61997C0126

Conclusões do advogado-geral Saggio apresentadas em 25 de Fevereiro de 1999. - Eco Swiss China Time Ltd contra Benetton International NV. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. - Concorrência - Aplicação oficiosa do artigo 81. CE (ex-artigo 85.) por um tribunal arbitral - Poder de um tribunal nacional anular as sentenças arbitrais. - Processo C-126/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-03055


Conclusões do Advogado-Geral


1 Por despacho de 21 de Março de 1997, o Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos) dirigiu ao Tribunal de Justiça cinco questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 85._ do Tratado CE. As questões dizem respeito, por um lado, à existência de uma obrigação de os árbitros aplicarem oficiosamente a disposição já referida e, por outro, aos poderes atribuídos aos órgãos jurisdicionais nacionais em sede de impugnação das sentenças arbitrais presumidas contrárias às normas comunitárias de concorrência. Submete-se, portanto, novamente à apreciação do Tribunal de Justiça o delicado problema da relação entre o direito comunitário e as normas processuais nacionais.

O enquadramento normativo nacional

2 Nos termos do artigo 1054._, n._ 1, do Código de Processo Civil neerlandês (Wetboek van Burgerlijke Rechtsvordering), os tribunais arbitrais decidem em conformidade com as regras de direito. O artigo 1064._ do mesmo código prevê que contra as decisões relativamente às quais não é admitido recurso arbitral ou contra as decisões proferidas em segundo grau de arbitragem é permitido um recurso jurisdicional de anulação perante o Rechtbank a interpor no prazo de três meses a partir da entrega na secretaria do original da decisão.

O artigo 1065._, n._ 1, indica os fundamentos pelos quais pode ser pedida a anulação das decisões arbitrais. Assumem importância no presente processo os vícios indicados nas alíneas a), c) e e) da disposição já referida. Estas dizem respeito respectivamente às hipóteses em que o compromisso arbitral está viciado de nulidade, aquelas em que os árbitros não se detiveram nos limites do seu mandato [alínea c)] e finalmente aquelas em que o conteúdo da sentença arbitral ou as modalidades em que ela foi proferida são contrárias à ordem pública ou aos bons costumes [alínea e)].

No n._ 4 especifica-se, a seguir, que o vício previsto na alínea c) do n._ 1 não pode conduzir à anulação da decisão arbitral quando a parte que o invoca, estando ciente do facto de que os árbitros se pronunciavam extra petita, não tenha suscitado a questão no decurso do processo arbitral.

3 Deve ainda acrescentar-se que, em conformidade com o disposto no artigo 1066._, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil neerlandês, a impugnação não suspende a execução da sentença arbitral a menos que o tribunal chamado a pronunciar-se decida de outra forma na base de uma apreciação sumária dos fundamentos do recurso.

Os factos e as questões prejudiciais

4 O litígio perante o tribunal a quo tem a sua origem no alegado incumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de licença de marca. Este acordo, com a duração de oito anos, foi celebrado em 1 de Julho de 1986 entre a sociedade Benetton International NV (a seguir «Benetton»), a sociedade Eco Swiss China Time Ltd (a seguir «Eco Swiss»), com sede em Hong-Kong, e a Bulova Watch Company, com sede em Nova Iorque (a seguir «Bulova»). Em virtude do contrato, a Benetton e a Bulova concederam à Eco Swiss o direito de fabricar e comercializar relógios com a menção «Benetton by Bulova».

O contrato continha, no artigo 26._-A, uma cláusula compromissória, nos termos da qual qualquer litígio relativo ao acordo deveria ser confiado a árbitros, em aplicação das regras do Nederlandse Arbitrage Institut (instituto neerlandês de arbitragem). A seguir era indicado como lei aplicável a neerlandesa.

5 Por carta de 24 de Junho de 1991, com antecedência de três anos em relação ao termo inicialmente previsto, a Benetton comunicou às outras partes a sua intenção de rescindir unilateralmente o contrato a partir de 24 de Setembro de 1991. Em consequência, por iniciativa da Eco Swiss e da Bulova teve lugar um processo arbitral, que teve por objecto a legalidade ou não do comportamento da Benetton relativamente às obrigações previstas pelo contrato. No decurso do processo, nem as partes nem os árbitros suscitaram a questão da conformidade do acordo com o direito comunitário da concorrência, e nomeadamente com o artigo 85._ do Tratado.

Em 4 de Fevereiro de 1993, os árbitros emitiram um laudo parcial (Partial Final Award, a seguir «PFA»), entregue no próprio dia na Secretaria do Rechtbank te 's Gravenhage, no qual, com fundamento de que o contrato de licença devia considerar-se «aplicável e em vigor», ordenaram à Benetton indemnizar a Eco Swiss e a Bulova pelo prejuízo sofrido em virtude do incumprimento desse mesmo contrato, deixando às partes a incumbência de chegarem a um acordo quanto ao cálculo da soma a pagar a título de ressarcimento. A Benetton não interpôs recurso da PFA no prazo estabelecido pela lei (três meses a contar da data da entrega do laudo).

Não tendo as partes chegado a um acordo, a Eco Swiss dirigiu-se novamente aos árbitros para obter uma decisão quanto ao montante da soma devida a título de ressarcimento do dano. Por laudo de 23 de Junho de 1995, denominado Final Arbitral Award (a seguir «FAA»), os árbitros ordenaram à Benetton que pagasse à Eco Swiss a soma de 23 750 000 USD, além das despesas relativas às duas fases do processo arbitral. O FAA foi entregue na Secretaria do Rechtbank te 's Gravenhage em 26 de Junho de 1995; em 17 de Julho, o presidente do tribunal autorizou a execução do laudo.

6 Por acto de 14 de Julho de 1995, a Benetton citou a Eco Swiss e a Bulova perante o Rechtbank te 's Gravenhage para obter a anulação dos laudos arbitrais. A Benetton alegou, quanto ao que aqui interessa, a contrariedade das sentenças arbitrais à ordem pública em virtude da incompatibilidade do contrato de licença com o artigo 85._ do Tratado CE. O Rechtbank negou provimento ao recurso por acórdão de 2 de Outubro de 1996 do qual a Benetton interpôs recurso para o tribunal de apelação de Gerechtshof, no qual a causa está agora pendente.

A Benetton introduziu, a seguir, perante o mesmo tribunal um pedido de suspensão da execução do FAA até à decisão definitiva sobre o pedido de anulação do laudo. Na sequência de uma decisão negativa por parte do Rechtbank, a Benetton interpôs recurso para o Gerechtshof, que acolheu o pedido por despacho de 28 de Março de 1996. O Gerechtshof fundamentou a sua decisão com base nos seguintes argumentos: em primeiro lugar, os tribunais neerlandeses notaram que o artigo 85._ do Tratado CE entra no conceito de «ordem pública» na acepção do artigo 1065._, n._ 1, alínea e), do Código de Processo Civil neerlandês; em segundo lugar, mesmo que seja verdade que a Benetton tenha apresentado um pedido de anulação do PFA fora do prazo estabelecido pela lei, pelo que o mesmo deveria ser declarado inadmissível, tal não exclui que se possa proceder a uma apreciação quanto ao mérito da compatibilidade do contrato com as regras de concorrência no âmbito do recurso relativo ao FAA, porquanto esta última sentença arbitral, ao quantificar a soma a pagar à Eco Swiss a título de ressarcimento do dano, teria, em todo o caso, dado execução a uma cláusula contratual contrária ao artigo 85._ do Tratado. Quanto ao mérito, o Gerechtshof considerou que o acordo celebrado entre a Benetton, a Eco Swiss e a Bulova era, prima facie, contrário ao artigo 85._, porquanto continha compartimentações do mercado comum sobre uma base territorial. Sendo assim provável que, pelas considerações expostas, o órgão jurisdicional competente (1) se teria pronunciado favoravelmente sobre o pedido de anulação do PFA, o Gerechtshof acolheu o pedido de suspensão da execução do segundo laudo.

