61996B0052

Despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 1996. - Sogecable SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Concorrência - Processo de medidas provisórias - Suspensão da execução - Medidas provisórias. - Processo T-52/96 R.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página II-00797


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Processo de medidas provisórias ° Suspensão da execução ° Medidas provisórias ° Pedido destinado a impedir o decurso de um procedimento administrativo de controlo de uma operação de concentração ° Pedido que, salvo circunstâncias excepcionais, não faz parte da competência do juiz encarregado dos processos de medidas provisórias

(Tratado CE, artigos 185. e 186. , Regulamento n. 4064/89 do Conselho)

Sumário


As competências do juiz comunitário consistem em exercer uma fiscalização jurisdicional sobre os actos que a Comissão adopta na sua qualidade de autoridade administrativa, mas não são extensivas à apreciação das questões sobre as quais essa instituição ainda não se pronunciou. Tal poder envolveria, efectivamente, uma antecipação da discussão do mérito e uma confusão das diferentes fases do procedimento administrativo e do processo judicial incompatíveis com o sistema de repartição das competências entre a Comissão e os órgãos jurisdicionais comunitários, bem como com os imperativos de uma boa administração da justiça e de uma tramitação regular do procedimento administrativo.

Assim, o juiz encarregado dos processos de medidas provisórias não pode, em princípio, deferir um pedido de medidas provisórias que visa impedir a Comissão de exercer os seus poderes de investigação e de sanção imediatamente após o início de um procedimento administrativo de controlo de uma operação de concertação, nos termos do Regulamento n. 4064/89, e mesmo antes de ter adoptado os actos interlocutórios ou definitivos, cuja execução se pretende evitar. Com efeito, ao adoptar estas medidas, o Tribunal não operaria no âmbito da fiscalização da actividade da instituição em causa, mas substituiria esta no exercício de competências de carácter puramente administrativo. Daqui resulta que uma empresa não pode, nos termos dos artigos 185. e 186. do Tratado, pedir que seja imposto à instituição a suspensão da execução da decisão relativa ao início de um procedimento administrativo e que lhe seja proibido, mesmo a título provisório, o exercício das suas competências no âmbito desse procedimento.

Esse direito apenas lhe pode ser reconhecido no caso desse pedido apresentar elementos susceptíveis de permitir ao juiz verificar a existência de circunstâncias excepcionais, justificando a adopção das medidas solicitadas.

Partes


No processo T-52/96 R,

Sogecable, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Madrid, representada por Santiago Martínez Lage e Rafael Allendesalazar Corcho, advogados no foro de Madrid, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-rue,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Francisco Enrique González Díaz, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

requerida,

apoiada por

Cableuropa, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Madrid,

Cable i Televisió de Catalunya, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Barcelona (Espanha),

Santander de Cable, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Santander (Espanha),

Jerez de Cable, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Jerez de la Frontera (Espanha),

representadas por Ramón García-Gallardo, Josep Maria Julià Insenser e Julio Veloso, advogados no foro de Madrid, do gabinete J. e B. Cremades et associés, 391, avenue Louise, Bruxelas,

e

Antena 3 TV, SA, sociedade de direito espanhol, estabelecida em Madrid, representada por Rafael Jiménez de Parga, advogado no foro de Barcelona, Aurelio Pappalardo, advogado no foro de Trapani, e Massimo Merola, advogado no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Alain Lorang, 51, rue Albert 1er,

intervenientes,

que tem por objecto, por um lado, um pedido de suspensão da execução da decisão adoptada pela Comissão em 8 de Fevereiro de 1996 (IV/M.0709 ° Telefónica/Canal Plus/Cablevisión) nos termos do Regulamento (CEE) n. 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 257, p. 13) e, por outro, um pedido de medidas provisórias para que a Comissão não adopte nenhum acto ou decisão nos termos dos artigos 8. , 13. , 14. e 15. do referido regulamento antes de o Tribunal se ter pronunciado sobre a validade da decisão impugnada no âmbito do processo principal,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


Matéria de facto

1 A requerente, Sogecable, SA (a seguir "Sogecable"), anteriormente Sociedad de Televisión Canal Plus, SA, é uma sociedade de direito espanhol cujo capital social é detido em 50% pelas sociedades Canal Plus SA (a seguir "Canal Plus France") e Promatora de Informaciones, SA (a seguir "Prisa").

