Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 14 de Maio de 1998. - Ministero delle Finanze contra IN.CO.GE.'90 Srl, Idelgard Srl, Iris'90 Srl, Camed Srl, Pomezia Progetti Appalti Srl (PPA), Edilcam Srl, A. Cecchini & C. Srl, EMO Srl, Emoda Srl, Sappesi Srl, Ing. Luigi Martini Srl, Giacomo Srl e Mafar Srl. - Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Roma - Itália. - Repetição do indevido - Consequências da incompatibilidade de uma imposição nacional com o direito comunitário. - Processos apensos C-10/97 a C-22/97.
Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-06307
1 O Pretore di Roma submeteu nesta série de processos apensos uma mesma questão prejudicial, relativa às consequências da incompatibilidade de uma norma interna com o direito comunitário, quando tal norma institui um tributo considerado incompatível com este direito e os contribuintes intentam uma acção para reembolso dos montantes pagos a esse título.
A matéria de facto, a tramitação dos processos principais e a questão prejudicial
2 Os despachos de reenvio contêm muito poucos dados quanto à matéria de facto que é objecto dos litígios nos processos principais. Podemos deduzir que, durante um determinado número de anos não especificado, as sociedades partes no processo principal pagaram uma taxa anual de concessão governamental pela inscrição no registo das empresas; este tributo, cujo montante foi objecto de diversas alterações legais (1), foi instituído pelo Decreto n._ 641/72 do Presidente da República, de 26 de Outubro de 1972.
3 Após o acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 1993 no processo Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (2) em resposta a diversas questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (3), o legislador italiano aboliu a taxa anual e reduziu para 500 000 LIT o montante da taxa pela primeira inscrição das sociedades no registo (4).
4 Por seu turno, os órgãos jurisdicionais italianos declararam que a taxa anual era incompatível com o direito comunitário (5) e, portanto, que os montantes a esse título pagos o foram indevidamente.
5 As sociedades acima mencionadas pediram e obtiveram do Pretore di Roma uma decisão de injunção (decreto ingiuntivo) (6), mediante o qual a administração tributária italiana foi intimada a restituir os montantes que elas tinham anteriormente pago. O Ministério das Finanças deduziu oposição a esta injunção, suscitando uma série de excepções, em especial a incompetência do Pretore para conhecer do litígio e a caducidade da acção de restituição.
6 No entender do Pretore, antes de decidir quanto a estas duas excepções, coloca-se uma dúvida que compete ao Tribunal de Justiça resolver: se a relação jurídica entre a administração e as empresas que pagaram a taxa é de natureza fiscal, o Pretore é incompetente para conhecer do litígio, pois não lhe cabe decidir «processos em matéria de impostos e taxas». Do mesmo modo, a aplicação das normas que regem a caducidade ou a prescrição das acções depende da qualificação jurídica - fiscal ou meramente civil - destas últimas.
7 Por conseguinte, o Pretore, baseando-se na incompatibilidade com o direito comunitário da lei nacional que instituiu a taxa, dirige-se ao Tribunal de Justiça para perguntar se a referida incompatibilidade exige a total inaplicação da lei e se deve ainda repercutir-se na qualificação da relação jurídica existente entre a administração fiscal e a pessoa que pagou a taxa, com base na qual a acção de restituição é exercida.
8 O teor da questão prejudicial é o seguinte:
«A incompatibilidade entre o artigo 10._ da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, interpretada nos termos que decorrem do acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 1993 (nos processos apensos C-71/91 e C-178/91), e o artigo 3._, n.os 18 e 19, do Decreto-lei n._ 853, de 19 de Dezembro de 1984, transformado na Lei n._ 17, de 17 de Fevereiro de 1985, implica, com base nos critérios de integração entre a legislação nacional e a comunitária estabelecidos pelo mesmo Tribunal, a não aplicação total dos referidos n.os 18 e 19 do artigo 3._, e, em especial, obriga o juiz nacional a abster-se de ter em conta a referida legislação nacional, mesmo em sede de qualificação da relação jurídica por força da qual um cidadão de um Estado-Membro solicita à administração fiscal a restituição das quantias pagas em violação do referido artigo 10._ da Directiva 69/335/CEE?»
A primeira parte da questão prejudicial
9 A questão prejudicial suscita, na realidade, dois problemas sucessivos, sendo o primeiro de alcance mais amplo que o segundo. Se, por um lado, o Pretore interroga o Tribunal de Justiça sobre a relação entre a incompatibilidade da norma interna com o direito comunitário e sobre a sua inaplicabilidade, ulteriormente centra a sua atenção sobre um aspecto específico desta inaplicabilidade, a saber, a sua incidência sobre a «qualificação» de uma determinada relação jurídica.
10 A solução da primeira parte da questão foi já fornecida várias vezes pelo Tribunal de Justiça: a norma nacional incompatível com o direito comunitário não pode ser aplicada e, portanto, os órgãos jurisdicionais nacionais devem afastar a sua aplicação no litígio que lhes foi submetido.
