61997C0375

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 26 de Novembro de 1998. - General Motors Corporation contra Yplon SA. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de commerce de Tournai - Bélgica. - Directiva 89/104/CEE - Marcas - Protecção - Produtos ou serviços não semelhantes - Marca que goza de prestígio. - Processo C-375/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-05421


Conclusões do Advogado-Geral


1 No caso presente é pedido ao Tribunal que uma vez mais entre no terreno largamente inexplorado do direito comunitário das marcas. A questão colocada pelo Tribunal de commerce de Tournai (Bélgica) diz respeito à interpretação do conceito de marca com «prestígio» num Estado-Membro, a que se refere o artigo 4._, n._ 4, alínea a), e o artigo 5._, n._ 2 da primeira directiva do Conselho que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (a seguir «directiva sobre as marcas» ou simplesmente «directiva») (1).

2 A própria directiva não tenta nenhuma definição. Aliás, enquanto se tem procurado encontrar a nível internacional uma definição comum do conceito de marca «notoriamente conhecida» na acepção da Convenção de Paris, a directiva parece querer fazer a distinção entre marcas «notoriamente conhecidas» [que são referidas no artigo 4._, n._ 2, alínea d), da directiva] e marcas com «prestígio».

Factos e tramitação processual no tribunal nacional

3 A General Motors Corporation (a seguir «General Motors»), que é demandante no processo nacional, foi constituída de acordo com a lei do estado de Delaware (Estados Unidos da América). É a titular da marca «Chevy», que apresentou a registo em 18 de Outubro de 1971 no Instituto de Marcas do Benelux. A marca está registada sob o registo do Benelux n._ 70263 em relação, nomeadamente, a veículos automóveis. Esse registo reivindica os direitos adquiridos ao abrigo de uma apresentação anterior feita na Bélgica, de 1 de Setembro de 1961, e de um uso anterior na Holanda e Luxemburgo em 1961 e 1962 respectivamente. Hoje em dia a marca é usada mais especificamente na Bélgica para designar station wagons e veículos similares.

4 A demandada, no processo principal, Yplon SA (a seguir «Yplon»), tem a sua sede estatutária em Bailleul, na Bélgica. Ela utiliza também a marca «Chevy», mas não para veículos automóveis. A Yplon utiliza a marca em relação a detergentes, desodorizantes e diversos produtos de limpeza. Na decisão de reenvio indica-se que, desde 1988, a Yplon procedeu ao registo da sua marca no Benelux e noutros países, incluindo vários outros Estados-Membros, onde é utilizada habitualmente, até mesmo de forma intensa, com referência a esses produtos.

5 Na sequência de uma série de cessões, a Yplon tornou-se a titular devidamente registada de dois registos no Benelux, da marca «Chevy» em relação a) produtos de classe 3, nomeadamente «preparações para branquear e outras substâncias para lixiviar; preparações para limpar, polir, desengordurar e desgastar; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, loções para os cabelos, dentífricos» (registo n._ 443389 de 30 de Março de 1988), e b) detergentes e produtos de limpeza das classes 1, 3 e 5 (registo n._ 506 286 de 10 de Julho de 1991).

6 Na petição inicial apresentada no tribunal belga, a General Motors pediu, com base no antigo artigo 13._, A, n._ 2, da lei uniforme Benelux sobre as marcas, a condenação da Yplon a cessar qualquer uso da marca «Chevy».

7 Contudo, em 1 de Janeiro de 1996, o artigo 13._, A, n._ 2, da lei uniforme Benelux foi substituído pelo artigo 13._, A, n._ 1, alínea c), de acordo com o protocolo de 2 de Dezembro de 1992, que alterou essa lei. Consequentemente, a General Motors pede agora que o tribunal nacional decida que a utilização pela Yplon do sinal «Chevy» violava o antigo artigo 13._, A, n._ 2, da lei uniforme Benelux, na medida em que o uso se verificou até 31 de Dezembro de 1995 e que, desde 1 de Janeiro de 1996, esse uso viola o artigo 13._, A, n._ 1, alínea c), da nova lei. Procura, assim, obter a proibição do uso da marca «Chevy» sob pena de sanção pecuniária compulsória.

