61997C0039

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 2 de Abril de 1998. - Canon Kabushiki Kaisha contra Metro-Goldwyn-Mayer Inc., anteriormente Pathe Communications Corporation. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha. - Direito de marca - Risco de confusão - Semelhança entre produtos ou serviços. - Processo C-39/97.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-05507


Conclusões do Advogado-Geral


1 O artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva relativa às marcas (1) proíbe o registo de uma marca «se, devido à sua identidade ou semelhança com (uma) marca anterior, e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que as duas marcas se destinam, existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior».

2 Para se opor ao registo de uma marca com base nesta disposição é, consequentemente, necessário demonstrar que a marca é idêntica ou semelhante a uma marca anterior e que os produtos ou serviços cobertos por ambas as marcas são idênticos ou semelhantes.

3 O Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça) deseja saber se, ao apreciar se produtos ou serviços devem ser considerados semelhantes na acepção dessa disposição, a intensidade do carácter distintivo de uma marca anterior, em particular a sua notoriedade, pode ser tomada em consideração.

A directiva relativa às marcas

4 A directiva relativa às marcas harmoniza as disposições de direito nacional em matéria de marcas que «tenham uma incidência mais directa sobre o funcionamento do mercado interno» (terceiro considerando da directiva). Assim harmoniza, entre outras coisas, os fundamentos de recusa de registo ou de declaração de nulidade de uma marca (artigos 3._ e 4._), e os direitos conferidos por uma marca (artigo 5._ e segs.).

5 Segundo o artigo 16._, n._ 1, da directiva, os Estados-Membros eram obrigados a dar cumprimento às suas disposições até 28 de Dezembro de 1991. Todavia, através da Decisão 92/10/CEE, (2) o Conselho fez uso do poder conferido pelo artigo 16._, n._ 2, e prorrogou o prazo para dar cumprimento à directiva até 31 de Dezembro de 1992.

6 O artigo 4._, n._ 1, da directiva, que diz respeito à possibilidade de registar uma marca, prevê que:

«O pedido de registo de uma marca será recusado ou, tendo sido efectuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo:

a) se a marca for idêntica a uma marca anterior e se os produtos ou serviços para os quais o registo da marca for pedido ou a marca tiver sido registada forem idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca anterior está protegida;

b) se, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior, e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que as duas marcas se destinam, existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.»

7 De forma semelhante, o artigo 5._, n._ 1, que especifica os direitos conferidos por uma marca, prevê que:

«A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b) de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

8 As marcas que gozem de notoriedade podem beneficiar ainda de uma protecção adicional. O artigo 4._, n._ 4, alínea a), confere aos Estados-Membros a possibilidade de recusar o registo de uma marca em certas circunstâncias se a marca for semelhante ou idêntica a uma marca nacional anterior que goze de prestígio, mesmo que os produtos ou serviços em relação aos quais a aplicação da marca posterior é feita não sejam semelhantes aos produtos ou serviços em relação aos quais a marca anterior está registada:

«Os Estados-Membros podem igualmente prever que o pedido de registo de uma marca seja recusado ou, tendo sido efectuado, que o registo de uma marca fique passível de ser declarado nulo sempre que e na medida em que:

a) a marca seja idêntica ou semelhante a uma marca nacional anterior na acepção do n._ 2 e se destine a ser ou tiver sido registada para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que a marca comunitária anterior goze de prestígio no Estado-Membro em questão e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária anterior ou possa prejudicá-los.»

9 Quando uma marca anterior é uma marca comunitária prevista pelo regulamento relativo à marca comunitária (3), o artigo 4._, n._ 3, da directiva permite o mesmo tipo de objecção a que seja feito o registo pelo titular de uma marca comunitária anterior que goze de prestígio na Comunidade. Em contraste com o artigo 4._, n._ 4, alínea a), o artigo 4._, n._ 3, impõe, e não apenas autoriza, que os Estados-Membros concedam tal protecção.