11 Com efeito, a aplicação uniforme do direito comunitário não seria garantida se os Estados-Membros pretendessem fazer prevalecer as suas próprias normas internas sobre as normas comunitárias, isto é, se pudessem antepor a aplicação do direito nacional no caso de desconformidade entre umas e outras.
12 Desde o já clássico acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal (7), esta afirmação é formulada em termos assaz categóricos. Recordaremos que as questões prejudiciais que tinham sido colocadas na altura pelo Pretore de Susa versavam, tal como a presente questão, sobre o reembolso de determinadas taxas exigidas pela administração italiana em execução de normas nacionais contrárias ao direito comunitário (no caso, taxas sanitárias cobradas na importação de carne de bovino).
13 O Pretore de Susa perguntava, há já vinte anos, quais as consequências da aplicabilidade directa de uma disposição de direito comunitário no caso da sua incompatibilidade com uma disposição posterior da legislação de um Estado-Membro. A resposta do Tribunal de Justiça, que ulteriormente se converteu quase numa cláusula de estilo na sua jurisprudência na matéria, foi a de que o juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, pela aplicação de disposições do direito comunitário tem obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional.
14 Este princípio jurisprudencial, cuja implantação na realidade jurídica dos Estados-Membros não foi isenta de polémicas (8), foi reiteradamente confirmado pelo Tribunal de Justiça (9). É sem qualquer dúvida aplicável à taxa em causa no processo vertente e, de facto, assim foi declarado pelas altas instâncias jurisdicionais italianas (10). De resto, não é discutido por qualquer das partes no processo prejudicial.
15 Por conseguinte, há que confirmar, em resposta à primeira parte da questão prejudicial, que, ante a incompatibilidade de uma norma nacional com o direito comunitário, o juiz nacional não a deve aplicar.
A segunda parte da questão prejudicial: as consequências da inaplicação do direito interno no que concerne à qualificação de determinadas relações jurídicas
16 Se o Tribunal de Justiça deu mostras de firmeza ao manter o princípio do primado da norma comunitária, fez igualmente prova de prudência ao não se pronunciar sobre as categorias jurídicas subjacentes à obrigação de não aplicar a norma nacional em conflito com a norma comunitária.
17 Com efeito, como acabámos de recordar, o Tribunal de Justiça limitou-se a declarar que tais disposições nacionais não podem ser aplicadas porque, caso contrário, seria impedida a própria realização da Comunidade Europeia enquanto Comunidade de direito. Mas absteve-se - em nosso entender, acertadamente - de se pronunciar sobre o conceito abstracto e geral, isto é, a categoria jurídica em que se inscreve a obrigação de não aplicar a disposição nacional em causa.
18 A jurisprudência do Tribunal de Justiça podia, hipoteticamente, ter recorrido a alguma das categorias jurídicas bem conhecidas na teoria geral do direito (como, por exemplo, a «inexistência», a «invalidade», a «nulidade», a «ineficácia», a «caducidade», a «ilegitimidade», e outras similares) para designar o vício de que enfermam as normas nacionais quando violam a ordem jurídica comunitária.
19 Não obstante, o Tribunal de Justiça evitou cuidadosamente a utilização daqueles conceitos na sua jurisprudência sobre a matéria, sem dúvida por entender que a opção por qualquer deles - cujo significado, ademais, varia consoantes os diferentes sistemas jurídicos - compete sobretudo a estes sistemas. No quadro das soluções adoptadas por cada um deles, os seus respectivos órgãos jurisdicionais nacionais, em particular aqueles a quem foi confiado, em cada um dos Estados-Membros, o controlo da «regularidade» da produção normativa, deverão pronunciar-se a esse propósito (11).
20 No acórdão de 4 de Abril de 1968, Lück (12), o Tribunal de Justiça pronunciou-se expressamente a esse propósito: tratava-se de uma questão prejudicial que o convidava a precisar se, em virtude do primado de uma norma comunitária - no caso, o artigo 95._ do Tratado CEE -, as disposições em contrário do direito nacional deviam ser consideradas nulas (a contar da entrada em vigor do terceiro parágrafo do já referido artigo 95._) ou simplesmente revogadas.
21 A resposta dada no acórdão Lück foi que, embora o efeito reconhecido ao artigo 95._ do Tratado exclua a aplicação de qualquer medida de ordem interna incompatível com esse texto, este artigo não limita no entanto o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais competentes aplicarem, de entre os diversos procedimentos da ordem jurídica interna, os adequados para salvaguardar os direitos individuais conferidos pelo direito comunitário. Em consequência, acrescenta o Tribunal de Justiça, «a escolha entre as soluções indicadas na questão [prejudicial], ou entre quaisquer outras, compete ao tribunal de reenvio».
22 Para salvaguardar o primado do direito comunitário face às normas nacionais que a ele se oponham, é capital que estas últimas não sejam aplicadas na ordem jurídica interna: deste modo se garante quer o respeito pelo direito comunitário quer a sua aplicação uniforme em todos os Estados-Membros.
i) A alegada «inexistência» da norma nacional contrária ao direito comunitário
23 Nas suas observações escritas (13), a Comissão afirma que o Tribunal de Justiça, confrontado com uma disposição nacional que institui um tributo contrário ao direito comunitário, deve determinar se esta disposição «deve considerar-se inexistente com efeitos ex tunc», ou deve, pelo contrário, ser considerada «revogada, com efeitos ex nunc, pela declaração de ilegalidade comunitária». Noutros passos do referido texto, limita-se a defender que, nesses casos, a «inexistência do poder legislativo do Estado» ou a mera «inexistência da obrigação tributária» são factores que devem ser determinantes na resposta a fornecer ao tribunal de reenvio.