8 A anterior lei uniforme Benelux dispunha no artigo 13._, A, que o direito exclusivo sobre uma marca comercial conferia ao seu titular o direito a opor-se a:

1) qualquer uso da marca ou de sinal semelhante para os produtos para os quais a marca foi registada ou para produtos similares;

2) qualquer outro uso de marca ou de sinal semelhante na vida comercial e sem justo motivo, susceptível de prejudicar o titular da marca.

9 Essa lei foi alterada a fim de transpor, embora tardiamente, a directiva sobre as marcas para o direito do Benelux: embora a directiva devesse ser transposta para o direito dos Estados-Membros até 31 de Dezembro de 1992, a nova lei Benelux só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1996 (2). O artigo 13, A, n._ 1, alínea c), da nova lei dispõe que o respectivo titular fica habilitado a opôr-se a qualquer uso, na vida comercial e sem justo motivo, de uma marca que tenha prestígio nos países do Benelux, ou de um sinal semelhante, para bens não semelhantes àqueles para os quais a marca se encontra registada, no caso de o uso desse sinal tirar partido indevido ou ser prejudicial ao carácter distintivo ou ao prestígio da marca. Esta disposição tem por fim transpor o artigo 5._, n._ 2, da directiva cujos termos são adiante descritos no n._ 20.

10 Apesar de a Yplon ter usado a sua marca desde 1988, apenas em 12 de Outubro de 1995 foi, pela primeira, vez formalmente notificada pelo consultor jurídico da General Motors, intimando-a ao cancelamento voluntário dos seus registos no Benelux e internacionais e a comprometer-se formalmente a abandonar qualquer uso do sinal «Chevy». A General Motors entende que o uso do sinal «Chevy» pela Yplon tem como consequência a diluição da sua marca, prejudicando assim a sua função publicitária.

11 Em resposta, a Yplon alega, todavia, que a marca «Chevy» da General Motors não tem prestígio nos países do Benelux, não podendo assim beneficiar da protecção conferida pelas disposições referidas. Além disso, e uma vez que os produtos cobertos pelos registos das respectivas marcas são bem diferentes, a Yplon considera que o uso da sua marca «Chevy» não pode prejudicar o carácter distintivo da marca da General Motors.

12 A Yplon afirma que em várias ocasiões, desde 1994, a General Motors tem vindo a contestar o registo da marca «Chevy» da Yplon em diversos países da Europa, em particular na Alemanha, Espanha e Dinamarca, mas que o seu pedido foi julgado improcedente em qualquer destas ocasiões. Para além disso, a Yplon sustenta que vários registos da marca «Chevy» foram efectuados por terceiros, bem como numerosos homónimos ou quase homónimos, tais como «Chevi», «Chewy», «Chevys», «Chevu Chase», «Chevi-Perform», «Chavy» e «Cherry».

13 Em reconvenção no processo nacional, a Yplon pediu que a marca da General Motors fosse cancelada por caducidade com base no não uso e que a General Motors fosse condenada a indemnizar pelos danos causados, atendendo à natureza vexatória e frívola da acção. De acordo com a Yplon, a General Motors não usou da sua marca nos países do Benelux, nem nos três anos subsequentes ao registo nem subsequentemente por um período contínuo de cinco anos. A General Motors, contudo, apresentou documentos para provar que tem usado a marca.

14 O Tribunal de commerce de Tournai entende que a aplicação do disposto na lei Benelux, no que releva para o caso, envolve a delimitação do conceito de marca com «prestígio». Observando que não existe jurisprudência relativa ao significado a atribuir ao conceito, e considerando ser necessário fixar tal significado para aplicação pelos tribunais, colocou a seguinte questão a este Tribunal:

«Na leitura da alínea c) do n._ 1 do artigo 13._, A da lei uniforme Benelux introduzida em conformidade com o protocolo de alteração em vigor desde 1 de Janeiro de 1996, qual o sentido exacto que deve ser dado ao termo `prestígio da marca' e pode-se dizer igualmente que esse `prestígio' é aplicável a todo o território do Benelux ou a uma parte deste?»