7 A Eco Swiss interpôs recurso de cassação da decisão do Gerechtshof antes recordada. Por despacho de 21 de Março de 1997, o Hoge Raad suspendeu a instância para submeter ao Tribunal de Justiça cinco questões prejudiciais. Na fundamentação do despacho de reenvio, o Hoge Raad especifica que, em direito neerlandês, não é permitido aos particulares pedir a anulação de um laudo arbitral por violação das regras de direito, a menos que subsista uma violação da ordem pública. O Hoge Raad acrescenta que uma sentença arbitral é contrária à ordem pública exclusivamente quando o seu conteúdo ou a sua execução estiver em contradição com uma norma imperativa de alcance tal que nenhum obstáculo de natureza processual possa impedir de invocá-la em tribunal. Em direito neerlandês, o simples facto de o conteúdo ou a execução de um laudo arbitral estar em contradição com uma proibição sancionada pelo direito interno da concorrência não comporta problemas de contrariedade à ordem pública.

O Hoge Raad põe-se todavia o problema de saber se a mesma conclusão pode ser tirada quando estejam em discussão normas imperativas de direito comunitário; em seu entender, todavia, resultaria do acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Van Schijndel e Van Veen (C-430/93 e C-431/93, Colect., p. I-4705), que também a disposição contida no artigo 85._ do Tratado CE não deveria ser qualificada como uma norma de ordem pública na acepção acima indicada.

8 O Hoge Raad salientou, além disso, que, não tendo qualquer das partes suscitado a questão da nulidade do contrato de licença no decurso do processo, os árbitros não teriam ultrapassado os limites do seu mandato se se tivessem pronunciado oficiosamente sobre a referida questão; a decisão poderia assim ter sido anulada por aplicação do artigo 1065._, n._ 1, alínea c), do Código de Processo Civil neerlandês. Além disso, as regras de processo internas não permitiriam às partes valer-se da nulidade do contrato de licença pela primeira vez no âmbito de um recurso de anulação.

O Hoge Raad acrescenta que tais normas encontram justificação no interesse geral em que o processo arbitral funcione de maneira expedita e eficaz; essas normas não são aplicadas às situações jurídicas subjectivas de origem comunitária de maneira menos favorável que às de direito nacional. Todavia, o Hoge Raad manifesta dúvidas quanto à possibilidade de transpor automaticamente os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Van Schijndel e Van Veen para o âmbito de um processo arbitral, dado que, por um lado, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tribunal arbitral constituído na base de um acordo entre privados sem intervenção das autoridades não tem a faculdade de recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 177._ do Tratado CE e que, por outro, as regras de processo neerlandesas permitem a anulação do laudo apenas com os fundamentos previstos no artigo 1065._ do Código de Processo Civil neerlandês entre os quais a contrariedade à ordem pública, quando não existiria, em seu entender, qualquer contrariedade à ordem pública caso a decisão dos árbitros não seja compatível com o artigo 85._ do Tratado. A combinação dos dois elementos poderia traduzir-se numa limitação da eficácia da tutela dos direitos garantidos pelo ordenamento comunitário.

9 O Hoge Raad acrescenta que, em direito processual neerlandês, quando os árbitros se pronunciem por laudo interlocutório que, como no caso em apreço, decide definitivamente sobre o mérito do litígio, essa decisão assume autoridade de caso julgado. Por consequência, se a sua anulação não é pedida dentro dos prazos, torna-se impossível voltar a pôr em discussão a solução a que se chegou quanto ao mérito em sede de anulação de um laudo arbitral posterior que completa o interlocutório. O Hoge Raad interroga-se todavia se o direito comunitário permite aplicar essas regras processuais numa situação em que, como no caso concreto, o segundo laudo, cuja anulação foi pedida dentro dos prazos, constitui o desenvolvimento de uma sentença arbitral anterior emitida para dar execução a um contrato contrária às normas comunitárias da concorrência.

10 Pelo mesmo despacho, o Hoge Raad submeteu assim ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Em que medida são os princípios resultantes do acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1995, Van Schijndel e Van Veen (C-430/93 e C-431/93, Colect., p. I-4705), aplicáveis, com as devidas adaptações, a um litígio que tem por objecto um contrato de direito privado e que não é dirimido pelos órgãos jurisdicionais nacionais mas por árbitros, quando as partes não invocaram o artigo 85._ do Tratado CE e os árbitros, nos termos das normas de direito processual nacional vigentes, não têm competência para aplicar oficiosamente essa disposição?

2) O juiz neerlandês, não obstante as normas de direito processual neerlandês descritas acima nos pontos 4.2 e 4.4 [segundo as quais uma parte só pode pedir a anulação de uma decisão arbitral com um número limitado de fundamentos, entre os quais o da contrariedade à ordem pública, contrariedade que, em geral, não abrange a simples circunstância de o conteúdo ou a execução da decisão arbitral afastar a aplicação de uma proibição imposta pelo direito da concorrência], deve considerar procedente um pedido de anulação de uma decisão arbitral - que, quanto ao restante, cumpre os requisitos legais - por causa de uma contradição dessa decisão com o artigo 85._ do Tratado CE, quando considerar que a referida contradição efectivamente se verifica?

3) Não obstante as normas de direito processual neerlandês referidas no ponto 4.5 [segundo as quais os árbitros têm a obrigação de não exorbitar dos limites do litígio e de dar cumprimento à sua missão], o juiz é obrigado a decidir nesse sentido também quando, no processo arbitral, a questão da aplicabilidade do artigo 85._ do Tratado CE ficou fora do âmbito do litígio e, por isso, os árbitros não se pronunciaram sobre tal questão?

4) O direito comunitário impõe que não se aplique a regra de direito processual neerlandês, descrita no ponto 5.3 [segundo a qual uma decisão arbitral interlocutória que reveste a natureza de decisão final adquire força de caso julgado e, em princípio, só pode ser objecto de um recurso de anulação nos três meses seguintes ao depósito da decisão na secretaria do Rechtbank], quando tal for necessário para se poder examinar, no processo de anulação intentado contra a segunda decisão arbitral, se um contrato, cuja validade jurídica foi estabelecida pela decisão arbitral interlocutória com força de caso julgado, é no entanto nulo, por infringir o artigo 85._ do Tratado CE?

5) Ou, num caso como o descrito na questão 4, há que não aplicar uma disposição nos termos da qual a anulação de uma decisão interlocutória de um tribunal arbitral com a natureza de uma decisão final não pode ser pedida simultaneamente com a da decisão posterior desse tribunal?»

Quanto à primeira questão

11 Através da primeira questão, o tribunal neerlandês pergunta ao Tribunal de Justiça se são aplicáveis também no processo arbitral os princípios extraídos do acórdão Van Schijndel e Van Veen, já referido, relativos aos poderes dos órgãos jurisdicionais de aplicar oficiosamente disposições de direito comunitário.

12 Recordo a tal propósito que, no processo a título principal perante o Hoge Raad, os recorrentes pretendiam, naquela ocasião, alegar como fundamento de cassação a falta de verificação por parte dos tribunais inferiores da compatibilidade das disposições nacionais com os artigos 3._, alínea f), 5._, segundo parágrafo, 85._, 86._ e 90._ do Tratado CE. A questão relativa à observância das disposições já citadas não foi todavia suscitada perante aqueles tribunais. Os recorrentes de cassação serviram-se assim de factos e circunstâncias não apurados perante os tribunais competentes quanto ao mérito. Isto suscitava, evidentemente, problemas de carácter processual, particularmente em relação ao princípio dispositivo segundo o qual nas causas que tenham por objecto direitos e obrigações cíveis de que as partes disponham livremente, fundamentos de direito adoptados pela primeira vez pelas partes em sede de recurso de cassação não obrigam o tribunal a exorbitar os limites do litígio tal como foi anteriormente circunscrito pelas próprias partes nem a basear-se em factos e circunstâncias diversos dos que servem de fundamento ao pedido (2).

13 O Hoge Raad submete assim questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça com a finalidade de saber se, em tais circunstâncias, é obrigado a dar aplicação oficiosamente às disposições comunitárias relativas à concorrência, quando estas não tenham sido invocadas pela parte processual que tem interesse na sua aplicação; em caso de resposta afirmativa, o Hoge Raad pergunta, além disso, ao Tribunal de Justiça se essa solução é válida também quando, ao fazê-lo, o tribunal tem que renunciar ao princípio dispositivo, a cuja observância é obrigado por força da regulamentação nacional, pois que assim teria de exorbitar dos limites do litígio entre as partes e basear-se em factos e circunstâncias diversos dos que a parte processual que tem interesse na aplicação dessas disposições tinha invocado como fundamento do seu pedido.

