61997J0373

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 23 de Março de 2000. - Dionysios Diamantis contra Elliniko Dimosio e Organismos Oikonomikis Anasygkrotisis Epicheiriseon AE (OAE). - Pedido de decisão prejudicial: Polymeles Protodikeio Athinon - Grécia. - Direito das sociedades - Segunda Directiva 77/91/CEE - Sociedade anónima em situação económica difícil - Aumento do capital social por via administrativa - Exercício abusivo de um direito decorrente de uma disposição comunitária. - Processo C-373/97.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-01705


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Direito comunitário - Exercício abusivo de um direito decorrente de uma disposição comunitária - Norma nacional que proíbe o abuso de direito - Aplicação pelos órgãos jurisdicionais nacionais

2 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Sociedades - Directiva 77/91 - Alteração do capital duma sociedade anónima - Regulamentação nacional que prevê o aumento por via administrativa do capital social duma sociedade anónima com dificuldades financeiras - Paralisação dos direitos decorrentes da directiva mediante o recurso a uma norma nacional que proíbe o abuso de direito

(Directiva 77/91 do Conselho, artigo 25._, n._ 1)

Sumário


1 Os sujeitos da relação jurídica não poderão abusiva ou fraudulentamente prevalecer-se das normas comunitárias. Por conseguinte, o direito comunitário não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem uma disposição de direito nacional que lhes permite apreciar se um direito decorrente duma disposição comunitária é exercido de maneira abusiva. Todavia, a aplicação dessa norma nacional não pode atentar contra o pleno efeito e a aplicação uniforme das disposições comunitárias nos Estados-Membros. (cf. n.os 33-34, 44 e disp.)

2 Não pode imputar-se a um accionista que invoca o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva 77/91 em sede de direito das sociedades um exercício abusivo do direito decorrente desta disposição pelo facto de ser um accionista minoritário, de ter beneficiado do saneamento da sociedade sujeita a um regime de saneamento, de não ter feito uso do seu direito de preferência, de figurar entre os accionistas que solicitaram a sujeição da sociedade ao regime aplicável às sociedades com dificuldades financeiras graves ou de ter deixado passar um certo tempo antes de intentar a acção. Contudo, o direito comunitário não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem uma disposição de direito interno, que lhes permite apreciar se um direito decorrente de uma disposição do direito comunitário foi exercido de forma abusiva, se um accionista, para remediar uma situação ocorrida em violação da directiva, escolher, entre os meios de acção ao seu dispor, o que causa um prejuízo de tal modo grave aos interesses legítimos de outrem que se revela manifestamente desproporcionado. (cf. n.os 36-37, 43-44 e disp.)

Partes


No processo C-373/97,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Polymeles Protodikeio Athinon (Grécia), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Dionysios Diamantis

e

Elliniko Dimosio,

Organismos Oikonomikis Anasygkrotisis Epicheiriseon AE (OAE),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigo 25._ e 29._ da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44), e sobre o exercício abusivo de um direito decorrente destas disposições,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: R. Schintgen, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, P. J. G. Kapteyn (relator), G. Hirsch, H. Ragnemalm e V. Skouris, juízes,

advogado-geral: A. Saggio,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de D. Diamantis, por S. Andronikos, advogado no foro de Atenas,

- em representação do Governo helénico, por P. Mylonopoulos, consultor jurídico adjunto no Serviço Jurídico especial - secção de direito comunitário europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e V. Kyriazopoulos, mandatário judicial junto do Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agentes,

- em representação do Organismos Oikonomikis Anasygkrotisis Epicheiriseon AE (OAE), por I. Soufleros e S. Felios, advogados no foro de Atenas,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Gouloussis, consultor jurídico, e M. Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de D. Diamantis, do Governo helénico, do Organismos Oikonomikis Anasygkrotisis Epicheiriseon AE (OAE) e da Comissão na audiência de 16 de Setembro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Outubro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 24 de Junho de 1997, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de Outubro seguinte, o Polymeles Protodikeio Athinon (tribunal colectivo de primeira instância de Atenas) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigo 25._ e 29._ da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44, a seguir «Segunda Directiva»), e sobre o exercício abusivo de um direito decorrente destas disposições.

2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre D. Diamantis, por um lado, e o Elliniko Dimosio (Estado helénico) e o Organismos Oikonomikis Anasygkrotisis Epicheiriseon AE (organismo para a recuperação de empresas, a seguir «OAE»), por outro.

