de origem») para o território de um outro Estado-Membro (a seguir «Estado de acolhimento»), no quadro de uma prestação de serviços transnacional.

A regulamentação alemã em matéria de férias pagas e os factos que deram origem ao processo principal

2. O regime alemão de férias pagas dos trabalhadores da indústria da construção civil, que faz parte integrante das suas condições de trabalho e de emprego, é regulamentado pela Mindesturlaubsgesetz für Arbeitnehmer - Bundesurlaubsgesetz (lei sobre o período mínimo de férias dos trabalhadores, a seguir «BUrlG») e pela Bundesrahmentarifvertrag für das Baugewerbe (convenção colectiva que estabelece o quadro geral para a indústria da construção civil, a seguir «BRTV»). Ele funciona graças a um sistema de caixas de férias pagas regulamentado no essencial pela Verfahrenstarifvertrag (convenção colectiva que regula o sistema das caixas de segurança social, a seguir «VTV»). As convenções colectivas supracitadas foram declaradas de aplicação geral, no conjunto do sector da construção civil, por um decreto do Governo alemão.

3. O Arbeitsgericht Wiesbaden (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») explica que a BUrlG impõe, em princípio, um prazo de seis meses durante o qual um trabalhador deve ter estado ao serviço da sua entidade patronal antes de poder invocar pela primeira vez o seu direito a férias anuais completas. Todavia, o sector da construção civil apresenta uma particularidade que torna necessário uma regulamentação derrogatória do regime de férias pagas anuais. Efectivamente, este sector caracteriza-se por o lugar de trabalho mudar muitas vezes, com a consequência de os trabalhadores mudarem frequentemente de entidade patronal, e por «existirem com muita frequência relações laborais de duração determinada inferior a um ano». Nestas condições, muitas vezes, o prazo legal não se esgota, de forma que o trabalhador só tem direito a alguns dias de férias, ou mesmo não tem direito a quaisquer férias. A isto acresce que, na maioria dos casos, os trabalhadores não beneficiam das suas férias na forma de tempo livre, pelo facto da cessação do contrato de trabalho, devendo contentar-se com uma compensação financeira correspondente ao direito a férias adquirido.

4. A BUrlG permite que as convenções colectivas de trabalho prevejam disposições derrogatórias na medida necessária para permitir aos trabalhadores da construção civil conservar o seu direito a férias anuais contínuas, apesar das mudanças frequentes de entidade patronal.

5. É nesta base e com este objectivo que a BRTV criou uma regulamentação que prevê que os diferentes contratos de trabalho que o trabalhador teve no decurso do ano de referência, isto é, normalmente, o ano civil, devem ser tratados como se fossem um único contrato de trabalho e que permite ao trabalhador, graças a esta ficção, totalizar os direitos a férias que adquiriu junto das diferentes entidades patronais durante o ano de referência, e de invocar a totalidade destes direitos junto da sua entidade patronal actual, independentemente da duração do contrato de trabalho com esta.

6. Este sistema teria, normalmente, por consequência acarretar um pesado encargo financeiro para esta última entidade patronal, visto que ela seria obrigada a pagar ao trabalhador os subsídios de férias, mesmo relativamente aos dias de férias adquiridos em entidades patronais precedentes. É com o objectivo de minorar este risco e de garantir uma repartição equitativa dos encargos financeiros entre as entidades patronais competentes que os parceiros sociais alemães decidiram criar caixas de férias pagas.

7. As entidades patronais alemãs descontam 14,45% da massa salarial bruta da sua empresa para a caixa de férias pagas e adquirem, em contrapartida, direitos de reembolso total ou parcial das prestações que pagaram aos trabalhadores (subsídios de férias, prémios de férias suplementares ou ainda montantes fixos em percentagem para as cotizações de seguros sociais que a entidade patronal deve suportar).

8. As entidades patronais devem comunicar todos os meses certas informações à Urlaubs- und Lohnausgleichskasse der Bauwirtschaft (caixa de férias pagas do sector da construção civil, a seguir «Ulak») a fim de permitir a esta determinar a massa salarial bruta mensal da empresa e de calcular o montante das cotizações devidas.

9. O Ministro Federal do Trabalho e dos Assuntos Sociais adoptou um decreto que declarou a BRTV e a VTV de aplicação geral aos empregadores e trabalhadores que não sejam parte nas convenções colectivas quando estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação sectorial, territorial e pessoal das referidas convenções.

10. Através da lei relativa ao destacamento dos trabalhadores, de 26 de Fevereiro de 1996 (a seguir «AEntG»), as disposições das convenções colectivas da indústria da construção civil relativas aos direitos a férias pagas, supracitadas, foram tornadas aplicáveis, com efeitos a contar de 1 de Março de 1996 e em determinadas condições, aos contratos de trabalho existentes entre as empresas cuja sede social está situada num Estado-Membro diferente da República Federal da Alemanha (a seguir «prestadores de serviços estrangeiros») e os trabalhadores que elas enviam, por uma duração determinada, para um estaleiro situado na Alemanha, para a execução de trabalhos de construção civil (a seguir «trabalhadores destacados»).

11. Para este efeito, o § 8 da BRTV, relativo aos direitos de férias dos trabalhadores da indústria da construção civil, foi alterado e a VTV foi completada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1997 , por uma secção 3 intitulada «Regime de férias para as entidades patronais estabelecidas fora da Alemanha e os seus trabalhadores em serviço na Alemanha» .

12. O Governo alemão refere, no entanto, nas suas alegações escritas «que o sistema de caixas de seguros sociais no sector da construção civil comporta uma grande quantidade de prestações previstas nas convenções colectivas. Além do regime de férias pagas, os parceiros sociais do sector da construção civil, tendo em conta as particularidades do sector, também confiaram às caixas de seguros sociais deste sector a gestão das seguintes prestações: a compensação salarial dos períodos de 24 a 26 de Dezembro e de 31 de Dezembro a 1 de Janeiro; o seguro de velhice complementar e a formação permanente. A AEntG diz apenas respeito à gestão da prestação de férias pagas, encargo da empresa no quadro do regime das caixas de seguros sociais, e alarga esta às empresas que têm a sua sede social no estrangeiro e aos seus trabalhadores destacados». O Governo alemão sublinha que o legislador limitou, portanto, a sua intervenção ao que constitui a própria essência das condições de trabalho pertinentes em caso de destacamento.

13. Os prestadores de serviços estrangeiros activos no sector da construção civil estão portanto, daqui para a frente, obrigados a participar no regime alemão de caixas, o que se traduz, nomeadamente, pela obrigação de pagar à Ulak 14,25% da massa salarial bruta que cabe aos trabalhadores que destacaram para o território alemão (até 30 de Junho de 1997: 14,82%) e de comunicar a esta caixa um certo número de informações.

14. Quando um trabalhador destacado quer gozar o seu direito a férias pagas, o prestador de serviços estrangeiro deve informar desse facto a Ulak. Esta paga então directamente ao trabalhador o montante dos subsídios de férias a que ele tem direito . Ao contrário da entidade patronal estabelecida na Alemanha, o prestador de serviços estrangeiro não tem, portanto, necessidade de adiantar ao trabalhador os subsídios de férias que lhe são devidos. Por conseguinte, também não tem direito a um reembolso por parte da Ulak.

15. O mesmo procedimento aplica-se, nos termos do § 66 da VTV, quando se trata de pagar uma indemnização compensatória de férias, no caso em que o trabalhador destacado regressa ao seu país, sem gozar as férias adquiridas na Alemanha .

16. A obrigação de fornecer informações, imposta aos prestadores de serviços estabelecidos fora da Alemanha, parece ser mais importante que a imposta às empresas alemãs.

17. No ano de 1997, as sociedades de direito português Santos & Kewitz Construções L.da (a seguir «Santos»), Tecnamb-Tecnologia do Ambiente L.da (a seguir «Tecnamb»), Finalarte Sociedade de Construção Civil L.da (a seguir «Finalarte»), Portugaia Construções L.da (a seguir «Portugaia»), Engil Sociedade de Construção Civil SA (a seguir «Engil»), Amílcar Oliveira Rocha (a seguir «Amílcar»), Turiprata Construções L.da (a seguir «Turiprata»), Duarte dos Santos Sousa (a seguir «Duarte»), assim como a sociedade de direito inglês Tudor Stone Ltd (a seguir «Tudor») destacaram, no quadro da livre prestação de serviços, temporariamente operários assalariados para a Alemanha para a execução de obras de construção civil.

18. As sociedades sustentam que o direito comunitário se opõe a que lhes seja aplicado o regime de caixas de férias pagas e, mais especialmente, a obrigação de cotizar e de fornecer informações à Ulak.

19. Enquanto as sociedades Finalarte, Portugaia e Engil intentaram uma acção de simples apreciação no Arbeitsgericht Wiesbaden requerendo que se declare que não estão sujeitas às obrigações que lhes são impostas pela AEntG, as outras sociedades foram demandadas neste mesmo órgão jurisdicional pela Ulak, que pediu a sua condenação por não terem cotizado nem fornecido as informações pedidas.

As questões prejudiciais

20. É com este pano de fundo que o órgão jurisdicional de reenvio colocou ao Tribunal de Justiça as quatro questões prejudiciais seguintes:

«1) Uma disposição de direito nacional como o § 1, n.° 3, primeiro período, da AEntG é contrária aos artigos 48.° , 59.° e 60.° do Tratado CE, tais como estes devem ser interpretados, na medida em que prevê que as normas jurídicas resultantes de convenções colectivas alargadas, respeitantes à cobrança de cotizações e à concessão de prestações relativas ao direito a férias dos trabalhadores por intermédio de organismos paritários das partes nas referidas convenções colectivas, e, por isso, igualmente as normas jurídicas destas mesmas convenções relativas ao regime a observar a este respeito, se apliquem a uma entidade patronal estabelecida no estrangeiro e aos seus trabalhadores destacados no âmbito de aplicação territorial das mesmas convenções?

2) O disposto no § 1, n.os 1, segundo período, e 3, primeiro período, da AEntG é contrário aos artigos 48.° , 59.° e 60.° do Tratado CE, tais como estes devem ser interpretados, na medida em que acarreta a aplicação de normas jurídicas de convenções colectivas alargadas que:

a) prevêem um período de férias superior ao período mínimo de férias anual previsto na Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho,

e/ou

b) concedem às entidades patronais estabelecidas na Alemanha o direito ao reembolso, pelos organismos paritários das partes nas convenções colectivas, dos montantes pagos a título de subsídio de férias pagas e de compensação de férias, apesar de não preverem esse direito a favor das entidades patronais estabelecidas no estrangeiro, mas, pelo contrário, conferem directamente aos trabalhadores destacados um direito perante os referidos organismos paritários,

e/ou

c) impõem às entidades patronais estabelecidas no estrangeiro - no âmbito do regime de caixas sociais que deve ser respeitado nos termos das referidas convenções colectivas - obrigações em matéria de informações a prestar aos organismos paritários cujo conteúdo ultrapassa, pela quantidade de informações a transmitir, o que é exigido às entidades patronais estabelecidas na Alemanha?

3) A regra do § 1, n.° 4, da AEntG é contrária aos artigos 48.° , 59.° e 60.° do Tratado CE, tais como estes devem ser interpretados, na medida em que prevê que, para efeitos de inclusão, enquanto empresa, no âmbito de aplicação de uma convenção colectiva alargada - que, por força do § 1, n.° 3, primeiro período, da AEntG, é também aplicável às entidades patronais estabelecidas no estrangeiro e aos seus trabalhadores destacados no respectivo âmbito de aplicação territorial -, todos os trabalhadores dessas entidades patronais que se encontrem destacados na Alemanha, e apenas eles, são considerados como constituindo uma empresa, enquanto no que se refere a entidades patronais estabelecidas na Alemanha se aplica um conceito diferente de empresa que, em determinados contextos, pode implicar uma delimitação diferente das empresas incluídas no âmbito de aplicação da convenção colectiva alargada?

4) Deve interpretar-se o artigo 3.° , n.° 1, alínea b), da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, no sentido de que, à luz dos artigos 48.° , 59.° e 60.° do Tratado CE, a directiva não prevê nem autoriza, em qualquer caso, as disposições cujos aspectos problemáticos foram referidos nas três primeiras questões?»

21. Antes de começar o exame destas questões, parece-nos indicado examinar se o artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) é efectivamente aplicável a uma situação tal como a que está em causa nos litígios nos processos principais.

Quanto à aplicabilidade do artigo 48.° do Tratado

22. É incontestável que o litígio nos processos principais diz respeito a uma situação de facto na qual uma empresa com a sua sede social num Estado-Membro destaca os seus próprios trabalhadores por um período determinado para um estaleiro situado na Alemanha, com vista a executar uma prestação de serviços transnacional. Nenhuma das partes contesta que o caso em apreço está abrangido pelo artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e pelo artigo 60.° do Tratado CE (actual artigo 50.° CE).