14 Esclarecido que as regras de concorrência mencionadas pelo tribunal nacional são normas vinculantes, com efeito directo no ordenamento jurídico nacional, o Tribunal afirmou, em primeiro lugar, que em todos os casos em que, por força do direito interno, os tribunais devem suscitar oficiosamente os fundamentos de direito baseados numa norma interna de natureza vinculante que não tenham sido aduzidos pelas partes, tal obrigação impõe-se também quando se trate de normas comunitárias (n._ 13). Acrescentou, a seguir, que a mesma obrigação se impõe também quando o direito nacional confere ao tribunal a mera faculdade de aplicar oficiosamente a norma de direito vinculante: isto na medida em que é da competência dos tribunais nacionais, à luz do princípio de cooperação previsto no artigo 5._ do Tratado, garantir a tutela jurisdicional decorrente, para os particulares, das disposições do direito comunitário com efeito directo (n._ 14). Finalmente, o Tribunal reconheceu, na esfera dos tribunais nacionais, a obrigação de aplicar oficiosamente as disposições comunitárias providas de efeito directo em todos os casos em que o direito nacional permita a sua aplicação (n._ 15).

15 No que toca à segunda questão, relativa à relação entre os deveres do tribunal há pouco indicados e os princípios de direito processual interno, o Tribunal de Justiça confirmou os princípios que resultam da sua jurisprudência assente, segundo os quais, na ausência de regime comunitário na matéria, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro estabelecer as modalidades processuais dos recursos jurisdicionais destinados a garantir a tutela dos direitos conferidos aos particulares por força das normas de direito comunitário com efeito directo (n._ 17). Todavia, essas modalidades não podem ser menos favoráveis que as que respeitam aos recursos análogos de natureza interna, nem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico comunitário (3) (igualmente, n._ 17). O Tribunal de Justiça acrescentou depois, como precaução adicional, que cabe ao tribunal nacional o dever de não aplicar uma norma de direito nacional que impeça a utilização do procedimento previsto no artigo 177._ do Tratado (4).

16 Inspirando-se nos princípios acima indicados, o Tribunal de Justiça considerou depois que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição de direito processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito comunitário deve ser analisado tendo em conta o papel da referida norma no conjunto do procedimento e ainda a sua tramitação e as especificidades do mesmo nas diversas instâncias nacionais. Para este efeito, devem ter-se presentes os princípios que estão na base do sistema judicial nacional, como a protecção dos direitos da defesa, o princípio da segurança jurídica e o andamento regular do processo (n._ 19).

17 No caso referido discutiu-se a conformidade com os princípios elaborados pelo Tribunal de Justiça do princípio dispositivo que informa o sistema processual neerlandês: num processo cível, o tribunal deve ou pode suscitar oficiosamente fundamentos somente na condição de deter-se dentro dos limites do objecto da causa e de basear a sua decisão em factos que lhe foram alegados pelas partes (n._ 20). No entender do Tribunal de Justiça, essa limitação dos poderes do juiz é justificada pelo princípio segundo o qual a iniciativa do processo cabe às partes podendo o tribunal agir oficiosamente somente em casos excepcionais em que o interesse público exija a sua intervenção. Trata-se de um princípio que reflecte concepções partilhadas pela maior parte dos Estados-Membros quanto às relações entre o Estado e os particulares, que tutela os direitos da defesa e garante o andamento regular do processo, preservando-o em particular dos atrasos devidos à apreciação de fundamentos novos (n._ 21).

18 O Tribunal de Justiça concluiu assim que:

«1) Num processo relativo a direitos e obrigações cíveis de que as partes livremente dispõem, compete ao tribunal nacional aplicar as disposições dos artigos 3._, alínea f), 85._, 86._ e 90._ do Tratado CEE, mesmo quando a parte que tem interesse na respectiva aplicação não as tenha invocado, caso o seu direito interno lhe permita essa aplicação.

2) O direito comunitário não impõe que os órgãos jurisdicionais nacionais suscitem oficiosamente um fundamento assente na violação de disposições comunitárias, quando a análise desse fundamento os obrigue a abandonar o princípio dispositivo a cujo respeito estão obrigados, saindo dos limites do litígio como foi circunscrito pelas partes e baseando-se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que baseou o seu pedido a parte que tem interesse na aplicação das referidas disposições».

19 O tribunal neerlandês pergunta ao Tribunal de Justiça se as conclusões a que chegou no acórdão Van Schijndel e Van Veen podem encontrar aplicação analógica em relação aos poderes e aos deveres que cabem aos árbitros na resolução de um litígio submetido à sua apreciação. Em particular, o tribunal de reenvio pretende saber se os árbitros são obrigados a aplicar o artigo 85._ do Tratado mesmo quando tal comporte um desvio dos limites da causa tal como delineados pelas partes. Deve lembrar-se, a este propósito, que as partes do contrato de licença tinham pedido a intervenção dos árbitros, em aplicação da cláusula compromissória inserida no contrato, com vista a obter uma decisão de mérito quanto ao alegado incumprimento das obrigações contratuais por parte da Benetton. As partes não tinham exposto, assim, aos árbitros qualquer problema de validade do contrato, cuja execução se discutia, em relação às disposições comunitárias em matéria de concorrência: esta questão não foi, assim, objecto de discussão. O contrato apresentava-se, portanto, como um dado de facto, fornecido pelas partes, ao qual os árbitros estavam cingidos ao decidir sobre o comportamento destas últimas em matéria de execução do referido contrato. Em aplicação da legislação neerlandesa, portanto, os árbitros teriam decidido ultra petita caso tivessem oficiosamente abordado e resolvido a questão da validade do contrato face às normas comunitárias da concorrência. Sublinha o tribunal de reenvio que tal comportamento por parte dos árbitros poderia, por consequência, ser sancionado em aplicação do artigo 1065._, n._ 1, primeira frase, alínea c), do Código de Processo, segundo o qual o laudo pode ser anulado quando os árbitros se tenham pronunciado fora dos limites do compromisso.

20 Trata-se agora de apreciar se os princípios que o Tribunal de Justiça enunciou no acórdão Van Schijndel e Van Veen relativamente à aplicabilidade oficiosa das disposições comunitárias podem ser transpostos para o âmbito de um processo arbitral, ou se, pelo contrário, subsistem especificidades do próprio processo que podem justificar a imposição aos árbitros de obrigações adicionais: no caso em apreço, a de suscitar oficiosamente questões relativas à nulidade de um contrato, sobre cujo eventual incumprimento são chamados a decidir, por violação das disposições em matéria de concorrência.

21 Considero que a primeira solução é a correcta. Esclarecido que os árbitros chamados a pronunciar-se sobre um litígio que aplique o direito de um Estado-Membro da Comunidade são obrigados manifestamente a aplicar o direito comunitário pertinente enquanto parte integrante do ordenamento jurídico nacional em causa (5), não considero que subsistam razões suficientes para impor aos árbitros um controlo sistemático do respeito das normas comunitárias na actividade contratual dos particulares, se tal obrigação não existe, à luz das disposições internas, por parte dos órgãos jurisdicionais. Creio que pode, sem mais, encontrar aplicação também neste âmbito o princípio geral segundo o qual cabe aos Estados-Membros escolher as modalidades adequadas para proteger os direitos conferidos pelo ordenamento comunitário na condição, todavia, de que essas modalidades não sejam menos favoráveis face às relativas aos recursos análogos para os direitos de origem interna (princípio da não discriminação) e não tornem excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico comunitário (princípio da tutela jurisdicional efectiva). Trata-se de critérios que têm como objectivo manter um equilíbrio entre a necessidade de respeitar a autonomia processual dos sistemas jurídicos dos Estados-Membros e a necessidade de garantir uma protecção eficaz dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária perante os órgãos jurisdicionais nacionais (6).