10 Além disso, o artigo 5._, n._ 2, (que diz respeito ao uso, em oposição ao registo, de uma marca posterior) confere aos Estados-Membros uma faculdade semelhante à prevista no artigo 4._, n._ 4, alínea a):

«Qualquer Estado-Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado-Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

11 Deve contudo notar-se que, embora a questão se refira às marcas que gozam de notoriedade e os artigos 4._, n._ 4, alínea a), e 5._, n._ 2, mencionem expressamente tais marcas, o Bundesgerichtshof esclareceu que a disposição em questão no presente caso é o artigo 4._, n._ 1, alínea b), pelas razões adiante expostas (4).

Os factos

12 Em 29 de Julho de 1986, a Pathe Communications Corporation (a seguir «Pathe»), que tem sede nos Estados Unidos da América, apresentou um pedido de registo da marca «CANNON» em relação aos seguintes produtos e serviços: «filmes gravados em videocassetes (cassetes de vídeo); produção, aluguer e exibição de filmes para salas de cinema e estações de televisão.»

13 A Canon Kabushiki Kaisha (a seguir «CKK») deduziu oposição a esse pedido com o fundamento de que violava a sua própria marca verbal «Canon». Esta marca já tinha sido registada, designadamente, em relação a «câmaras e projectores para fotografia e cinema; aparelhos de recepção e de gravação de televisão, aparelhos de transmissão de televisão, aparelhos de captação e reprodução de televisão, incluindo aparelhos de fita ou de discos para gravação e reprodução de televisão».

14 No momento em que a CKK deduziu a oposição, a directiva relativa às marcas ainda não tinha sido adoptada e a lei nacional alemã relativa às marcas era, por conseguinte, aplicável. Essa lei é conhecida como a Warenzeichengesetz (a seguir «WZG»). A directiva, adoptada em 21 de Dezembro de 1988 e que devia ser transposta até 31 de Dezembro de 1992 (5), foi tardiamente transposta para direito alemão por uma lei adoptada em 25 de Outubro de 1994. As principais disposições da lei entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1995. Todavia, o Bundesgerichtshof explica que o presente caso deve ser julgado com base na lei hoje existente, que dá execução à directiva. A nova lei alemã relativa às marcas é a Markengezetz e o Bundesgerichtshof explica que o § 9._, n.os 1 e 2, dessa lei corresponde ao artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva.

15 Segundo o Bundesgerichtshof, deve considerar-se, para efeitos da apreciação jurídica, que as duas marcas «CANNON» e «Canon» se pronunciam de maneira idêntica. Todavia, não são aplicadas em relação a produtos e serviços idênticos. A questão com que os tribunais alemães se têm confrontado é a de saber se os respectivos produtos e serviços podem, não obstante, ser considerados semelhantes.

16 Quando o requerimento da Pathe foi examinado pelas autoridades alemãs, o primeiro examinador considerou que os produtos e serviços das partes em litígio eram de facto similares e, consequentemente, recusaram registar a marca «CANNON». O segundo examinador anulou essa decisão e indeferiu a oposição, com o fundamento de que não havia semelhança. A CKK recorreu para o Bundespatentgericht (tribunal federal de patentes) mas ao seu recurso foi negado provimento por decisão de 6 de Abril de 1994. A CKK recorreu então para o Bundesgerichtshof e foi no contexto deste processo que foi formulado o presente pedido de decisão prejudicial.

17 O Bundespatentgericht negou provimento ao recurso interposto pela CKK porque concordou com o segundo examinador que não havia semelhança, na acepção do § 5._, n._ 4, ponto 1, da WZG, entre os produtos e serviços em causa. Considerou que tal semelhança só pode ser admitida se os produtos ou serviços apresentarem, em razão da sua importância económica e do seu modo de utilização, pontos comuns tão próximos, nomeadamente no que respeita aos respectivos locais de fabrico e de venda habituais, que, no espírito do comprador médio, possa nascer a convicção de que provêem da mesma empresa, na medida em que são utilizados sinais distintivos coincidentes ou como tal entendidos. A CKK afirma que 76,6% da população conheceu a sua marca em Novembro de 1985 e o Bundesgerichtshof declara que esse facto deve ser entendido no sentido de que significa que a marca «Canon» se tornou uma marca conhecida. O Bundespatentgericht, todavia, considerou que a notoriedade da marca CKK não era relevante para efeitos de apreciação da semelhança entre os produtos e os serviços em questão.

