Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 8 de Junho de 1999. - C.P.M. Meeusen contra Hoofddirectie van de Informatie Beheer Groep. - Pedido de decisão prejudicial: Commissie van Beroep Studiefinanciering - Países Baixos. - Regulamento (CEE) n. 1612/68 - Livre circulação de pessoas - Conceito de "trabalhador" - Liberdade de estabelecimento - Financiamento de estudos - Discriminação baseada na nacionalidade - Condição de residência. - Processo C-337/97.
Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-03289
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Conceito - Existência de uma relação de trabalho - Exercício de actividades reais ou efectivas - Cônjuge do director e único proprietário de uma empresa - Inclusão
[Tratado CE, artigo 48._ (que passou, após alteração, a artigo 39._ CE); Regulamento n._ 1612/68 do Conselho]
2 Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Igualdade de tratamento - Vantagens sociais - Financiamento de estudos - Concessão aos descendentes a cargo de um trabalhador nacional de outro Estado-Membro - Condição de residência - Inadmissibilidade
(Regulamento n._ 1612/68 do Conselho, artigo 7._)
3 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Regulamentação de um Estado-Membro subordinando a concessão de um financiamento dos estudos dos filhos dos nacionais de outros Estados-Membros a uma condição de residência no território nacional - Discriminação contra os descendentes a cargo de trabalhadores não assalariados - Inadmissibilidade
[Tratado CE, artigo 52._ (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE)]
1 O conceito de trabalhador, na acepção do artigo 48._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 39._ CE) e do Regulamento n._ 1612/68, reveste um alcance comunitário e não deve ser interpretado de forma restritiva. Deve ser considerada trabalhador qualquer pessoa que exerce actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal maneira reduzidas que se afigurem como puramente marginais e acessórias. A característica da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar durante um certo tempo, em favor de outrem e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração.
O facto de uma pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário das partes sociais da sociedade não se opõe a que essa pessoa possa ser qualificada de trabalhador na acepção das disposições citadas, desde que exerça a sua actividade no quadro de um vínculo de subordinação. Efectivamente, as relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges que decorrem do casamento não excluem a existência, no quadro da organização da empresa, de um vínculo de subordinação característico de uma relação de trabalho.
2 Se um Estado-Membro não pode fazer depender a concessão de uma vantagem social, na acepção do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, da condição de os trabalhadores, beneficiários dessa vantagem, terem residência no território nacional desse Estado-Membro, o princípio da igualdade de tratamento enunciado nesse artigo visa também impedir as discriminações efectuadas em detrimento dos descendentes a cargo do trabalhador. A este respeito, é discriminatória uma condição de residência, prevista pela legislação nacional, exigida aos filhos dos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros para o financiamento dos seus estudos, que não é imposto aos filhos dos trabalhadores nacionais.
Consequentemente, o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado-Membro de que é nacional, pode invocar o n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 para obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de emprego e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
3 O artigo 52._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) assegura o benefício do tratamento nacional aos nacionais de um Estado-Membro que pretendem exercer uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro e proíbe qualquer discriminação baseada na nacionalidade que dificulte o acesso ou o exercício dessa actividade. Este princípio da igualdade de tratamento visa também impedir as discriminações efectuadas em detrimento dos descendentes a cargo do trabalhador não assalariado. Opõe-se, por isso, à exigência, prevista por uma legislação nacional, de uma condição de residência dos filhos dos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros para o financiamento dos seus estudos que não é imposta aos filhos dos trabalhadores nacionais, tal condição é discriminatória.
Daqui resulta que o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de estabelecimento e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
No processo C-337/97,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pela Commissie van Beroep Studiefinanciering (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
C. P. M. Meeusen
e
Hoofddirectie van de Informatie Beheer Groep,
" uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 48._ e 52._ do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 39._ CE e 43._ CE), bem como do artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, P. Jann (relator), J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann e D. A. O. Edward, juízes,
advogado-geral: A. La Pergola,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação de Meeusen, por P. J. M. Meeusen, pai da recorrente no processo principal,
- em representação do Governo neerlandês, por A. H. M. Nierman, embaixador do Reino dos Países Baixos no Luxemburgo, na qualidade de agente,
- em representação do Governo alemão, por E. Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. J. Kuijper, consultor jurídico, e B. J. Drijber, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Meeusen, representada por P. J. M. Meeusen, do Governo neerlandês, representado por M. A. Fierstra, chefe do serviço do direito europeu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por P. J. Kuijper, na audiência de 19 de Novembro de 1998,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Janeiro de 1999,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 26 de Setembro de 1997, entrada no Tribunal de Justiça em 29 de Setembro seguinte, a Commissie van Beroep Studiefinanciering apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), várias questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 48._ e 52._ do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 39._ CE e 43._ CE), bem como do artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).