15 No processo neste Tribunal foram apresentadas observações escritas pela General Motors e pela Yplon, pelos Governos belga, francês e neerlandês e pela Comissão. Na audiência estavam representados a General Motors, a Yplon, os Governos neerlandês e do Reino Unido e a Comissão.

Admissibilidade

16 Embora a questão seja colocada em termos de interpretação do direito nacional, sobre o qual este Tribunal não tem competência ao abrigo do processo do artigo 177._ do Tratado CE, considero ser admissível o pedido uma vez que o artigo 13._, A, n._ 1, alínea c), se destina a transpor o artigo 5._, n._ 2, da directiva. Tal como observa a Comissão, o Tribunal pode ajudar o tribunal nacional, construindo a resposta em termos de interpretação da directiva.

17 A questão pode, pois, ser reformulada como segue:

«1) Como interpretar o conceito de marca com `prestígio' na acepção do artigo 5._, n._ 2, da directiva?

2) É necessário que o prestígio da marca se estenda aos três países do Benelux ou é suficiente que esse prestígio esteja provado em um desses países ou numa parte destes?»

A directiva

18 A directiva sobre as marcas foi adoptada ao abrigo do artigo 100._-A do Tratado CE. O seu objectivo não era «proceder a uma aproximação total das legislações dos Estados-Membros», mas aproximar «as disposições nacionais que tenham uma incidência mais directa sobre o funcionamento do mercado interno» (terceiro considerando da directiva).

19 Nos termos do nono considerando, apesar do objectivo harmonizador da directiva, os Estados-Membros não ficam privados de «conceder uma protecção mais ampla às marcas que gozem de prestígio» (3). Acresce que o sexto considerando dispõe que a directiva «não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados-Membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas a concorrência desleal, a responsabilidade civil ou a defesa dos consumidores».

20 O artigo 5._ da directiva especifica os direitos conferidos por uma marca:

«1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços àqueles para os quais a marca foi registada;

b) de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2. Qualquer Estado-Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado-Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

21 O artigo 4._ contém disposições correspondentes ao artigo 5._, n._ 1, alíneas a) e b), e n._ 2, que regem a recusa de registo ou a nulidade: ver artigo 4._, n._ 1, alíneas a) e b), e artigo 4._, n._ 4, alínea a), este último correspondente ao artigo 5._, n._ 2 (4).

22 Disposições semelhantes às da directiva constam no Regulamento (CE) n._ 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (5). O regulamento refere-se tanto a marcas nacionais com «prestígio no Estado-Membro em questão» como a marcas comunitárias com «prestígio na Comunidade» [artigo 8._, n._ 5, e artigo 9._, n._ 1, alínea c)].

A estrutura da directiva

23 A directiva dispõe assim três níveis diferentes de protecção. Em primeiro lugar, os titulares das marcas têm um direito automático de proibir o uso de marcas idênticas em relação a bens ou serviços que sejam idênticos àqueles para os quais a marca foi registada [artigo 5._, n._ 1, alínea a)].

24 Em segundo lugar, se o sinal ao qual o titular da marca se opõe for idêntico ou semelhante à sua marca registada e os respectivos bens ou serviços forem idênticos ou semelhantes, o titular da marca pode proibir o uso do sinal se, mas só se, existir um risco de confusão por parte do público [artigo 5._, n._ 1, alínea b)].