24 Começaremos por analisar, sob a presente epígrafe, os problemas que suscita a posição favorável a uma declaração de «inexistência» da norma nacional incompatível com o direito comunitário. E analisaremos, na epígrafe seguinte, da alegada falta de poder do Estado em matéria fiscal no caso vertente, uma vez que o tribunal a quo se refere a esta questão na sua argumentação relativa à qualificação da relação jurídico-fiscal.
25 Em nosso entender, o Tribunal de Justiça não deve abandonar a atitude de prudência que invocámos anteriormente para embarcar numa elaboração ou numa escolha arriscada de categorias dogmáticas próprias nesta matéria, ou para pôr termo ao debate, de carácter sobretudo teórico, destinado a determinar qual das categorias referidas é aplicável. Tal elaboração não é necessária - pois basta manter o critério da inaplicabilidade da norma nacional para garantir o primado da norma comunitária - nem é porventura conveniente, atentas as diferentes concepções que podem ser defendidas nesta matéria.
26 No entanto, é certo que um passo do n._ 17 do acórdão Simmenthal pode ser interpretado - como de facto foi - em sentido contrário ao que acabámos de expor. Nesse trecho, o Tribunal de Justiça afirmou: «... Além do mais, por força do princípio do primado do direito comunitário, as disposições do Tratado e os actos das instituições directamente aplicáveis têm por efeito, nas suas relações com o direito interno dos Estados-Membros, não apenas tornar inaplicável de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, qualquer norma de direito interno que lhes seja contrária, mas também - e dado que tais disposições e actos integram, com posição de precedência, a ordem jurídica aplicável no território de cada um dos Estados-Membros - impedir a formação válida de novos actos legislativos nacionais, na medida em que seriam incompatíveis com normas do direito comunitário» (14).
27 Alguns autores, minoritários, interpretam este passo no sentido que dele se pode deduzir a «inexistência» da lei nacional posterior contrária ao direito comunitário. A Comissão, nas suas observações, parece aderir a esta tese, uma vez que, após ter citado o n._ 17 do acórdão Simmenthal, dele infere que a incompatibilidade da disposição nacional com o direito comunitário «implica a inexistência absoluta do poder de imposição do Estado-Membro» e que, no n._ 20 das mesmas observações, suscita a questão de saber se o Tribunal de Justiça deve declarar a inexistência da disposição nacional em causa.
28 Não obstante reconhecermos o peso dos argumentos que militam a favor desta posição interpretativa, não a partilhamos.
29 A posição da Comissão relativa à escolha entre inexistência e revogação como únicas categorias aplicáveis parece-nos, por um lado, excessivamente simplificadora e, por outro, confusa, porquanto mistura problemas temporais e problemas substantivos, relativos uns e outros a essas categorias.
30 Com efeito, é possível - e, até certo ponto, frequente em alguns sistemas jurídicos - declarar a invalidade de uma disposição nacional e conferir a esta declaração efeitos ex tunc, sem que tal signifique, juridicamente, pronunciar a «inexistência» da referida disposição.
31 Do mesmo modo, nada impede que a revogação de uma norma seja acompanhada de uma disposição que confira efeitos retroactivos a esta revogação. É certo que tal supõe uma excepção ao princípio geral de que a revogação tem efeitos ex nunc, mas o legislador também pode atribuir um alcance retroactivo às suas decisões de revogação. Outro é o problema de saber como regulará o regime jurídico das situações nascidas sob a alçada da norma revogada, no período em que, de facto, esta estava em vigor.
32 Por conseguinte, importa não misturar os problemas temporais com a natureza e os efeitos próprios das diversas categorias jurídicas em questão. Trata-se de problemas distintos, que requerem uma análise diferenciada.
33 À margem desta questão, a tese da Comissão sobre a alternativa entre inexistência e revogação (única que, em seu entender, se oferece ao Tribunal de Justiça) parece-nos excessivamente simplificadora. De facto, o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, não considerou necessário pronunciar-se a esse propósito, porque adoptou uma solução (inaplicação) que evita os problemas inerentes a essas duas categorias.
34 No que tange à alegada «inexistência» da norma nacional contrária ao direito comunitário, começaremos por afirmar que semelhante ficção - pois se trata, sem qualquer dúvida, de uma fictio iuris, já que a lei existiu e, em casos como o presente, produziu, de facto, os seus efeitos ao longo dos anos - não é mesmo exigida pelo n._ 17 do acórdão Simmenthal, que se refere unicamente à impossibilidade da «formação válida» das leis nacionais incompatíveis com as normas comunitárias. Trata-se, portanto, mais de um problema de invalidade do que de inexistência.