18 O Bundespatentgericht observou que os produtos «filmes gravados em cassetes de vídeo» indicados no requerimento da Pathe estavam mais próximos dos produtos «aparelhos de recepção e de gravação de televisão, aparelhos de transmissão de televisão, aparelhos de captação e reprodução de televisão, incluindo aparelhos de fita ou de discos para gravação e reprodução de televisão» cobertos pela marca da CKK. Todavia, considerou que as duas categorias de mercadorias não eram semelhantes. Discordando da opinião da Trigésima Secção do Bundespatentgericht num processo semelhante, declarou que não podia considerar que os filmes gravados em vídeo cassetes fossem semelhantes aos aparelhos de televisão cobertos pela marca CKK ou as câmaras de vídeo distribuídas pela CKK.

19 Explicou que o Bundespatentgericht já em 1989 tinha declarado que entre os produtores de fitas de vídeo no catálogo industrial Seibt de 1988 não se encontrava um único fabricante de aparelhos electrónicos de lazer; nenhuma mudança significativa teve entretanto lugar neste aspecto, pelo menos em relação às cassetes de vídeo gravadas, e informações recolhidas junto de estabelecimentos especializados mostraram que, na categoria das cassetes de vídeo gravadas, não se encontrava o nome de nenhum produtor de aparelhos de televisão ou de gravadores de vídeo. Consequentemente, o Bundespatentgericht considerou que não se podia presumir que o comprador médio pensasse que as fitas de vídeo gravadas correspondentes e os aparelhos de gravação e de reprodução proviessem da mesma empresa. Mesmo o público está suficientemente informado de que o fabrico de cassetes gravadas se realiza em condições diferentes e compreende que cassetes de vídeo e gravadores vídeo não provêm do mesmo fabricante.

20 O Bundespatentgericht rejeitou igualmente a possibilidade de existência de semelhança entre os serviços especificados no requerimento da Pathe referentes à «produção, aluguer e exibição de filmes para salas de cinema e estações de televisão» e os aparelhos de gravação de televisão etc. protegidos pela marca CKK. O Bundespatentgericht considerou que o facto de as câmaras e os projectores serem usados para produzir e projectar filmes não induzia as pessoas a concluir erradamente, em medida significativa para efeitos do direito das marcas, que os produtores de tais aparelhos também produziam, distribuíam ou projectavam filmes regularmente.

21 No seu recurso contra a decisão do Bundespatentgericht, a CKK argumenta que, desde a transposição da directiva relativa às marcas para direito alemão, a abordagem do Bundespatentgericht para apreciar a semelhança dos produtos ou serviços deixou de ser adequada. Alega que a sua marca «Canon» é uma marca famosa ou muito conhecida e que esse facto, associado com a circunstância de as cassetes vídeo e os aparelhos de gravação e de reprodução serem propostos nos mesmos postos de venda, devia conduzir à conclusão de que os produtos cobertos por ambas as marcas são semelhantes e que há, consequentemente, um risco de confusão do público na acepção do § 9, n._ 1, ponto 2, da Markengesetz (6).

A questão

22 Por conseguinte, o Bundesgerichtshof submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Ao apreciar a semelhança dos produtos ou serviços que designam as duas marcas pode ter-se em consideração o carácter distintivo, especialmente o nível de notoriedade da marca com prioridade anterior (até à data relevante para efeitos de determinação da prioridade da marca posterior), e em particular de forma a que se possa afirmar que existe risco de confusão, na acepção do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da Directiva 89/104/CEE, mesmo quando, para o público, os produtos ou serviços em questão têm origens diferentes?»

23 O Bundesgerichtshof explica que a questão essencial é saber se a adopção da directiva relativa às marcas impõe aos tribunais alemães uma alteração da sua abordagem em termos de apreciação da semelhança entre produtos ou serviços. Consequentemente, procura determinar que critérios deveriam ser aplicados na apreciação da questão de saber se os produtos ou serviços são semelhantes na acepção do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva.