23. No entanto, as partes não têm uma opinião unânime no que diz respeito à questão de saber se o destacamento dos trabalhadores no quadro de uma prestação de serviços transnacional está abrangido pelo artigo 48.° do Tratado.

24. O órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições nacionais, como as que evoca nas questões prejudiciais, supondo que acarretem restrições à livre prestação de serviços, têm por este facto um efeito restritivo indirecto sobre a livre circulação dos trabalhadores, sendo certo que as possibilidades de os assalariados (potenciais) serem recrutados e destacados para o estrangeiro diminuem na medida em que uma entidade patronal se encontre impedida, em consequência do alargamento do regime das caixas de férias, de exercer uma actividade na Alemanha no quadro da livre prestação de serviços.

25. As sociedades Finalarte e Portugaia sustentam que o artigo 48.° do Tratado se aplica ao destacamento de trabalhadores. Alegam que a aplicação das disposições nacionais que submetem um prestador de serviços estrangeiro ao regime alemão das caixas de férias acarreta uma restrição à livre prestação de serviços consagrada pelo artigo 59.° do Tratado e viola ao mesmo tempo o artigo 48.° do Tratado, na medida em que impede os trabalhadores destacados de «seguir» a sua entidade patronal no Estado de acolhimento e de nele trabalhar nas condições de trabalho do Estado de origem.

26. O Governo alemão responde que a questão de saber se o destacamento de trabalhadores está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 48.° do Tratado não é pertinente para a solução do litígio principal, visto que a livre circulação dos trabalhadores constitui um direito fundamental que só pode ser invocado pelos próprios trabalhadores.

27. Sustenta, a título subsidiário, que o artigo 48.° não inclui qualquer direito de um trabalhador destacado trabalhar nas condições existentes no Estado de origem, mas consagra, em contrapartida, o princípio da igualdade de tratamento, o que significa que o trabalhador deve poder trabalhar em conformidade com as condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores nacionais.

28. A Ulak desenvolve a mesma interpretação do artigo 48.° que o Governo alemão e sublinha que o Arbeitsgericht Wiesbaden se fundamenta em meras suposições, visto que a entrada em vigor da AEntG não acarretou qualquer diminuição do número de trabalhadores destacados na Alemanha.

29. Pela nossa parte, consideramos, como a Ulak, o Governo belga e a Comissão, que a questão já foi decidida nos acórdãos Rush Portuguesa e Vander Elst . Segundo os termos do n.° 21 deste último acórdão «os trabalhadores empregados por uma empresa estabelecida num Estado-Membro e que são temporariamente enviados para outro Estado-Membro para aí prestarem um serviço não pretendem, de modo algum, aceder ao mercado do trabalho desse segundo Estado, uma vez que regressam ao seu país de origem ou de residência após o cumprimento da sua missão».

30. Por este facto, o artigo 48.° não se aplica à sua situação e não devem ser examinadas as questões colocadas tendo em vista esta disposição. Se alguns dos trabalhadores destacados quisessem deixar o serviço da empresa que os trouxe para a Alemanha para celebrarem um contrato de trabalho com uma empresa estabelecida neste Estado-Membro, o artigo 48.° dar-lhes-ia, evidentemente, esse direito. Todavia, isto não tem nada a ver com o problema das restrições eventuais à livre prestação de serviços das empresas estrangeiras que foi suscitado no quadro dos litígios pendentes no órgão jurisdicional nacional.

A primeira questão prejudicial

31. Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio quer saber, em substância, se os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem ao alargamento do âmbito de aplicação do regime de caixas de férias pagas às entidades patronais estabelecidas no estrangeiro que destacam trabalhadores para a Alemanha no quadro de uma prestação de serviços.

32. Na parte introdutória do seu despacho de reenvio, o Arbeitsgericht Wiesbaden observa que «as objecções a respeito da regulamentação em questão resultam, em primeiro lugar, do facto de resultar da exposição dos motivos da AEntG que a lei tem nomeadamente por objectivo declarado proteger as empresas do sector alemão da construção civil contra a pressão crescente da concorrência no mercado interno europeu e, portanto, contra os concorrentes estrangeiros». O órgão jurisdicional de reenvio assinala-nos que, desde o princípio das discussões sobre o projecto de uma AEntG, tinha sido indicado, em várias ocasiões, que uma tal lei visaria sobretudo lutar contra «as condições de concorrência desleal aplicadas por concorrentes europeus com mão-de-obra barata» e «o dumping salarial e social».

33. O Arbeitsgericht Wiesbaden pergunta se é legítimo afirmar que as entidades patronais estrangeiras que se aproveitam da circunstância de serem pagos no seu país salários menos elevados em razão das diferenças de nível de vida exercem uma concorrência «desleal». Considera que, na União Europeia, a abertura dos mercados, aspecto essencial do projecto de mercado interno, deve permitir a intensificação da concorrência e uma melhor partilha internacional do trabalho. A este respeito, refere-se ao artigo 3.° -A, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 4.° , n.° 1, CE) e ao artigo 102.° -A do Tratado CE (actual artigo 98.° CE). Impedir a concorrência enquanto tal não poderá, por conseguinte, constituir por si só uma razão legítima de interesse geral.

34. O advogado-geral não pode deixar passar em silêncio estas observações liminares do órgão jurisdicional de reenvio considerando-as como simples observações incidentais. Com efeito, constituem o pano de fundo das questões colocadas e parecem, igualmente, ser o reflexo de uma preocupação comum a vários órgãos jurisdicionais alemães. Dentro de pouco tempo, o Tribunal de Justiça deverá pronunciar-se sobre o processo Portugaia Construções (C-164/99), onde o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no próprio texto de uma das questões prejudiciais, se as razões imperiosas de interesse geral justificando uma restrição da livre prestação de serviços podem consistir não só na protecção social dos trabalhadores destacados, mas também na protecção da indústria nacional da construção civil e na redução do desemprego no país de acolhimento.

35. Examinemos, portanto, as questões que o órgão jurisdicional de reenvio coloca a respeito do princípio da livre concorrência. A este respeito, importa constatar, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, medidas que constituam uma restrição à livre prestação de serviços não podem ser justificadas por objectivos de natureza económica .

36. Todavia, mesmo que, quando dos debates políticos que precederam a adopção da AEntG e na exposição de motivos desta própria lei, tenham sido utilizadas expressões que podem dar a impressão que, no caso em apreço, se tratava da protecção de um sector económico contra a concorrência estrangeira, cabe-nos examinar unicamente o próprio conteúdo desta lei e dos outros textos em questão a fim de verificar se, considerada objectivamente, ela assegura, como afirma o Governo alemão, aos trabalhadores destacados uma protecção social em substância idêntica àquela de que beneficiam os trabalhadores do sector da construção civil estabelecidos na Alemanha.

37. É forçoso constatar, em primeiro lugar, que a maior parte (e provavelmente a totalidade) dos Estados-Membros puseram em vigor disposições relativas aos salários mínimos que têm por objecto assegurar aos trabalhadores condições de vida decentes, assim como disposições relativas ao período de trabalho diário, semanal e anual, que visam proteger a sua saúde garantindo-lhes períodos de repouso suficientes.

38. Estas legislações têm necessariamente como resultado impedir que certas empresas nacionais possam procurar uma vantagem concorrencial em relação às outras empresas estabelecidas no mesmo país, impondo aos seus assalariados condições de trabalho menos favoráveis.

39. Ora, nada no Tratado obriga os Estados-Membros a aceitar uma concepção diferente da concorrência quando os interesses de empresas estabelecidas em outros Estados estão em causa, e a tolerar que estas empresas possam procurar uma vantagem concorrencial sem respeitar a legislação em questão. No n.° 25 do acórdão Vander Elst, já referido, o Tribunal de Justiça reconhece, pelo contrário, que é legítimo querer «excluir riscos apreciáveis de exploração dos trabalhadores e de alteração da concorrência entre as empresas» (Colect., pp. I-3808 e I-3826).

40. Em seguida, recordaremos que a política social, incluindo as regras relativas às condições de trabalho, continua, em princípio, na competência dos Estados-Membros. Por força do artigo 118.° do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), «a Comunidade apoiará e completará a acção dos Estados-Membros nos seguintes domínios:

- melhoria, principalmente, do ambiente de trabalho, a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores;

- condições de trabalho;

- [...]»

41. Portanto, os Estados-Membros determinam livremente o nível de protecção social que pretendem assegurar aos seus trabalhadores. Este direito permanece adquirido pelos Estados-Membros, mesmo quando se verificou na Comunidade uma certa harmonização das condições de trabalho.

42. Ora, é evidente que, se os prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros se pudessem libertar da obrigação de respeitar o nível de protecção social existente num Estado-Membro de acolhimento, este seria, sem qualquer dúvida, a prazo posto em questão, porque as entidades patronais estabelecidas neste Estado-Membro reivindicariam uma baixa deste nível de protecção para poder lutar com armas iguais com as empresas prestadoras de serviços.

43. Portanto, o princípio geral é que o direito de um Estado-Membro se aplica, salvo as excepções que se deduzem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, de que se tratará mais à frente, igualmente às empresas «estrangeiras» prestadoras de serviços. Isto é confirmado pelo artigo 60.° , último parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 50.° , último parágrafo, CE), onde se pode ler que o prestador pode «exercer, a título temporário, a sua actividade no Estado onde a prestação é realizada, nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais».

44. Por outras palavras, e contrariamente ao que afirmaram algumas das sociedades que são partes no litígio principal, o Tratado não confere às empresas o direito de exercer as suas actividades noutro Estado-Membro levando com elas não só o seu pessoal e o seu material, mas igualmente a legislação do seu país de origem.

45. Além disso, convém notar que o artigo 102.° -A do Tratado, citado pelo órgão jurisdicional de reenvio, está inserido no capítulo do Tratado consagrado à política económica e não naqueles relativos às quatro liberdades fundamentais. O artigo 3.° -A do Tratado, quanto a ele, declara que «a acção dos Estados-Membros e da Comunidade implica [...] a adopção de uma política económica baseada na estreita coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros, no mercado interno e na definição de objectivos comuns, e conduzida de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência».

46. No entanto, não decorre destas disposições que o direito comunitário atribua ao princípio da livre concorrência um valor superior ao que atribui a outros princípios. O facto é que os tratados europeus prosseguem simultaneamente vários objectivos que importa conciliar entre si.

47. É certo que o Arbeitsgericht Wiesbaden tem razão em recordar que jamais alguém pensou em questionar a vantagem concorrencial que resulta dos salários mais baixos pagos em certos Estados-Membros, no que diz respeito ao custo de fabricação das mercadorias que são em seguida exportadas para outros Estados-Membros.

48. No entanto, recordemos que, no preâmbulo do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, os pais fundadores já tinham afirmado que estavam «decididos a assegurar, mediante uma acção comum, o progresso económico e social dos seus países» «fixando como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos».

49. No considerando seguinte, reconheceram «que a eliminação dos obstáculos existentes requer uma acção concertada tendo em vista garantir a estabilidade na expansão económica, o equilíbrio nas trocas comerciais e a lealdade na concorrência».

50. No artigo 117.° do Tratado, na sua versão de 1957, tinham concordado em reconhecer «a necessidade de promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, de modo a permitir a sua igualização no progresso».

51. Esta passagem foi reforçada no artigo 136.° CE, que sucedeu ao artigo 117.° do Tratado CE, por uma referência adicional à Carta Social Europeia de 1961, à Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989, ao objectivo da promoção do emprego, a uma protecção social adequada, ao diálogo social, ao desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e à luta contra as exclusões.

52. É interessante notar que, no acórdão de 4 de Abril de 1974 , citado pelo Governo alemão nas suas observações escritas relativas à inaplicabilidade, no caso em apreço, do artigo 48.° do Tratado, o Tribunal de Justiça referiu-se ao objectivo prosseguido pelo artigo 117.° para afirmar que o princípio da não discriminação (no caso concreto, em matéria de livre circulação dos trabalhadores) tem por efeito não apenas permitir em cada Estado-Membro, aos nacionais dos outros Estados-Membros um acesso igual ao emprego, «mas igualmente, em conformidade com o fim do artigo 117.° do Tratado, garantir aos cidadãos nacionais que não serão afectados pelas consequências desfavoráveis que poderiam resultar da oferta ou da aceitação, por nacionais dos outros Estados-Membros, de condições de emprego ou de remuneração menos vantajosas que aquelas que se encontram em vigor no direito nacional, sendo essa oferta ou aceitação proibidas».