35 Consideramos, por outro, lado que, quando se trata de analisar os efeitos que sobre uma lei nacional efectivamente aplicada tem a declaração a posteriori da sua incompatibilidade com o direito comunitário, carece de sentido falar de «inexistência» da lei, em termos estritamente jurídicos.
36 A declaração de «inexistência», enquanto resposta, ou sanção, do ordenamento jurídico ante a gravidade extraordinária dos vícios que afectam um acto, é utilizada pelos sistemas jurídicos de alguns Estados-Membros para qualificar determinados actos administrativos. Por analogia com o direito de tais sistemas jurídicos, o Tribunal de Justiça admitiu que um acto administrativo comunitário, afectado por vícios particularmente graves e evidentes, pode também ser qualificado de «inexistente» (15).
37 Ao invés, esses mesmos sistemas jurídicos nacionais - isto é, os que admitem a categoria da «inexistência» como sanção excepcional de vícios manifestos de particular relevância - não qualificam geralmente de «inexistentes» as disposições legislativas emanadas dos respectivos parlamentos, publicadas e em vigor, mesmo se enfermam de vícios susceptíveis de implicar a sua invalidade.
38 É neste quadro de argumentação que se situa o fenómeno, sobejamente conhecido em numerosos ordenamentos jurídicos, da declaração de «antijuridicidade» das normas (utilizamos a expressão «antijuridicidade» no seu sentido mais amplo, que engloba todas as hipóteses, variáveis consoantes os diversos sistemas jurídicos, em que uma disposição carece de força vinculativa, geralmente em razão da sua incompatibilidade com normas superiores de direito). Pois bem, quando, em virtude de um juízo de inconstitucionalidade ou de um procedimento análogo, se declara a posteriori que uma lei enferma de um vício que obsta à sua validade, não se afirma por isso que essa lei tenha sido «inexistente» (16).
39 Em direito comunitário, para retomar a analogia a que fizemos alusão anteriormente, também não se fala de «inexistência» de uma disposição legislativa comunitária pelo facto de esta conter elementos que determinam a sua invalidade. Como já expusemos acima, este tipo de declaração é reservado para os actos, e não para as disposições legislativas (17).
40 Além do mais, a análise dos acórdãos do Tribunal de Justiça que apreciaram, em concreto, a eventual incompatibilidade das leis nacionais em matéria fiscal com o direito comunitário revela o que há de inapropriado ao falar de «inexistência» neste caso. Tal categoria jurídica é contrária às decisões jurisprudenciais que admitem, até, a subsistência de determinados efeitos da lei nacional, apesar de esta ser contrária à ordem jurídica comunitária.
41 Referiremos dois exemplos significativos. O primeiro é facilmente detectável na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa ao reembolso por parte dos Estados-Membros de tributos indevidamente cobrados. Esta jurisprudência admitiu que os pedidos de reembolso (quando se trata de tributos exigidos por força de uma disposição nacional contrária ao direito comunitário) podem ter de sujeitar-se ao prazo de prescrição de cinco anos estabelecido pela lei nacional, ainda que essa norma tenha como efeito impedir, no todo ou em parte, a restituição dos referidos tributos (18).
42 Tal jurisprudência acentua implicitamente que a norma nacional, independentemente da sua incompatibilidade com o direito comunitário, existiu e produziu efeitos no tempo que, por revestirem a natureza de situações juridicamente «esgotadas», não são já susceptíveis de controlo jurisdicional. A admissão de tais efeitos não seria possível se aquela lei nacional fosse considerada absolutamente «inexistente».
43 O segundo exemplo refere-se a determinadas decisões do Tribunal de Justiça relativas aos aspectos temporais da declaração de incompatibilidade de normas fiscais nacionais com o direito comunitário. Como sabemos, o Tribunal chegou, em determinados casos, por razões de segurança jurídica, ao ponto de limitar os efeitos no tempo dos seus próprios acórdãos (19), que nem sequer são aplicáveis às situações jurídicas ainda susceptíveis de controlo jurisdicional.
44 Tal implica admitir, portanto, ainda que de modo excepcional, não apenas a existência, mas inclusivamente a aplicabilidade da lei nacional contrária ao direito comunitário. A utilização desta técnica de limitação no tempo dos efeitos dos acórdãos não seria concebível se se considerasse como inexistente a lei fiscal nacional contrária ao direito comunitário.
ii) A qualificação das relações jurídicas existentes no litígio principal
45 Como sustentam os Governos italiano, francês e do Reino Unido, a qualificação das relações jurídicas existentes entre as partes no litígio principal é da competência do juiz nacional e não do Tribunal de Justiça. Ao juiz nacional cabe decidir se se trata de relações de natureza fiscal ou meramente civil, e daí inferir as consequências para o litígio.
46 O tribunal de reenvio, não obstante, apresenta as suas dúvidas quanto à eventual incidência que a declaração de incompatibilidade de uma norma com o direito comunitário pode ter relativamente à qualificação jurídica daquelas relações. Nesta perspectiva, a sua questão não é inadmissível, uma vez que o Tribunal de Justiça pode ajudar a precisar as consequências do princípio da inaplicabilidade da norma nacional.