Ora, uma norma nacional que proíba os árbitros de suscitar oficiosamente questões de compatibilidade com o direito comunitário parece conforme com os requisitos já referidos de forma análoga ao que já reconheceu o Tribunal de Justiça em relação aos poderes dos órgãos jurisdicionais. Mesmo no processo arbitral se apresentam, de facto, aquelas exigências, referidas pelo Tribunal de Justiça no Van Schijndel e Van Veen, segundo as quais num processo cível o órgão que julga deve ou pode invocar fundamentos oficiosamente apenas na condição de se cingir ao objecto do litígio e de basear a sua decisão em factos que lhe tenham sido apresentados. Trata-se de exigências ligadas ao respeito do princípio dispositivo, às regras da correspondência entre os pedidos e o decidido, à tutela dos direitos da defesa, e ainda à garantia do andamento regular do processo. A isto acresce que os árbitros, enquanto mandatários das partes num contrato para a solução de um litígio, estão vinculados à vontade destas ainda em maior medida que um órgão jurisdicional, pelo que não se afigura justificado pôr a seu cargo a incumbência de apreciar sistematicamente argumentos que ultrapassam os limites do litígio tal como configurado pelas partes. Enquanto forma de justiça privada, ainda que reconhecida pela lei, a arbitragem rege-se pelos princípios da autonomia das partes e da passividade do órgão que julga, como é claramente demonstrado pela circunstância de o laudo pronunciado fora dos limites do compromisso ser sancionado de nulidade. Por certo, também no processo arbitral, estas regras reflectem concepções partilhadas nos Estados-Membros quanto às relações entre o Estado e indivíduo, tutelam os direito da defesa e garantem o andamento regular do processo, nomeadamente preservando-o de atrasos devidos à apreciação de fundamentos novos (7).

22 Não considero, portanto, que existam razões ligadas às especificidades do procedimento arbitral que possam sugerir uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão Van Schijndel e Van Veen. Todavia, deve ter-se em conta o facto de o tribunal a quo, ao fundamentar as suas dúvidas quanto à aplicação analógica desses princípios, se referir a duas circunstâncias precisas: por um lado, ao facto de um órgão arbitral, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não ser um «órgão jurisdicional de um Estado-Membro» na acepção do artigo 177._ do Tratado CE, pelo que não é habilitado a recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial (8); por outro, ao controlo jurisdicional limitado a que, em princípio, são submetidas as decisões arbitrais, em particular no direito neerlandês, em que a anulação de um laudo por violação do direito é admitida exclusivamente em caso de incompatibilidade com a ordem pública.

23 Não creio todavia que essas circunstâncias devam assumir um significado determinante para efeitos da solução da primeira questão. Com respeito à impossibilidade de os árbitros obterem uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça, não é claro porque razão tal circunstância deva comportar a cargo dos árbitros obrigações de agir ex officio que não são, pelo contrário, exigidas aos juízes (9). Normas internas que imponham aos tribunais e aos árbitros um papel passivo relativamente às alegações das partes na determinação dos limites do litígio não tem qualquer conexão directa com o facto de que o órgão em causa tenha, ou não, a faculdade de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade das disposições comunitárias em causa, quando tais questões não tenham sido suscitadas pelas partes. Assim, a circunstância de os árbitros não terem a possibilidade de obter do Tribunal de Justiça esclarecimentos sobre o alcance das normas comunitárias que têm que aplicar, aconselharia uma certa prudência na atribuição dos seus poderes de investigação oficiosa relativamente às normas comunitárias.

No que toca, pelo contrário, à segunda circunstância citada pelo Hoge Raad, considero que se trata de um problema de extrema delicadeza, que todavia não diz respeito nem aos deveres de «passividade» dos árbitros, nem à conformidade das regras neerlandesas sobre poderes atribuídos aos órgãos jurisdicionais em matéria de reexame das decisões arbitrais com as exigências de aplicação correcta e uniforme de normas imperativas de direito comunitário. A questão será, portanto, abordada na sede própria, isto é, no âmbito do exame das segunda e terceira questões prejudiciais, que se referem justamente à conformidade das normas processuais neerlandesas com as exigências de tutela eficaz dos direitos que fazem parte da «ordem pública» comunitária. Por essas razões, nessa sede será abordada a questão relativa à analogia do caso aqui em análise com o caso que deu lugar ao acórdão Peterbroeck (10), em que o Tribunal de Justiça, contrariamente ao que concluiu no acórdão Van Schijndel e Van Veen, considerou incompatível com o princípio da tutela efectiva dos direitos de origem comunitária uma norma processual belga que impedia o tribunal de examinar oficiosamente, em matéria de reexame de uma decisão adoptada por um organismo administrativo que não satisfaz os critérios para ser qualificado como «órgão jurisdicional» na acepção do artigo 177._, a compatibilidade de uma disposição de direito nacional com uma disposição comunitária, quando esta última não foi invocada pelo particular dentro de determinado prazo. Basta observar, a este propósito, que, diferentemente da situação relativa a essa controvérsia, no caso em análise, o fundamento relativo à violação do direito comunitário foi, de facto, suscitado em sede de controlo jurisdicional da decisão arbitral emanada, como no caso da administração financeira belga, de um órgão que não é competente para recorrer ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177._ do Tratado.

24 Foi também exposto, com vista a justificar uma obrigação de os árbitros examinarem oficiosamente a validade de um acordo entre privados face às regras da concorrência, a eventualidade de as partes submeterem deliberadamente ao conhecimento de um colégio arbitral uma questão relativa à execução de um contrato manifestamente ilegal com a finalidade de obter uma decisão que não poderá mais tarde ser posta em discussão em sede jurisdicional. Trata-se de uma preocupação legítima, mas que, mais uma vez, deve ser abordada em sede adequada, isto é, a da efectividade do controlo jurisdicional sobre as decisões arbitrais. Caso as partes decidam expressamente subtrair ao tribunal arbitral questões relativas à compatibilidade do acordo com o direito comunitário da concorrência, o compromisso estaria viciado de nulidade e, assim, a decisão arbitral poderia ser impugnada por essa razão perante os órgãos jurisdicionais competentes. Em tais circunstâncias, os próprios árbitros poderão declarar-se incompetentes para decidir.

25 Em seguida, põe-se o problema de reconhecer a cargo dos árbitros a obrigação de suscitar oficiosamente questões de direito comunitário não só quando o ordenamento nacional imponha tal comportamento em relação aos direitos de origem interna, mas também quando este atribua ao tribunal uma mera faculdade (11). A dificuldade que se põe em relação à equiparação já referida dos deveres dos árbitros aos do tribunal nacional deriva da circunstância de, no acórdão Van Schijndel e Van Veen, já referido, o Tribunal de Justiça justificar a sua conclusão pelo facto de caber ao tribunal, no respeito do princípio de cooperação enunciado no artigo 5._ do Tratado, garantir a tutela jurisdicional conferida aos particulares por força das normas de direito comunitário com efeito directo (12). No caso vertente, em que, finalmente, se discute uma norma processual nacional que exclui tout court que os árbitros possam oficiosamente suscitar questões não submetidas pelas partes, trate-se de disposições internas ou comunitárias, o problema há pouco exposto não reveste relevância específica. Não dissimulo todavia a minha perplexidade em alargar aos árbitros a obrigação de suscitar oficiosamente questões relativas ao respeito da regulamentação comunitária de natureza vinculante, caso o ordenamento nacional lhe conceda uma mera faculdade relativamente a questões análogas em direito interno. Tal conclusão não poderá sic et simpliciter ser fundamentada à luz do artigo 5._ do Tratado, disposição que, como se sabe, tem como destinatários apenas os Estados-Membros e que, portanto, não poderá, por si, criar obrigações a cargo dos árbitros. Isto, naturalmente, não exclui que estes últimos possam recorrer aos meios e aos poderes de instrução proporcionados pelo ordenamento nacional ou pelo compromisso arbitral para colmatar, com a ajuda das partes, eventuais lacunas na configuração dos elementos de direito e de facto pertinentes.