53. Os Governos alemão e francês situam-se, portanto, no espírito desta jurisprudência quando afirmam que a possibilidade de numa mesma obra os trabalhadores destacados serem menos bem pagos que os do país de acolhimento e/ou de terem, sob outros aspectos, condições de trabalho menos favoráveis seria de natureza a pôr em perigo o nível de protecção social adquirido pelos trabalhadores do país em questão e talvez mesmo o seu emprego. O Governo belga adoptou, em substância, uma posição idêntica.

54. Resulta igualmente do artigo 117.° , último parágrafo, do Tratado que, ao mesmo tempo que considera que uma «harmonização dos sistemas sociais» resultará «do funcionamento do mercado comum», os autores do Tratado atribuíram um papel importante às iniciativas «voluntaristas» que tenham por objectivo a melhoria das condições de trabalho. As duas directivas mencionadas no quadro dos presentes processos, a saber, a Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (a seguir «directiva tempo de trabalho»), e a Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (a seguir «directiva destacamento»), constituem disso uma expressão.

55. No quinto considerando desta última directiva, pode-se ler:

«Que essa promoção da prestação transnacional de serviços impõe uma concorrência leal e medidas que garantam o respeito dos direitos dos trabalhadores».

56. É provavelmente por razões do tipo das expostas acima que o Tribunal de Justiça (mesmo se não o precisou) declarou, pelo seu lado, desde 1982, no acórdão Seco e Desquenne & Giral que:

«É certo que o direito comunitário não se opõe a que os Estados-Membros estendam a sua legislação ou as convenções colectivas de trabalho celebradas pelos parceiros sociais, relativas aos salários mínimos, a qualquer pessoa que efectue um trabalho assalariado, ainda que com carácter temporário, no seu território, qualquer que seja o país de estabelecimento da entidade patronal, tal como o direito comunitário não proíbe os Estados-Membros de imporem o respeito dessas normas pelos meios adequados.»

57. Como notam, por um lado, o próprio Arbeitsgericht Wiesbaden, nas suas observações relativas à segunda questão e, por outro lado, o Governo alemão, o acórdão Rush Portuguesa, já referido, confirmou, pelo menos tacitamente, que este princípio se alarga ao conjunto da legislação e das convenções colectivas de trabalho celebradas pelos parceiros sociais, visto que este acórdão retoma o texto do acórdão Seco e Desquenne & Giral, já referido, sem mencionar os salários mínimos.

58. Portanto, não há dúvidas que a República Federal da Alemanha tem igualmente o direito de impor aos prestadores de serviços estrangeiros a sua regulamentação relativa ao período de férias, assim como, pelo menos em princípio, o mecanismo da caixa de férias. As características deste mecanismo devem, no entanto, ser objecto de um exame pormenorizado, porque o artigo 60.° , n.° 3, do Tratado não implica «que qualquer legislação nacional aplicável aos nacionais desse Estado e que tenha em vista normalmente uma actividade permanente das empresas nele estabelecidas possa ser aplicada integralmente e da mesma maneira a actividades de carácter temporário exercidas por empresas estabelecidas noutros Estados-Membros» .

59. Com efeito, assim como o Tribunal de Justiça recordou nos n.os 33 a 38 do acórdão Arblade e o. :

«33 Resulta de jurisprudência constante que o artigo 59.° do Tratado exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido num outro Estado-Membro em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos (v. acórdãos de 25 de Julho de 1991, Säger, C-76/90, Colect., p. I-4221, n.° 12; de 9 de Agosto de 1994, Vander Elst, C-43/93, Colect., p. I- 3803, n.° 14; de 28 de Março de 1996, Guiot, C-272/94, Colect., p. I-1905, n.° 10; de 12 de Dezembro de 1996, Reisebüro Broede, C-3/95, Colect., p. I-6511, n.° 25, e de 9 de Julho de 1997, Parodi, C-222/95, Colect., p. I-3899, n.° 18).

34 Mesmo na ausência de harmonização na matéria, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só pode ser limitada por regulamentações justificadas por razões imperativas de interesse geral e que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado-Membro de acolhimento, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado-Membro em que está estabelecido (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Dezembro de 1981, Webb, 279/80, Recueil, p. 3305, n.° 17; de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-180/89, Colect., p. I-709, n.° 17; Comissão/Grécia, C-198/89, Colect., p. I-727, n.° 18; Säger, já referido, n.° 15; Vander Elst, já referido n.° 16, e Guiot, já referido, n.° 11).

35 A aplicação das regulamentações nacionais de um Estado-Membro aos prestadores estabelecidos noutros Estados-Membros deve ser adequada para garantir a realização do objectivo que as mesmas prosseguem e não ultrapassar o necessário para atingir esse objectivo (v., nomeadamente, acórdãos Säger, já referido, n.° 15; de 31 de Março de 1993, Kraus, C-19/92, Colect., p. I-1663, n.° 32; de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C-55/94, Colect., p. I-4165, n.° 37, e Guiot, já referido, n.os 11 e 13).

36 Entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça figura a protecção dos trabalhadores (v. acórdãos Webb, já referido, n.° 19; de 3 de Fevereiro de 1982, Seco e Desquenne & Giral, 62/81 e 63/81, Recueil, p. 223, n.° 14, e de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa, C-113/89, Colect., p. I-1417, n.° 18), em especial a protecção social dos trabalhadores do sector da construção civil (acórdão Guiot, já referido, n.° 16).

37 Em contrapartida, considerações de ordem meramente administrativa não podem justificar uma derrogação, por parte de um Estado-Membro, às regras do direito comunitário, e isto tanto mais quanto a derrogação em causa equivale à exclusão ou à restrição do exercício de uma das liberdades fundamentais do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Janeiro de 1999, Terhoeve, C-18/95, Colect., p. I-345, n.° 45).

38 Contudo, razões imperiosas de interesse geral que justifiquem as disposições materiais de uma regulamentação podem igualmente justificar medidas de controlo necessárias para o respeito das mesmas (v., neste sentido, acórdão Rush Portuguesa, já referido, n.° 18).»

60. Portanto, deve-se examinar sucessivamente se o regime da caixa de férias comporta efeitos restritivos sobre a livre prestação de serviços e, desde que o regime não seja discriminatório, se razões imperiosas ligadas ao interesse geral justificam tais restrições à livre prestação de serviços. Na afirmativa, convém, além disso, verificar se este interesse não está já garantido pelas regras do Estado-Membro no qual o prestador está estabelecido e se o mesmo resultado não pode ser obtido por regras menos restritivas (v., nomeadamente, acórdãos Säger, já referido, n.° 15; Kraus, já referido, n.° 32; Gebhard, já referido, n.° 37; Guiot, já referido, n.° 13, e Reisebüro Broede, já referido, n.° 28).

a) Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços

61. Em primeiro lugar, examinemos se o regime das caixas de férias tem efeitos restritivos sobre a livre prestação de serviços.

62. A este respeito, existem duas diferenças entre a situação que examinamos aqui, por um lado, e os processos Seco e Desquenne & Giral, Guiot e Arblade e o., já referidos, por outro lado.

63. Nestes três processos, os órgãos jurisdicionais de reenvio puderam constatar a existência, no país de origem das empresas, de obrigações de cotização que cobrem os mesmos riscos e que têm uma finalidade idêntica ou pelo menos análoga aos do regime questionado. O Tribunal de Justiça, por conseguinte, pôde tomar esta constatação como ponto de partida do seu raciocínio e concluir que a obrigação imposta pelo país de acolhimento «implica despesas e encargos administrativos e económicos para as empresas estabelecidas noutro Estado-Membro, de modo que estas últimas não se encontram em pé de igualdade, do ponto de vista da concorrência, com as entidades patronais estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento e podem assim ser dissuadidas de fornecer prestações no Estado-Membro de acolhimento» .

64. Ora, tudo leva a supor que, no caso em apreço, a obrigação de pagar cotizações a uma caixa de férias não existe nos Estados de origem das empresas em causa no litígio principal porque, senão, estas últimas não teriam certamente deixado de descrever a sua natureza e alcance no Arbeitsgericht Wiesbaden e este último ter-lhes-ia feito referência no seu despacho de reenvio. Ora, tal não aconteceu.

65. A segunda diferença, ainda mais importante, com os processos precedentes reside no facto de resultar da própria regulamentação alemã que o direito da caixa de férias ao pagamento das cotizações pelas entidades patronais é suprimido para as entidades patronais estabelecidas no estrangeiro que destacam trabalhadores para a Alemanha quando se prova que as cotizações são pagas por esses trabalhadores a uma caixa comparável no Estado de origem (§ 8, ponto 11.2, da BRTV).

66. Portanto, o sistema existente está organizado de tal modo que uma situação de dupla cotização do tipo da que está em causa nos processos Seco e Dequesnne & Giral, Guiot e Arblade e o., já referidos, não deverá poder acontecer.

67. No entanto, isto não resolve a questão de um duplo encargo eventual na ausência de um sistema de caixas no Estado-Membro de estabelecimento do prestador. As empresas que são partes no litígio principal, com efeito, alegam que já estão obrigadas a conceder aos seus assalariados férias pagas de acordo com a legislação dos respectivos países de origem. O encargo financeiro que representam os dias de férias (quer na forma de dias livres ou na forma de indemnizações por férias não gozadas) resulta, portanto, parcialmente numa duplicação com as cotizações que a entidade patronal é obrigada a pagar à caixa de férias alemã.

68. Nós dizemos «parcialmente», porque partimos da hipótese que o salário dos trabalhadores é inferior no país de origem e que o número de dias aos quais eles têm direito por força da legislação desse país é igualmente inferior. Se, em contrapartida, os salários e o direito a férias no país de origem fossem sensivelmente idênticos, ou mesmo superiores, estaríamos em presença de uma situação em que o interesse a proteger seria já, para retomar a expressão utilizada pelo Tribunal de Justiça, «garantido pelas regras do Estado-Membro no qual o prestador está estabelecido».

69. Portanto, supomos que estamos na presença de uma tal situação. A partir deste momento, tudo depende da questão de saber se a entidade patronal, submetida ao regime da caixa de férias alemã, tem direito, ou não, perante a legislação do seu país de origem, de não pagar ela própria aos seus trabalhadores destacados os dias de férias que eles gozam porque estes são pagos pela caixa de férias alemã.

70. Se não existir esta possibilidade, as cotizações a pagar à caixa alemã acumular-se-iam, portanto, com as obrigações decorrentes para a entidade patronal da legislação do seu país de origem. Neste caso, existiria uma forte restrição à livre prestação de serviços, até mesmo um obstáculo inultrapassável ao exercício desta.

71. Por conseguinte, a inscrição obrigatória na caixa só seria admissível se as cotizações fossem moduladas a fim de ter em conta os encargos que o prestador de serviços tem por força da legislação do país de origem.

72. Se, em contrapartida, como é imaginável, a entidade patronal prestadora de serviços pode permitir-se não ser ela própria a remunerar os dias de férias (gozados ou não gozados) pelo trabalhador, deixando isto inteiramente à caixa de férias, fará a economia das somas correspondentes e o encargo financeiro efectivo adicional que deve suportar será apenas igual à diferença entre os encargos que resultam do regime de férias pagas do seu país de origem, por um lado, e do regime alemão, pelo outro.

73. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar qual das duas situações se verifica em concreto.

74. Na segunda hipótese, a entidade patronal estrangeira não se encontrará mais mal tratada que as entidades patronais estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento. Para retomar a expressão utilizada no n.° 58 do acórdão Arblade e o., já referido, ficará «em pé de igualdade, do ponto de vista da concorrência», com estas últimas.

75. Mas o facto é que a entidade patronal prestadora de serviços suporta o encargo adicional supramencionado, assim como todas as formalidades administrativas que estão ligadas ao regime da caixa de férias.

76. Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constitui uma restrição à livre prestação de serviços qualquer encargo suplementar em relação ao regime do país de origem. Portanto, deve-se concluir, se quisermos continuar fiéis a esta jurisprudência, que, no caso em apreço, nos encontramos efectivamente na presença de uma restrição ou de um entrave.

b) Quanto à existência de uma discriminação

77. O órgão jurisdicional de reenvio e as partes no litígio principal sustentam que certos aspectos da regulamentação alemã seriam discriminatórios e que não seriam, portanto, admissíveis a não ser nas condições especiais dos artigos 55.° do Tratado CE (actual artigo 45.° CE), 56.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 46.° CE) e 66.° do Tratado CE (actual artigo 55.° CE), condições que não parecem estar preenchidas no caso em apreço.