2 Em 26 de Julho de 1995, a Telefónica d' España, SA, uma empresa pública que presta serviços no sector das telecomunicações (a seguir "Telefónica"), e a sua filial Telecartera, SA, por um lado, e as duas sociedades, Sociedad de Gestión de Cable, SA, e Sociedad de Televisión Canal Plus, SA (a seguir "Canal Plus Espanha"), por outro, assinaram acordos que ocasionaram uma operação de concentração realizada através da aquisição do controlo comum da Sociedade General de Cablevisión, SA (a seguir "operação de concentração Cablevisión").

3 Em 26 de Outubro de 1995, esta operação de concentração foi notificada por estas empresas, em conformidade com as disposições nacionais do direito da concorrência, às autoridades espanholas competentes.

4 A empresa Telefónica enviou, no mesmo dia, uma carta à direcção "Acordos, decisões e práticas concertadas, abusos de posição dominante e outras distorsões da concorrência II" da Direcção-Geral da Concorrência (DG IV) da Comissão, no âmbito da instrução de uma queixa apresentada por um concorrente contra essa operação de concentração. Nessa carta, que era acompanhada de uma cópia dos actos notificados às autoridades espanholas, a referida empresa afirmou que a operação de concentração Cablevisión constitui uma concentração na acepção do artigo 3. do Regulamento (CEE) n. 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 257, p. 13, a seguir "Regulamento n. 4064/89"), mas que, na opinião da Telefónica e da Canal Plus Espanha, essa concentração não era de dimensão comunitária na acepção do artigo 1. do mesmo regulamento.

5 Por carta de 6 de Fevereiro de 1996, o director-geral da DG IV comunicou à Canal Plus Espanha que, segundo as informações de que dispunham os serviços da Comissão, a operação de concentração Cablevisión era uma concentração de dimensão comunitária na acepção do Regulamento n. 4064/89. Por um lado, recordou-lhes que procedessem, o mais rapidamente possível, à notificação da operação de concentração em conformidade com as disposições do referido regulamento, e, por outro, chamou-lhes a atenção para o facto de a Comissão poder aplicar, no âmbito do procedimento de controlo das concentrações, coimas e sanções pecuniárias compulsórias. Em 7 de Fevereiro de 1996, os serviços da Comissão informaram as autoridades espanholas competentes do conteúdo dessa carta.

6 O porta-voz do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência explicou o conteúdo e o alcance da decisão de 6 de Fevereiro de 1996 em reuniões com os jornalistas, em 8 e 9 de Fevereiro de 1996.

7 Em 1 de Março de 1996, as autoridades espanholas autorizaram, sob determinadas condições, essa operação considerando-a uma concentração que afecta unicamente o mercado nacional. Em 11 de Março de 1996, enviaram uma cópia dessa decisão aos serviços da Comissão.

8 Em 29 de Março de 1996, a Comissão dirigiu às empresas em causa uma comunicação das acusações e fixou a data da audição das partes, nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 4064/89. Nessa comunicação, a Comissão precisou-lhes, por outro lado, o seu poder de adoptar medidas provisórias e de impor sanções pecuniárias compulsórias nos termos do Regulamento n. 4064/89.

9 Em 31 de Maio de 1996, a Sogecable notificou a operação de concentração Cablevisión à Comissão, em conformidade com o artigo 4. , n. 1, do Regulamento n. 4064/89.

Tramitação processual

10 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Abril de 1996, a empresa Sogecable interpôs um recurso de anulação da decisão da Comissão de 6 e 7 de Fevereiro de 1996, bem como da declaração pública do porta-voz do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência de 8 de Fevereiro de 1996.

11 Por acto separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Abril de 1996, a requerente apresentou, nos termos dos artigos 185. e 186. do Tratado CE, o presente pedido de medidas provisórias destinado, por um lado, à suspensão da execução da decisão contida na referida declaração de 8 de Fevereiro de 1996 do porta-voz do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência e, por outro, à adopção das medidas provisórias necessárias para que a Comissão não adopte, a seu respeito, nenhum acto ou decisão nos termos dos artigos 8. , 13. e 14. e 15. do Regulamento n. 4064/89, antes de o Tribunal se ter pronunciado sobre a validade da decisão impugnada no recurso principal.