25 Em terceiro lugar, aos Estados-Membros é conferida a opção de criar uma maior protecção às marcas com prestígio, no que respeita ao uso de um sinal idêntico ou semelhante em relação a bens ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca se encontra registada, sempre que o uso desse sinal, sem justo motivo, retire partido indevido, ou seja prejudicial ao carácter distintivo ou ao prestígio da marca: nos termos do artigo 5._, n._ 2, os Estados-Membros podem dispor que, em tais circunstâncias, o titular da marca fique habilitado a proibir que terceiros façam uso da marca na vida comercial sem o seu consentimento. É este o significado da expressão «marca com prestígio» em questão no caso presente.

O artigo 5._, n._ 2

26 Pode verificar-se desde logo que, ao contrário do artigo 5._, n._ 1, alínea b), não surge no artigo 5._, n._ 2, a exigência de risco de confusão por parte do público. Por vezes tem-se entendido que a exigência de confusão estava implícita no artigo 5._, n._ 2, uma vez que parecia paradoxal que fosse exigida a confusão para efeitos do artigo 5._, n._ 1, alínea b), quando os respectivos bens ou serviços fossem idênticos ou semelhantes, mas não para efeitos do artigo 5._, n._ 2 em relação a produtos ou serviços diferentes. Contudo, a questão foi resolvida pelo Tribunal de Justiça no processo SABEL (6), que deixou claro, decidindo sobre o artigo 5._, n._ 1, alínea b), que o artigo 5._, n._ 2, não exigia confusão.

27 O artigo 5._, n._ 2, também não exige semelhança entre os produtos ou os serviços em questão. Tradicionalmente, em muitos Estados-Membros as marcas foram protegidas de acordo com o princípio da «especialidade», isto é, o princípio segundo o qual as marcas deveriam ser protegidas só em relação a produtos ou serviços para os quais estão registadas ou em relação a produtos ou serviços semelhantes. A protecção em relação a bens ou serviços distintos foi frequentemente tratada mais pelas disposições dos direitos nacionais relativas à concorrência desleal e matérias semelhantes do que com respeito ao direito de marcas.

28 A Comissão observa que o artigo 5._, n._ 2, não figurava na proposta inicial da directiva apresentada pela Comissão que considerava que essa extensão da protecção não se justificava para as marcas nacionais, devendo ser limitada a um número restrito de marcas comunitárias, nomeadamente marcas com largo prestígio (7). Contudo, no decurso das negociações no Conselho, foi incluída uma disposição a proteger as marcas «com prestígio» por proposta dos países do Benelux, que se tornou no artigo 5._, n._ 2, da directiva.

29 Embora o artigo 5._, n._ 2, se baseie claramente no artigo 13._, A, n._ 2, da antiga lei uniforme Benelux, há, apesar de tudo, diversas diferenças importantes. Primeiro, dispõe-se a protecção só para marcas «com prestígio». Segundo, apenas se dispõe a protecção em relação a bens ou serviços que não sejam semelhantes. Terceiro, a directiva enumera o tipo de prejuízos contra os quais a protecção é dirigida. Estas são as linhas-mestras do artigo 5._, n._ 2.

Marcas com prestígio e marcas notoriamente conhecidas (8)

30 Quer no processo no Tribunal de Justiça, quer no debate geral da questão, tem-se centrado a atenção na relação entre as «marcas com prestígio» referidas no artigo 4._, n._ 4, alínea a), e no artigo 5._, n._ 2, da directiva e as marcas notoriamente conhecidas na acepção do artigo 6._-A da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial. As marcas notoriamente conhecidas, nesta acepção, são referidas no artigo 4._, n._ 2, alínea d), da directiva.

31 A General Motors, os Governos belga e neerlandês e a Comissão alegam que a condição prevista na directiva de que uma marca deverá ter «prestígio» é uma exigência menos restringente do que a exigência de ser notoriamente conhecida. Esse parece ser também o entendimento seguido no relatório da OMPI de 1995 sobre marcas notoriamente conhecidas (9).