47 Pela nossa parte, apesar do risco de dizer uma aparente banalidade, começaremos por referir que, quando a administração fiscal recebe de um sujeito passivo do tributo, que actua nessa qualidade, um montante correspondente a um tributo, entregue como pagamento de uma dívida fiscal previamente determinada, dificilmente pode negar-se que a relação jurídica estabelecida tenha sido, igualmente, de natureza fiscal.
48 Outra coisa é a de o fundamento jurídico em que se baseou o pagamento do tributo (isto é, a norma que o regula) ser declarado, a posteriori, afectado por um vício que implica a sua invalidade. Este vício, bem como a invalidade da própria obrigação, produzirá sem dúvida determinados efeitos jurídicos (entre eles, normalmente, a repetição do indevido), mas não permite ignorar que a relação no quadro da qual se verificou o pagamento tinha, desde a origem, natureza fiscal.
49 A Comissão, que tinha já afirmado nas suas observações escritas a inexistência da obrigação fiscal decorrente de uma norma deste tipo, repetiu insistentemente esse mesmo argumento na audiência, citando diversos acórdãos do Tribunal de Justiça a esse propósito (20).
50 Em nossa opinião, há que relativizar um pouco esta argumentação. É certo, com efeito, que a incompatibilidade de uma norma tributária nacional com o direito comunitário determina que os sujeitos passivos não estão obrigados a pagar o tributo em causa e que, se o pagam, têm o direito de obter o seu reembolso. Contudo, neste último caso, o facto de a obrigação fiscal não ter sido válida não implica necessariamente uma ou outra qualificação da relação jurídica anterior: compete às diferentes ordens jurídicas nacionais pronunciarem-se a esse propósito. Pode dar-se o caso de, por razões de segurança jurídica, determinadas relações de direito fiscal, mesmo baseadas em normas declaradas nulas, não serem já susceptíveis de requalificação e terem consolidado as situações jurídicas correspondentes, que se consideram intangíveis em direito.
51 Este tipo de situação não existe só nos direitos nacionais, mas também no direito comunitário: A Comissão, na audiência, alegou, em apoio da inexistência da relação jurídica tributária decorrente de uma norma declarada nula, um trecho do acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 1996, FMC e o. (21), segundo o qual os operadores respectivos podem invocar a invalidade do regulamento comunitário que lhes exige o pagamento de uma determinada prestação patrimonial a partir da sua entrada em vigor, e não apenas a contar da data em que intentaram uma acção judicial contra o regulamento em questão (22). Mas esse mesmo acórdão, imediatamente a seguir, reconhece que o direito comunitário não se opõe «à aplicação de uma norma de direito nacional que visa limitar o período... durante o qual pode ser obtido o reembolso de pagamentos indevidos...» (23). O Tribunal de Justiça reconhece assim que as situações jurídicas decorrentes de uma norma comunitária declarada nula podem ter-se tornado definitivas e já inatacáveis, não obstante a invalidade da obrigação subjacente.
52 Na maioria dos Estados-Membros, a declaração de invalidade das normas que impõem a obrigação de pagamento de um tributo requer uma decisão judicial, quer anexada a uma declaração de inconstitucionalidade, a cargo do tribunal constitucional ou de um órgão da mesma natureza (24) quando se trata de leis, quer por mecanismos similares, em função da em função em que a disposição se situa na hierarquia das normas, a cargo dos órgãos jurisdicionais competentes (25).
53 Consoante os casos, esta declaração de invalidade de uma norma pode implicar ou não a requalificação das situações jurídicas nascidas sob a sua alçada; se assim, for a requalificação pode afectar quer tão-só as situações que ainda estão pendentes, quer também (mas mais raramente) aquelas que já esgotaram todos os seus efeitos.
54 Compete às ordens jurídicas nacionais regular todas estas questões e precisar, no caso das normas fiscais, os efeitos jurídicos de uma eventual declaração da sua desconformidade com uma norma superior de direito. Nada impede o legislador, ou o juiz nacional, de decidir que, entre esses efeitos, figura o da requalificação das relações jurídicas nascidas sob a alçada desta norma, de modo que o que anteriormente era relação fiscal seja qualificado ex post facto como relação puramente civil.
55 O tribunal de reenvio está consciente do facto de a Corte suprema di cassazione já ter decidido em Itália o problema colocado, considerando que a relação originária é de natureza fiscal e que, por conseguinte, são aplicáveis as normas que regulamentam especialmente o reembolso das taxas indevidamente pagas. Acrescenta, contudo, que esta solução jurisprudencial não «resulta convincente» e insiste em que a inaplicação da disposição fiscal nacional contrária ao direito comunitário supõe uma «carência absoluta do poder de tributação do Estado-Membro face à (rectius, em violação da) legislação comunitária preexistente».
56 Já anteriormente referimos que também a Comissão utiliza, de modo expresso e reiterado, a expressão «carência absoluta do poder de tributação do Estado» para designar o mesmo fenómeno.
