61997J0024

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 30 de Abril de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha. - Incumprimento de Estado - Direito de permanência - Obrigação de possuir documentos de identificação - Sanções. - Processo C-24/97.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02133


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Livre circulação de pessoas - Direito de entrada e de permanência dos nacionais dos Estados-Membros - Obrigação de possuir uma autorização de residência - Controlos e sanções em caso de não respeito - Admissibilidade - Condições

(Tratado CE, artigos 48._, 52._ e 59._; Directivas do Conselho 68/360, artigo 4._, e 73/148, artigo 4._)

Sumário


O direito comunitário não se opõe a que um Estado-Membro efectue controlos quanto ao respeito da obrigação de estar sempre em condições de apresentar uma autorização de residência, desde que imponha a mesma obrigação aos seus próprios nacionais no que respeita ao seu bilhete de identidade.

No caso de não respeito desta obrigação, as autoridades nacionais podem decerto aplicar sanções comparáveis às que se aplicam a infracções nacionais de menor importância, como as previstas no caso de não se ser portador de um documento de identificação, desde que não seja prevista uma sanção desproporcionada, que criaria um entrave à livre circulação dos trabalhadores.

Daqui resulta que um Estado-Membro que reserve aos nacionais dos outros Estados-Membros que residam no seu território um tratamento desmesuradamente diferente, no que diz respeito ao grau de culpabilidade e às coimas aplicáveis, do que aplica aos seus próprios nacionais quando estes infringem de modo comparável a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado, bem como do artigo 4._ da Directiva 68/360 relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade, e do artigo 4._ da Directiva 73/148 relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-Membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços.

Partes


No processo C-24/97,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Peter Hillenkamp e Pieter Jan Kuijper, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por Ernst Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente, D - 53107 Bonn,

demandada,

"que tem por objecto obter a declaração de que, ao reservar aos nacionais dos outros Estados-Membros que residam no território alemão um tratamento desmesuradamente diferente, no que respeita ao grau de culpabilidade e às coimas aplicáveis, do que aplica aos seus próprios nacionais quando estes infringem de modo comparável a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado CE, bem como do artigo 4._, n._ 1, da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88), e do artigo 4._, n._ 1, da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-Membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: H. Ragnemalm (relator), presidente de secção, G. F. Mancini, J. L. Murray, G. Hirsch e K. M. Ioannou, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Janeiro de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de Janeiro de 1997, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao reservar aos nacionais dos outros Estados-Membros que residam no território alemão um tratamento desmesuradamente diferente, no que respeita ao grau de culpabilidade e às coimas aplicáveis, do que aplica aos seus próprios nacionais quando estes infringem de modo comparável a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado CE, bem como do artigo 4._, n._ 1, da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88), e do artigo 4._, n._ 1, da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-Membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132).

2 O § 12 a, n._ 1, ponto 2, da Gesetz über Einreise und Aufenthalt von Staatsangehörigen der Mitgliedstaaten der Europäischen Wirtschaftsgemeinschaft, de 22 de Julho de 1969, dispõe que quem, enquanto beneficiário da livre circulação na acepção desta lei, permaneça no território que constitui o domínio de aplicação da lei sem possuir o passaporte necessário, um documento que o substitua, uma autorização necessária de residência ou sem beneficiar de uma medida especial comete uma infracção administrativa.

3 Segundo o n._ 2 da mesma disposição, comete igualmente uma infracção administrativa quem por negligência cometa um dos actos referidos no número anterior. O seu n._ 3 dispõe que a infracção administrativa pode ser punida com uma coima de um máximo de 5 000 DM.

4 Quanto às infracções administrativas cometidas pelos nacionais alemães, o § 5, n.os 1, pontos 1 e 2, e 2, da Gesetz über Personalausweise, de 19 de Dezembro de 1950, prevê:

«(1) Comete uma infracção administrativa quem

1. intencionalmente ou por negligência grosseira não obtenha um bilhete de identidade ou não o obtenha para um menor de que seja representante legal, quando tem essa obrigação,

2. não apresente o bilhete de identidade a pedido de uma autoridade competente...

(2) A infracção administrativa pode ser punida com uma coima.»