26 Pelos fundamentos expostos, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial no sentido de que o direito comunitário não impõe aos árbitros que suscitem oficiosamente questões relativas à conformidade com o direito comunitário da concorrência de um contrato cuja execução é submetida à sua apreciação, quando o exame de tais questões obrigue os árbitros a renunciar ao princípio dispositivo, a cuja observância são obrigados, exorbitando dos limites do litígio tal como foi circunscrito pelas partes e baseando-se em factos e circunstâncias diversas das que a parte no processo que tem interesse na aplicação das referidas disposições invocou como fundamento do seu pedido.

Quanto à segunda questão prejudicial

27 Com a segunda questão, o Hoge Raad pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se as normas processuais nacionais segundo as quais a nulidade de um laudo arbitral por violação do direito pode ser decidida exclusivamente em caso de contrariedade com a ordem pública e com os bons costumes, não são aplicáveis quando não permitam ao tribunal decidir a nulidade de um laudo arbitral por contradição com o disposto no artigo 85._ do Tratado.

28 É útil, antes da análise da segunda questão, indicar que essa questão, tal como formulada pelo tribunal de reenvio, prescinde tanto do comportamento das partes como do objecto no processo arbitral. Por outras palavras, o tribunal a quo pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a conformidade com o direito comunitário das normas processuais neerlandesas anteriormente descritas que de facto limitam a hipóteses verdadeiramente excepcionais o controlo jurisdicional dos laudos arbitrais. Não entra, pelo contrário, em linha de conta, neste contexto específico, o facto de as partes terem ou não suscitado perante o colégio arbitral questões atinentes à nulidade do contrato: trata-se de um problema que será, pelo contrário, abordado no âmbito da análise da terceira questão submetida pelo Hoge Raad.

29 Passando assim ao exame da segunda questão, deve, antes de mais, observar-se que da exposição contida no despacho de reenvio decorre que, em direito neerlandês, o simples facto de o conteúdo ou execução do laudo estar em contradição com as disposições internas em matéria de concorrência não levanta, in genere, problemas de ordem pública. O Hoge Raad põe todavia a questão de saber se o mesmo pode afirmar-se quando, como no caso em apreço, é alegado que a disposição em causa é contrária ao direito comunitário da concorrência. Das respostas fornecidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Van Schijndel e Van Veen, proferido também ele sobre matéria de concorrência, o tribunal de reenvio deduz que também o artigo 85._ não poderá ser enumerado entre as normas de «ordem pública» para efeitos da aplicação do artigo 1065._ do Código de Processo. Nesse acórdão, lembrámos que o Tribunal de Justiça decidiu que, mesmo quando é aduzida pelas partes uma pretensa violação do artigo 85._, o juiz não é obrigado a renunciar ao princípio dispositivo: portanto, um fundamento tirado da violação dessa norma não pode, pela primeira vez, ser suscitado em sede de recurso de cassação, quando tal exija do tribunal exorbitar dos limites do litígio tal como circunscrito pelas partes, baseando-se em factos e circunstâncias diversas dos invocados como fundamento do pedido.

30 Considero que a solução da questão deve procurar-se tendo em conta o papel que a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece ao controlo jurisdicional das sentenças arbitrais. No acórdão Nordsee, imediatamente depois de ter negado aos árbitros a qualificação de «órgão jurisdicional» na acepção do artigo 177._, o Tribunal de Justiça especificou que «é importante que o direito comunitário seja integralmente respeitado no território de todos os Estados-Membros» e daí tirou a consequência de que «as partes num contrato não são... livres para o derrogar» (13). Da exigência de aplicação uniforme, resulta, assim, que, «se uma arbitragem convencional levantar questões de direito comunitário, os órgãos jurisdicionais comuns podem ser chamados a examinar essas questões... no quadro da fiscalização da sentença arbitral, mais ou menos ampla, para que forem solicitados, na hipótese de recurso, de embargos ou de requerimento para execução, ou de qualquer outra via de impugnação admitida pela legislação nacional aplicável». O Tribunal de Justiça concluiu assim que «compete aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se devem recorrer ao Tribunal em aplicação do artigo 177._ do Tratado, com vista a obter a interpretação ou a apreciação da validade das disposições de direito comunitário que podem ser chamados a aplicar no exercício dessas funções de assistência ou de fiscalização» (14). Das afirmações que precedem deduz-se que a solução de não permitir aos árbitros proceder ao reenvio prejudicial nos termos do artigo 177._ é de qualquer modo «compensada» pela relevância que o Tribunal de Justiça atribui ao controlo judicial das decisões arbitrais. Existe, portanto, uma conexão estreita entre a efectividade do controlo judicial da aplicação correcta do direito comunitário e a garantia de acesso, pelo menos potencial, ao processo previsto no artigo 177._: quando estes dois princípios estão combinados necessitam que, no âmbito de um litígio que envolve uma disposição de direito comunitário, os órgãos jurisdicionais nacionais, na qualidade de tribunais comunitários de direito comum, tenham a faculdade de dirigir-se ao Tribunal de Justiça quando o considerem necessário para obterem esclarecimentos sobre a interpretação ou sobre a validade da norma comunitária que são chamados a aplicar. Do mesmo modo, as partes que considerem ser titulares de um direito por força da disposição comunitária pertinente devem ter a possibilidade de pedir ao tribunal que aprecie a oportunidade de um reenvio prejudicial.

31 A jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça insiste na necessidade de que seja assegurado um certo controlo das sentenças arbitrais e confirma a referida conexão entre processo prejudicial e a garantia de tutela efectiva dos direitos conferidos pelo direito comunitário. No acórdão Almelo e o. (15), o Tribunal de Justiça decidiu que a solução dada no acórdão Nordsee não é afectada pela circunstância de um órgão jurisdicional julgar, por força da convenção de arbitragem celebrada entre as partes, segundo a equidade. Segundo o Tribunal de Justiça, com efeito, «em virtude dos princípios do primado e da uniformidade de aplicação do direito comunitário, conjugados com o artigo 5._ do Tratado, um órgão jurisdicional de um Estado-Membro a quem é submetido, nos termos da legislação nacional, um recurso de uma decisão arbitral, mesmo que julgue segundo a equidade, é obrigado a respeitar as normas do direito comunitário, em especial as relativas à concorrência» (16) (n._ 23).

Parece-me que uma posterior confirmação desta orientação é susceptível de ser encontrada no acórdão Peterbroeck, precisamente na parte em que o Tribunal de Justiça, ao referir as particularidades «do procedimento em questão» de natureza a justificar a não aplicação das disposições processuais nacionais, indicou o facto de o tribunal a quo (a Cour d'appel de Bruxelas) «[é] o primeiro órgão jurisdicional susceptível de colocar uma questão ao Tribunal de Justiça, atendendo a que o director que decide o litígio em primeira instância pertence à administração fiscal e, por conseguinte, não é um órgão jurisdicional, na acepção do artigo 177._ do Tratado» (17).

32 Finalmente, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, com vista a salvaguardar a correcta e uniforme aplicação do direito comunitário, deve ser permitido aos tribunais, eventualmente chamados a apreciar a conformidade dos laudos arbitrais com as regras de direito, procederem a um controlo efectivo do laudo. Em particular, os órgãos jurisdicionais devem ter a possibilidade de apreciar questões de direito comunitário e, ao fazê-lo, obter os necessários esclarecimentos do Tribunal de Justiça (18).

33 As normas processuais nacionais que limitam a hipóteses realmente excepcionais o controlo jurisdicional da conformidade dos laudos arbitrais com o direito comunitário não devem, assim, ser aplicadas.

34 Dito isto, trata-se de apreciar se as disposições pertinentes do Código de Processo neerlandês são conformes com as exigências de efectividade da tutela jurisdicional já referidas. Recorde-se, a este respeito, que, como foi expressamente indicado pelo tribunal de reenvio, no ordenamento neerlandês, o reexame das decisões arbitrais por violação do direito é limitado a hipóteses verdadeiramente excepcionais, isto é, aos casos de contrariedade do laudo à ordem pública ou aos bons costumes. Além disso, o tribunal neerlandês tem de especificar que, na interpretação correntemente dada ao artigo 1065._ do Código de Processo, existe contrariedade à ordem pública apenas quando o conteúdo ou a execução do laudo viole uma norma de carácter tão fundamental que nenhuma restrição de natureza processual é susceptível de impedir a sua observância. Tal não será o caso das regras nacionais de concorrência quando da própria jurisprudência do Tribunal de Justiça, no entender do tribunal neerlandês, pode ser deduzido que a disposição do artigo 85._ do Tratado não deve ser considerada como uma «norma de ordem pública» na acepção antes indicada.