57 Em nosso entender, este modo de colocar o problema não é adequado. Os Estados-Membros conservam, em princípio, o poder de instituir tributos nacionais. Na medida em que se trate de tributos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, devem respeitar os termos da Directiva 69/335, que tem por objectivo harmonizar as legislações nacionais na matéria. Esta directiva autoriza-os designadamente a cobrar «direitos com carácter remuneratório», isto é, direitos que correspondam ao custo de um determinado serviço, como a inscrição das empresas e dos actos das sociedades num registo público.
58 Pode acontecer que, no exercício do poder legislativo de estabelecer e configurar os referidos tributos (que é, em definitivo, o que se denomina poder de tributação), um Estado-Membro infrinja a directiva criando, por exemplo, uma taxa anual pela inscrição no registo público cujo montante não tenha relação com o custo de serviço e que, por conseguinte, não tenha na realidade qualquer «carácter remuneratório». Era este o caso da taxa italiana controvertida.
59 O facto de um Estado-Membro, ao legislar sobre um tributo harmonizado a nível comunitário, infringir as normas de harmonização não significa que perca, por isso, o seu poder de tributação. Significa simplesmente que a lei nacional contrária à norma comunitária deve ceder perante o primado desta e que não pode, portanto, ser aplicada.
60 Não deve, portanto, confundir-se a «carência absoluta de poder legislativo» com o seu exercício irregular ou abusivo. O primeiro conceito implica recusar a um órgão - ou, no caso vertente, a um Estado - a competência para regulamentar determinada matéria, por a sua configuração normativa estar reservada a outras instâncias (26). O exercício irregular, pelo contrário, supõe que o titular da competência legislativa a utiliza defeituosamente, dando lugar a uma disposição legal que, em razão do primado da norma comunitária, não deve ser aplicada pelos tribunais nacionais.
61 Quando um Estado-Membro, ao usar da sua competência própria, como a de instituir tributos indirectos sobre as actividades das sociedades, infringe em algum ponto a norma comunitária de harmonização, não pode pretender aplicar as suas próprias normas - e, inclusivamente, deverá proceder à sua revogação - mas, por isso, não se pode negar que conserva o poder ou a competência própria para instituir e regulamentar tributos.
62 Por conseguinte, recusamos a posição que nesta matéria propõem quer o despacho de reenvio quer as observações da Comissão. A partir desta recusa, e após reiterar que o tribunal nacional é competente para qualificar as relações jurídicas existentes entre as partes no litígio que lhe é submetido, devemos concluir que a aplicação do princípio do primado da norma comunitária não tem incidência directa sobre tal questão.
63 Em consequência, dentro daqueles sistemas jurídicos que o permitem, o tribunal nacional pode requalificar tais situações se a norma que lhes deu origem for declarada a posteriori contrária a uma norma superior de direito. Do ponto de vista do direito comunitário, o princípio da inaplicabilidade da norma nacional com ele incompatível não exige nem impede a requalificação das relações jurídicas preexistentes.
64 O princípio de equivalência entre o exercício de acções em justiça para obter o reembolso de tributos indevidamente pagos, consoante se baseiem em fundamentos de direito comunitário ou de direito interno, impediria, sem embargo, dar a este problema soluções diferentes das que o ordenamento interno prevê para a violação das suas próprias regras. Por outras palavras, se a requalificação da relação jurídica antecedente (que de fiscal passaria a meramente civil, regida pelas normas do direito civil) fosse uma consequência decorrente da incompatibilidade de uma norma fiscal nacional com uma regra superior de direito interno - por exemplo, de nível constitucional -, essa mesma consequência deveria aplicar-se à incompatibilidade da norma nacional com o direito comunitário (27).
65 Não parece, contudo, atentas as informações constantes dos autos, que assim seja no caso italiano. Como já recordámos nas nossas conclusões no processo Edis (n.os 58 a 64), a jurisprudência da Corte di cassazione (28) sobre as consequências das declarações de inconstitucionalidade de uma lei de conteúdo fiscal, relativamente aos tributos já pagos por força desta lei, é a seguinte:
- Os acórdãos da Corte costituzionale que declaram a ilegitimidade das normas ao nível de lei eliminam-nas do ordenamento jurídico, com efeitos ex tunc, no sentido de que já não podem ser aplicadas às relações jurídicas pendentes, mas tais decisões não afectam as relações jurídicas já esgotadas, isto é, aquelas em que os efeitos constitutivos se consolidaram ao ponto de se tornarem intangíveis.
- Em concreto, esses acórdãos não produzem efeitos relativamente às relações jurídicas tributárias que, por diversas razões, devam considerar-se esgotadas. Essas razões podem englobar a existência de uma prévia sentença judicial, o facto de a liquidação fiscal se ter tornado definitiva (por falta de impugnação, ou por improcedência desta), ou ainda pela expiração dos prazos de prescrição ou de caducidade estabelecidos nas normas que regem o tributo.
- Tornam-se, portanto, intangíveis os pagamentos feitos para cumprimento de obrigações tributárias baseadas em normas impositivas declaradas inconstitucionais, quando os sujeitos passivos que os efectuaram deixaram consolidar a correspondente relação jurídica.