12 A Comissão apresentou as suas observações escritas por acto apresentado na Secretaria do Tribunal em 15 de Maio de 1996.

13 Em 12 de Junho de 1996, as empresas Cableuropa, SA, Cable i Televisió de Catalunya, SA, Santander de Cable, SA, Jerez de Cable, SA, e, em 13 de Junho de 1996, Antena 3 TV, SA, solicitaram ser admitidas a intervir no presente processo de medidas provisórias. Em 14 de Junho de 1996, o presidente do Tribunal de Primeira Instância autorizou-as a intervir.

14 Em 14 de Junho de 1996, as partes foram ouvidas em alegações.

Questão de direito

15 Por força das disposições conjugadas dos artigos 185. e 186. do Tratado e do artigo 4. da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1), com as alterações introduzidas pela Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE do Conselho, de 8 de Junho de 1993 (JO L 144, p. 21), e pela Decisão 94/149/CECA, CE do Conselho, de 7 de Março de 1994 (JO L 66, p. 29), o Tribunal pode, se considerar que as circunstâncias o exigem, ordenar a suspensão da execução do acto impugnado ou as medidas provisórias necessárias.

16 O artigo 104. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevê que os pedidos relativos a medidas provisórias previstas nos artigos 185. e 186. do Tratado devem especificar as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida. As medidas requeridas devem revestir-se de carácter provisório no sentido de que não devem prejudicar a decisão quanto ao mérito (v., em último lugar, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Junho de 1996, SCK e FNK/Comissão, T-18/96 R, Colect., p. II-0000, n. 15).

Argumentos das partes

Quanto à admissibilidade

17 Em primeiro lugar, a requerente sustenta que o pedido de medidas provisórias é admissível, na medida em que o seu pedido de suspensão diz respeito à decisão impugnada no recurso principal e que se destinava a produzir efeitos jurídicos obrigatórios que alteram sensivelmente a sua situação jurídica. Os principais efeitos dessa decisão consistiriam numa obrigação, para a Sogecable, de notificar a operação de concentração Cablevisión à Comissão, em conformidade com o artigo 4. , n. 1, do Regulamento n. 4064/89, e de suspender essa operação, como prevê o artigo 7. , n. 1, desse mesmo regulamento (a este respeito, a requerente invoca, no recurso principal, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1992, Espanha/Comissão C-312/90, Colect., p. I-4117, e do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão T-3/93, Colect., p. II-121).

18 Em segundo lugar, invoca a admissibilidade do seu pedido de medidas provisórias apresentado com fundamento no artigo 186. do Tratado, na medida em que este pedido se refere ao processo principal, em conformidade com os termos do artigo 104. , n. 1, segundo parágrafo. Assim, o facto de o acto impugnado declarar que a operação de concentração é de dimensão comunitária, é necessário para a adopção de todos os actos previstos pelo Regulamento n. 4064/89, e é a esses actos que se refere o pedido de medidas provisórias. A requerente remete, a este propósito, para os despachos de medidas provisórias de 11 de Outubro de 1973, Miles Druce/Comissão (160/73 R e 161/73 R (Recueil, p. 1049), e de 16 de Março de 1974, Miles Druce/Comissão (160/73 R II, 161/73 R II e 170/73 R II, Recueil, p. 281), em que o Tribunal de Justiça ordenou medidas provisórias relacionadas com uma decisão futura da Comissão relativa à autorização de uma concentração por força do artigo 66. do Tratado CECA.

19 A Comissão contesta a admissibilidade do pedido de medidas provisórias. Salienta, a título principal, que o acto cuja suspensão de execução é solicitada pela requerente não é o acto impugnado no recurso principal. Com efeito, nos pedidos desse recurso, a Sogecable pede ao Tribunal que anule a decisão da Comissão contida nas cartas de 6 e 7 de Fevereiro de 1996, que as declarações do porta-voz do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência tornaram pública no dia seguinte. Em contrapartida, no petitum do presente processo de medidas provisórias, a requerente pede unicamente a suspensão da decisão contida nas declarações de 8 de Fevereiro de 1996.