78. Teremos que voltar a esta questão à medida em que vamos examinando as questões prejudiciais.

79. No entanto, notemos aqui que, com reserva do que diremos a propósito da terceira questão, estamos em presença de uma legislação indistintamente aplicável às empresas estabelecidas na Alemanha e às empresas estabelecidas noutros Estados-Membros.

80. É certo que pôde nascer uma certa confusão do facto de a República Federal da Alemanha ter adoptado um complemento à sua legislação para ter em conta o facto de as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros não se encontrarem, pela força das coisas, exactamente na mesma situação das empresas estabelecidas no país de acolhimento. Mas, como o Tribunal de Justiça declarou no n.° 17 do acórdão Webb, já referido, «tendo em conta a natureza particular de certas prestações de serviços, não se podem considerar incompatíveis com o Tratado certas exigências específicas impostas ao prestador de serviços, que sejam motivadas pela aplicação de regras que regulem esses tipos de actividade».

c) Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

81. Todos os intervenientes estão de acordo em considerar que, no presente contexto, a única razão imperiosa de interesse geral que pode entrar em linha de conta é a «protecção social dos trabalhadores do sector da construção civil» consagrada nos acórdãos Guiot e Arblade e o., já referidos.

82. Em nossa opinião, resulta já da descrição do regime da caixa de férias pelo órgão jurisdicional de reenvio que, segundo a opinião deste, o regime alemão protege eficazmente os direitos a férias dos trabalhadores das empresas estabelecidas na Alemanha. Portanto, não aprofundaremos este aspecto da questão.

83. Quanto à protecção adicional que o regime é susceptível de dar aos trabalhadores destacados, podem ser consideradas quatro hipóteses distintas.

Primeira hipótese: O trabalhador estrangeiro goza, antes do fim das obras executadas pela sua empresa na Alemanha, os dias de férias aos quais já tem direito

84. Recordemos que partimos da hipótese que, devido à legislação alemã, o trabalhador terá direito a mais dias de férias e a um subsídio por dia superior ao que resulta da legislação do seu país de origem. Este subsídio ser-lhe-á pago pela caixa de férias.

85. Se a entidade patronal não fosse obrigada a cotizar para esta caixa, poderia ser tentada a só lhe pagar o salário mais baixo em vigor no país de origem e a só lhe conceder um número de dias de férias inferior.

Segunda hipótese: O trabalhador estrangeiro deixa a Alemanha depois do fim das obras sem ter podido gozar férias

86. Neste caso, a caixa paga-lhe o equivalente dos dias não gozados, com base no número de dias concedido pela legislação alemã e com base no salário que recebia na Alemanha.

87. Se o regime alemão das caixas de férias for declarado incompatível com os artigos 59.° e 60.° do Tratado, a entidade patronal estrangeira não cotizará para a caixa e o trabalhador que regressa ao seu país não receberá evidentemente nada da parte desta.

88. Se ficar ao serviço da mesma entidade patronal, terá talvez dificuldade em convencer esta a conceder-lhe não o número de dias de férias previsto pela legislação do país de origem, mas o que resulta do regime alemão e a pagar-lhos com base no salário alemão.

89. Se mudar de entidade patronal depois do seu regresso ao país de origem e não tiver gozado férias na antiga entidade patronal, ficará dependente da boa vontade desta antiga entidade patronal, relativamente ao montante que receberá pelas férias não gozadas na Alemanha, supondo que a legislação do país de origem obriga as entidades patronais a pagar aos trabalhadores que deixaram o seu serviço uma indemnização pelos dias de férias que não puderam ou quiseram gozar.

90. Com efeito, pode acontecer que esta legislação não obrigue a nada disto. Nesse caso, os dias de férias que correspondem ao trabalho realizado na antiga entidade patronal, quer seja na Alemanha ou no país de estabelecimento desta, ficarão definitivamente perdidos.

91. A inscrição obrigatória das entidades patronais ao regime de caixa alemão traz, portanto, uma vantagem social suplementar ao trabalhador na hipótese em que este regressa ao seu país de origem depois do fim das obras executadas pela sua entidade patronal na Alemanha.

Terceira hipótese: O trabalhador destacado deixa a sua entidade patronal durante a sua estada na Alemanha para passar ao serviço de uma outra entidade patronal «estrangeira» que executa também obras na Alemanha

92. O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta hipótese é puramente teórica e que só a primeira e a segunda hipótese existem na realidade.

93. No entanto, o Governo alemão apresentou na audiência estatísticas das quais resulta que 22% dos trabalhadores destacados utilizariam esta possibilidade. Além disso, esta percentagem não inclui, segundo este governo, os trabalhadores destacados que passam para o serviço de uma empresa estabelecida na Alemanha que são igualmente muito numerosos (quarta hipótese examinada já a seguir).

94. Se as entidades patronais são obrigadas a pagar as cotizações para o regime de caixas sociais alemão, o trabalhador destacado receberá dessa caixa um subsídio calculado em função do número de dias de férias acumulado segundo a legislação alemã e em função do seu «salário alemão». Poderá gozar esses dias de férias ao serviço da sua nova entidade patronal «estrangeira», sem custos para esta última, a partir do momento em que terá acumulado ao serviço desta um número de dias suficiente para ultrapassar o limite mínimo a partir do qual, segundo a legislação alemã, as férias podem ser gozadas.

95. Portanto, poderá gozar férias contínuas, deste modo, durante um certo período.

96. Se a entidade patronal estrangeira não contribuiu para a caixa de férias, o trabalhador ficará dependente da boa vontade da sua antiga entidade patronal para obter desta última o pagamento dos dias de férias acumulados segundo as normas alemãs.

97. Com efeito, poderá acontecer que a antiga entidade patronal só queira pagar ao trabalhador proporcionalmente aos dias de férias a que tem direito segundo a legislação do país de origem e segundo o nível salarial aplicável nesse país.

98. O trabalhador destacado pode, portanto, encontrar-se numa situação menos favorável do que se pudesse obter directamente da caixa de férias o pagamento relativo aos dias de férias não gozados.

Quarta hipótese: O trabalhador estrangeiro deixa a sua entidade patronal estrangeira durante a sua estada na Alemanha para passar ao serviço de uma entidade patronal estabelecida na Alemanha

99. Neste caso, exerce o direito à livre circulação de trabalhadores que é garantido pelo artigo 48.° do Tratado.

100. Os direitos e obrigações da sua antiga entidade patronal continuam, no entanto, a depender dos artigos 59.° e 60.°

101. Se esta última é obrigada a cotizar para a caixa de férias, esta pagará ao trabalhador a indemnização dos dias não gozados, segundo as tabelas alemãs e ele não perderá portanto os seus direitos. Poderá então cumular os dias de férias não gozados com os que obterá depois ao serviço da sua nova entidade patronal, sem custos para esta última.

102. Pode também acontecer que a caixa, ao aplicar imediatamente o «regime interno» alemão, pague a indemnização directamente à nova entidade patronal (estabelecida na Alemanha) visto que o trabalhador gozou férias nesta última. Trata-se de um pormenor prático que não foi discutido durante o processo no Tribunal de Justiça, mas que não implica uma diferença quanto à protecção social do trabalhador.

103. Se a entidade patronal «estrangeira» não fosse obrigada a cotizar para a caixa, o trabalhador ficaria de novo dependente da boa vontade desta última ou da possibilidade de obter contra ela uma decisão judicial.

104. Nesta hipótese, a protecção social do trabalhador também é, portanto, menos bem garantida que no caso do regime da caixa de férias.

105. Em resumo, o sistema da caixa de férias concede portanto ao trabalhador destacado, na maior parte das hipóteses, e principalmente no caso de mudança de entidade patronal, uma protecção social adicional.

106. Este sistema é igualmente apropriado para garantir, não só aos trabalhadores assalariados das empresas estabelecidas na Alemanha, mas igualmente aos trabalhadores destacados, a realização do objectivo que prossegue, a saber, a salvaguarda dos direitos de férias acumulados ao serviço de uma primeira entidade patronal e o gozo de férias contínuas durante um certo período na nova entidade patronal.

107. Portanto, o sistema da caixa de férias é justificado por uma razão imperiosa de interesse geral.

d) Quanto à salvaguarda do interesse geral posto em causa pelas regras do Estado de estabelecimento do prestador de serviços

108. Já abordámos incidentalmente este aspecto da questão quando do exame das quatro hipóteses, mas é necessário voltar a este assunto mais pormenorizadamente.

109. As sociedades portuguesas que são partes no litígio principal alegam que a legislação do seu país de origem concede aos trabalhadores dias de férias não só em conformidade com o mínimo fixado pelo directiva tempo de trabalho, mas, ainda por cima, praticamente tão numerosos como os que resultam da regulamentação alemã.

110. O Governo alemão exprime-se sobre este assunto nos seguintes termos:

«O interesse geral ainda não é tomado em consideração pela legislação do Estado no qual o prestador de serviços tem a sua sede social. Tal seria por exemplo o caso, em contrapartida, se as disposições nacionais aplicáveis aos trabalhadores do sector da construção civil em Portugal [...] ou no Reino Unido (Estados nos quais as diferentes demandantes nos processos principais têm respectivamente a sua sede social) previssem férias pagas similares e garantissem estas por meio de um regime comparável, nomeadamente, também relativamente à duração do trabalho realizado na Alemanha.

Também, a fim de evitar um cúmulo de encargos inadmissível, o § 1, terceiro parágrafo, da AEntG prevê formalmente uma excepção (em conformidade com a jurisprudência do acórdão Guiot), quando a empresa estrangeira também é obrigada a cotizar para uma instituição comparável do Estado em que tem a sua sede social. Com base nesta disposição, a caixa de pagamento de férias celebrou convenções liberatórias, entre outras, com as instituições equivalentes em França, Áustria e Países Baixos; outras convenções estão a ser preparadas.

Para os fins do caso em apreço, basta constatar que não existe nem em Portugal nem no Reino Unido uma instituição equivalente à caixa de pagamento de férias alemã [...] Além disso, o § 1, n.° 3, primeiro período, n.° 2, da AEntG prevê que sejam tomadas em conta as prestações que uma empresa, com a sua sede social no estrangeiro, já pagou a título de férias pagas, antes do destacamento, aos trabalhadores que destacou para o estrangeiro. Esta disposição interessa as empresas que ainda não estão isentas globalmente da participação nas caixas de pagamento de férias alemãs por força do § 1, n.° 3, primeiro período, n.° 1, da AEntG.»

111. Conforme como já assinalámos inicialmente, pode portanto considerar-se adquirido que a legislação alemã exclui que uma entidade patronal seja submetida ao regime de caixas na Alemanha se um tal regime já existe no país de partida.

112. No entanto, poderá acontecer que o trabalhador beneficie, por força da legislação do seu país de origem, de vantagens essencialmente idênticas sem a intervenção de uma caixa de férias.

113. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se tal é o caso. Deverá também, a este respeito, proceder a um exame que a Comissão resumiu da seguinte maneira:

«A participação obrigatória no regime das caixas de férias constituiria uma restrição inadmissível à livre prestação de serviços se estivesse garantido que as entidades patronais que destacam os seus trabalhadores concedem a estes últimos o mesmo número de dias de férias pagas que está previsto pelas regras alemãs das convenções colectivas. Além disso, seria necessário garantir o pagamento de um subsídio de férias pagas correspondente ao que é previsto pelas convenções colectivas alemãs. De resto, seria necessário que o trabalhador estivesse seguro, em caso de mudança de entidade patronal durante o destacamento, que conserva o seu direito a férias. Por fim, seria necessário garantir ao trabalhador um direito a um subsídio de férias em conformidade com o § 8, n.° 9, da BRTV-Bau, quando ele não gozou as suas férias na Alemanha durante o destacamento e os direitos a férias em relação à sua entidade patronal estão esgotados.

A forma de ajustar juridicamente os regulamentos correspondentes é indiferente. Importa apenas saber se existe uma garantia jurídica aplicável que assegure uma protecção idêntica (ou superior) ao trabalhador.»

114. Em especial, parece-nos pouco provável que o trabalhador destacado que muda de entidade patronal na Alemanha, seja para passar ao serviço de uma outra entidade patronal «estrangeira», seja para passar ao serviço de uma entidade patronal estabelecida na Alemanha, possa obter, por força da regulamentação do seu país de origem, a indemnização dos dias de férias não gozadas na entidade patronal com a qual veio para a Alemanha, em proporção ao número de dias de férias que lhe são devidos em virtude da legislação alemã, e ao nível que resulta da legislação alemã.