- Cumpre rejeitar expressamente a tese segundo a qual, dada a eficácia retroactiva da declaração de inconstitucionalidade, a obrigação tributária seria inexistente in radice e, portanto, a norma geral sobre a repetição do indevido (isto é, o artigo 2033._ do Código Civil italiano) produziria um efeito directo e imediato tal que a acção poderia ser exercida à margem dos mecanismos de impugnação das liquidações fiscais e à margem dos prazos de caducidade previstos pelas normas fiscais.
- Em conclusão, cumpre considerar desprovida de fundamento a tese de que nestes casos (mesmo afirmando a falta, originária ou superveniente, de uma relação fiscal válida) seria aplicável a acção de repetição do indevido prevista no Código Civil, em lugar das normas específicas do contencioso tributário, quer substantivas quer adjectivas.
66 Não nos parece portanto que, nesta matéria, a aplicação do ordenamento jurídico italiano, tal como levada a cabo pelos seus mais altos órgãos jurisdicionais, implique uma diferença de tratamento entre as consequências decorrentes da declaração de incompatibilidade de uma lei fiscal com o direito comunitário e as da declaração de inconstitucionalidade da mesma lei, por motivos meramente internos.
Conclusão
67 Sugerimos, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Pretore di Roma:
«O órgão jurisdicional nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições de direito comunitário está obrigado a garantir a sua eficácia, deixando inaplicadas, sendo caso disso, as normas contrárias da legislação nacional. Quando estas normas instituiram um tributo incompatível com as disposições de uma directiva e não devem, portanto, ser aplicadas, o direito comunitário não impede nem exige uma determinada qualificação ou requalificação das situações jurídicas preexistentes, nascidas sob a alçada da norma nacional.»
(1) - Para uma exposição mais detalhada da evolução legislativa desta taxa, remetemos para os n.os 7 e segs. das conclusões que apresentámos no processo Edis (C-231/96, ainda não publicado na Colectânea).
(2) - C-71/91 e C-178/91, Colect., p. I-1915.
(3) - JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22.
(4) - V. o Decreto-Lei n._ 331, de 30 de Agosto de 1993, convertido na Lei n._ 427, de 29 de Outubro de 1993.
(5) - Nesse sentido, v. acórdãos da Corte di cassazione (Prima Sezione Civile) de 23 de Novembro de 1994, n._ 9900, e de 23 de Fevereiro de 1996, n.os 4468/96 e 3458/96, este último proferido pelas secções reunidas (Sezioni Unite). Do mesmo modo, no segundo «considerando» do acórdão n._ 56, de 24 de Fevereiro de 1995, a Corte costituzionale, após ter lembrado as vicissitudes legislativas da taxa, afirmou, no que concerne aos anos anteriores à sua supressão (1993): «Dado que a taxa foi indevidamente cobrada pelo Estado italiano, em violação do artigo 10._ da Directiva 69/335/CEE, de 17 de Julho de 1969, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 20 de Abril de 1993, nos processos apensos C-71/91 e C-178/91, os montantes pagos dão lugar à repetição com fundamento no direito comunitário, que é directamente aplicável na ordem jurídica italiana.»
(6) - O artigo 633._ do Código do Processo Civil italiano autoriza os órgãos jurisdicionais, desde que reunidas determinadas condições (dívidas certas, liquidas e exigíveis, baseadas em documentos que fazem fé), a emitir um «decreto ingiuntivo», título executivo, ainda que provisório, com o qual se comina ao devedor o pagamento da quantia reclamada.
(7) - 106/77, Colect., p. 243.
(8) - Para o caso italiano, v. Barav, A.: «Cour constitutionnelle italienne et droit communautaire: le fantôme de Simmenthal», Revue trimestrielle de droit européen, 1985, pp. 313 a 341.
(9) - V., recentemente, acórdão de 5 de Março de 1998, Solred (C-347/96, Colect., p. I-937, n._ 30).
(10) - V. n._ 4 e a nota 5.
(11) - Tudo isto sem prejuízo da obrigação que incumbe ao legislador nacional, por razões de segurança jurídica, de proceder à revogação da lei nacional contrária ao direito comunitário.
(12) - 34/67, Recueil, p. 359, Colect. 1965-1968, p. 839.
(13) - Na realidade, trata-se do n._ 20 das observações escritas apresentadas no processo Edis, já referido, para as quais a Comissão remete no caso vertente.
(14) - Sublinhado nosso.
(15) - V. acórdão de 26 de Fevereiro de 1987, Consorzio Cooperative d'Abruzzo/Comissão (15/85, Colect., p. 1005, n._ 10). A distinção entre «inexistência» e mera «invalidade» de um acto comunitário foi analisada pelo Tribunal de Justiça quando decidiu o recurso interposto pela Comissão do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e o./Comissão (T-79/89, T-84/89 a T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89 T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89, Colect., p. II-315). O acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF (C-137/92 P, Colect., p. I-2555), anulou o acórdão da primeira instância, entendendo o Tribunal de Justiça que a declaração de «inexistência» por este atribuída à Decisão 89/190/CEE da Comissão, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/31.865, PVC, JO 1989, L 74, p. 1), não era conforme ao direito, e substituindo-a por uma simples declaração de nulidade.