32 A fim de compreender a relação entre as duas expressões, é útil considerar os termos e o objectivo da protecção concedida a marcas notoriamente conhecidas ao abrigo da Convenção de Paris e do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPs). O artigo 6._-A da Convenção de Paris dispõe que as marcas notoriamente conhecidas devem ser protegidas contra o registo ou uso de «reprodução, imitação ou tradução susceptíveis de criar confusão» em relação a produtos idênticos ou semelhantes. Esta protecção é estendida pelo artigo 16._, n._ 3, do TRIPs em relação a bens ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca se encontra registada, desde que a utilização da marca «indique a existência de uma relação entre esses produtos ou serviços e o titular da marca registada, e na condição de essa utilização ser susceptível de prejudicar os interesses do titular da marca registada». O objectivo da protecção concedida às marcas notoriamente conhecidas ao abrigo destas disposições parece ter sido o de conceder especial protecção a marcas notoriamente conhecidas contra a exploração em países em que não estejam ainda registadas.

33 Conclui-se que a protecção de marcas notoriamente conhecidas, ao abrigo da Convenção de Paris e do TRIPs, é um tipo excepcional de protecção concedida mesmo a marcas não registadas. Não seria surpreendente, portanto, que a condição de ser notoriamente conhecida impusesse um nível relativamente alto para que a marca beneficiasse dessa protecção excepcional. No caso das marcas com prestígio não surge tal nível de exigência. Na realidade, como adiante sugerimos, não há necessidade de impor um nível tão alto para preencher as exigências das marcas com prestígio na acepção do artigo 5._, n._ 2, da directiva.

34 Este entendimento é sustentado pelo menos em algumas versões linguísticas da directiva. No texto alemão, por exemplo, as marcas a que refere o artigo 6._-A da Convenção de Paris são descritas como «notorisch bekannt», enquanto as marcas a que se refere o artigo 4._, n._ 4, alínea a), e o artigo 5._, n._ 2, são descritas simplesmente como «bekannt». As duas expressões em neerlandês são do mesmo modo «algemeen bekend» e «bekend», respectivamente.

35 Os textos francês, espanhol e italiano, contudo, são ligeiramente menos claros uma vez que utilizam respectivamente as expressões «notoirement connues», «notoriamente conocidas» e «notoriamente conosciuti» em relação às marcas a que se refere o artigo 6._-A da Convenção de Paris e as expressões «jouit d'une renommée», «goce de renombre» e «gode di notorietà» em relação às referidas nos artigos 4._, n._ 4, alínea a), e no artigo 5._, n._ 2, da directiva.

36 Existe também ambiguidade na versão inglesa. A expressão «well known» do artigo 6._-A da Convenção de Paris tem uma conotação quantitativa (o Concise Oxford English Dictionary define «well known» como «conhecido por muitos» (10)), enquanto a expressão «reputation» do artigo 4._, n._ 4, alínea a), e do artigo 5._, n._ 2, poderá, em tese, envolver critérios qualitativos. O Concise Oxford English Dictionary define «reputation» como «1. o que geralmente se diz ou se julga sobre o carácter ou posição de uma pessoa ou coisa... 2. o estado de estar bem considerado; distinção, respeitabilidade... 3. crédito, fama ou notoriedade». Na realidade tem sido alvitrado que há uma discrepância entre o texto alemão e os textos inglês e francês, alegando-se que o «prestígio» de uma marca não é um conceito quantitativo mas simplesmente a atractividade própria de uma marca que lhe dá um valor publicitário (11).

37 Quer uma marca com prestígio seja um conceito quantitativo ou qualitativo, ou ambos, é possível concluir, a nosso ver, que, apesar de o conceito de marca notoriamente conhecida não estar ele próprio claramente definido, uma marca com «prestígio» não tem que ser tão conhecida como uma marca notoriamente conhecida.