2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe Meeusen, recorrente no processo principal, à Hoofddirectie van de Informatie Beheer Groep (a seguir «IBG»), recorrida no processo principal, quanto a um pedido de bolsa de estudos feito por Meeusen nos termos da Wet op de Studiefinanciering (lei sobre o financiamento de estudos, a seguir «WSF») quando da sua inscrição no Provinciaal Hoger Technisch Instituut voor Scheikunde de Anvers, estabelecimento de ensino superior.
3 O artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 dispõe:
«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais...
2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»
4 Nos termos do seu artigo 7._, a WSF aplica-se aos:
«a. estudantes de nacionalidade neerlandesa;
b. estudantes que não tenham nacionalidade neerlandesa mas que residam nos Países Baixos e aí estejam equiparados aos neerlandeses em matéria de financiamento de estudos por força de disposições constantes de convenções celebradas com outros Estados ou de uma decisão, vinculativa para os Países Baixos, proferida por uma organização de direito internacional público;
c. ...»
5 O financiamento previsto na WSF é concedido directamente ao estudante com 18 anos ou mais. Consiste numa bolsa de base, cujo montante não depende dos recursos dos pais, e numa bolsa complementar, cujo montante varia em função dos rendimentos dos pais.
6 Nos termos do n._ 1 do artigo 9._ da WSF, apenas dá direito ao financiamento dos estudos uma formação prosseguida num estabelecimento neerlandês. O seu n._ 3 prevê, no entanto, uma excepção a esta norma em benefício de determinados estabelecimentos estrangeiros equiparados a estabelecimentos neerlandeses nos termos da WSF. Verifica-se que o Provinciaal Hoger Technisch Instituut voor Scheikunde de Anvers beneficia desta equiparação.
7 Resulta da decisão de reenvio que Meeusen, de nacionalidade belga e residente na altura dos factos na Bélgica, iniciou em Agosto de 1993 estudos no Provinciaal Hoger Technisch Instituut voor Scheikunde de Anvers. Os seus pais são de nacionalidade belga e residem na Bélgica. O pai é director de uma sociedade com sede nos Países Baixos e detentor da totalidade das partes sociais. A mãe é empregada nesta sociedade, trabalhando dois dias por semana. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a sua actividade é real e efectiva.
8 Em 14 de Outubro de 1993, Meeusen pediu ao IBG o financiamento dos seus estudos nos termos da WSF.
9 O IBG, inicialmente, deu-lhe satisfação tendo-lhe atribuído uma bolsa de base para o período de Novembro de 1993 a Dezembro de 1994, mas, posteriormente, o pedido foi indeferido por decisão de 2 de Outubro de 1994, que, além disso, determinou o reembolso dos montantes já recebidos. Apresentada reclamação da recusa do financiamento, também esta foi indeferida por decisão do IBG de 12 de Janeiro de 1995.
10 Na sequência do indeferimento da sua reclamação, Meeusen interpôs recurso para a Commissie van Beroep Studiefinanciering. Neste órgão jurisdicional, sustentou que o direito ao financiamento de estudos não pode estar sujeito à exigência de que o filho habite ou resida no território do Estado-Membro onde os seus pais trabalham, do mesmo modo que não está ligado à nacionalidade. Em sua defesa, o IBG sustentou que os pais da recorrente não podem ser considerados trabalhadores migrantes na acepção do artigo 48._ do Tratado, dado não habitarem nos Países Baixos. Só pode ser qualificado trabalhador migrante quem possua a qualidade de trabalhador assalariado e que tenha estabelecido a sua residência no país de acolhimento. Quanto aos trabalhadores fronteiriços, a que o preâmbulo do Regulamento n._ 1612/68 se refere, trata-se de pessoas que trabalham na proximidade imediata de uma fronteira.
11 Foi nestas condições que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) a) A circunstância de, como no caso em apreço, a mãe da recorrente trabalhar como assalariada de uma sociedade de que o seu marido é director e único sócio constitui um obstáculo a que seja considerada trabalhadora migrante na acepção do artigo 48._ do Tratado CE e do Regulamento n._ 1612/68?
