61997J0281

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 9 de Setembro de 1999. - Andrea Krüger contra Kreiskrankenhaus Ebersberg. - Pedido de decisão prejudicial: Arbeitsgericht München - Alemanha. - Igualdade de tratamento entre homens e mulheres - Subsídio de fim de ano - Condições de concessão. - Processo C-281/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-05127


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Convenção colectiva que exclui da concessão de um subsídio anual especial as pessoas que exercem um emprego «menor» - Medida que atinge uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens- Inadmissibilidade

[Tratado CE, artigo 119._ (os artigos 117._ a 120._ do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136._ CE a 143._ CE)]

Sumário


O artigo 119._ do Tratado CE (os artigos 117._ a 120._ do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136._ CE a 143._ CE) deve ser interpretado no sentido de que a exclusão, por uma convenção colectiva, das pessoas que exerçam actividades por conta de outrem com um horário normal inferior a quinze horas por semana e uma remuneração normal que não ultrapasse uma fracção da base mensal de referência e, por tal razão, não sujeitas a inscrição na segurança social obrigatória do benefício de um subsídio especial anual previsto na referida convenção colectiva que se aplica independentemente do sexo do trabalhador, mas que, na realidade, atinge uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, constitui uma discriminação indirecta com base no sexo.

Partes


No processo C-281/97,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Arbeitsgericht München (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Andrea Krüger

e

Kreiskrankenhaus Ebersberg,

" uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119._ do Tratado CE (os artigos 117._ a 120._ do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136._ CE a 143._ CE) e da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: G. Hirsch (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, J. L. Murray e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Kreiskrankenhaus Ebersberg, por Annette Dassau, Referent na Kommunaler Arbeitgeberverband Bayern eV.,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Peter Hillenkamp, consultor jurídico, e Marie Wolfcarius, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Thomas Eilmansberger e Stefan Köck, advogados no foro de Bruxelas,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações orais da Kreiskrankenhaus Ebersberg e da Comissão, na audiência de 12 de Novembro de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 3 de Dezembro de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 3 de Julho de 1997, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de Agosto seguinte, o Arbeitsgericht München apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 119._ do Tratado CE (os artigos 117._ a 120._ do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136._ CE a 143._ CE) e da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

2 Esta questão foi suscitada num litígio que opõe A. Krüger ao Kreiskrankenhaus Ebersberg em relação ao pagamento de um subsídio especial anual.

3 A. Krüger foi contratada a tempo inteiro pelo demandado, a contar de 1 de Outubro de 1990, como enfermeira. A respectiva relação de trabalho era abrangida pelo Bundesangestelltentarifvertrag de 1961 (convenção colectiva dos agentes da função pública em regime contratual, a seguir «BAT»).

4 Após o nascimento de um filho, em 24 de Abril de 1995, A. Krüger obteve, nos termos do Bundeserziehungsgeldgesetz (lei federal referente à concessão de subsídio e de licença para educação, a seguir «BErzGG»), um período de licença de educação de 20 de Junho de 1995 a 23 de Abril de 1998, bem como um subsídio de educação.

5 A. Krüger ocupa, desde 20 de Setembro de 1995, ao serviço do demandado, um lugar a tempo parcial no sentido do § 8 do Quarto Livro do Socialgesetzbuch (código social, a seguir «SGB»), com um horário normal inferior a quinze horas por semana e uma remuneração normal que não ultrapassa uma fracção da base mensal de referência. Este tipo de empregos são isentos de contribuições para a segurança social.

6 A. Krüger pediu à respectiva entidade patronal o pagamento do subsídio especial anual referente a 1995, constituído por uma gratificação paga pelo Natal, equivalente a um mês de salário, e que é previsto pelo Zuwendungs-Tarifvertrag de 1973 (convenção colectiva que prevê o pagamento de um subsídio aos trabalhadores, a seguir «ZTV»).

7 O demandado recusou o pagamento daquele subsídio com o fundamento de que o ZTV apenas abrange as pessoas cuja relação de trabalho está sujeita ao BAT e que, nos termos do § 3 n do BAT, quem ocupar um lugar a tempo parcial no sentido do § 8 do SGB está excluído do âmbito daquela convenção.

8 Em 14 de Junho de 1996, A. Krüger propôs uma acção no Arbeitsgericht para obter o pagamento do subsídio anual.

9 No entender do órgão jurisdicional de reenvio, o disposto no § 3 n do BAT constitui uma discriminação indirecta em prejuízo das mulheres dado que é de presumir que mais de 90% das pessoas que recebem prestações nos termos do BErzGG são mulheres. Além disso, considera que as mulheres na situação de licença de educação, que, embora trabalhando, educam crianças, são discriminadas em relação às que, por esta razão, renunciam à respectiva actividade profissional.