35 Não considero que o sistema que acabo de descrever sumariamente satisfaça as exigências da eficácia da tutela jurisdicional definidas pelo Tribunal de Justiça. Limitando a hipóteses verdadeiramente excepcionais a possibilidade de impugnar o laudo arbitral por violação do direito, as disposições neerlandesas não permitem ao tribunal nacional - e, em última análise, através deste último, ao Tribunal de Justiça - exercer um controlo suficiente sobre decisões arbitrais. Por outras palavras, as regras processuais neerlandesas, lidas à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tornam excessivamente difícil a aplicação do direito comunitário. Isto parece ainda menos justificado quando se trate de regras de concorrência, se se considerar o interesse - que evidentemente transcende o das partes privadas envolvendo também as empresas terceiras, os potenciais concorrentes e os consumidores - numa correcta aplicação das disposições contidas no artigo 85._ e seguintes do Tratado. Por outras palavras, como é reconhecido pelo Tribunal de Justiça na supracitada passagem do acórdão Almelo e o., a necessidade de controlar a conformidade das decisões arbitrais com o direito comunitário apresenta-se de maneira ainda mais acentuada num sector como o da concorrência em que existe um interesse geral no respeito das regras com vista a garantir um correcto funcionamento do mercado interno.

36 De facto, não creio que se possa duvidar da natureza imperativa das regras de concorrência. Significativa é, antes de mais, a sanção de nulidade absoluta ou «de pleno direito» (19) prevista pelo artigo 85._, n._ 2, para os acordos ou decisões de associação de empresas celebrados em violação da proibição prevista no n._ 1. O funcionamento das regras de concorrência entra nos objectivos fundamentais da Comunidade, como resulta claramente do texto dos artigos 2._ e 3._ do Tratado (20). Da jurisprudência do Tribunal de Justiça basta citar por extenso uma passagem do acórdão Hoechst (21), mais tarde reproduzida em sucessivas ocasiões (22), em que o Tribunal indicou que estas regras «têm por finalidade... evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores. O exercício da competência conferida à Comissão pelo Regulamento n._ 17 concorre assim para a manutenção do regime concorrencial instituído pelo Tratado cujo respeito se impõe imperativamente às empresas» (23).

37 Assumem também importância as indicações da jurisprudência do Tribunal de Justiça, respeitantes às relações entre as regras comunitárias da concorrência e as disposições nacionais: «práticas legislativas ou judiciais nacionais, mesmo admitido que sejam comuns a todos os Estados-Membros, não podem prevalecer sobre a aplicação das regras do Tratado relativas à concorrência» (24). Essas «práticas» seriam, de facto, contrárias ao artigo 5._, segundo parágrafo, do Tratado e poderiam privar de efeito útil as regras comunitárias (25).

38 As considerações que acabo de desenvolver poderiam finalmente justificar uma solução diversa que permitiria ao tribunal nacional respeitar de qualquer modo as normas internas de processo. Tratar-se-ia antes de enquadrar as regras comunitárias de concorrência, em particular, a proibição de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas e práticas concertadas previstas no artigo 85._, no âmbito das normas de «ordem pública» e de alargar o âmbito de aplicação das disposições neerlandesas que permite o exame jurisdicional do laudo também por razões de «ordem pública comunitária». Por consequência, seria, de qualquer modo, garantida a aplicação da regulamentação interna, com uma ligeira restrição ao princípio da «autonomia processual» que confere aos Estados-Membros a competência de estabelecer as modalidades processuais dos recursos jurisdicionais destinados a garantir a tutela dos direitos conferidos aos particulares por força das normas de direito comunitário. Trata-se de uma conclusão, segundo a qual as regras de concorrência fazem parte da «ordem pública económica comunitária», que encontra apoio na opinião de grande parte da doutrina e que é partilhada pela jurisprudência de numerosos Estados-Membros. Independentemente do instrumento técnico que se pretende utilizar para permitir um controlo efectivo de laudos arbitrais contrários às regras da concorrência, o que importa sublinhar é que cada um dos dois instrumentos descritos parte do pressuposto de que as regras comunitárias da concorrência assumem um carácter publicístico: todavia, regulando relações interindividuais, não podem ser derrogadas por privados sob pena de nulidade de pleno direito de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas e de práticas concertadas concluídos em violação da proibição contida no artigo 85._, n._ 1. Dentro dos ordenamentos nacionais, quando se ponha o problema de ponderar exigências potencialmente em conflito, tais como o respeito das regras processuais nacionais, por um lado, e o funcionamento de um mercado concorrencial, por outro, tal ponderação deve, de qualquer modo, ser efectuada tendo em conta a importância primária que as regras de concorrência revestem no ordenamento comunitário.

39 Finalmente, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial submetida pelo Hoge Raad no sentido de que o tribunal nacional deve acolher um pedido de anulação de um laudo arbitral devido a uma incompatibilidade do referido laudo com o artigo 85._ do Tratado, mesmo que as normas processuais nacionais permitam a anulação por violação do direito apenas em caso de contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes.

Quanto à terceira questão

40 Através da terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, em caso de resposta afirmativa à segunda questão, o tribunal pode acolher o pedido de anulação do laudo arbitral também quando a questão da nulidade do contrato por violação das regras de concorrência tenha permanecido estranho ao objecto da sentença arbitral. O Hoge Raad especifica que, segundo o direito processual neerlandês, não seria permitido às partes invocar, pela primeira vez, a nulidade do contrato no contexto de um recurso de anulação. Ter-se-ia, portanto, formado um caso julgado interno, com a consequência de que seria vedado às partes e ao tribunal voltar a pôr em discussão a validade do contrato cuja correcta execução se discute.

41 Considero que a resposta a esta questão, mesmo se é afirmativa, pode ser deduzida dos elementos já anteriormente examinados, e em particular das observações desenvolvidas sobre a importância das regras de concorrência no ordenamento comunitário enquanto regras imperativas, assim como sobre a necessidade que se pronuncie pelo menos uma vez sobre a aplicação do direito comunitário uma instância que seja um «órgão jurisdicional» na acepção do artigo 177._ do Tratado.

42 No que toca ao primeiro dos elementos acima indicados, considero que, em virtude da natureza específica de regras imperativas das disposições comunitárias que regulam a concorrência entre empresas, não se deve conceder excessiva importância ao comportamento das partes. Pelo contrário, se assim fosse, correr-se-ia o risco de cristalizar definitivamente, também em razão dos interesses dos particulares, situações contrárias ao interesse comum. Como antes foi indicado, as regras de concorrência em causa, regulando, porém, comportamentos individuais, prosseguem objectivos de carácter geral, como o correcto funcionamento do mercado interno e o bem-estar dos consumidores. A sanção de carácter civil da nulidade absoluta ex tunc dos acordos proibidos e a acção de vigilância da Comissão têm precisamente o objectivo de garantir que a actividade dos privados não se desenvolva por forma a prejudicar a prossecução das referidas finalidades de interesse público. No que toca aos direitos indisponíveis, também o comportamento processual das partes não deverá assumir relevo determinante, quando encontra certamente justificação, de harmonia com as soluções que se podem encontrar nos ordenamentos nacionais, uma derrogação aos princípios de direito processual (princípio devolutivo, princípio dispositivo) que regulam os recursos. A nulidade do contrato pode, portanto, ser invocada pelo tribunal chamado a controlar a validade do laudo também quando, como no caso em apreço, a sua competência seja limitada a um controlo de mera legalidade, na condição, todavia, de que os fundamentos de nulidade sobressaiam, de certa maneira, dos actos processuais e não sejam, assim, requeridas particulares indagações de facto. No caso em apreço, se por acaso resultar dos actos na posse do tribunal de recurso que o contrato cuja execução é discutida no processo arbitral é contrário ao artigo 85._, porquanto implica uma repartição de mercados numa base territorial, a questão da nulidade pode ser alegada, pela primeira vez, em sede de controlo judicial do laudo arbitral.