115. Sem querer antecipar as conclusões a que chegará o órgão jurisdicional nacional, consideramos, portanto, que é a priori muito duvidoso que o interesse geral prosseguido pela regulamentação alemã possa ser garantido pelas regras aplicáveis no Estado de estabelecimento do prestador de serviços.

e) Quanto à possibilidade de atingir o mesmo resultado com regras menos restritivas

116. Esta questão constitui, em nossa opinião, um aspecto particularmente delicado do problema.

117. No quadro das quatro hipóteses apresentadas acima, expusemos as vantagens incontestáveis que o regime traz ao trabalhador destacado.

118. É certo que se pode imaginar uma solução que consista em que a legislação alemã imponha à entidade patronal estrangeira o pagamento directo ao trabalhador dos dias de férias que este goza durante a sua estadia na Alemanha, segundo as normas alemãs, ou de o indemnizar, segundo as mesmas normas, quando deixa o seu serviço sem ter gozado os dias de férias para passar para outra entidade patronal na Alemanha.

119. Para a entidade patronal, o encargo financeiro seria mais pequeno, porque não teria necessidade de pagar à caixa de férias uma cotização que engloba, verosimilmente, as despesas de funcionamento desta caixa. Seria igualmente dispensada da obrigação de fornecer à caixa de férias as informações bastante pormenorizadas que o órgão jurisdicional de reenvio assinala na sua segunda questão.

120. Para o trabalhador, o resultado seria o mesmo no plano estritamente financeiro. Todavia, não poderia proceder à totalização dos dias de férias que o sistema de caixa de férias permite. Para mais, em caso de não inscrição da entidade patronal na caixa, o trabalhador estaria mais exposto a uma falta de cumprimento por parte da entidade patronal.

121. Por fim, falta a hipótese do trabalhador que deixa a Alemanha com a sua entidade patronal sem ter gozado férias. Como é que se poderia garantir, sem a intervenção de uma caixa de férias, que este trabalhador possa ser indemnizado segundo as normas alemãs?

122. O Governo alemão insiste muito sobre este ponto. Expõe que o caso em que o trabalhador só invoca os seus direitos a férias depois do seu regresso ao país é o mais frequente. Segundo este governo, «Na falta de garantias [estes trabalhadores] experimentarão nitidamente mais dificuldades que os trabalhadores nacionais em invocar, perante a empresa, os direitos a férias que adquiriram no estrangeiro. O facto de os sindicatos do Estado a que pertencem e as autoridades deste Estado terem um conhecimento insuficiente da língua do Estado de destacamento e das disposições jurídicas deste Estado tem para eles consequências negativas. A isto acresce a dureza da concorrência no sector da construção civil, a qual naturalmente tem uma incidência negativa sobre a propensão das empresas para aceitarem, para os seus trabalhadores, férias pagas (de maior duração) adquiridas no âmbito de uma legislação estrangeira e, por conseguinte, menos bem conhecida. Nos seus acórdãos Seco, Rush Portuguesa e Vander Elst [...] o Tribunal de Justiça também admitiu formalmente a competência dos Estados-Membros para imporem o respeito da sua legislação pelos meios apropriados».

123. Não encontrámos no processo contra-argumentos convincentes para estas observações. As partes nos litígios principais contentam-se em insistir sobre os encargos que o sistema alemão impõe. Os Governos neerlandês e sueco fazem o mesmo, sublinhando que a sua própria legislação concede ao trabalhador destacado direito a férias suficientes.

124. Pelo contrário, os Governos belga e francês consideram que o regime alemão é o melhor para garantir eficazmente os direitos dos trabalhadores.

125. A Comissão encara unicamente a hipótese em que os direitos dos trabalhadores poderiam ser salvaguardados de modo idêntico no Estado de origem, mas não apresenta solução alternativa menos restritiva que a República Federal da Alemanha possa aplicar.

126. Consideramos, portanto, que se deve responder à primeira questão da seguinte maneira:

127. A não ser que uma protecção idêntica ou superior esteja garantida ao trabalhador no país de origem, os artigos 59.° e 60.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que não se opõem, em princípio, à aplicação, a uma entidade patronal estrangeira e aos seus assalariados destacados, de um regime como o que resulta do § 1, n.° 3, primeiro período, da AEntG, desde que sejam devidamente tomados em conta os encargos a que a entidade patronal não pode escapar segundo a legislação do seu país de origem. O artigo 48.° do Tratado não se aplica ao destacamento de trabalhadores por uma entidade patronal estabelecida noutro Estado-Membro.

A segunda questão prejudicial

128. Esta questão está subdividida em três pontos.

a) Quando à duração das férias pagas

129. No âmbito do primeiro ponto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem às disposições nacionais que estabelecem para os trabalhadores da construção civil um período de férias superior à duração mínima das férias anuais prevista na directiva tempo de trabalho.

130. Resulta expressamente do artigo 1.° desta directiva que ela fixa prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho e aplica-se especialmente aos períodos mínimos de férias anuais.

131. O artigo 7.° da directiva tempo de trabalho prevê que:

«1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2. O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

132. No artigo 15.° , sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», a directiva tempo de trabalho prevê:

«A presente directiva não impede os Estados-Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores.»

133. Esta directiva devia ser transposta o mais tardar em 23 de Novembro de 1996.

134. Resulta do despacho do órgão jurisdicional de reenvio que, na Alemanha, os trabalhadores ocupados no sector da indústria da construção civil têm direito, por cada ano civil, a um período de férias de 30 dias úteis, ou sejam 36 dias efectivos . Este direito a férias é portanto superior ao prescrito pela directiva tempo de trabalho.

135. O órgão jurisdicional de reenvio considera que «o alargamento do sistema de férias [...] não parece em princípio ser necessário para garantir o objectivo de interesse geral constituído pela protecção social dos trabalhadores».

136. Em sua opinião, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o direito comunitário não proíbe que os Estados-Membros alarguem o âmbito de aplicação da sua legislação, ou das convenções colectivas de trabalho celebradas pelos parceiros sociais, a qualquer pessoa que forneça um serviço no seu território só diz respeito aos salários mínimos. Em contrapartida, as férias constituem, segundo o Tribunal de Justiça, uma dispensa da obrigação de trabalhar de modo que apenas o subsídio de férias pode ser considerado como elemento da remuneração.

137. O órgão jurisdicional de reenvio considera também que a disposição alemã da AEntG não é necessária, porque o interesse geral já está salvaguardado pelas disposições dos países de origem, desde o instante em que a directiva tempo de trabalho foi transposta.

Alegações escritas apresentadas

138. As sociedades Finalarte, Engil, Portugaia, Tecnamb e Tudor assumem, em substância, a mesma posição que o órgão jurisdicional de reenvio.

139. Na opinião do Governo belga, deve-se aplicar a jurisprudência Rush Portuguesa, nos termos da qual o direito comunitário não se opõe a que os Estados-Membros tornem a sua legislação ou as suas convenções colectivas de trabalho extensivas a toda e qualquer pessoa que preste serviços no seu território. Considera que este princípio é igualmente extensivo às disposições nacionais relativas à duração mínima das férias remuneradas e que o facto de a directiva tempo de trabalho prever uma duração inferior à prescrita pela BRTV não muda nada. O Governo belga sublinha, tal como o Governo alemão, que a directiva tempo de trabalho só prevê, com efeito, prescrições mínimas.

140. O Governo neerlandês admite que, por força do artigo 7.° da directiva tempo de trabalho, lido em conjugação com o artigo 3.° , n.os 1 e 6, da directiva destacamento, o trabalhador destacado tem direito ao número de dias de férias remuneradas previstos no Estado de proveniência, «completado eventualmente» até à concorrência da duração das férias remuneradas previstas no Estado onde as obras são efectuadas.

141. A Ulak recorda os termos do artigo 15.° da directiva tempo de trabalho e precisa que, no sector da construção civil, a concessão de férias pagas mais longas se justifica pelos esforços físicos especiais a que os trabalhadores estão expostos.

142. A Comissão considera que os Estados-Membros podem alargar o âmbito de aplicação da sua regulamentação em matéria de férias às entidades patronais estabelecidas no estrangeiro e aos seus trabalhadores destacados, mesmo quando esta prevê uma duração mínima das férias anuais superior à duração mínima prescrita pela directiva. Isto já decorre do artigo 60.° , terceiro parágrafo, do Tratado, segundo o qual a livre prestação de serviços pode ser efectuada nas condições prescritas pelo Estado de acolhimento para os seus próprios nacionais, e está igualmente em conformidade com a directiva destacamento.

143. A directiva tempo de trabalho só contém prescrições mínimas que, nos termos do artigo 15.° , podem ser ultrapassadas pelos Estados-Membros e pelos parceiros sociais, e isto mesmo no âmbito do contrato de trabalho individual.

144. A extensão de uma duração das férias superior é igualmente justificada por uma razão imperativa de interesse geral, a saber, a protecção dos trabalhadores. O mesmo resultado, a saber, uma duração mínima das férias anuais de 30 dias úteis, não pode ser obtido com regras menos restritivas.

145. Cabe a cada Estado-Membro decidir por si mesmo - respeitando todas as disposições do direito comunitário - o que é necessário no interesse geral.

146. No caso presente, as autoridades competentes ratificaram a decisão dos parceiros sociais que fixou a duração das férias anuais no sector da construção civil em 30 dias úteis e definiu assim o quadro do que consideram necessário por razões ligadas à protecção dos trabalhadores deste sector.

Apreciação

147. Apesar de estarmos de acordo com as posições dos Governos belga e neerlandês, da Ulak e da Comissão, queremos igualmente recordar as considerações relativas ao artigo 118.° do Tratado e ao direito dos Estados-Membros de definir o nível de protecção social que desejam garantir feitas no início do exame da primeira questão prejudicial.

148. Este direito permanece adquirido mesmo quando se verificou na Comunidade uma harmonização mínima das condições de trabalho.

149. O artigo 15.° da directiva tempo de trabalho só vem confirmar este direito que resulta directamente do Tratado.

150. Por outro lado, o direito dos Estados-Membros de imporem às empresas «estrangeiras» e aos seus trabalhadores destacados a duração das férias fixada pela sua legislação foi transformado num dever pela directiva destacamento.

151. Voltaremos a este assunto no quadro da quarta questão, mas podemos notar, desde já, que, uma vez que o Tratado autoriza a República Federal da Alemanha a agir como o fez (isto é, obrigar as empresas estrangeiras a respeitar a duração das férias que resulta das convenções colectivas), não tem importância, para os litígios principais, que, além disso, esta atitude lhe tenha sido imposta por esta directiva.

152. Consideramos, em consequência, que os artigos 59.° e 60.° do Tratado não se opõem a que um Estado-Membro imponha, por meio de uma disposição nacional como o § 1, n.° 1, segundo período, da AEntG, a uma empresa estabelecida noutro Estado-Membro e que executa, temporariamente, obras no seu território, a aplicação de normas jurídicas de convenções colectivas que prevêem uma duração de férias superior à duração mínima das férias anuais prescrita pela directiva tempo de trabalho.

b) Quanto ao modo de pagamento dos subsídios de férias

153. No quadro da alínea b) da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a um regime que concede às entidades patronais estabelecidas na Alemanha o direito ao reembolso dos montantes pagos pela caixa a título de subsídio de férias pagas e de compensação de férias, apesar de não prever esse direito a favor dos empresários estabelecidos no estrangeiro, atribuindo, em vez disso, aos trabalhadores destacados um direito directo perante os respectivos organismos paritários.

154. O órgão jurisdicional de reenvio faz sobre esta questão os comentários seguintes: «Entre o sistema de férias com as caixas sociais, aplicável aos empresários nacionais e o aplicável aos empresários estrangeiros existe a diferença de princípio de que o empresário nacional satisfaz por si próprio o direito a férias dos trabalhadores e reclama da Urlaubskasse o reembolso da retribuição paga por férias. Ao invés, as disposições da convenção colectiva relativa aos trabalhadores destacados no estrangeiro, antes descritas, impedem que os empresários estrangeiros recebam directamente prestações da Urlaubskasse. Isto é consequência de se reconhecerem aos trabalhadores destacados direitos directamente invocáveis perante a Urlaubskasse. O pagamento destes direitos pela Urlaubskasse exige como premissa o cumprimento das obrigações de informação complementares acima descritas. No entanto, não existe qualquer razão objectiva para se negar, aos empresários estrangeiros, direitos directamente exigíveis perante a Urlaubskasse, com a consequente exigência de mais informação, negando-se-lhes assim, ao contrário dos empresários nacionais, a confiança de que gerirão correctamente os direitos a férias dos seus trabalhadores. Há aqui uma discriminação (directa) baseada no domicílio nacional do empresário, que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas se pode admitir quando se verifiquem os requisitos especiais dos artigos 55.° , 56.° e 66.° do Tratado CE. Ora, no caso em apreço, não parece que se verifiquem esses requisitos.»