20 A título subsidiário, a Comissão, apoiada pelas intervenientes, deduz a inadmissibilidade do pedido de medidas provisórias da sua ligação ao recurso principal que é ele próprio manifestamente inadmissível. Alega a este respeito que, contrariamente ao que pretende a requerente, as cartas impugnadas de 6 e 7 de Fevereiro de 1996, cujo conteúdo foi tornado público pelo porta-voz do comissário encarregado da política da concorrência no dia seguinte, não constituem, nem no seu conjunto nem separadamente, um acto definitivo da Comissão na acepção da jurisprudência citada pela requerente. Mais precisamente, a carta do director-geral da DG IV de 6 de Fevereiro não constitui uma tomada de posição definitiva dessa instituição sobre a natureza da operação de concentração Cablevisión, mas unicamente uma comunicação dos serviços da Comissão que, com base nas informações de que dispunham na altura, aconselhavam as partes a notificar a operação nos termos do artigo 4. , n. 1, do Regulamento n. 4064/89. Só depois dessa notificação é que os serviços da Comissão poderiam adoptar uma decisão definitiva como o prevêem os artigos 6. e 8. do Regulamento n. 4064/89.

21 Além disso, a requerida sublinha que, no caso em apreço, a obrigação de suspensão da operação não decorre da referida tomada de posição dos serviços da Comissão, mas antes do artigo 7. do Regulamento n. 4064/89 que prevê a obrigação de as empresas em causa não realizarem a operação de concentração antes da sua notificação à Comissão, e tal independentemente da qualificação que essa instituição possa dar à operação. Daqui resultaria que os factos do presente processo são diferentes dos do processo Cenemesa, invocado pela requerente (acórdão Espanha/Comissão, já referido), no qual o Tribunal de Justiça considerou expressamente que o acto da Comissão qualificando de novos certos auxílios era um acto que produz efeitos jurídicos, dado que a obrigação de suspensão do pagamento do auxílio não decorria do Tratado mas do acto da Comissão contendo tal qualificação. Daí decorre que a Comissão não teria adoptado nenhuma decisão impondo a suspensão da operação em causa, mas que teria unicamente assinalado, nomeadamente na comunicação das acusações de 29 de Março de 1996, a possibilidade da adopção dessa decisão. Assim, a requerida considera, face à jurisprudência IBM (acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639), que, mesmo que o acto em causa possa provocar uma modificação unilateral do comportamento das empresas interessadas ou de empresas terceiras, não é susceptível de recurso, dado que não produz outros efeitos jurídicos que não sejam os que decorrem automaticamente do Regulamento n. 4064/89.

22 Além disso, a Comissão afirma que o carácter provisório do acto não é posto em causa nem pelo conteúdo da carta de 7 de Fevereiro de 1996, dirigida pelo director-geral da DG IV ao presidente do tribunal da concorrência espanhol, que é uma simples carta de informação destinada às autoridades espanholas competentes em matéria de concorrência, nem pelas declarações do porta-voz do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência de 8 de Fevereiro de 1996, que, limitando-se a informar a imprensa da actividade de instrução dos serviços da Comissão, não pode transformar em acto definitivo um acto preparatório.

23 Por último, a Comissão salienta que o presente pedido de medidas provisórias é, de qualquer modo, inadmissível tendo em conta o facto de que o mesmo pretende na realidade obter a suspensão do procedimento a que a Comissão deu início com base nos artigos 4. , 7. , 8. , 14. e 15. do Regulamento n. 4064/89. Com efeito, em conformidade com o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Novembro de 1995, Atlantic Container e o./Comissão (T-395/94 R II, Colect., p. II-2893), as partes não podem utilizar o direito que lhes é conferido pelos artigos 185. e 186. do Tratado para pedir a suspensão quer de um procedimento em curso quer de qualquer eventual decisão definitiva adoptada no âmbito desse procedimento. Segundo a requerida, a possibilidade de suspender um procedimento em curso impediria a Comissão de exercer as funções que lhe são atribuídas no âmbito da aplicação das regras comunitárias de concorrência, por um lado, e comprometeria seriamente o sistema de repartição das competências estabelecido pelo Tratado, por outro.