24 O despacho de reenvio contém informações adicionais quanto à execução da directiva. Ao dar execução à directiva, o legislador alemão partiu da hipótese de que o conceito de semelhança entre produtos ou serviços não podia ser encarado do mesmo modo que na vigência da lei anterior. Na exposição de motivos do projecto da Markenrechtsreformgesetz (lei relativa à reforma das marcas), declarou-se que, no futuro, não seria possível fazer uso do conceito estático de semelhança desenvolvido na lei anterior.

25 Na vigência da lei anterior, tinha que haver semelhança objectiva entre os produtos ou serviços: não havia, assim, protecção em direito das marcas quando não houvesse semelhança objectiva entre produtos e serviços, independentemente da semelhança entre as marcas e da notoriedade da marca anterior. A doutrina argumenta que, desde a transposição da directiva, isso deixou de ser o caso: agora há uma correlação inversa entre, por um lado, a semelhança entre produtos e serviços e, por outro, a semelhança entre as marcas e o carácter distintivo da marca anterior. Assim, quanto mais próximas forem as marcas e maior for o carácter distintivo da marca anterior, menor será a necessidade de demonstrar a semelhança entre os produtos ou serviços. De acordo com o Bundesgerichtshof, tal interpretação significaria que demonstrar o risco de confusão seria consideravelmente mais fácil do que na vigência da lei alemã anterior.

26 O Bundesgerichtshof reconhece que, em certas circunstâncias, quando a marca anterior goza de renome, pode ser protegida mesmo em relação a produtos e serviços diferentes, em aplicação do disposto no artigo 4._, n._ 4, alínea a), da directiva. Ainda que essa disposição seja facultativa, o Bundesgerichtshof afirma que foi transposta para direito alemão pelo § 9, n._ 1, ponto 3, da Markengesetz. Todavia, o Bundesgerichtshof salienta que é importante distinguir entre a aplicação do artigo 4._, n._ 1, alínea b), e do artigo 4._, n._ 4, alínea a), porque, em direito nacional, o registo inicial de uma marca em relação a produtos diferentes não pode, em si mesmo, ser objecto de oposição em aplicação das disposições nacionais que dão execução ao artigo 4._, n._ 4, alínea a): a pessoa que se opõe só pode encetar uma acção de cancelamento da marca desde que esta tenha sido registada ou desencadear um processo por violação da sua própria marca: o objectivo é que o processo de registo seja levado a cabo de forma abstracta e sistemática. O artigo 4._, n._ 1, alínea b), por seu lado, constitui um fundamento para a oposição ao registo de uma marca. A questão de saber se um particular faz uso de uma marca cai sob a alçada do artigo 4._, n._ 1, alínea b) ou do o artigo 4._, n._ 4, alínea a) é, por conseguinte, de importância prática considerável.

O significado de «confusão»

27 A questão consiste em saber, em parte, se se deve considerar que existe um risco (7) de confusão mesmo que o público atribua aos produtos ou serviços origens diferentes. O significado do termo «confusão» contido no artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva foi já abordado por este Tribunal no seu acórdão no processo SABEL, proferido em 11 de Novembro de 1997. (8)

28 Este processo dizia respeito à interpretação do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva na parte em que refere «um risco de confusão (no espírito do público) que compreenda o risco de associação com a marca anterior». O Tribunal de Justiça explicou que tinha sido alegado que «o risco de associação compreende (...) três hipóteses: em primeiro lugar, o caso em que o consumidor confunde o sinal e a marca em questão (risco de confusão directa); em segundo lugar, o caso em que o consumidor estabelece uma ligação entre os titulares do sinal e da marca e os confunde (risco de confusão indirecta ou de associação); em terceiro lugar, aquele em que o consumidor efectua uma aproximação entre o sinal e a marca, despertando a percepção do sinal a recordação da marca, sem todavia os confundir (risco de associação propriamente dito)» (9).

29 O Tribunal de Justiça declarou que, por isso, era necessário determinar «se... o artigo 4._, n._ 1, alínea b), pode encontrar aplicação quando não existe risco de confusão directa ou indirecta, mas apenas risco de associação propriamente dito» (10). Concluiu: «a própria redacção deste preceito exclui portanto que possa ser aplicado se não existir, no espírito do público, risco de confusão» (11). Assim, o Tribunal declarou que «a mera associação entre duas marcas que o público pode fazer pela concordância do seu conteúdo semântico não basta, por si, para concluir pelo risco de confusão» (12) na acepção do artigo 4._, n._ 1, alínea b).