10 Nestas condições, o Arbeitsgericht München decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma norma do direito nacional - aqui o § 3 n do BAT em conjugação com o Zuwendungs-TV de 12 de Outubro de 1973 - é compatível com a Directiva 76/207/CEE relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere às condições de trabalho, bem como com o artigo 119._ do Tratado CE, quando prevê que um trabalhador assalariado que exerce uma actividade não sujeita obrigatoriamente a contribuição para a segurança social, durante a licença para educação dos filhos (licença para educação), contrariamente aos trabalhadores que estão sujeitos à segurança social obrigatória, não recebe o prémio especial anual previsto pelo contrato colectivo aplicável? Esta medida é compatível com as referidas normas, nomeadamente quando os trabalhadores assalariados em licença de férias para educação, mas que não trabalham, apesar disso recebem, logo no primeiro ano, o prémio especial previsto no contrato colectivo?»

11 A título liminar, deve considerar-se, como sustentaram o demandante no processo principal e a Comissão e como salientou o advogado-geral nos n.os 15 a 20 das suas conclusões, que a exclusão do benefício do subsídio especial anual de pessoas que exerçam uma actividade a tempo parcial no sentido do § 8 do SGB resulta apenas da aplicação conjugada do § 3 n do BAT e do ZTV, sendo irrelevantes para o efeito as disposições do BErzGG.

12 Donde se conclui que o juiz de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 119._ do Tratado e a Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que a exclusão, por uma convenção colectiva, das pessoas que exerçam actividades por conta de outrem com um horário normal inferior a quinze horas por semana e uma remuneração normal que não ultrapasse uma fracção da base mensal de referência e, por tal razão, não sujeitas a inscrição na segurança social obrigatória do benefício de um subsídio especial anual previsto na referida convenção colectiva constitui discriminação indirecta em prejuízo das mulheres, na hipótese de tal exclusão abranger uma percentagem consideravelmente mais elevada de homens que de mulheres.

Quanto à Directiva 76/207

13 Há antes de mais que concluir que a Directiva 76/207 é aplicável ao conflito objecto do processo principal.

14 Efectivamente, resulta nomeadamente do segundo considerando da Directiva 76/207 que não abrange a remuneração no sentido do artigo 119._ do Tratado (v. acórdão de 13 de Fevereiro de 1996, Gillespie e o., C-342/93, Colect., p. I-475, n._ 24).

15 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o conceito de remuneração, na acepção do segundo parágrafo do artigo 119._, inclui todas as regalias pecuniárias ou em espécie, actuais ou futuras, desde que pagas, ainda que indirectamente, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último (v., nomeadamente, os acórdãos de 9 de Fevereiro de 1982, Garland, 12/81, Recueil, p. 359, n._ 5; e de 17 de Maio de 1990, Barber, C-262/88, Colect., p. I-1889, n._ 12, e de 9 de Fevereiro de 1999, Seymour-Smith e Perez, C-167/97, Colect., p. I-623, n._ 23).

16 O Tribunal de Justiça esclareceu, no n._ 10 do acórdão Garland, já referido, que a natureza jurídica destas regalias não tem relevância para a aplicação do artigo 119._ quando sejam atribuídas em relação com o emprego.

17 Um subsídio de fim de ano que a entidade patronal paga ao trabalhador por força da lei ou de convenção colectiva é pago em virtude da sua actividade profissional, pelo que constitui remuneração no sentido do artigo 119._ do Tratado. Não pode portanto ser abrangido pela Directiva 76/207.

Quanto ao artigo 119._ do Tratado

18 A este propósito, há que salientar que o artigo 119._ do Tratado estabelece o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores do sexo feminino e do sexo masculino para trabalho igual, mas não abrange os casos de discriminação de um grupo de trabalhadores relativamente a outro grupo de trabalhadores pertencentes ao mesmo sexo.

19 Ao invés, este princípio obsta não só à aplicação de normas que criem discriminações directamente assentes no sexo, mas também das que mantenham diferenças de tratamento entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos através de critérios não assentes no sexo, quando tais diferenças de tratamento não possam ser explicadas por factores objectivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (v., nomeadamente, o acórdão Seymour-Smith e Perez, já referido, n._ 52).

20 Recorda-se seguidamente que, dado o seu carácter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos se impõe não apenas à acção das autoridades públicas, mas é igualmente extensiva a todas as convenções destinadas a regular colectivamente o trabalho por conta de outrem, bem como os contratos entre particulares (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Fevereiro de 1991, Nimz, C-184/89, Colect., p. I-297, n._ 11).

21 Quanto à recusa de pagamento do subsídio em causa no processo principal, verifica-se que a exclusão do âmbito do BAT de pessoas com uma actividade a tempo parcial no sentido do § 8 do SGB não constitui discriminação directamente baseada no sexo. Há assim que examinar se a referida medida poderá constituir discriminação indirecta contrária ao artigo 119._ do Tratado.