(16) - Em teoria, poderia admitir-se que esta qualificação fosse atribuída a leis feridas de irregularidades gravíssimas aquando da sua elaboração ou adopção, em resultado das quais apenas houvesse uma «aparência» de lei, ou uma lei de facto: tais disposições seriam inexistentes, juridicamente falando. Assim, por exemplo, uma lei aprovada por uma única câmara no caso de Estados que conhecem o bicameralismo, ou publicada sem a sanção da autoridade constitucionalmente competente.
(17) - No acórdão de 21 de Fevereiro de 1974, Kortner e o./Conselho, Comissão e Parlamento (15/73 a 33/73, 52/73, 53/73, 57/73 a 109/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, Recueil, p. 177, Colect., p. 111), o Tribunal de Justiça rejeitou expressamente a possibilidade de qualificar de «inexistente» uma disposição comunitária (em concreto, o artigo 4._, n._ 3, do Anexo VII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias) pelo facto de conter elementos de discriminação que determinaram a sua declaração de nulidade, por via indirecta, num acórdão precedente. As conclusões do advogado-geral A. Trabucchi no referido processo reflectem o mesmo ponto de vista que sustentamos: «... num sistema como o do nosso direito comunitário, não há qualquer razão para nos afastarmos do critério seguido nos diferentes direitos nacionais, segundo o qual um acto normativo susceptível de aplicação e que responde às condições essenciais de procedimento, de forma e de competência, quanto à sua formação e publicação, é um acto cuja eventual incompatibilidade de conteúdo com as normas ou princípios superiores permite impugnar a validade, mas nunca negar a existência».
(18) - Apreciámos este problema, bem como os recentes acórdãos de 17 de Julho de 1997, Texaco e Olieselskabet Danmark (C-114/95 e C-115/95, Colect., p. I-4263); Haahr Petroleum (C-90/94, Colect., p. I-4085), e de 2 de Dezembro de 1997, Fantask e o. (C-188/95, Colect., p. I-6783), nas conclusões que apresentámos nos processos Edis, Spac (C-260/96) e Ansaldo e o. (C-279/96, C-280/96 e C-281/96), ainda não publicados na Colectânea.
(19) - Nas nossas conclusões no processo Edis, analisámos a aplicação desta hipótese, em relação com a eficácia normal no tempo dos acórdãos proferidos nas questões prejudiciais de interpretação.
(20) - Referiu-se, de modo especial, ao n._ 28 do acórdão de 9 de Junho de 1992, Simba e o. (C-228/90 a C-234/90, C-339/90 e 353/90, Colect., p. I-3713), nos termos do qual «...no caso de os tribunais a quo serem levados a considerar incompatível com as normas do direito comunitário convencional que atribuem direitos aos particulares uma lei nacional que crie uma imposição do tipo de imposto nacional sobre o consumo, os particulares afectados não estão obrigados a pagar tal imposição».
(21) - C-212/94, Colect., p. I-389.
(22) - Trata-se do n._ 62, segundo o qual tais operadores têm o direito de invocar a invalidade de um regulamento comunitário [declarado anteriormente inválido] «não só relativamente a períodos posteriores, mas também anteriores à data em que tenham intentado acção judicial ou apresentado reclamação equivalente, e isto, em princípio, a partir da entrada em vigor das disposições declaradas inválidas pelo Tribunal de Justiça».
(23) - N._ 64.
(24) - A declaração de inconstitucionalidade de uma lei de conteúdo fiscal não implica necessariamente a sua nulidade, com os consequentes efeitos ex tunc. Neste sentido, v. o artigo de García de Enterría, E.: «Un paso importante para el desarollo de nuestra justicia constitucional: la doctrina prospectiva en la declaración de ineficacia de las leyes inconstitucionales», Revista Española de Derecho Administrativo, 1989, n._ 61, pp. 5 e segs.
(25) - Em alguns Estados-Membros, como em Espanha, o poder de controlo da jurisdição ordinária abrange igualmente os decretos legislativos, com o objectivo de sindicar se o poder executivo actuou com desvio de poder, no que toca à delegação de poderes que o órgão legislativo lhe conferiu. Alonso García, R., na sua obra Derecho Comunitario: sistema constitucional y administrativo de la Comunidad Europea (Madrid, 1994, p. 476), sustenta que, se a delegação conferida pelo legislador nacional permitir ao poder executivo desenvolver as bases contidas nas normas comunitárias, o tribunal comum será competente para se pronunciar directamente sobre o resultado deste desenvolvimento normativo.
(26) - Assim, por exemplo, os Estados-Membros não são competentes para criar uma pauta aduaneira nas suas relações com países terceiros, porque transferiram para a Comunidade a adopção de tal instrumento normativo comum.
(27) - A este problema se referiu a Comissão nas suas alegações no processo Edis, propondo a reformulação da questão colocada pelo tribunal a quo. Remetemos para os n.os 51 e segs. das nossas conclusões nesse processo.
(28) - Acórdãos de 9 de Junho de 1989, n._ 2876, e de 21 de Junho de 1996, n._ 5731.