Alegações escritas apresentadas

155. As empresas que são partes nos litígios principais adoptam uma posição análoga à do órgão jurisdicional de reenvio. Sublinham também que a caixa de férias só paga os subsídios aos trabalhadores dois ou três meses depois de ter recebido o pedido.

156. Por fim, estas empresas desenvolvem ainda certos argumentos relativos às cotizações de segurança social e aos montantes dos impostos que seriam deduzidos dos subsídios de férias. Também argumentam com o facto de, contrariamente ao que está previsto para os trabalhadores que exercem a sua actividade para uma entidade patronal estabelecida na Alemanha, não estar prevista na convenção colectiva a entrega de uma ficha de comprovação salarial permanente para os trabalhadores destacados no estrangeiro. O § 68 da VTV prevê, em lugar disto, uma certidão emitida pela caixa de férias pagas que contém os dados essenciais relativos ao trabalhador destacado para que ele possa beneficiar do subsídio de férias.

157. Todavia, como o órgão jurisdicional de reenvio não aborda estes aspectos nos seus comentários relativos à alínea b) da segunda questão, consideramos que devemos limitarmo-nos à questão de saber se o sistema em causa é incompatível com o direito comunitário devido apenas ao facto de as entidades patronais estrangeiras não beneficiarem directamente das prestações por parte da caixa de férias pagas.

158. O Governo alemão e a Ulak contestam que isto torne o sistema incompatível com o direito comunitário. Sublinham que a empresa estabelecida na Alemanha deve financiar previamente as férias de que beneficiam os seus assalariados, enquanto a empresa estrangeira escapa a esta obrigação.

159. A empresa estrangeira fica, deste modo, dispensada de calcular e pagar ela própria o subsídio com base num sistema de férias que não lhe é familiar.

160. Isto garante ao assalariado que os seus direitos a férias remuneradas serão calculados e pagos de maneira correcta. O tratamento diferente aplicado às empresas estrangeiras não constitui, portanto, uma discriminação contra elas, representando antes uma vantagem financeira e uma facilidade do ponto de vista administrativo.

161. Outros Estados-Membros, nos quais existem sistemas de caixas de pagamento de seguro social de natureza comparável (Reino da Bélgica, República Francesa, República Italiana, Reino dos Países Baixos, e República da Áustria), aplicam geralmente também o sistema de pagamento directo dos direitos do assalariado pelas caixas de seguro social. De resto, a República Federal da Alemanha projecta igualmente abandonar outros procedimentos tradicionalmente aplicados aos assalariados nacionais e substituí-los por um sistema de pagamento directo.

162. Apesar da obrigação das empresas estrangeiras de fornecerem informações complementares para permitir o cálculo dos subsídios pela caixa, não é, por isso, segundo o Governo alemão, permitido concluir que existe discriminação. Por conseguinte, a segunda questão deve receber igualmente uma resposta negativa relativamente ao aspecto evocado na alínea b).

163. Nas suas alegações escritas, a Comissão tinha adoptado a atitude oposta, mas durante a audiência matizou consideravelmente a sua posição.

164. A Comissão considera que, à primeira vista, poder-se-ia estimar que se está perante uma discriminação manifesta mas que, por outro lado, certos elementos vêm em apoio da argumentação da Ulak e do Governo alemão, segundo a qual este modo de proceder não constitui uma desvantagem nem para o trabalhador estrangeiro destacado nem para a entidade patronal estrangeira, mas, pelo contrário, esta última seria favorecida em relação às empresas estabelecidas na Alemanha.

165. A Comissão considera, por conseguinte, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este regime constitui no fim de contas uma vantagem ou uma desvantagem para a entidade patronal que destaca trabalhadores e se o trabalhador pode realmente obter o pagamento das suas férias. O órgão jurisdicional de reenvio deverá também ter em conta as declarações da Finalarte segundo as quais, finalmente, existiriam consequências negativas no plano fiscal e os prestadores de serviços estrangeiros seriam atingidos de forma mais onerosa.

166. Em conclusão, a Comissão não se oporia a uma interpretação que declarasse uma diferença de tratamento deste tipo compatível com o Tratado.

167. O Governo francês adopta a mesma atitude, sublinhando que é perfeitamente concebível que um só e mesmo objectivo deva ser realizado por meios diferentes devido a circunstâncias particulares, e que não seja possível fazer de modo diferente.

Apreciação

168. Pela nossa parte, consideramos igualmente que, sem prejuízo da análise complementar a que deverá proceder o órgão jurisdicional de reenvio quanto a todos os aspectos do regime aplicável, não se pode dizer que, em princípio, os artigos 59.° e seguintes do Tratado se opõem ao pagamento directo dos subsídios de férias aos trabalhadores destacados.

169. Com efeito, não estamos convencidos que um sistema de caixa de férias, que só pode ser considerado compatível com o Tratado se comportar uma protecção social acrescida para o trabalhador destacado, deva ser condenado porque traz precisamente esta vantagem directamente ao trabalhador, sem passar pela entidade patronal. Também não se deve menosprezar o facto de o trabalhador se encontrar assim mais bem protegido contra a eventualidade de falência da sua entidade patronal ou contra o não pagamento do subsídio de férias por a entidade patronal ter acabado a sua prestação na Alemanha e regressado ao seu país de origem, enquanto que o trabalhador desejava ficar na Alemanha para trabalhar numa outra entidade patronal estrangeira ou alemã.

170. Se examinarmos o problema do ponto de vista da entidade patronal «estrangeira», constatamos que, mesmo que esta deva dar certas informações complementares à caixa, está dispensada do cálculo dos subsídios e pode limitar-se a pagar as cotizações para a caixa de férias, enquanto a entidade patronal nacional deve ao mesmo tempo pagar esta cotização e adiantar o subsídio de férias ao seu assalariado.

171. Portanto, propomos que se responda à alínea b) da segunda questão prejudicial que um regime de caixa de férias pagas que prevê que o subsídio de férias seja pago directamente ao trabalhador destacado, enquanto para as empresas estabelecidas no Estado de acolhimento é pago à entidade patronal não é, por este único facto, incompatível com os artigos 59.° e seguintes do Tratado.

c) Quanto às informações a prestar

172. O Arbeitsgericht Wiesbaden pergunta, em terceiro lugar, se os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a que, em matéria de informações a prestar aos organismos paritários, sejam impostas obrigações às entidades patronais estrangeiras que ultrapassem, pela quantidade de informações a prestar, o que é pedido às entidades patronais estabelecidas na Alemanha.

173. Resulta do despacho de reenvio que o prestador de serviços estrangeiro deve comunicar, num formulário fornecido pela Ulak, antes de um novo trabalhador destacado começar a trabalhar, os seguintes dados:

1) Apelidos e nome, data de nascimento e endereço no país de origem do trabalhador destacado, bem como o seu número de matrícula registado na Urlaubskasse, no caso de já lhe ter sido atribuído.

2) Número de conta bancária do empresário no seu país de origem e na Alemanha.

3) Localização do estaleiro em que trabalhará o empregado.

4) Tipo de actividade desempenhada pelo trabalhador.

5) Data do início e duração prevista da actividade.

6) Endereço do empresário na Alemanha.

7) Instituições onde se pagarão as cotizações à segurança social relativas aos salários pagos, bem como o seu endereço e o número de inscrição com o qual o trabalhador está identificado nessas instituições.

8) Administração fiscal que gerirá o imposto sobre o rendimento do trabalhador e respectivo endereço, bem como o número de identificação fiscal do empresário e do trabalhador para efeitos do referido imposto.

174. Além disso, o § 59, n.° 3, da VTV impõe ao prestador de serviços estrangeiro a obrigação de comunicar todos os meses à caixa de férias pagas relativamente a cada trabalhador destacado os dados seguintes:

1) Apelidos, nome, data de nascimento e número de inscrição.

2) Alterações verificadas relativamente à declaração inicial antes descrita.

3) Montante do salário mensal bruto em moeda alemã.

175. Em contrapartida, nos termos do § 27, n.° 2, da VTV, só por pedido especial de uma caixa é que a entidade patronal estabelecida na Alemanha deve comunicar os nomes e moradas dos assalariados a trabalhar durante o período contabilístico e destrincar a massa salarial bruta deste período em função de cada assalariado.

176. O § 70 da VTV prevê finalmente a obrigação do prestador de serviços estrangeiro de comunicar à Ulak, «ao instituto federal do trabalho, às suas delegações e às direcções aduaneiras, qualquer informação que possa ser necessária para avaliar a regularidade da participação no sistema de caixas de férias».

177. O órgão jurisdicional de reenvio considera que «o conteúdo da informação exigida aos empresários estrangeiros ultrapassa em muito o da informação que devem prestar os empresários nacionais. O conteúdo amplo das obrigações de informação adicionais implica, especialmente para as pequenas e médias empresas, uma dificuldade acrescida na prestação dos seus serviços na Alemanha. Essas obrigações são difíceis de entender para os empresários estrangeiros e implicam um encargo importante de gestão administrativa. As obrigações de informação afectam os empresários estrangeiros devido apenas ao facto de a sua empresa estar estabelecida no estrangeiro. Também aqui existe uma discriminação (directa) baseada na localização nacional do domicílio do empresário que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas se pode admitir quando se verifiquem os requisitos especiais previstos nos artigos 55.° , 56.° e 66.° do Tratado CE. Ora, no caso concreto não parece que se verifiquem esses requisitos».

Alegações escritas apresentadas

178. O Governo alemão explica que estas formalidades diferentes são necessárias por razões de ordem prática. O controlo das empresas que têm a sua sede social no estrangeiro só se pode efectuar muito dificilmente e não o pode ser com a mesma intensidade que o controlo das empresas de construção civil que têm a sua sede social no interior do país.

179. As obrigações mais extensas das empresas estrangeiras em matéria de declaração e de informação podem ser-lhes impostas porque estas têm acesso geralmente sem qualquer dificuldade às informações necessárias através de simples consulta das folhas de salário dos trabalhadores em questão, dado que, por outro lado, estas informações lhes são igualmente necessárias para proceder ao cálculo e ao pagamento dos salários destes.

180. O Governo belga considera que, para ser admissível, a comunicação destas informações deve ser objectivamente necessária para atingir o fim prosseguido, concretamente, manter a totalidade dos direitos a férias pagas dos trabalhadores e o pagamento dos subsídios de férias e permitir os controlos indispensáveis.

181. As sociedades Tecnamb e Engil adoptam a posição do órgão jurisdicional de reenvio.

182. A sociedade Tudor recorda que a obrigação de informar serve para aplicar e controlar o regime das caixas de férias. Como o direito comunitário se opõe à extensão do regime das caixas de férias pagas aos prestadores de serviços estrangeiros, deve igualmente opor-se a que lhes seja imposta esta obrigação de informar.

183. O Governo neerlandês considera que a obrigação de dar informações suplementares imposta aos prestadores de serviços estrangeiros tem origem na circunstância de a Ulak se reservar o direito de calcular os subsídios que cabem aos trabalhadores destacados. Alega que uma obrigação de dar informações só se justifica para controlar se as férias pagas concedidas ao trabalhador destacado estão ao mesmo nível das férias pagas previstas no Estado de acolhimento. Os subsídios de férias devem, no entanto, ser pagos segundo o regime previsto pelo direito do Estado de origem.

184. A Comissão considera que,

«Na medida em que as obrigações em matéria de informações impostas às entidades patronais estabelecidas noutro Estado-Membro ultrapassam as que são pedidas às entidades patronais estabelecidas na Alemanha, esta regulamentação pode parecer à primeira vista discriminatória. Como resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, poder-se-ia considerar que estas regulamentações, na medida em que não são aplicáveis indistintamente a todas as prestações, qualquer que seja a sua origem, só podem ser justificadas pelas excepções admitidas pelo artigo 56.° do Tratado CE (em conjugação com o artigo 66.° do Tratado CE), a saber, por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública [].

A Comissão não dispõe de critérios precisos que lhe permitam examinar em que medida a discriminação pode ser justificada por razões de ordem pública e de segurança pública. Este exame cabe ao juiz nacional.»

185. No entanto, a Comissão chama a atenção para o facto que,

«No caso presente, as informações exigidas pelo § 59, n.° 2, da VTV visam igualmente controlar o cumprimento das condições de emprego e de trabalho. As informações suplementares podem portanto ser objectivamente necessárias a fim de garantir o cumprimento das regras profissionais.