30 Daqui resulta que se, no caso presente, não houver risco de o público supor que existe qualquer tipo de correlação comercial entre as marcas «Canon» e «CANNON», não existe risco de confusão na acepção do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva. A Comissão sugere todavia que a questão se refere à atribuição de produtos ou serviços a diferentes «lugares de proveniência»; e este conceito pode reflectir a importância que a anterior lei das marcas alemã atribuia ao lugar de fabrico dos produtos em questão. A este respeito, deve notar-se que não é suficiente demonstrar simplesmente que não há o risco de o público ser induzido em erro quanto ao lugar em que os produtos são fabricados ou os serviços prestados: se, apesar de reconhecer que os produtos ou serviços têm diferentes lugares de proveniência, existe a possibilidade de o público pensar que há uma ligação entre as duas empresas, há um risco de confusão na acepção da directiva.

Apreciação da semelhança entre produtos e serviços

31 O argumento essencial no âmbito deste processo tem incidido sobre a questão de saber se o grau de intensidade do carácter distintivo de uma marca, em especial a sua notoriedade, pode ser tomado em consideração para apreciar a questão de saber se produtos ou serviços devem ser considerados semelhantes na acepção do artigo 4._, n._ 1, alínea b). Por outras palavras, é possível considerar que determinados produtos ou serviços são semelhantes no caso de estarem em causa marcas particularmente distintivas, quando tais produtos ou serviços não seriam considerados semelhantes se estivessem em causa outras marcas com carácter distintivo menos pronunciado? Ou o critério para a apreciação da semelhança entre produtos ou serviços deve ser objectivo (isto é, independente da natureza das marcas em questão)?

32 Todas as marcas, para desempenharem a sua função, devem ter carácter distintivo; uma marca que careça de carácter distintivo não pode, segundo o disposto no artigo 3._, n._ 1, alínea b), da directiva, ser registada e, se o for, é passível de ser declarada nula. Mas o carácter distintivo é uma questão de grau. Uma marca pode ter carácter particularmente distintivo por ser conhecida ou por ser invulgar. Quanto mais conhecida ou mais invulgar for uma marca, maior é o risco de que os consumidores possam ser induzidos em erro acreditando haver uma ligação comercial entre produtos ou serviços que ostentam a mesma marca ou uma marca semelhante. Como o Tribunal de Justiça observou no acórdão SABEL «o risco de confusão é tanto mais elevado quanto o carácter distintivo da marca anterior se reconhece como importante» (13). Deve notar-se, todavia, que, naquele processo, contrariamente ao que acontece no presente, não era contestado que pelo menos alguns dos produtos cobertos pelas marcas em questão eram os mesmos; a questão consistia em saber se as marcas (por oposição aos produtos) em questão eram suficientemente semelhantes para dar origem a um risco de confusão.

33 A CKK, o Governo francês e a Comissão são de opinião que o carácter mais ou menos distintivo de uma marca é importante para apreciar a similitude entre produtos ou serviços. Na audiência, o Governo italiano observou que o conceito de similitude é muito vago, não podendo basear-se exclusivamente em factores objectivos.

34 Referem o décimo considerando da directiva, que está redigido nos seguintes termos:

«... que é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; que o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da (14) associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do (15) grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção; que é do domínio das regras nacionais de processo que a presente directiva não prejudica a questão dos meios pelos quais o risco de confusão pode ser constatado, em especial o ónus da prova.»

35 A CKK e o Governo francês observam que esse considerando, em particular a afirmação de que «é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão», mostra que a apreciação da semelhança entre produtos ou serviços não deve ser considerada uma verificação objectiva.

36 A CKK observa também que é importante ter a possibilidade de deduzir oposição ao registo nacional de uma marca com base no artigo 4._, n._ 1, alínea b), em vez de ter que aceitar o registo inicial e impugnar o seu uso com base noutras disposições. Considera que as partes num processo de oposição estão sujeitas a despesas mais reduzidas e podem defender os seus direitos de forma mais eficaz e eficiente do que noutros processos.