38 A questão que se coloca então é saber se se pode fixar um critério para se estabelecer o que se pretende dizer por marca com prestígio. O Governo francês alega que, devido ao facto de o artigo 5._, n._ 2, derrogar um princípio fundamental do direito das marcas, a saber, o princípio da especialidade, ao conceder protecção em relação a produtos e serviços não relacionados, as suas disposições devem ser estritamente interpretadas. Defende também que, apesar de o artigo 5._, n._ 2, não se limitar, como defende a Yplon, às marcas famosas, a verdade é que uma marca, para beneficiar do regime do artigo 5._, n._ 2, deve preencher duas condições: primeiro, tem de ser conhecida por uma grande parte do público a que se dirigem os dois produtos em questão - no caso presente, produtos de limpeza e automóveis; segundo, a primeira marca tem de ter um prestígio tal que o consumidor, ao ver a marca controvertida, associe esta última à primeira e estabeleça uma relação entre as duas.

39 Naturalmente que se nos afigura que, se a noção de marca com prestígio deverá ter algum significado, deve-se provar que a marca é conhecida por uma parte importante dos sectores relevantes do público. Parece duvidoso, contudo, que seja necessário especificar em pormenor as condições a ser preenchidas por uma marca com prestígio.

40 Primeiro, tal como salientou o próprio Governo francês - e tal como outros fizeram neste processo -, é difícil dar uma definição geral e é fundamental que os tribunais nacionais actuem numa base casuística sem utilizar critérios fixos que se podem mostrar arbitrários na sua aplicação aos casos específicos. Por exemplo, a prática da utilização de percentagens fixas do público é hoje amplamente criticada e pode ser inadequada se tomada como critério único.

41 Segundo, para uma determinação realista do prestígio, os tribunais devem recorrer a uma variedade de critérios que poderão incluir, por exemplo, o grau de conhecimento ou identificação da marca nos sectores relevantes do público; a duração, extensão e área geográfica do uso da marca; e ainda o nível ou objectivo do investimento na promoção da marca (12).

42 Antes de tudo, é necessário tirar todas as consequências das disposições do artigo 5._, n._ 2, no seu conjunto. Deve, assim, o tribunal nacional ser convencido, em cada caso, de que o uso do sinal impugnado não tem justo motivo e que retira partido indevido ou é prejudicial ao carácter distintivo ou à reputação da marca. Estes requisitos, devidamente aplicados, assegurarão que as marcas com prestígio, quer o prestígio seja ou não de vulto, não terão, indevidamente, protecção alargada.

43 Deve notar-se, em particular, que o artigo 5._, n._ 2, ao contrário do artigo 5._, n._ 1, alínea b), não refere o mero risco ou probabilidade de as suas condições serem preenchidas. As palavras são mais positivas «tire partido indevido ou prejudique» (sublinhado nosso). Além disso, o facto de se tirar partido indevido ou o de sofrer um prejuízo devem ser devidamente concretizados, quer dizer, devidamente demonstrados para a formação da convicção do tribunal nacional; o tribunal nacional deve ser convencido pelas provas da existência real do prejuízo ou do partido indevido. O método concreto de produção dessa prova deve, em nossa opinião, ser matéria das regras nacionais de prova e de processo, tal como no caso de determinação da probabilidade de confusão: v. o décimo considerando do preâmbulo.

44 Em face do exposto concluímos em resposta à primeira questão que se deve entender por marca com prestígio na acepção do artigo 5._, n._ 2 da directiva uma marca que é conhecida por uma parte significativa dos sectores relevantes do público, mas que não tem que atingir o mesmo grau de renome de uma marca que seja notoriamente conhecida na acepção da Convenção de Paris.

A segunda questão

45 Em seguida cabe abordar a questão de saber, face ao carácter uniforme do direito de marcas do Benelux, se o prestígio de uma marca se deve estender aos três países do Benelux ou se basta que esse prestígio esteja estabelecido num desses países ou numa parte destes. A existência do sistema de registo de marcas do Benelux é expressamente reconhecida no artigo 1._ e artigo 4._, n._ 2, alínea a), da directiva. Contudo, o artigo 4._, n._ 4, alínea a), e o artigo 5._, n._ 2, referem-se a marcas que tenham prestígio no «Estado-Membro» em causa.