Enquadramento jurídico

Direito comunitário

3 Nos termos do artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva:

«Qualquer aumento do capital deve ser deliberado pela assembleia geral. Esta deliberação bem como a realização do aumento do capital subscrito devem ser objecto de publicidade, a efectuar segundo os modos previstos pela legislação de cada Estado-Membro, nos termos do artigo 3._ da Directiva 68/151/CEE.»

4 O artigo 29._, n._ 1, da Segunda Directiva estabelece que, em todos os aumentos do capital subscrito por entradas em dinheiro, as acções devem ser oferecidas com preferência aos accionistas, proporcionalmente à parte do capital representada pelas suas acções.

5 Deve observar-se que a Segunda Directiva não prevê qualquer sanção em caso de violação de uma das suas disposições. Também não impõe aos Estados-Membros que prevejam essas sanções na regulamentação que devem adoptar.

Direito nacional

6 A Lei n._ 1386/1983, de 5 de Agosto de 1983 (FEK A' 107/8.7.1983, p. 14), aplica-se às sociedades em situação económica difícil e institui o OAE, que tem por objectivo contribuir para o desenvolvimento económico e social do país (artigo 2._, n._ 2). Para a realização deste objectivo, o OAE pode, designadamente, assumir ele próprio a administração e a gestão corrente de empresas em vias de saneamento ou nacionalizadas, adquirir participações no capital de empresas, conceder empréstimos e emitir ou contrair certos empréstimos, adquirir obrigações, bem como transferir acções, nomeadamente, para os trabalhadores ou para as suas organizações representativas, para as colectividades locais ou para outras pessoas colectivas de direito público, para as instituições de beneficência, para as organizações sociais ou para os particulares (artigo 2._, n._ 3).

7 Segundo o artigo 5._, n._ 1, da Lei n._ 1386/1983, o ministro da Economia Nacional pode decidir submeter ao regime dessa lei as empresas que conhecem dificuldades financeiras graves.

8 Segundo o artigo 7._ dessa mesma lei, o ministro competente pode decidir transferir para o OAE a administração da empresa submetida ao regime dessa lei, reorganizar as suas dívidas de modo a assegurar a sua viabilidade através de um aumento coercivo do capital por novas entradas ou da capitalização das dívidas existentes, ou ainda pela reestruturação destas, ou proceder à liquidação da empresa nos termos do artigo 9._

9 Segundo o artigo 8._, n._ 8, desta mesma lei, o OAE pode decidir, durante a administração provisória, aumentar o capital social da sociedade em derrogação de disposições em vigor em matéria de sociedades anónimas, que dão competência exclusiva para tal à assembleia geral dos accionistas. O aumento deve ser aprovado pelo ministro competente. Os antigos accionistas conservam o seu direito de preferência, que podem exercer num prazo fixado na decisão de aprovação ministerial.

10 Em 7 de Março de 1989, quer dizer, em data posterior aos factos em causa no processo principal, mas antes do despacho de reenvio, a Comissão intentou contra a República Helénica uma acção por incumprimento nos termos do artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE) por violação das obrigações que lhe incumbiam por força da Segunda Directiva. Em 10 de Março de 1990, o Parlamento helénico adoptou a Lei n._ 1882/1990 (FEK A' 43/23.3.1990). Desde então, mesmo durante a administração provisória de uma sociedade ao abrigo da Lei n._ 1386/1983, qualquer modificação do capital social deve ser decidida pela assembleia geral dos accionistas.

11 Tal como a própria Segunda Directiva, a Lei n._ 1882/1990 não prevê qualquer sanção específica em caso de violação de uma das suas disposições, de modo que poderá haver lugar à aplicação das sanções comuns de direito privado.

12 Porém, a lei n._ 2685/1999, de 11 de Janeiro de 1999, que entrou em vigor na data da sua publicação, prevê um único remédio judicial em caso de aumento do capital decidido em violação do disposto na Segunda Directiva, e designadamente do seu artigo 25._, n._ 1, isto é, a indemnização integral do prejuízo sofrido na sequência desse aumento. Nos termos do artigo 28._, n._ 2, desta lei, o pedido de indemnização é dirigido exclusivamente contra o Estado helénico, e não contra a sociedade em questão.

13 Há que mencionar, por último, o artigo 281._ do código civil helénico, nos termos do qual «o exercício de um direito é proibido se exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pela finalidade social ou económica desse direito».