24 A empresa interveniente Antena 3 TV exprimiu-se igualmente neste sentido. Segundo esta empresa, o pedido de medidas provisórias, na medida em que visa na realidade obter uma derrogação da obrigação de suspensão que decorre da obrigação de notificação, deveria ser declarado inadmissível. Com efeito, a Comissão é competente, por um lado, para examinar, no âmbito de tal procedimento, as medidas provisórias solicitadas pelas partes a fim de evitar que uma ou várias empresas abrangidas por uma operação de concentração sofram um prejuízo grave e, por outro, para se pronunciar sobre a existência de uma operação sujeita à obrigação de notificação. Assim, pedir ao Tribunal que ordene medidas provisórias antes de a Comissão se ter pronunciado sobre um eventual pedido de dispensa da obrigação de suspensão ou sobre a existência de uma concentração de dimensão comunitária, equivaleria a pedir ao Tribunal que exerça um poder de natureza administrativa, que afectaria a repartição das competências entre as diferentes instituições comunitárias.

Quanto à urgência

25 Quanto à urgência, a requerente alega que, tendo em conta a situação actual em que aparece como a autora de duas infracções graves ao direito comunitário, tendo-se abstido de notificar e de suspender a operação de concentração Cablevisión, corre o risco de sofrer prejuízos graves e irreversíveis. Em primeiro lugar, a tomada de posição da Comissão sobre a dimensão comunitária da operação de concentração Cablevisión atentaria gravemente contra a sua reputação, devido ao facto de essa decisão ter sido largamente difundida, nomeadamente, na imprensa. Em segundo lugar, a decisão impugnada prejudicaria gravemente a actividade da Sogecable, dado que teria ocasionado a paralisia imediata de importantes projectos de negócios e teria impedido a entrada de associados numa série de sociedades de telecomunicações locais servidas pela Cablevisión. Em terceiro lugar, a ameaça da suspensão das actividades dessa empresa colocá-la-ia na impossibilidade de obter novos clientes. Daqui se conclui que essa decisão prejudicaria irreversivelmente a sua posição concorrencial no mercado dos serviços no sector da telecomunicação por cabo. Com efeito, num mercado emergente, como é o do caso de figura, a expulsão de um operador pode transformar irremediavelmente a estrutura do mercado e prejudicar assim a sua posição concorrencial.

26 A Comissão contesta a existência dos prejuízos graves e irreparáveis invocados pela requerente. Quanto ao pretenso prejuízo moral, salienta que nunca, em qualquer documento público, atribuiu à requerente a autoria das duas infracções a que ela faz referência. Além disso, a requerida põe em dúvida que a Sogecable, enquanto pessoa colectiva, possa sofrer prejuízos morais e afirma que, de qualquer modo, esses pretensos prejuízos poderiam sempre ser reparados pelo pagamento de uma indemnização acrescida de juros.

27 Além disso, relativamente aos outros prejuízos invocados pela requerente, a requerida observa que a requerente não demonstrou nem a existência nem as consequências do pretenso clima de incerteza. Nenhum elemento provaria em especial que o acto impugnado tenha podido dificultar a entrada de associados nas sociedades locais. Além disso, a Comissão salienta que a Sogecable não demonstrou a existência de um acto em que esta teria expresso a sua intenção de suspender a operação de concentração Cablevisión e que, de qualquer modo, mesmo no caso de adopção dessa decisão, a requerente podia sempre solicitar a suspensão da execução da mesma.

28 As empresas intervenientes subscrevem esta última observação da Comissão. Acrescentam igualmente que, na realidade, a Cablevisión bem como as outras empresas que participam na operação de concentração em causa nunca teriam cessado de operar no mercado espanhol.

Quanto ao fumus boni juris

29 No respeitante ao fumus boni juris, a requerente alega um fundamento único assente na violação do artigo 5. , n. 4, do Regulamento n. 4064/89. Afirma que a Comissão qualificou a operação de concentração Cablevisión de dimensão comunitária considerando, de modo errado, que a Sogecable é uma empresa controlada conjuntamente pela Prisa e pela Canal Plus France.

30 Ora, contrariamente ao que considera a requerida, apenas a Prisa teria o direito de gerir os negócios da Sogecable, nos termos do artigo 5. , n. 4, alínea b), quarto travessão, já referido. (...)(1) Daqui resulta que a Comissão não pode, com base em simples presunções, aplicar a referida disposição do Regulamento n. 4064/89.