43 Em segundo lugar, recorde-se que, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, é necessário garantir que a questão da correcta aplicação das regras comunitárias seja submetida, pelo menos uma vez, à consideração de uma instância jurisdicional, competente para efectuar um reenvio para o Tribunal de Justiça, na acepção do artigo 177._ do Tratado. Uma regulamentação ou uma prática nacional que não o permita, nomeadamente quando é possível encontrar um interesse público subjacente às disposições em questão, não é conforme com as exigências de uma correcta e uniforme aplicação do direito comunitário. Em apoio deste argumento, pode ser utilmente invocada a solução a que chegou o Tribunal de Justiça no citado acórdão Peterbroeck. Nesse acórdão, discutia-se sobre uma regulamentação nacional que impedia um particular de alegar, pela primeira vez, perante uma instância jurisdicional que se pronunciou em sede de apelação de uma decisão de um órgão administrativo, um fundamento de recurso baseado no artigo 52._ do Tratado CE, depois do decurso do prazo previsto pela lei que estabelecia a data para o depósito, por parte do director dos impostos, da cópia autêntica da decisão impugnada. O Tribunal de Justiça declarou que o direito comunitário opõe-se à aplicação da norma processual nacional em questão. Invocado o princípio segundo o qual as modalidades processuais dos recursos jurisdicionais internos não devem tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico comunitário e especificado que uma norma de direito nacional que impede a utilização do processo previsto no artigo 177._ do Tratado deve ser afastada, o Tribunal de Justiça indicou as características específicas do processo de que se tratava: entre estas, a circunstância de que a Cour d'appel de Bruxelas «é o primeiro órgão jurisdicional susceptível de colocar uma questão ao Tribunal de Justiça, atendendo que o director [dos impostos] perante o qual se desenrola o litígio em primeira instância pertence à administração fiscal e, por conseguinte, não é um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado». Como se afigura evidente, o Tribunal de Justiça, ao fundamentar a inadequação do regime processual nacional face às exigências da correcta aplicação do direito comunitário, acentuou o facto de o organismo que se tinha pronunciado, em primeira instância, sobre o recurso do particular, não ser um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ e, portanto, não era competente para submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (26).

44 Finalmente, resulta do acórdão que acabo de recordar que nenhuma preclusão poderá verificar-se num procedimento jurisdicional relativamente à invocação de um vício de nulidade de um contrato por violação de normas imperativas, nomeadamente quando o órgão jurisdicional perante o qual a questão de direito comunitário foi suscitada é o primeiro tribunal a poder submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Por outras palavras, a amplitude do controlo jurisdicional do respeito das normas imperativas de direito comunitário não deverá ser condicionado pelo comportamento das partes, nomeadamente quando o órgão que é chamado a pronunciar-se em primeira instância sobre o litígio é um órgão que não apresenta os requisitos de «órgão jurisdicional» na acepção do artigo 177._ do Tratado.

45 O mesmo acontece no caso em apreço, em que o tribunal arbitral que, em primeira instância, se pronunciou sobre o litígio não é, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, um «órgão jurisdicional». Numa apreciação proporcional do sacrifício imposto ao funcionamento das regras processuais nacionais face ao objectivo a prosseguir (no nosso caso, o respeito das regras comunitárias de concorrência), considero que os princípios fundamentais indicados pelo Tribunal de Justiça como parâmetros de apreciação (27) - a segurança jurídica, o andamento regular do processo, a protecção dos direitos de defesa - levam à conclusão de que devem ser afastadas as normas processuais nacionais que não permitem ao tribunal, chamado a pronunciar-se sobre a validade dum contrato face às regras comunitárias da concorrência, pronunciar-se sobre a nulidade do referido contrato quando as partes não tenham suscitado essa questão no decurso do processo arbitral.

46 Em suma, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à terceira questão submetida pelo Hoge Raad no sentido de que o tribunal nacional é obrigado a acolher um pedido de anulação de um laudo arbitral devido a uma incompatibilidade do referido laudo com o artigo 85._ do Tratado, mesmo que a questão da aplicabilidade da disposição agora referida tenha permanecido fora dos limites do litígio e os árbitros não se tenham, por isso, pronunciado sobre essa questão.

Quanto às quarta e quinta questões

47 Pelas quarta e quinta questão, que podem ser examinadas conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o direito comunitário impõe a não aplicação das regras processuais internas que excluem que possa ser posta de novo em causa a validade de um contrato, definitivamente confirmada por uma sentença arbitral interlocutória que adquiriu autoridade de caso julgado por falta de impugnação, em sede de reapreciação de um laudo arbitral posterior que quantifica o dano decorrente do incumprimento do referido contrato.

48 Respeitando embora a ordem das questões prejudiciais tal como foi proposta pelo tribunal de reenvio, não posso deixar de salientar que o objecto das últimas duas questões que acabo de recordar assume, de facto, um valor absorvente, porquanto uma resposta negativa, de facto, tornaria inútil, para a solução do litígio em causa, a análise até agora desenvolvida. Dito isto, saliento que a resposta às quarta e quinta questões deve partir novamente do princípio geral segundo o qual, na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competenntes e determinar as normas e as modalidades processuais dos recursos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos que os particulares tirem do efeito directo do direito comunitário. Todavia, essas modalidades não podem ser menos favoráveis que as relativas a recursos similares de natureza interna, nem tornem na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento comunitário. A isto acresce que da jurisprudência do Tribunal de Justiça decorre a norma, que reflecte aliás um princípio geral do direito sancionado em todos os Estados-Membros, segundo o qual «a força de caso julgado constitui obstáculo... a que sejam novamente postos em causa os direitos judicialmente reconhecidos» (28).

49 Ora, partindo destas premissas, considero que as normas processuais indicadas pelo tribunal neerlandês são conformes com os princípios acima indicados. O prazo de três meses previsto pelo Código de Processo neerlandês aplica-se a todos os recursos de sentenças arbitrais que sejam baseados em razões extraídas do direito nacional ou do direito comunitário; isso não torna excessivamente difícil o exercício dos direitos atribuídos pelo ordenamento jurídico comunitário, porquanto a parte que pretende pôr em discussão a validade de um laudo arbitral tem a faculdade de fazê-lo dentro de um prazo perfeitamente razoável. A força de caso julgado que o ordenamento nacional atribui às sentenças arbitrais não contestadas dentro do referido prazo é portanto a consequência normal da inactividade das partes. É, pelo contrário, no interesse do bom funcionamento da justiça que a resolução de um litígio, tal como resulta de uma sentença arbitral não impugnada dentro dos prazos, já não possa ser posta em discussão em sede de impugnação de uma sentença posterior que, como no nosso caso, diz respeito à quantificação do dano produzido pelo incumprimento contratual. Esta segunda sentença encontra, de facto, fundamento já não no contrato cuja validade se contesta, mas na força de caso julgado atribuída à sentença arbitral.

50 Além disso, não considero que a conclusão possa ser diferente pela simples razão de que a disposição comunitária, cuja violação se contesta, reveste uma importância particular no sistema jurídico comunitário. O prazo previsto pelas normas processuais nacionais vale também para os fundamentos de ordem pública de direito interno e em ambos os casos prossegue o objectivo, perfeitamente legítimo, de chegar num determinado ponto do processo a uma solução definitiva do litígio na qual as partes possam ter confiança.

51 Pelos fundamentos expostos, proponho ao Tribunal que responda à quarta e quinta questão submetidas pelo Hoge Raad no sentido de que o direito comunitário não obriga o tribunal nacional a afastar as normas processuais nacionais segundo as quais, em sede de anulação de uma sentença arbitral que, ao quantificar o dano por incumprimento contratual, se baseia numa sentença anterior que decide quanto ao mérito o litígio, não pode ser posta em causa a força de caso julgado que o ordenamento jurídico nacional reconhece a esta última sentença. O direito comunitário não exige, além disso, ao tribunal nacional que não aplique a regra segundo a qual não se pode exigir ao mesmo tempo a anulação do laudo interlocutório que define quanto ao mérito o litígio, e a anulação do laudo arbitral posterior que quantifica o dano decorrente do incumprimento do referido contrato.