Matéria de facto e litígio no processo principal

14 D. Diamantis era accionista da sociedade anónima Plastika Kavalas AE (a seguir «Plastika Kavalas»), na qual detinha 1 000 acções com o valor nominal de 1 000 GDR cada do capital social inicial que era de 87 000 000 GDR, repartido por 87 000 acções (ou seja, 1,15%).

15 No início dos anos 80, esta sociedade, fundada em 1973, teve que fazer face a graves problemas financeiros. Em Setembro de 1982, as actividades fabris foram suspensas e, em 1983, devido a sobreendividamento, estava à beira da falência. Em 24 de Agosto de 1983, 32 accionistas da Plastika Kavalas solicitaram a submissão desta ao regime previsto na Lei n._ 1386/1983. O pedido foi reiterado em 20 de Dezembro de 1983.

16 Na sequência deste pedido, e depois de ter constatado a situação muito difícil em que se encontrava a Plastika Kavalas, a comissão consultiva prevista no artigo 11._ da Lei n._ 1386/1983 deu, em 22 de Dezembro de 1983, um parecer no qual recomendava a sujeição desta sociedade ao regime de liquidação especial previsto nos artigos 7._ e 9._ desta mesma lei.

17 Este regime teria tido por consequência a liquidação imediata dos activos da Plastika Kavalas e o pagamento das suas dívidas, como aconteceu em relação a uma série de empresas em dificuldade e sobreendividadas.

18 Apesar do parecer fundamentado de liquidação, o ministro da Economia Nacional, por Despacho n._ 212, de 3 de Fevereiro de 1984, decidiu submeter a Plastika Kavalas ao regime de administração provisória pela OAE, previsto no artigo 7._ da Lei n._ 1386/1983. Este regime foi mantido até ao princípio do mês de Janeiro de 1987.

19 Em 28 de Maio de 1986, no decurso desta administração provisória, a OAE decidiu aumentar o capital da Plastika Kavalas em 177 000 000 GDR, através da emissão de 1 770 000 novas acções com o valor nominal de 100 GDR. O capital social foi assim elevado a 264 000 000 GDR. Esta decisão foi aprovada pelo ministro da Indústria pelo Despacho n._ 155, de 6 de Junho de 1986 (FEK B' 414/11.6.1986).

20 Como os antigos accionistas não exerceram o direito de preferência no prazo previsto de 45 dias a contar da publicação do referido despacho ministerial, a totalidade das novas acções foi colocada à disposição da OAE, que, por isso, ficou a deter cerca de 67% do capital social da Plastika Kavalas.

21 Em 11 de Dezembro de 1986, por decisão da assembleia geral de accionistas, na qual a OAE detinha a maioria, o capital social foi reduzido ao mínimo legalmente autorizado de 5 000 000 GDR. Esta redução foi motivada pelo carácter negativo da situação líquida da Plastika Kavalas e efectuou-se através da anulação da totalidade das antigas acções e da emissão de 5 000 novas acções com um valor nominal de 1 000 GDR cada, que foram repartidas pelos accionistas da sociedade até essa data, na proporção da respectiva participação no capital social. Esta decisão da assembleia geral foi aprovada pelo prefeito de Kavala através da Decisão n._ 882, de 4 de Março de 1987 (FEK 262/19.3.1987).

22 Pela Decisão n._ 14, de 9 de Janeiro de 1987, o ministro adjunto da Indústria, da Energia e da Tecnologia (FEK B', 25/16.1.1987) aprovou um novo aumento do capital social. Este aumento foi de 1 262 200 GDR e resultou, por um lado, da conversão coerciva das dívidas que ascendiam a 972 000 000 GDR e, por outro, de uma entrada em dinheiro realizada pela OAE num montante de 290 000 000 GDR, destinada à satisfação dos credores.

23 Na sequência destas modificações, o capital social da Plastika Kavalas passou a 1 267 200 000 GDR, repartido por 1 267 200 acções. A partir desta data e durante mais de quatro anos, a Plastika Kavalas funcionou normalmente. Em aplicação do Despacho ministerial n._ 14, as disposições da Lei n._ 1386/1983 deixaram de se aplicar. A administração e o funcionamento da Plastika Kavalas passaram a reger-se pelas decisões da assembleia geral dos accionistas e do seu conselho de administração.