Se a resposta à primeira questão, alínea a), for negativa:
b) No processo Bernini (acórdão de 26 de Fevereiro de 1992, processo 3/90), o Tribunal de Justiça declarou que um financiamento de estudos concedido por um Estado-Membro aos filhos dos trabalhadores constitui, para um trabalhador migrante, uma vantagem social na acepção do artigo 7._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 1612/68, quando o trabalhador continua a custear as despesas do filho. Nesse caso, o filho pode invocar o artigo 7._, n._ 2, para obter um financiamento de estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos de trabalhadores nacionais e, nomeadamente, sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência.
Esta jurisprudência aplica-se integralmente quando o trabalhador migrante é considerado trabalhador fronteiriço?
c) A jurisprudência do acórdão Bernini, reproduzida na questão anterior, aplica-se também se o filho do trabalhador migrante nunca residiu nos Países Baixos, como sucede no caso em apreço?
2) O artigo 52._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que a garantia que resulta da jurisprudência do acórdão Bernini, reproduzida na primeira questão, alínea b), também é aplicável ao filho de um nacional de um Estado-Membro que exerce uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro?
Em que medida é relevante a circunstância de o filho nunca ter residido nos Países Baixos e a circunstância de o pai não residir no país em que exerce a actividade não assalariada?»
Quanto à primeira questão, alínea a)
12 Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o facto de uma pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário das partes sociais da sociedade em favor da qual exerce a sua actividade opõe-se a que esta pessoa possa ser considerada de «trabalhador» na acepção do artigo 48._ do Tratado e do Regulamento n._ 1612/68.
13 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «trabalhador», na acepção das disposições citadas, reveste um alcance comunitário e não deve ser interpretado de forma restritiva. Deve ser considerada «trabalhador» qualquer pessoa que exerce actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal maneira reduzidas que se afigurem como puramente marginais e acessórias. A característica da relação de trabalho é, segundo jurisprudência, a circunstância de uma pessoa realizar durante um certo tempo, em favor de outrem e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., nomeadamente, os acórdãos de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n.os 16 e 17, e de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala, C-85/96, Colect., p. I-2691, n._ 32).
14 O facto de a referida pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário da empresa não é, por si só, susceptível de afectar aquela qualificação.
15 É verdade que o Tribunal de Justiça julgou, no acórdão de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089, n._ 26), que o director de uma sociedade de que é o único accionista não exerce a sua actividade no quadro de um vínculo de subordinação, pelo que não pode ser considerado «trabalhador» na acepção do artigo 48._ do Tratado. Todavia, esta solução não pode ser transposta automaticamente para o seu cônjuge. Efectivamente, as relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges que decorrem do casamento não excluem a existência, no quadro da organização da empresa, de um vínculo de subordinação característico de uma relação de trabalho.
16 A existência de um tal vínculo é um elemento que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.
17 Há assim que responder à primeira questão, alínea a), que o facto de uma pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário das partes sociais da sociedade em favor da qual exerce uma actividade real e efectiva não se opõe a que essa pesssoa possa ser qualificada de «trabalhador» na acepção do artigo 48._ do Tratado e do Regulamento n._ 1612/68, desde que exerça a sua actividade no quadro de um vínculo de subordinação.
Quanto à primeira questão, alíneas b) e c)
18 Com estas questões, que é conveniente examinar em conjunto, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerça uma actividade assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode invocar o n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 para obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos de nacionais do Estado de emprego e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
19 Como resulta do acórdão Bernini, já referido, n._ 25, um financiamento de estudos concedido por um Estado-Membro aos filhos dos trabalhadores constitui, para um trabalhador migrante, uma vantagem social na acepção do n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, quando este último continue a prover à subsistência do filho.
20 Os Governos neerlandês e alemão sustentam que esta regra não pode ser alargada ao caso de um trabalhador fronteiriço. Efectivamente, a igualdade de tratamento prevista no n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 apenas visa, como resulta do seu quinto considerando, facilitar a mobilidade dos trabalhadores e a integração do trabalhador migrante e da sua família no Estado-Membro de acolhimento. A concessão por este Estado, em benefício do filho de um trabalhador residente com a família noutro Estado-Membro, de um financiamento para a prossecução de estudos no estrangeiro não se inscreve neste quadro. Uma condição de residência, como a exigida pela legislação nacional em causa no processo principal, é, assim, objectivamente justificada e proporcional ao objectivo prosseguido pelo Regulamento n._ 1612/68.