37 A Pathe e o Reino Unido, todavia, defendem uma apreciação da semelhança entre os produtos ou serviços objectiva e independente (isto é, uma apreciação feita independentemente da natureza ou da notoriedade da marca anterior). O Reino Unido considera que exigir, na fase de registo de uma marca, que a notoriedade da marca anterior seja tomada em consideração para efeitos de apreciação da semelhança entre os produtos ou serviços em questão imporia um ónus indevido sobre os examinadores e retardaria consideravelmente o processo de registo. A Pathe observa também que as grandes sociedades atrasariam deliberadamente os processos de registo.

38 Além disso, a Pathe observa que limites flexíveis para a definição de produtos ou serviços semelhantes causaria incerteza jurídica. Um dos últimos argumentos apresentados pelo Reino Unido é que, se a questão do risco de confusão tivesse que ser abordada com vista a determinar se produtos ou serviços são semelhantes, não faria sentido exigir tal semelhança: a única coisa que haveria que determinar seria se existe ou não um risco de confusão; se tivesse sido essa a intenção, a directiva teria tido uma estrutura diferente.

39 Em minha opinião, o elemento decisivo para a resolução do problema é a declaração contida no décimo considerando da directiva de que a apreciação do risco de confusão depende, em particular, do conhecimento de uma marca. Essa declaração, colocada no seu contexto, lê-se do seguinte modo:

«considerando que a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; que a protecção é igualmente válida em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; que é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; que o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção...».

Esta declaração torna claro que o conhecimento da marca, ainda que não especificamente mencionado no artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva, é importante para determinar se há semelhança suficiente para dar origem a um risco de confusão.

40 Esta opinião é também confirmada pelo acórdão do Tribunal de Justiça SABEL (16), em que se declarou que «o risco de confusão deve... ser apreciado globalmente, atentos todos os factores relevantes do caso em apreço». É verdade que essa declaração foi feita num contexto diferente: tratava-se para o Tribunal de Justiça de determinar se a mera semelhança conceptual das marcas poderia dar origem a confusão na acepção do artigo 4.:_, n._ 1, alínea b), numa situação em que os produtos em questão eram claramente os mesmos. Todavia, a declaração é de aplicação geral.

41 O Governo do Reino Unido procura refutar o argumento de que o décimo considerando da directiva sustenta uma abordagem global. Afirma que este considerando significa simplesmente que, para apreciar a semelhança, se deve apurar se os produtos ou serviços são tais que o público pode ser induzido em erro, pensando que têm a mesma origem comercial, e que, ao proceder a essa apreciação, não se pode tomar em consideração a notoriedade da marca anterior.

42 Essa explicação, todavia, exige que o considerando seja lido no sentido de que indica que a questão da confusão tem de ser tomada em consideração na apreciação da semelhança entre produtos ou serviços, mas que um dos elementos do critério de apreciação, a saber, o «conhecimento» da marca anterior «no mercado» (expressamente mencionado no considerando), não pode ser tomado em consideração em tal apreciação. Tenho dificuldade em ler o considerando desta forma. (A frase «conhecimento da marca no mercado» refere-se, em minha opinião, à intensidade do carácter distintivo da marca: isto é, a questão de saber se já é conhecida do público, porque tem natureza intrinsecamente invulgar ou pela sua notoriedade).

43 Além disso, os perigos de prorrogação do processo de registo que se verificariam se se exigisse a tomada em consideração da notoriedade da marca anterior não me parecem tão sérios como a Pathe e o Governo do Reino Unido sugerem. O Governo francês observou na audiência que, de acordo com a sua experiência, tal tomada em consideração não prorroga indevidamente nem complica o processo. De facto, pode ser útil em termos de segurança jurídica assegurar que marcas cujo uso possa ser impugnado com êxito não sejam registadas. De qualquer forma, parece-me que o décimo considerando da directiva indica que a notoriedade de uma marca deveria ser tomada em consideração na apreciação do risco de confusão entre duas marcas, mesmo que não possa ser tomada em consideração na apreciação da semelhança entre os produtos ou serviços. Além disso, o registo de marca comunitária será obrigado a considerar a questão da notoriedade de uma marca em muitos casos, uma vez que o regulamento sobre a marca comunitária contém uma disposição semelhante ao artigo 4._, n._ 4, alínea a), da directiva. Segundo o artigo 8._, n._ 5, do regulamento, o titular de uma marca anterior que goze de notoriedade pode opor-se, em certas condições, ao registo de uma marca idêntica ou semelhante em relação a produtos ou serviços que não sejam semelhantes. Isto sugere que os problemas práticos decorrentes do facto de exigir às autoridades encarregadas do registo que tomem em conta a notoriedade de uma marca não são tão grandes como foi alegado.