24 Em 1991, a maioria das acções da Plastika Kavalas foram cedidas à sociedade Plastika Makedonias AE, pelo preço de 860 000 000 GDR. Finalmente, em Fevereiro de 1994, a Plastika Kavalas foi integrada no grupo Petzetakis.

25 Em 22 de Fevereiro de 1991, D. Diamantis pediu ao tribunal de reenvio a declaração de invalidade das modificações do capital social (dois aumentos e uma redução) pelo facto de estas contrariarem o disposto no artigo 25._ da Segunda Directiva. O Governo helénico e a OAE invocaram a excepção de abuso de direito por D. Diamantis e concluíram pela rejeição do pedido.

26 No seu despacho, o órgão jurisdicional de reenvio lembra, em primeiro lugar, a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça sobre o efeito directo do artigo 25._ da Segunda Directiva (acórdãos de 30 de Maio de 1991, Karella e Karellas, C-19/90 e C-20/90, Colect., p. I-2691, e de 24 de Março de 1992, Syndesmos Melon tis Eleftheras Evangelikis Ekklisias e o., C-381/89, Colect., p. I-2111), daí concluindo que resulta desta jurisprudência que os artigos 8._ e 10._ da Lei n._ 1386/1983 eram contrários ao disposto na Segunda Directiva.

27 O órgão jurisdicional de reenvio julgou, em consequência, que o pedido de D. Diamantis era juridicamente fundado, mas considerou igualmente que a invocação pelo demandado do exercício abusivo do direito a que se refere o artigo 281._ do código civil helénico era procedente.

28 Os factos subjacentes à referida defesa por excepção eram os seguintes:

- D. Diamantis bem como outros 32 accionistas pediu a submissão da Plastika Kavalas ao regime da Lei n._ 1386/1983,

- devido à má situação financeira da Plastika Kavalas, o demandante no processo principal nunca quis o aumento do capital social, de modo que também não fez uso do seu direito de preferência que lhe foi reconhecido aquando do primeiro aumento,

- a Plastika Kavalas foi saneada graças à capitalização das suas dívidas e à satisfação dos credores, o que acarretou consequências substanciais e irreversíveis ao nível da repartição do seu capital do ponto de vista das acções, dado o facto de terem transcorrido cinco e quatro anos respectivamente desde esses aumentos e desde a redução do capital entretanto ocorrida.

29 O órgão jurisdicional de reenvio entendeu, portanto, que o artigo 281._ do código civil helénico podia igualmente ser aplicado em relação a direitos decorrentes do direito comunitário quando estes eram exercidos de modo abusivo na acepção deste artigo. Porém, tendo em atenção a posição adoptada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 12 de Março de 1996, Pafitis e o. (C-441/93, Colect., p. I-1347, n.os 68 a 70) em relação à mesma excepção com base no artigo 281._ do código civil, este órgão jurisdicional considerou que estava perante um problema de interpretação dos artigos 25._, n._ 1, e 29._, n._ 1, da Segunda Directiva em relação à excepção de abuso de direito.

30 Foi nestas condições que o Polymeles Protodikeio Athinon decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Nas condições de facto dadas, expostas na fundamentação da presente decisão, justifica-se a aplicação, tanto formal como substancial, do artigo 281._ do código civil (helénico) sobre o uso abusivo de um direito, por parte do demandante, em relação com os artigos 25._, n._ 1, e 29._, n._ 1, da Segunda Directiva?

2) Caso o Tribunal de Justiça considere verificada, do ponto de vista formal e substancial, esta excepção, qual é a consequência desse entendimento quanto à validade das decisões ministeriais sobre o aumento e redução do capital da sociedade em causa, da qual o demandante é accionista, e, por extensão, as disposições dos artigos 8._, n._ 8, e 10._, n._ 1, da Lei 1386/1983 são conformes ao direito comunitário, tendo em consideração que, sem referência ao disposto no artigo 281._ do código civil, foram declaradas contrárias ao disposto na Directiva 77/91/CEE pelo Tribunal de Justiça?»

Quanto à primeira questão

31 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, tendo em conta as circunstâncias do litígio no processo principal, uma disposição nacional que sanciona o exercício abusivo de um direito pode validamente ser invocada para se opor a uma acção de declaração de invalidade de actos sociais, intentada por um accionista por violação de um direito conferido pelo artigo 25._ da Segunda Directiva.