22 Segundo jurisprudência firmada, contraria o artigo 119._ do Tratado uma disposição de direito interno ou uma cláusula de convenção colectiva que se aplique independentemente do sexo do trabalhador, mas que atinge de facto uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, a não ser que essa disposição se justifique por razões objectivas e estranhas a qualquer discriminação fundada no sexo (v., neste sentido, acórdãos Seymour-Smith e Perez, já referido, n._ 67, e de 13 de Julho de 1989, Rinner-Kühn, 171/88, Colect., p. 2743, n._ 12).

23 Deve lembrar-se que a exclusão das pessoas com empregos «menores» da segurança social, prevista no SGV, se destina a responder a uma procura social desses empregos que o Governo alemão considerou necessário satisfazer no quadro da sua política social e de emprego (v. acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Nolte, C-317/93, Colect., p. I-4625, n._ 31, e Megner e Scheffel, C-444/93, Colect., p. I-4741, n._ 27).

24 Há a este propósito que ter em conta que, por força do disposto no § 3 n do BAT, as pessoas com um emprego «menor» não são por ele abrangidas, pelo que não beneficiam do subsídio anual especial nele previsto.

25 Todavia, a não aplicação do BAT não pode alterar o princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos por trabalho igual tal como consta do artigo 119._ do Tratado. Segundo jurisprudência constante, trata-se de princípio fundamental do direito comunitário, pelo que nenhuma norma de direito nacional poderá ter como efeito esvaziá-lo de sua substância (v. acórdão Seymour-Smith e Perez, já referido, n._ 75).

26 Deve ter-se ainda em conta que a exclusão de pessoas com um emprego «menor» de uma convenção colectiva que prevê a concessão de um subsídio anual especial constitui tratamento diferente em relação aos trabalhadores a tempo inteiro. Se o órgão jurisdicional nacional, o único competente para conhecer dos factos, chegar à conclusão de que aquela exclusão, ainda que aplicável independentemente do sexo do trabalhador, atinge, na realidade, percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres que de homens, deve concluir que a convenção colectiva em causa constitui uma discriminação indirecta no sentido do artigo 119._ do Tratado.

27 O demandado, reportando-se ao acórdão Nolte, já referido, sustenta, no entanto, que o objectivo de política social e de emprego, que é objectivamente estranho a qualquer discriminação em razão do sexo, justifica, no caso em apreço, a exclusão dos empregos «menores» do âmbito da convenção colectiva.

28 É verdade que o Tribunal de Justiça esclareceu que a política social é da competência, no estado actual do direito comunitário, dos Estados-Membros. Por conseguinte, incumbe a estes escolher as medidas susceptíveis de prosseguirem o objectivo da respectiva política social e do emprego. No exercício desta competência, dispõem de uma larga margem de apreciação (v. acórdãos referidos, Nolte, n._ 33, e Megner e Scheffel, n._ 29).

29 Todavia, o processo principal tem por objecto situação diferente da dos acórdãos Nolte e Megner e Scheffel, já referidos. Efectivamente, não se trata, no caso em apreço, nem de uma medida tomada pelo legislador nacional no quadro do seu poder de apreciação nem de um princípio de base do sistema de segurança social alemão, mas da exclusão de pessoas com um emprego «menor» de uma convenção colectiva que prevê a concessão de um subsídio especial anual, o que tem como resultado, quanto à remuneração, que tais pessoas são tratadas de forma diferente daquelas a quem a referida convenção colectiva se aplica.

30 Atentas as considerações que antecedem, há que responder que o artigo 119._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que a exclusão, por uma convenção colectiva, das pessoas que exerçam actividades por conta de outrem com um horário normal inferior a quinze horas por semana e uma remuneração normal que não ultrapasse uma fracção da base mensal de referência e, por tal razão, não sujeitas a inscrição na segurança social obrigatória do benefício de um subsídio especial anual previsto na referida convenção colectiva que se aplica independentemente do sexo do trabalhador, mas que, na realidade, atinge uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, constitui uma discriminação indirecta com base no sexo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

31 As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações no Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Arbeitsgericht München, por despacho de 3 de Julho de 1997, declara:

O artigo 119._ do Tratado CE (os artigos 117._ a 120._ do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136._ CE a 143._ CE) deve ser interpretado no sentido de que a exclusão, por uma convenção colectiva, das pessoas que exerçam actividades por conta de outrem com um horário normal inferior a quinze horas por semana e uma remuneração normal que não ultrapasse uma fracção da base mensal de referência e, por tal razão, não sujeitas a inscrição na segurança social obrigatória do benefício de um subsídio especial anual previsto na referida convenção colectiva que se aplica independentemente do sexo do trabalhador, mas que, na realidade, atinge uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, constitui uma discriminação indirecta com base no sexo.