Os controlos efectivos são tanto mais importantes quanto as sanções pelo não cumprimento destas condições, previstas no artigo 5.° da directiva relativa ao destacamento de trabalhadores, são muito mais difíceis de impor num contexto transnacional que num contexto puramente nacional. As situações são diferentes na medida em que as administrações públicas só podem muitas vezes saber com base em inquéritos efectuados no Estado de partida se o destacamento constitui por exemplo uma utilização abusiva da livre prestação de serviços ou o objecto de um contrato fictício, ou se as prescrições da directiva relativa ao destacamento de trabalhadores respeitantes aos salários mínimos são respeitadas. As condições de emprego e de trabalho são muitas vezes contornadas no sector da construção civil, sendo necessário um controlo específico efectuado pelas administrações públicas encarregadas da vigilância da aplicação correcta do direito. É por esta razão que a Comissão é da opinião que é preciso não excluir que as obrigações suplementares em matéria de informação sejam necessárias para garantir uma vigilância eficaz que só pode ser exercida pelas administrações públicas alemãs, no território alemão [].

Mas as diferentes disposições relativas ao controlo devem ficar nas justas proporções e não podem ir além do que é necessário para um controlo efectivo. Em particular, só podem ser pedidos os documentos de que o empresário já dispõe em virtude das regras em vigor no Estado de estabelecimento. Convém evitar regulamentações supérfluas e puramente burocráticas na medida em que limitam a livre prestação de serviços e comprometem a criação de novos empregos. Cabe ao juiz nacional controlar o respeito destes princípios.

Convém sublinhar, neste contexto, que a directiva relativa ao destacamento dos trabalhadores, com o objectivo de ultrapassar as dificuldades típicas que surgem quando dos controlos, privilegia, nos termos do artigo 4.° , a cooperação dos Estados-Membros no domínio da informação. A aplicação desta directiva deve, portanto, traduzir-se numa cooperação das administrações públicas competentes para a vigilância das condições de trabalho e de emprego mencionadas no artigo 1.° desta mesma directiva.

Tendo em conta o que precede, a Comissão propõe responder à alínea c) da segunda questão prejudicial do modo seguinte:

As obrigações em matéria de informação impostas aos empregadores estabelecidos noutro Estado-Membro, no quadro do regime de caixas de férias pagas, que vão além do que é pedido aos empregadores estabelecidos na Alemanha não são contrárias aos artigos 59.° e 60.° do Tratado, tal como devem ser interpretados, quando e na medida em que sejam necessárias e apropriadas para garantir um controlo eficaz do cumprimento das condições de trabalho e de emprego na acepção do artigo 3.° da directiva relativa ao destacamento de trabalhadores. Cabe ao juiz nacional verificar se assim é.»

Apreciação

186. Em nossa opinião, convém distinguir entre as informações que são necessárias com vista a evitar o «trabalho clandestino» e a controlar eficazmente o cumprimento das condições de trabalho e de emprego (como o salário mínimo e a duração do trabalho diário, semanal e anual), por um lado, e as que são necessárias para a aplicação do regime das caixas de férias, por outro lado.

187. No que diz respeito à primeira categoria, devem fazer-se as observações seguintes:

188. Em primeiro lugar, não se pode excluir que o volume de informações exigido às entidades patronais estrangeiras só à primeira vista seja superior ao das informações que as entidades patronais nacionais devem dar, porque, no que diz respeito a estas últimas, a Ulak obtêm-as oficiosamente das administrações alemãs ou tem a possibilidade de as reclamar a estas. Não esqueçamos que uma empresa alemã, antes de poder começar as suas actividades, deve cumprir certas formalidades e que outras informações chegam ao conhecimento das autoridades pelas declarações fiscais e sociais (v. nomeadamente o n.° 12, acima).

189. Em segundo lugar, uma vez que as empresas estrangeiras só vêm à Alemanha para executar obras num ou vários estaleiros determinados, não seria possível um controlo sério a seu respeito se elas não devessem notificar às autoridades competentes a localização do ou dos estaleiros, a data do começo e a duração prevista das actividades, a morada da entidade patronal na Alemanha, o número e a identidade dos trabalhadores destacados e ainda provavelmente outras informações, cuja necessidade cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

190. Em terceiro lugar, deve constatar-se que o acórdão Arblade e o., já referido, estabeleceu desde já, a propósito do princípio da organização dos documentos sociais e de trabalho, critérios que se podem transpor para os presentes processos. As passagens pertinentes deste acórdão estão redigidas como segue:

«58 Uma obrigação, como a que impõe a legislação belga, de elaborar e de manter determinados documentos adicionais no Estado-Membro de acolhimento implica despesas e encargos administrativos e económicos suplementares para as empresas estabelecidas noutro Estado-Membro, de modo que estas empresas não ficam em pé de igualdade, do ponto de vista da concorrência, com as entidades patronais estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento.

59 O facto de impor tal obrigação constitui portanto uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 59.° do Tratado.

60 Uma tal restrição só pode ser justificada se necessária para proteger efectivamente e pelos meios adequados a razão imperiosa de interesse geral que constitui a protecção social dos trabalhadores.

61 A protecção eficaz dos trabalhadores do sector da construção civil, designadamente em matéria de segurança e de saúde, bem como em matéria de tempo de trabalho, pode exigir que determinados documentos sejam mantidos no estaleiro ou, pelo menos, em lugar acessível claramente identificado no território do Estado-Membro de acolhimento à disposição das autoridades deste Estado encarregadas de fiscalizar, na falta, designadamente, de um sistema organizado de cooperação ou de troca de informações entre Estados-Membros, tal como prevista no artigo 4.° da Directiva 96/71 [].

62 Além disso, na falta ainda do sistema organizado de cooperação ou de troca de informações mencionado no número anterior, a obrigação de elaborar e manter no estaleiro ou, pelo menos, em lugar acessível claramente identificado no território do Estado-Membro de acolhimento determinados documentos exigidos pela regulamentação deste Estado pode constituir a única medida adequada de controlo à luz do objectivo prosseguido pela referida regulamentação.

63 Com efeito, os elementos de informação exigidos respectivamente pela regulamentação do Estado-Membro de estabelecimento e a do Estado-Membro de acolhimento respeitantes, designadamente, à entidade patronal, ao trabalhador, às condições de trabalho e à remuneração podem ser de tal modo diferentes que o controlo exigido pela regulamentação do Estado-Membro de acolhimento não possa ser efectuado com base nos documentos elaborados em conformidade com a regulamentação do Estado-Membro de estabelecimento.

64 Em contrapartida, o simples facto de existirem determinadas diferenças de forma ou de conteúdo não pode justificar a obrigação de manter duas séries de documentos conformes, uns à regulamentação do Estado-Membro do estabelecimento, outros à do Estado-Membro de acolhimento, se as informações fornecidas pelos documentos exigidos pela regulamentação do Estado-Membro de estabelecimento forem suficientes, no seu conjunto, para permitir os controlos necessários no Estado-Membro de acolhimento.

65 Importa portanto que as autoridades e, sendo caso disso, os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro de acolhimento verifiquem sucessivamente, antes de exigir a elaboração e a manutenção no território deste Estado dos documentos sociais ou de trabalho em conformidade com a sua própria regulamentação, se a protecção social dos trabalhadores que é susceptível de justificar estas exigências não está suficientemente salvaguardada pela apresentação, num prazo razoável, dos documentos existentes no Estado-Membro de estabelecimento ou a sua cópia, na falta disso pela manutenção à disposição destes documentos ou da sua cópia no estaleiro ou num lugar acessível e claramente identificado no território do Estado-Membro de acolhimento.»

191. A referência ao «estaleiro» ou ao «lugar acessível e claramente identificado» explica-se evidentemente pelas particularidades da regulamentação belga em causa. Nada se opõe a que a República Federal da Alemanha exija que os documentos sejam entregues à autoridade administrativa competente se eles são realmente necessários para o controlo.

192. A tarefa que incumbe assim ao juiz nacional de comparar os documentos existentes no Estado de origem e os exigidos pelo Estado de acolhimento não é evidentemente fácil, mas o facto é que só ele é competente para aplicar o direito comunitário no quadro de um litígio determinado.

193. Quanto à segunda parte da distinção que nos propomos fazer, a saber, as informações específicas exigidas com o objectivo de aplicar o regime da caixa de férias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio estabelecer, num primeiro tempo, com base nas respostas que lhe dará o Tribunal de Justiça, se aplicação deste regime é compatível com o direito comunitário e, em caso de resposta afirmativa, determinar em seguida se todos os documentos e informações exigidos a este respeito são estritamente necessários.

194. Quanto à resposta a dar à alínea c) da segunda questão prejudicial, inspirámo-nos na resposta proposta pela Comissão, alargando-a um pouco. Propomos ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte maneira:

195. As obrigações em matéria de informações impostas às entidades patronais estabelecidas num outro Estado-Membro, no quadro da livre prestação de serviços, não são contrárias aos artigos 59.° e 60.° do Tratado quando e na medida em que sejam necessárias e adequadas:

- para garantir um controlo eficaz do cumprimento das condições de trabalho e de emprego em vigor no país de acolhimento;

- para assegurar o bom funcionamento de um regime de caixas de férias pagas, desde que a aplicação deste regime às entidades patronais em questão não seja considerada, por outras razões, incompatível com as ditas disposições.

Cabe ao juiz nacional verificar se assim é.

A terceira questão prejudicial

196. No quadro da terceira questão prejudicial do Arbeitsgericht Wiesbaden, há que analisar se os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a uma disposição nacional como o § 1, n.° 4, da AEntG, na medida em que prevê, em substância, que todos os trabalhadores de uma entidade patronal estrangeira destacados na Alemanha, e apenas eles, são considerados como constituindo uma empresa, enquanto às entidades patronais estabelecidas na Alemanha se aplica um conceito diferente de empresa que, em certos casos, pode implicar uma delimitação diferente das empresas incluídas no âmbito de aplicação da convenção colectiva.

197. O § 1, n.° 4, da AEntG prevê que: «Para efeitos de enquadramento, enquanto empresa, no âmbito de aplicação de uma convenção colectiva na acepção dos n.os 1, 2 e 3, considera-se que os trabalhadores destacados na Alemanha por uma entidade patronal com sede no estrangeiro constituem, no seu conjunto, uma empresa.»

198. Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que é um conceito diferente de empresa que se aplica às entidades patronais estabelecidas na Alemanha. Descreve esse conceito da seguinte maneira:

«No direito laboral alemão, entende-se por empresa qualquer unidade orgânica na qual um empresário, só ou assistido pelos seus colaboradores, prossegue de forma contínua a realização de determinados objectivos profissionais utilizando meios materiais ou imateriais. As partes na convenção colectiva do sector da construção civil tomam este conceito de empresa como ponto de partida, como decorre da leitura do § 7, n.° 2.2.2, da BRTV-Bau, que, no contexto da regulamentação da liquidação e pagamento das despesas de transporte, designa como empresa a administração principal, o estabelecimento, a sucursal, a agência e as demais representações permanentes do empresário onde o trabalhador esteja colocado. Mais adiante afirma-se que quando o trabalhador está colocado num estaleiro ou num posto de trabalho considera-se empresa a representação do empresário mais próxima. Daqui se deduz claramente que, ao determinar a inclusão dos nacionais no âmbito de aplicação de uma convenção colectiva, não se considera como empresa um estaleiro ou mesmo os trabalhadores colocados exclusivamente num estaleiro, mas sim a unidade orgânica a partir da qual os trabalhadores são enviados para o estaleiro.

Ao invés, para resolver a questão da inclusão de empresários estrangeiros que destacam os seus trabalhadores, o § 1, n.° 4, da AEntG recorre à ficção de considerar exclusivamente como empresa o conjunto de trabalhadores concretamente destacados.

Os dois conceitos de empresa podem, na prática, ter consequências distintas no caso das chamadas empresas mistas, nas quais se desenvolve, em parte, uma actividade propriamente de construção civil e em parte uma actividade distinta. Pense-se por exemplo, no caso de uma empresa que, em parte, desenvolve a actividade de venda de material de construção civil, por exemplo, ladrilhos, e que, em parte, emprega uma equipa de trabalhadores para aplicar por conta de terceiros o referido material vendido. Nos termos das disposições da convenção colectiva que aqui interessam, apenas a aplicação dos ladrilhos constitui uma actividade de construção civil, mas não a respectiva venda.

Conforme o § 1, n.° 2, secção VI, primeira frase, da VTV, as empresas - salvo no caso especial das designadas secções autónomas - sempre foram totalmente integradas no âmbito de aplicação das convenções colectivas relativas às caixas sociais. Segundo jurisprudência dos tribunais superiores alemães (omissis), as empresas mistas estão incluídas na sua totalidade no âmbito de aplicação das convenções colectivas relativas às caixas sociais quando - relativamente, em caso geral, ao período de um ano civil - os dias de trabalho dos trabalhadores ocupados no sector da construção civil sejam superiores aos dias de trabalho dos trabalhadores ocupados no sector distinto da construção civil. Isto significa que a empresa mista está totalmente incluída no âmbito de aplicação das convenções colectivas de construção civil quando, durante um dado ano, os dias de trabalho dos trabalhadores empregados no sector da construção civil tenha ultrapassado 50% do total dos dias de trabalho de toda a empresa.