32 Há que recordar liminarmente que o Tribunal de Justiça já decidiu, no seu acórdão de 12 de Maio de 1998, Kefalas e o. (C-367/96, Colect., p. I-2843, n._ 28), que o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva tem por objectivo garantir aos accionistas que uma decisão de aumento do capital social e, por conseguinte, susceptível de afectar as proporções das participações dos accionistas não seja tomada sem a sua participação no exercício do poder decisório da sociedade. Segundo esta jurisprudência, este objectivo ficaria seriamente comprometido se os Estados-Membros pudessem derrogar as disposições da Segunda Directiva, mantendo em vigor normas legais, mesmo qualificadas de especiais ou de excepcionais, que permitissem decidir, por via administrativa e independentemente de qualquer deliberação da assembleia geral dos accionistas, aumentos de capital social (acórdão Karella e Karellas, já referido, n._ 26).

33 Todavia, os sujeitos da relação jurídica não poderão abusiva ou fraudulentamente prevalecer-se das normas comunitárias (v. acórdão Karella e Karellas, já referido, n._ 20, e jurisprudência aí citada). Seria esse o caso se o accionista, invocando o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva, intentasse uma acção com a finalidade de obter, em detrimento da sociedade, vantagens ilegítimas e manifestamente alheias ao objectivo da referida disposição (acórdão Kefalas e o., já referido, n._ 68).

34 Os órgãos jurisdicionais nacionais podem, assim, baseando-se em elementos objectivos, tomar em consideração o comportamento abusivo do interessado para lhe recusarem, se for caso disso, o benefício previsto pela disposição de direito comunitário invocada. Para o efeito, devem, no entanto, tomar em consideração as finalidades prosseguidas pelas normas em causa (acórdão de 2 de Maio de 1996, Paletta, C-206/94, Colect., p. I-2357, n._ 25). A aplicação de uma norma nacional como o artigo 281._ do código civil não pode por conseguinte afectar a plena eficácia e a aplicação uniforme das disposições comunitárias nos Estados-Membros (acórdão Pafitis e o., já referido, n._ 68).

35 É ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apurar se, no caso que lhe foi submetido, a aplicação do artigo 281._ do código civil é compatível com esta exigência. O Tribunal de Justiça é, porém, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação que podem permitir-lhe apreciar essa compatibilidade.

36 Quanto a este aspecto, resulta dos acórdãos já referidos Pafitis e o., n._ 70, e Kefalas e o., n._ 29, que não pode imputar-se a um accionista que se prevalece do artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva um abuso de direito pelo simples facto de ser um accionista minoritário de uma sociedade sujeita a um regime de saneamento ou de ter beneficiado do saneamento da sociedade ou de não ter feito uso do seu direito de preferência. Do mesmo modo, o facto de o demandante no processo principal ter solicitado a submissão da Plastika Kavalas ao regime da Lei n._ 1386/1983 não pode ser qualificado como abuso de direito.

37 Como o recordou o advogado-geral no n._ 29 das suas conclusões, a sujeição de uma sociedade ao regime previsto pela referida lei oferece um largo leque de soluções quanto à sorte da sociedade, de modo que um pedido de aplicação desta mesma lei não pode ser havido como significando aprovação da transferência para um órgão exterior à assembleia geral do poder de decisão em matéria de aumento do capital. Não pode, portanto, imputar-se a um accionista que invoca o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva, um exercício abusivo do direito decorrente desta disposição pelo facto de ele figurar entre os accionistas que pediram a sujeição da sociedade ao regime da Lei n._ 1386/1983.

38 Será necessário, depois, apurar se o direito comunitário obsta a que o órgão jurisdicional de reenvio verifique se, ao optar por intentar uma acção de declaração de invalidade das modificações do capital social cinco e quatro anos depois desses aumentos, o demandante no processo principal procurava desse modo obter, em detrimento da Platika Kavalas, benefícios ilegítimos e manifestamente estranhos ao objectivo do artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva, fazendo desse modo um uso abusivo do disposto neste artigo.

39 Há que declarar a este propósito que o facto de ter intentado uma acção, mesmo depois de um certo tempo, antes de ter decorrido o prazo de caducidade previsto para tais acções pelo direito nacional, não pode, por si só, ser qualificado como um indício sério e suficiente de abuso de direito.