46 Afigura-se que, ao abrigo do sistema do Benelux, se uma acção é proposta pedindo-se simplesmente que o uso de uma marca registada seja proibido, uma decisão a proibir tal uso pode ser limitada a um país determinado, mas o registo de uma marca subsiste ou é cancelado em relação ao conjunto do Benelux (13). Concordamos com o entendimento da Comissão segundo o qual, uma vez que os países do Benelux unificaram o seu direito de marcas, o território do Benelux deve ser tratado como o território de um Estado-Membro para efeitos da aplicação do artigo 5._, n._ 2, da directiva.

47 Quanto ao significado de prestígio num Estado-Membro, basta em nossa opinião que uma marca tenha prestígio numa parte significativa de um Estado-Membro. Conclui-se, assim, que basta que uma marca tenha prestígio numa parte significativa do território do Benelux, a qual pode ser parte de apenas um dos países do Benelux. Este é o único método de reconhecer as diferenças culturais e linguísticas que podem existir num Estado-Membro; por consequência, uma marca pode ter prestígio regional, por exemplo, na parte da Bélgica de língua neerlandesa.

Conclusão

48 Face ao exposto, entendemos que se deverá responder às questões colocadas pelo Tribunal de commerce de Tournai da seguinte forma:

«1) Para que uma marca tenha `prestígio' na acepção do artigo 5._, n._ 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1998, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser provado que a marca é conhecida por uma parte significativa dos sectores relevantes do público.

2) É suficiente que tal prestígio se verifique numa parte importante do território do Benelux, a qual pode ser parte apenas de um dos países do Benelux.»

(1) - Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988 (JO 1989, L 40, p. 1).

(2) - Nos termos do artigo 16._, n._ 1, da directiva, os Estados-Membros deviam transpor as suas disposições o mais tardar em 28 de Dezembro de 1991. Contudo, pela Decisão 92/10/CEE, de 19 de Dezembro de 1991, que prorroga a data de entrada em vigor das disposições nacionais de aplicação da Directiva 89/104 (JO 1992, L 60, p. 35), o Conselho utilizou o poder que lhe era conferido pelo artigo 16._, n._ 2, e prorrogou a data-limite para a transposição até 31 de Dezembro de 1992.

(3) - A nota só tem utilidade na versão inglesa.

(4) - O artigo 4._, n._ 3, contém disposições correspondentes ao artigo 4._, n._ 4, alínea a), em relação a uma marca comunitária e refere-se a uma marca comunitária que tenha prestígio na Comunidade. A protecção de tais marcas comunitárias é, contudo, obrigatória e não facultativa.

(5) - JO 1994, L 11, p. 1.

(6) - Acórdão de 11 de Novembro de 1997 (C-251/95, Colect., p. I-6191).

(7) - V. proposta da Comissão (JO 1980, C 351, p. 1, e Bol. CE, Suplemento 5/80).

(8) - Existe abundante literatura sobre o tema: v., em particular, Mostert, Frederick W.: Famous and Well-Known Marks, An Internacional Analysis, Butterworths, 1997.

(9) - Relatório preparado pela secretaria internacional no âmbito da discussão havida em Novembro de 1995 relativamente à definição de marca notoriamente conhecida, WKM/CE/1/2, n._ 35.

(10) - Ou «Known thouroughly» (perfeitamente, profundamente, completamente conhecido), mas este último significado é claramente inaplicável no contexto das marcas comerciais.

(11) - Kur, A.: «Well-known marks, highly renowned marks and marks having a (high) reputation - what's it all about?», 23 IIC 218 (1992).

(12) - Comparar o debate sobre a marca «notoriamente conhecida» levada a cabo pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. V., em particular, os seguintes documentos elaborados pelo Comissão Permanente do Direito de Marcas, dos Desenhos e Modelos Industriais e das Indicações Geográficas por ocasião da sua reunião de Julho de 1998: SCT/1/3, SCT/1/5 e SCT/1/6.

(13) - Van Innis, T.: Les signes distinctifs, Bruxelas, 1997, pp. 467 a 469.