5 Segundo o § 17, n._ 1, da Gesetz über Ordnungswidrigkeiten, de 24 de Maio de 1968, a sanção eleva-se então no mínimo a 5 DM e no máximo a 1 000 DM, se a lei nada dispuser em contrário. O n._ 4 esclarece que a coima deve ser superior ao benefício económico que o autor da infracção retirou do seu acto. Se o máximo legal não for suficiente, pode ser ultrapassado.

6 Numa carta de notificação de incumprimento dirigida, em 25 de Julho de 1990, ao Governo alemão, a Comissão criticou o tratamento aplicado pelas autoridades alemãs aos nacionais dos outros Estados-Membros residentes no seu território quando infringem a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido. Segundo a Comissão, este tratamento era discriminatório relativamente ao aplicado aos nacionais alemães.

7 Por cartas de 11 de Janeiro de 1991, 20 de Março de 1991 e 18 de Fevereiro de 1992, o Governo alemão reconheceu a existência de uma discriminação e declarou-se disposto a proceder às alterações adequadas. Estava prevista para 1992 a adopção de um projecto de lei neste sentido. Este mesmo governo fez também referência a duas cartas do Ministério Federal do Interior dirigidas aos ministros e senadores dos Assuntos Interiores dos diferentes Länder, convidando-os a velar por que as infracções cometidas por nacionais dos outros Estados-Membros e relativas à obrigação de terem na sua posse um documento de identificação válido só sejam alvo de sanções se o acto for cometido por negligência grosseira.

8 Não tendo sido efectuada a alteração anunciada, a Comissão dirigiu, em 27 de Julho de 1995, um parecer fundamentado ao Governo alemão, convidando-o a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações no prazo de dois meses a contar da notificação do mesmo.

9 Não tendo recebido qualquer informação sobre a alteração das normas controvertidas, a Comissão intentou a presente acção.

10 Na sua contestação, o Governo alemão não contesta o incumprimento que lhe é imputado.

11 A título preliminar, recorde-se que o artigo 48._ do Tratado, cuja execução foi assegurada pela Directiva 68/360, bem como os artigos 52._ e 59._ do Tratado, postos em execução pela Directiva 73/148, assentam nos mesmos princípios no que respeita quer à entrada e permanência no território dos Estados-Membros das pessoas sujeitas ao direito comunitário, quer à proibição de qualquer discriminação contra elas exercida com base na nacionalidade (acórdão de 8 de Abril de 1976, Royer, 48/75, Colect., p. 221, n.os 11 e 12).

12 Os artigos 4._, n._ 1, das Directivas 68/360 e 73/148 prevêem que os Estados-Membros reconhecem o direito de permanência no seu território aos nacionais dos Estados-Membros bem como aos membros da sua família que possam apresentar um bilhete de identidade ou um passaporte válidos.

13 O direito comunitário não se opõe a que um Estado-Membro efectue controlos quanto ao respeito da obrigação de estar sempre em condições de apresentar uma autorização de residência, desde que imponha a mesma obrigação aos seus próprios nacionais no que respeita ao seu bilhete de identidade (acórdão de 27 de Abril de 1989, Comissão/Bélgica, 321/87, Colect., p. 997, n._ 12).

14 No caso de não respeito desta obrigação, as autoridades nacionais podem decerto aplicar sanções comparáveis às que se aplicam a infracções nacionais de menor importância, como as previstas em caso de não ser portador de um documento de identificação, desde que não seja prevista uma sanção desproporcionada, que criaria um entrave à livre circulação dos trabalhadores (v. acórdão de 12 de Dezembro de 1989, Messner, C-265/88, Colect., p. 4209, n._ 14).

15 Atendendo ao que precede, verifica-se que, ao reservar aos nacionais dos outros Estados-Membros que residam no território alemão um tratamento desmesuradamente diferente, no que diz respeito ao grau de culpabilidade e às coimas aplicáveis, do que aplica aos seus próprios nacionais quando estes infringem de modo comparável a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado, bem como do artigo 4._ das Directivas 68/360 e 73/148.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

16 Por força do disposto no artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a República Federal da Alemanha sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção)

decide:

17 Ao reservar aos nacionais dos outros Estados-Membros que residam no território alemão um tratamento desmesuradamente diferente, no que respeita ao grau de culpabilidade e às coimas aplicáveis, do que aplica aos seus próprios nacionais quando estes infringem de modo comparável a obrigação de terem em sua posse um documento de identificação válido, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado CE, bem como do artigo 4._ da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade, e do artigo 4._ da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-Membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços.

18 A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.