40 Resulta, no entanto, do despacho de reenvio que, se a acção intentada pelo demandante no processo principal destinada a obter a declaração de invalidade das modificações do capital social da Plastika Kavalas durante o regime de administração provisória viesse a ser julgada procedente, vários acontecimentos ocorridos durante esse período poderiam ser postos em causa, designadamente compras, vendas execuções coercivas, aquisições de actividades e a fusão da Plastika Kavalas com outra sociedade. Além disso, é incontestável que a declaração de invalidade destas modificações afectaria inevitavelmente os direitos de terceiros de boa fé.

41 Há que ter presente a este propósito que a Segunda Directiva não prevê nenhuma sanção específica em caso de violação das suas disposições, de modo que as sanções comuns de direito privado podem ser aplicáveis. Quanto intentou a acção, o demandante no processo principal tinha, pois, o direito de optar, como o fez, de entre os meios de acção ao seu dispor no direito interno para sancionar a violação do artigo 25._ da Segunda Directiva, por uma acção de declaração de invalidade das modificações do capital social ocorridas.

42 Ter-se-á, pois, que determinar se o direito comunitário obsta a que o órgão jurisdicional de reenvio verifique se, tendo em conta os elementos de facto e de direito supervenientes às modificações do capital social, o tipo de reparação pedida constitui um indício sério e suficiente na acepção acima indicada, de exercício abusivo do direito decorrente do artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva, por parte do accionista em causa.

43 No caso em apreço, não parece que a aplicação uniforme do direito comunitário e a sua plena eficácia pudessem ficar comprometidas se se entendesse que um accionista que invoca o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva abusou do seu direito, pelo facto de, entre os meios de acção ao seu dispor para remediar uma situação ocorrida em violação da referida disposição, ter escolhido o que causa um prejuízo de tal modo grave aos interesses legítimos de outrem que se revela manifestamente desproporcionado. Com efeito, esta apreciação não alteraria o alcance do disposto no artigo em causa e não comprometeria os seus objectivos.

44 Deve, por conseguinte, responder-se à primeira questão que o direito comunitário não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem uma disposição de direito nacional que lhes permite apreciar se um direito decorrente de uma disposição do direito comunitário foi exercido de forma abusiva. Porém, o órgão jurisdicional nacional, ao proceder a essa apreciação, não poderá imputar a um accionista que invoca o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva o exercício abusivo do direito que decorre desta disposição pelo facto de ser um accionista minoritário, de ter beneficiado do saneamento da sociedade sujeita a um regime de saneamento, de não ter feito uso do seu direito de preferência, de figurar entre os accionistas que requereram a sujeição da sociedade ao regime aplicável às sociedades em situação económica difícil, ou de ter deixado passar um certo tempo antes de intentar a acção. Em contrapartida, o direito comunitário não se opõe a que as referidas jurisdições apliquem a disposição de direito interno em causa se um accionista, para remediar uma situação ocorrida em violação da directiva, escolher, entre os meios de acção ao seu dispor, o que causa um prejuízo de tal modo grave aos interesses legítimos de outrem que se revela manifestamente desproporcionado.

Quanto à segunda questão

45 Tendo em conta as considerações que precedem, não é necessário responder à segunda questão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

46 As despesas efectuadas pelo Governo helénico e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Polymeles Protodikeio Athinon, por despacho de 24 de Junho de 1997, declara:

O direito comunitário não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem uma disposição de direito nacional que lhes permite apreciar se um direito decorrente de uma disposição do direito comunitário foi exercido de forma abusiva. Porém, o órgão jurisdicional nacional, ao proceder a essa apreciação, não poderá imputar a um accionista que invoca o artigo 25._, n._ 1, da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, o exercício abusivo do direito que decorre desta disposição pelo facto de ser um accionista minoritário, de ter beneficiado do saneamento da sociedade sujeita a um regime de saneamento, de não ter feito uso do seu direito de preferência, de figurar entre os accionistas que requereram a sujeição da sociedade ao regime aplicável às sociedades em situação económica difícil ou de ter deixado passar um certo tempo antes de intentar a acção. Em contrapartida, o direito comunitário não se opõe a que as referidas jurisdições apliquem essa disposição de direito interno em causa se um accionista, para remediar uma situação ocorrida em violação da directiva, escolhe entre os meios de acção ao seu dispor, o que causa um prejuízo de tal modo grave aos interesses legítimos de outrem que se revela manifestamente desproporcionado.