52 Pelos fundamentos expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões colocadas pelo Hoge Raad der Nederlanden como se segue:

«1) O direito comunitário não impõe aos árbitros que suscitem oficiosamente questões relativas à conformidade com o direito comunitário da concorrência de um contrato cuja execução é submetida à sua apreciação, quando o exame dessas questões obrigue os árbitros a renunciar ao princípio dispositivo, a cuja observância são obrigados, exorbitando dos limites do litígio tal como foi circunscrito pelas partes e baseando-se em factos e circunstâncias diversos dos que a parte processual, que tem interesse na aplicação das referidas disposições, invocou como fundamento do próprio pedido.

2) O tribunal nacional deve acolher um pedido de anulação de um laudo arbitral devido a uma incompatibilidade do referido laudo com o artigo 85._ do Tratado CE, mesmo que as normas processuais nacionais apenas permitam a anulação por violação do direito em caso de contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes.

3) O tribunal nacional é obrigado a acolher um pedido de anulação de um laudo arbitral devido a uma incompatibilidade do referido laudo com o artigo 85._ do Tratado CE, mesmo que a questão da aplicabilidade da disposição referida tenha permanecido fora dos limites do litígio e os árbitros não se tenham, por isso, pronunciado sobre essa questão.

4) O direito comunitário não obriga o tribunal nacional a afastar as normas processuais nacionais segundo as quais, em sede de anulação de uma sentença arbitral que, ao quantificar o dano por incumprimento contratual, se baseia numa sentença precedente que decide quanto ao mérito o litígio, não pode ser posta em causa a força de caso julgado que o ordenamento jurídico nacional reconhece a esta última sentença. O direito comunitário não exige também ao tribunal nacional que não aplique a regra segundo a qual não se pode pedir ao mesmo tempo a anulação do laudo interlocutório, que define quanto ao mérito o litígio, e a anulação do laudo arbitral posterior que quantifica o dano decorrente do incumprimento do referido contrato.»

(1) - Tratava-se, naquela altura, do Rechtbank, que, como foi recordado supra, negou provimento ao recurso de anulação.

(2) - Acórdão Van Schijndel e Van Veen, n._ 11.

(3) - V., nomeadamente, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe (33/76, Colect., p. 813, n._ 5); de 16 de Dezembro de 1976, Comet (45/76, Recueil, p. 2043, n.os 12 a 16, Colect. 1976, p. 835); de 27 de Fevereiro de 1980, Just (68/79, Recueil, p. 501, n._ 25); de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n._ 14); de 25 de Fevereiro de 1988, Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Colect., p. 1099, n._ 12); de 24 de Março de 1988, Comissão/Itália (104/86, Colect., p. 1799, n._ 7); de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI (123/87 e 330/87, Colect., p. 4517, n._ 17); de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357, n._ 43); de 9 de Junho de 1992, Comissão/Espanha (C-96/91, Colect., p. I-3789, n._ 12); de 1 de Abril de 1993, Lageder e o. (C-31/91 a C-44/91, Colect., p. I-1761, n.os 27 a 29); de 17 de Julho de 1997, GT-Link (C-242/95, Colect., p. I-4449, n.os 24 e 27), e de 15 de Setembro de 1998, Edis (C-231/96, Colect., p. I-4951, n.os 19 e 34).

(4) - Acórdão de 16 de Janeiro de 1974, Rheinmühlen Düsseldorf (166/73, Colect., p. 17, n.os 2 e 3).

(5) - Acórdão de 23 de Março de 1982, Nordsee (102/81, Recueil, p. 1095, n._ 14), em que o Tribunal de Justiça, com apoio na exigência de que o direito comunitário seja inteiramente observado no território de todos os Estados-Membros, especificou que «as partes num contrato não são portanto livres para o derrogar».

(6) - V. as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs relativas ao acórdão Van Schijndel e Van Veen, n._ 18.

(7) - Acórdão Van Schijndel e Van Veen, n._ 21.

(8) - Acórdão Nordsee, já referido, n.os 10 a 16.

(9) - Não é supérfluo recordar que o problema da correcção e da extensão da proibição de os árbitros suscitarem questões prejudiciais não é objecto do presente processo.

(10) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1995, C-312/93 (Colect., p. I-4599).

(11) - Acórdão Van Schijndel e Van Veen, já referido, n._ 14.

(12) - Acórdão já referido, n._ 14.

(13) - Acórdão já referido, n._ 14.

(14) - Acórdão já referido, n._ 15.

(15) - Acórdão de 27 de Abril de 1994 (C-393/92, Colect., p. I-1477).

(16) - Sublinhado meu.

(17) - Acórdão já referido, n._ 17.

(18) - Naturalmente, uma alternativa podia ser a de permitir aos árbitros efectuar o reenvio prejudicial. Todavia, como antes se salientou, a questão não entra no âmbito do presente processo. V., quanto a este ponto, Prechal, S.: «Community Law and National Courts: The lessons from Van Schijndel», in Common Market law Review, 1998, pp. 681 e segs.

(19) - Quanto à nulidade absoluta, opera ex tunc independentemente de uma declaração em tal sentido do órgão competente para a verificação. V., por exemplo, o acórdão de 6 de Fevereiro de 1973, Brasserie de Haecht (48/72, Colect. 1973, p. 19, n.os 25 a 27).

(20) - V. o acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, Colect. 1972, p. 109), em que o Tribunal de Justiça observou que a argumentação «segundo a qual esta disposição contém apenas um programa geral desprovido de efeitos jurídicos, ignora que o artigo 3._ considera a prossecução dos objectivos que enuncia indispensável para o cumprimento das missões confiadas à Comunidade» (sublinhado meu).

(21) - Acórdão de 21 de Setembro de 1989 (46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n._ 25).

(22) - Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão (85/87, Colect., p. 3137, n._ 36); de 17 de Outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão (97/87 a 99/87, Colect., p. 3165, n._ 22; de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283, n._ 19).

(23) - V. também o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Outubro de 1994, Fiatagri e New Holland Ford/Comissão (T-34/92, Colect., p. II-905, n._ 39), em que o Tribunal observa que «o n._ 1 do artigo 85._ do Tratado enuncia uma proibição de princípio dos acordos com carácter anticoncorrencial. Esta disposição de ordem pública impõe-se, portanto, às empresas recorrentes, independentemente de qualquer injunção da Comissão quanto a este aspecto».

(24) - Acórdão de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Recueil, p. 40, n._ 19). No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 1992, Publishers Association/Comissão (T-66/89, Colect., p. II-1995). V. também as conclusões do advogado-geral Darmon relativas ao acórdão Almelo e o., já referido, em particular p. I-1486.

(25) - Conclusões do advogado-geral Darmon relativas ao acórdão Almelo e o., já referido, n._ 40.

(26) - Saliente-se que é justamente sobre este aspecto particular que pode ser encontrada uma diferença entre a situação de facto relativa ao caso Peterbroeck e a relativa ao caso Van Schijndel e Van Veen, susceptível de explicar definitivamente as diferentes soluções a que chegou o Tribunal de Justiça em ambos os casos. No caso Van Schijndel e Van Veen, de facto, os interessados não tinham levantado, pela primeira vez, a questão da compatibilidade das disposições nacionais com as normas relativas à concorrência perante os tribunais competentes nas duas instâncias de mérito, submetendo, portanto, um pedido novo ao Tribunal de Cassação. No caso Peterbroeck, pelo contrário, tinha-se pronunciado, em primeira instância, um organismo administrativo (o director dos impostos) que não possui a qualificação de órgão jurisdicional, na acepção do artigo 177._ Só no segundo caso o Tribunal de Justiça concluiu no sentido de considerar a norma processual belga incompatível com o direito comunitário. V. Hoskins, M.: «Tilting the balance: supremacy and national procedural rules», in European Law Review, 1996, pp. 365 e segs.

(27) - Acórdão Peterbroeck, n._ 14; acórdão Van Schijndel, n._ 19.

(28) - Acórdão de 9 de Junho de 1964, Reynier e Erba/Comissão (79/63 e 82/63, Recueil, p. 509, em particular p. 524; Colect. 1962/1964, p. 459). V. ainda as conclusões do advogado-geral Jacobs relativas ao acórdão Peterbroeck, Colect., p. I-4606, n._ 23.