44 Desejo salientar que, ainda que, em minha opinião, o grau de conhecimento da marca deva ser tomado em consideração para decidir a questão de saber se há semelhança suficiente para dar origem a confusão, há que dar grande importância à exigência de semelhança quer na apreciação da semelhança entre as marcas, quer na apreciação da semelhança entre os produtos ou serviços em questão. Consequentemente, é incorrecto sugerir que, em consequência da transposição para direito nacional do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva, pode deixar de ser necessário, no caso de uma marca de carácter particularmente distintivo, determinar a semelhança entre os produtos ou serviços em questão. Na apreciação da semelhança entre os produtos ou serviços é útil tomar em consideração os factores sugeridos pelos Governos do Reino Unido e Francês.

45 Segundo o Governo do Reino Unido, na apreciação da semelhança entre produtos ou serviços deveriam ser tomados em consideração os seguintes tipos de factores:

a) as utilizações respectivas dos produtos ou serviços;

b) os utentes respectivos dos produtos ou serviços;

c) a natureza física dos produtos ou actos de prestação de serviços;

d) os canais comerciais através dos quais os produtos ou serviços são colocados no mercado;

e) no caso de artigos de consumo em livre serviço, o lugar do supermercado em que, na prática, se encontram ou é provável que se encontrem e, em particular, a questão de saber se se encontram ou é provável que se encontrem nas mesmas ou em diferentes secções;

f) a medida em que os produtos ou serviços estão em concorrência; esta averiguação pode tomar em consideração a forma como esses produtos são classificados no comércio, por exemplo, a questão de saber se as empresas de estudos de mercado que de facto trabalham para a indústria colocam os produtos ou serviços nos mesmos ou em diferentes sectores (17).

46 Reconhecendo embora que esta lista de factores não é exaustiva, o Governo do Reino Unido observou na audiência que, não obstante, indica um denominador comum que deveria estar presente em todos os factores tomados em consideração na apreciação da semelhança entre produtos ou serviços: que os factores estão relacionados com os próprios produtos ou serviços.

47 O Governo francês, do mesmo modo, considera que, na apreciação da semelhança entre produtos ou serviços, os factores a tomar em consideração incluem a natureza dos produtos ou serviços, o seu destino previsto e a clientela, o seu uso normal e o seu modo habitual de distribuição.

48 O uso desses factores «objectivos» para apreciar a semelhança não exclui todavia, em meu entender, que, ao determinar se há semelhança suficiente para dar origem a um risco de confusão, seja tomado em consideração o grau de conhecimento da marca.

49 Contra essa opinião pode argumentar-se que, quanto mais simples e objectiva for a determinação da semelhança entre produtos e serviços prevista no artigo 4._, n._ 1, alínea b), tanto menos é provável que as autoridades de registo de marcas nacionais ou os tribunais nos diferentes Estados-Membros procedam a divergentes apreciações quanto à questão de saber se determinada marca dá lugar a confusão. Isso seria compatível com o objectivo da directiva de harmonizar o direito de marcas dos Estados-Membros.