21 Como o Tribunal decidiu no acórdão de 27 de Novembro de 1997, Meints (C-57/96, Colect., p. I-6689, n._ 50), esta argumentação não tem em conta a redacção do Regulamento n._ 1612/68. Efectivamente, o seu quarto considerando prevê expressamente que o direito de livre circulação deve ser reconhecido «... indiferentemente aos trabalhadores `permanentes', sazonais, fronteiriços ou àqueles que exerçam a sua actividade aquando de uma prestação de serviços», e o seu artigo 7._ refere-se, sem reservas, ao «trabalhador nacional de um Estado-Membro». O Tribunal deduziu daí e declarou, no acórdão Meints, já referido, que um Estado-Membro não pode fazer depender a concessão de uma vantagem social, na acepção do referido artigo 7._, da condição de os respectivos beneficiários terem residência no território nacional desse Estado.
22 Deve acrescentar-se que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento referido no artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 visa também impedir as discriminações efectuadas em detrimento dos descendentes a cargo do trabalhador (v. acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak, 94/84, Recueil, p. 1873, n._ 22). Estes podem, por isso, invocar o n._ 2 do artigo 7._ para obter um o financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos trabalhadores nacionais (v. acórdão Bernini, já referido, n._ 28).
23 Donde se conclui que, na hipótese de uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, não impor a condição de residência aos filhos dos trabalhadores nacionais para efeitos de financiamento dos seus estudos, uma tal condição deve ser considerada discriminatória se é exigida aos filhos dos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros.
24 Efectivamente, tal condição prejudicaria particularmente os trabalhadores fronteiriços que, por definição, têm a sua residência noutro Estado-Membro, onde residem igualmente, em geral, os membros da sua família.
25 À luz do que antecede, deve responder-se às questões colocadas que o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado-Membro de que é nacional, pode invocar o n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 para obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos de nacionais do Estado-Membro de emprego e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
Quanto à segunda questão
26 Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de estabelecimento e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
27 Deve, a este respeito, recordar-se que o artigo 52._ do Tratado assegura o benefício do tratamento nacional aos nacionais de um Estado-Membro que pretendem exercer uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro e proíbe qualquer discriminação baseada na nacionalidade que dificulte o acesso ou o exercício dessa actividade. Como o Tribunal decidiu no acórdão de 10 de Março de 1993, Comissão/Luxemburgo (C-111/91, Colect., p. I-817, n._ 17), a referida proibição não diz respeito apenas às normas específicas, relativas ao exercício das actividades profissionais, mas também, como resulta do programa geral para a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento (JO 1962, 2, p. 36; EE 06 F1 p. 7), a qualquer entrave às actividades não assalariadas dos nacionais dos outros Estados-Membros que consista num tratamento diferenciado dos nacionais dos outros Estados-Membros em relação aos nacionais, previsto por disposição legislativa, regulamentar ou administrativa de um Estado-Membro ou que resulte da aplicação dessa disposição ou de práticas administrativas.
28 Esta proibição aplica-se portanto à exigência de uma condição de residência para a concessão de um benefício social quando se verifique que esta condição tem carácter discriminatório (acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n._ 18).
29 O princípio da igualdade de tratamento assim enunciado visa também impedir as discriminações efecuadas em detrimento dos descendentes a cargo do trabalhador não assalariado. Opõe-se, por isso, à exigência de uma condição de residência como a prevista pela legislação nacional em causa que, como se referiu no n._ 23 do presente acórdão, deve ser considerada discriminatória.
30 Atento o que antecede, deve responder-se à segunda questão que o filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de estabelecimento e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
Quanto às despesas
31 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês e alemão, bem como pela Comissão, que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Commissie van Beroep Studiefinanciering, por decisão de 26 de Setembro de 1997, declara:
1) O facto de uma pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário das partes sociais da sociedade em favor da qual exerce uma actividade real e efectiva não se opõe a que essa pessoa possa ser qualificada de «trabalhador» na acepção do artigo 48._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._ CE) e do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, desde que exerça a sua actividade no quadro de um vínculo de subordinação.
2) O filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode invocar o n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 para obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de emprego e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.
3) O filho a cargo de um nacional de um Estado-Membro, que exerce uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro conservando a sua residência no Estado de que é nacional, pode obter um financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos nacionais do Estado-Membro de estabelecimento e nomeadamente sem que lhe possa ser imposta uma condição suplementar relativa à residência do filho.