Se, no exemplo anterior, estiverem empregados na actividade de venda de ladrilhos mais trabalhadores do que na actividade de aplicação dos referidos ladrilhos sendo igual o tempo de trabalho individual de uns e outros, a actividade de venda de material tem - do ponto de vista do tempo laboral - um peso superior, pelo que a empresa está, na sua totalidade, excluída das convenções colectivas do sector de construção civil. Daqui decorre que o empresário nacional em causa não está obrigado a pagar quotizações às caixas sociais, nem sequer relativamente aos trabalhadores ocupados na actividade de aplicação dos ladrilhos []. No caso de uma empresa estrangeira com a mesma estrutura, que comercialize ladrilhos no país de origem e envie para a Alemanha uma equipa de trabalhadores destacados para colocarem ladrilhos, o empresário está obrigado a quotizar para as caixas sociais relativamente a todos os trabalhadores destacados [...].

Como consequência do facto de o § 1, n.° 4, da AEntG não definir a empresa como um conjunto orgânico de pessoas e coisas dirigido ao desenvolvimento de uma actividade económica com objectivos próprios, qualificando exclusivamente como tal os próprios trabalhadores destacados, a referida disposição, aplicável apenas aos empresários estrangeiros, produz um efeito prejudicial para estes. Também aqui se verifica uma discriminação (directa) baseada na localização nacional do domicílio do empresário que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, só pode admitir-se quando se verifiquem os requisitos especiais previstos nos artigos 55.° , 56.° e 66.° do Tratado CE. Ora, no caso concreto, não parece que se verifiquem estes requisitos.»

Alegações escritas apresentadas

199. Os prestadores de serviços estrangeiros, designadamente as sociedades Tecnamb, Finalarte e Portugaia, e o Governo neerlandês adoptam a mesma posição que o tribunal de reenvio.

200. O Governo francês considera que a solução aplicada pela AEntG é a única que se pode realizar na prática.

201. O Governo belga é da opinião que esta questão é apenas puramente hipotética e que o conceito de empresa consagrado pela AEntG constitui um critério de ligação necessário para sujeitar o prestador de serviços estrangeiro ao regime das caixas de férias.

202. O Governo alemão sustenta que a questão não pode ser aceite, porque desprovida de interesse para a solução do litígio principal. Com efeito, o tribunal de reenvio não afirmou que as empresas estrangeiras implicadas no litígio principal não estariam abrangidas pelo âmbito de aplicação das convenções colectivas alargadas se o conceito de empresa da AEntG fosse diferente.

203. A título subsidiário, alega que, se o critério para incluir um prestador de serviços estrangeiro no âmbito de aplicação profissional da convenção colectiva é o trabalho efectuado pelos trabalhadores destacados em vez do conjunto da actividade desta empresa, a razão para isso é que a AEntG é de aplicação territorial e que, portanto, não podem ser consideradas as actividades da empresa no seu país de origem. Além disso, é impossível controlar os dados que o prestador de serviços estrangeiro fornece sobre este assunto. Por outro lado, não tomar em consideração as actividades exercidas no estrangeiro pode ter tantos efeitos favoráveis como desfavoráveis no que diz respeito às empresas mistas estrangeiras.

204. A posição da Comissão evoluiu durante o processo. Nas suas alegações escritas, tinha concluído pela existência de uma discriminação directa em razão da sede social nacional da empresa. Durante a audiência, depois de ter evocado as dificuldades práticas que a aplicação da lei coloca, declarou que não tinha solução a propor para as resolver e que tinha confiança na sabedoria do Tribunal de Justiça.

Apreciação

205. Quanto à argumentação sustentada pelo Governo alemão relativamente à admissibilidade desta questão, basta-nos recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual só ao juiz nacional cabe apreciar a pertinência da questão colocada, e que só a ausência manifesta de qualquer ligação com o litígio principal pode tornar uma questão inadmissível. Ora, evidentemente, não se trata disso no caso em apreço .

206. Quanto ao mérito, consideramos pela nossa parte que, se não houvesse o problema das «empresas mistas», a solução seria simples. Como expôs o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação alemã admite, com efeito, que possa ser considerada como uma empresa não só «a administração principal, o estabelecimento ou a filial», mas também «a agência, uma representação permanente da entidade patronal» ou mesmo «a representação mais próxima da entidade patronal».

207. Nestas condições, não vemos porque razão o representante da entidade patronal estrangeira responsável pela direcção das actividades dos trabalhadores destacados na Alemanha não poderia ser considerado como a «representação mais próxima da entidade patronal».

208. No entanto, as coisas complicam-se, consideravelmente, pelo facto de os salários dos assentadores de ladrilhos britânicos ou portugueses (para não sairmos do exemplo citado pelo órgão jurisdicional de reenvio), trabalhando temporariamente na Alemanha, estarem sempre sujeitos a cotização, enquanto os salários dos assentadores de ladrilhos que pertencem a uma empresa estabelecida na Alemanha não lhe estão sujeitos a partir do momento em que, na empresa a que pertencem, a duração do trabalho dos assalariados afectos ao sector da construção civil (tal como os assentadores de ladrilhos) corresponde a menos de metade do total das horas de trabalho efectuadas na empresa.

209. É evidente que, em relação às empresas mistas deste tipo, os prestadores de serviços estrangeiros não se encontram «em pé de igualdade quanto à concorrência» , e que, mesmo que o sistema dê origem igualmente a discriminações entre empresas alemãs, não é por isso que se deixa de estar em presença de uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 59.° do Tratado.

210. Enquanto discriminatória, esta restrição não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, sejam quais forem. As únicas justificações que poderiam ser admitidas são as que o artigo 56.° do Tratado enumera. No entanto, não foi demonstrado que uma delas possa ser validamente invocada no caso em apreço.

211. Para suprimir esta discriminação, podem ser encaradas diferentes soluções. Uma primeira possibilidade poderia consistir em sujeitar igualmente ao regime das caixas de férias os trabalhadores que exerçam uma profissão ligada ao sector da construção civil, que trabalhem em «empresas mistas», mesmo quando a duração do trabalho dos assalariados afectos ao sector da construção civil que pertencem a estas empresas corresponde a menos de metade da duração do trabalho na empresa. Uma outra solução consistiria em submeter as empresas «estrangeiras» que efectuam uma prestação de serviços ao regime actualmente aplicável a este tipo «de empresa mista».

212. Cabe ao Governo alemão escolher a que lhe parecerá mais bem adequada às legítimas preocupações de protecção dos trabalhadores que presidiram à criação do regime de caixas de férias.

213. Em conclusão, podemos propor que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão do modo seguinte:

214. Os artigos 59.° e 60.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação, às empresas estabelecidas noutros Estados-Membros que prestam serviços no sector da construção civil, de um regime de caixas de férias tal como o que está em causa no litígio principal, enquanto as empresas estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento e que só exercem parcialmente uma actividade neste sector não lhe estejam todas submetidas relativamente ao pessoal ocupado no referido sector.

A quarta questão prejudicial

215. A última questão está relacionada com a interpretação do artigo 3.° , n.° 1, da directiva destacamento, que dispõe:

«Os Estados-Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e/ou

- por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do n.° 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

a) Períodos máximos de trabalho e períodos mínimos de descanso;

b) Duração mínima das férias anuais remuneradas;

c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma.»

216. O Arbeitsgericht Wiesbaden pergunta se deve «interpretar-se o artigo 3.° , n.° 1, alínea b), da Directiva 96/71 [...] no sentido de que, à luz dos artigos 48.° , 59.° e 60.° do Tratado CE, a directiva não prevê nem autoriza, em qualquer caso, as disposições cujos aspectos problemáticos foram referidos nas três primeiras questões».

217. O órgão jurisdicional de reenvio parte manifestamente do princípio de que uma directiva não poderia validar um regime de caixas de férias que fosse contrário ao Tratado. Quanto a isto só podemos aprová-lo: uma directiva não pode autorizar e ainda menos prescrever medidas que sejam contrárias ao direito comunitário.

218. Mas consideramos igualmente que a directiva não faz nada disso.

219. Assim, como expusemos a propósito das duas primeiras questões prejudiciais, os Estados-Membros obtêm directamente do Tratado o direito de impor às empresas que efectuam prestações de serviços o cumprimento do salário mínimo e a duração mínima das férias remuneradas anuais, aplicáveis no seu território no sector económico em questão.

220. Portanto, a este respeito, não tinham necessidade de uma autorização resultante de um acto de direito derivado.

221. A directiva destacamento veio agora impor-lhes o dever de prescrever estas regras às empresas estabelecidas noutros Estados-Membros.

222. Tendo a República Federal da Alemanha feito uso de um direito que de qualquer modo lhe cabe, a questão de saber se a directiva pode, legitimamente, impor-lhe o dever é destituída de pertinência para a solução do litígio principal. Portanto, não é necessário que examinemos as dúvidas que o órgão jurisdicional de reenvio tem relativamente ao carácter apropriado da base jurídica na qual a directiva tem o seu fundamento.

223. No que respeita ao regime da caixa de férias pagas, o mesmo raciocínio é válido. Com efeito, quanto à questão de saber se a directiva autoriza um tal regime, vimos mais acima que o direito de um Estado-Membro de impor às empresas estrangeiras «as condições de trabalho» aplicáveis no seu território envolve também, em princípio, o direito de lhes impor um regime de caixas de férias pagas. Ainda aqui, o Estado-Membro usa, portanto, um direito que de qualquer modo lhe pertence, e a questão de saber se a directiva pode, legitimamente, prescrever-lhe que faça uso deste direito deixa de novo de ter pertinência para a solução do litígio principal. Por outro lado, constatamos que nem o artigo 3.° nem qualquer outra disposição da directiva prescreve aos Estados-Membros que ponham em vigor um regime de caixas de férias pagas.

224. Todavia, um tal regime de caixas pode apresentar características diferentes segundo os Estados-Membros, e é preciso examinar, caso a caso, se o regime em questão ou algumas das suas características são compatíveis com o Tratado. Foi o que fizemos acima a propósito do regime alemão.

225. Por conseguinte, propomos que se responda à quarta questão da seguinte maneira:

226. A directiva destacamento não prescreve nem autoriza a aplicação de um regime de férias pagas contrário às disposições dos artigos 59.° e 60.° do Tratado.

Conclusão

227. Propomos ao Tribunal de Justiça, por conseguinte, que responda às questões colocadas pelo Arbeitsgericht Wiesbaden do seguinte modo:

«1) A não ser que uma protecção idêntica ou superior esteja garantida ao trabalhador no país de origem, os artigos 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado CE (actual artigo 50.° CE) devem ser interpretados no sentido de que não se opõem, em princípio, à aplicação, a uma entidade patronal estrangeira e aos seus assalariados destacados, de um regime como o que resulta do § 1, n.° 3, primeiro período, da AEntG, desde que sejam devidamente tomados em conta os encargos a que a entidade patronal não pode escapar segundo a legislação do seu país de origem. O artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) não se aplica ao destacamento de trabalhadores por uma entidade patronal estabelecida noutro Estado-Membro.

2) Os artigos 59.° e 60.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado-Membro imponha a uma empresa estabelecida noutro Estado-Membro e que executa temporariamente obras no primeiro Estado-Membro:

a) a aplicação de normas jurídicas de convenções colectivas que prevêem uma duração superior à duração mínima de férias anuais prescrita na Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho;

b) a aplicação de um regime de caixa de férias pagas nos termos do qual o subsídio de férias é pago directamente ao trabalhador destacado, enquanto, para as empresas estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento, é pago à entidade patronal;

c) a obrigação de prestar informações quando, e na medida em que, estas informações sejam necessárias e apropriadas:

- para garantir um controlo eficaz do cumprimento das condições de trabalho e de emprego em vigor no país de acolhimento;

- para assegurar o bom funcionamento de um regime de caixas de férias pagas.

3) Os artigos 59.° e 60.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação, às empresas estabelecidas noutros Estados-Membros que prestam serviços no sector da construção civil, de um regime de caixas de férias como o que está em causa no litígio principal, enquanto as empresas estabelecidas no Estado-Membro de acolhimento e só exercendo parcialmente uma actividade neste sector não lhe estejam todas submetidas relativamente ao pessoal ocupado no referido sector.

4) A Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores efectuado no âmbito de uma prestação de serviços, não prescreve nem autoriza a aplicação de um regime de férias pagas contrário às disposições dos artigos 59.° e 60.° do Tratado.»