50 Admito que uma averiguação flexível da semelhança entre produtos ou serviços pode conduzir a diferentes interpretações de tal semelhança em diferentes Estados-Membros. É de facto possível que, contrariamente à opinião de certos Estados-Membros, uma nova marca não possa ser abrangida pelo disposto no artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva, num Estado-Membro simplesmente porque se considera nesse Estado que, a despeito da notoriedade da marca anterior e de um risco de confusão, os produtos ou serviços não são suficientemente semelhantes. Em tal caso, todavia, o facto de a marca anterior gozar de notoriedade pode significar que, nesse Estado-Membro, em vez da referida disposição se apliquem o artigo 4._, n._ 4, alínea a), ou o artigo 5._, n._ 2, da directiva (respeitantes à protecção de uma marca em relação a produtos ou serviços diferentes). No entender da Comissão, todos os Estados-Membros utilizaram a faculdade conferida pelo artigo 4._, n._ 4, alínea a) (18). Assim, o resultado definitivo em todos os Estados-Membros (nomeadamente a proibição ou a anulação de um registo de marca ou a proibição do seu uso) seria muitas vezes o mesmo.

51 A título de observação final, desejo acrescentar que não considero injusto que um titular de uma marca beneficie de protecção em relação a uma categoria mais ampla de produtos do que aquela em relação à qual a marca está registada. Não é razoável exigir que um titular de uma marca registe a sua marca para todos os tipos de produtos em relação aos quais o uso da sua marca pode dar origem a um risco de confusão, uma vez que pode acontecer não utilizar a sua marca em relação a tais produtos; de facto, marcas que são registadas para produtos ou serviços em relação aos quais não são usadas podem ser canceladas no registo após cinco anos com fundamento em falta de uso (19). Além disso, o critério da confusão assegura que, quando se regista uma marca em relação a uma certa categoria de produtos ou serviços, o titular da marca não fique protegido em relação a uma categoria demasiado ampla de produtos e serviços. O conceito de confusão não deve ser demasiado amplo, uma vez que, como observei nas minhas conclusões no processo SABEL (20), uma interpretação lata seria contrária ao objectivo da directiva de facilitar a livre circulação de mercadorias. Todavia, quando houver um risco de confusão real e devidamente provado, em minha opinião não só se justifica como é necessário proteger o consumidor e o titular da marca proibindo o registo de uma marca posterior mesmo em relação a produtos e serviços semelhantes relativamente aos quais a marca anterior não está registada.

Conclusão

52 Por conseguinte, à questão submetida pelo Bundesgerichtshof, em minha opinião deve responder-se do seguinte modo:

«Na apreciação da semelhança entre produtos ou serviços cobertos por duas marcas, para efeitos do artigo 4._, n._ 1, alínea b), da Primeira Directiva do Conselho 89/64/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, pode tomar-se em consideração o carácter distintivo, e em particular a notoriedade, da marca anterior para determinar se há semelhança suficiente para dar origem a um risco de confusão. Todavia, só há risco de confusão na acepção desta disposição se for provável que o público seja erradamente induzido a supor que existe qualquer espécie de ligação comercial entre os fornecedores dos produtos ou serviços em questão.»

(1) - Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).

(2) - JO L6, p. 35.

(3) - Regulamento (CE) n._ 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994 L 11, p. 1).

(4) - V. n._ 26, infra.

(5) - V. ponto 5 supra.

(6) - Como foi explicado antes, a disposição corresponde ao artigo 4._, n._ 1, alínea b), da directiva.

(7) - A versão alemã da directiva fala de risco de confusão («Gefahr»), ao passo que a versão inglesa fala de uma probabilidade («likelihood») de confusão.

(8) - C-251/95, Colect., p. I-6191.

(9) - N._ 16 do acórdão.

(10) - N._ 17 do acórdão.

(11) - N._ 18 do acórdão.

(12) - Dispositivo do acórdão.

(13) - Já referido na nota 8, n._ 24 do acórdão.

(14) - Nota sem pertinência para a versão portuguesa das presentes conclusões.

(15) - V. nota 14 supra.

(16) - Já referido, nota 8, n._ 22.

(17) - Esta lista resulta do acórdão da High Court inglesa no processo British Sugar Plc/James Robertson & Sons Ltd, de 23 de Maio de 1996, (1996) RPC 281.

(18) - Declaração da Comissão na audiência de 13 de Janeiro de 1998 no processo BMW (C-63/97).

(19) - V. artigos 10._ a 12._ da directiva.

(20) - Citado na nota 8, n.os 50 e 51.