31 A requerente salienta, a título subsidiário, que mesmo admitindo a existência de um controlo conjunto da Prisa e da Canal Plus France sobre a Sogecable, os volumes de negócios destas duas empresas não podiam ser acrescidos ao da Sogecable a fim de estabelecer a dimensão comunitária da operação de concentração Cablevisión. Efectivamente, o artigo 5. , n. 4, alínea b), quarto travessão, já referido, só se aplica no caso de o controlo ser exercido por uma única empresa, dado que o controlo conjunto deve ser tomado em consideração unicamente nos casos especificamente previstos pelo legislador. O argumento da Comissão, segundo o qual a utilização do plural "empresas" na alínea c) do mesmo artigo 5. , n. 4, do Regulamento n. 4064/89 a autoriza a adicionar os volumes de negócios das empresas que exercem conjuntamente a gestão dos negócios das empresas em questão, é desprovido de fundamento. A alínea c), com efeito, diz apenas respeito às empresas que são controladas por aquela que é tomada em consideração para efeitos desse cálculo, mas não pode ser extensiva às empresas que a controlam.

Apreciação do Tribunal

32 Para apreciar a admissibilidade e o mérito do presente pedido de medidas provisórias, convém em primeiro lugar precisar o seu objecto.

33 Na sua petição de medidas provisórias, a Sogecable pede, em primeiro lugar, a "suspensão da execução da decisão da Comissão de 8 de Fevereiro de 1996" e, em segundo lugar, a adopção de "medidas provisórias necessárias para que a Comissão não adopte nenhum acto decorrente do facto de ter afirmado a sua competência nessa decisão e, em especial, que não adopte nenhum acto ou decisão (interlocutória, final ou provisória) por força dos artigos 8. , 13. , 14. e 15. do Regulamento n. 4064/89 antes de o Tribunal se ter pronunciado sobre a validade da decisão impugnada no âmbito do processo principal".

34 Quanto ao primeiro pedido, a requerente precisou, em resposta às questões colocadas na audição, que o mesmo visa a suspensão da decisão da Comissão contida simultaneamente nas cartas de 6 e 7 de Fevereiro de 1996 e nas afirmações do porta-voz retomadas no comunicado à imprensa da agência FECHA de 8 de Fevereiro de 1996. Esta decisão respeitaria à verificação da dimensão comunitária da operação de concentração Cablevisión e assinalaria o facto, recordando a obrigação de notificação, da possibilidade de aplicar coimas e sanções pecuniárias compulsórias.

35 Ora, verifica-se que, de facto, a única decisão pertinente no caso em apreço é a contida na carta de 6 de Fevereiro de 1996, pela qual o director da DG IV comunicou à Canal Plus Espanha que os serviços da Comissão consideravam, com base nas informações de que dispunham, que a concentração Cablevision era uma operação de dimensão comunitária, que deve ser objecto do procedimento de controlo previsto pelo Regulamento n. 4064/89. Além disso, o director-geral recordou à Canal Plus Espanha a sua obrigação de notificar essa operação nos termos do artigo 4. desse mesmo regulamento, bem como o poder da Comissão de aplicar, em especial na falta de notificação, coimas e sanções pecuniárias compulsórias. Com efeito, a carta de 7 de Fevereiro de 1996, pela qual o director-geral informou as autoridades espanholas do conteúdo da enviada à requerente, e as declarações do porta-voz, cujo objectivo teria sido esclarecer informalmente a imprensa do alcance da referida decisão, parecem, à primeira vista, ser actos confirmativos da decisão de 6 de Fevereiro de 1996 não tendo, enquanto tais, qualquer pertinência no âmbito da análise do presente pedido de medidas provisórias.

36 Na medida em que o acto cuja suspensão é solicitada pela requerente é a decisão de 6 de Fevereiro de 1996 e em que as empresas interessadas procederam à notificação da operação de concentração Cablevisión em 31 de Maio de 1996, verifica-se que o pedido de suspensão da execução só tem por objecto a decisão relativa à sujeição dessa operação ao procedimento de controlo previsto pelo Regulamento n. 4064/89.

37 Quanto ao segundo pedido, resulta da parte conclusiva do requerimento de medidas provisórias que a requerente solicita a intervenção do Tribunal para que seja proibido à Comissão, mesmo a título provisório, exercer as competências, que lhe são reconhecidas pelo Regulamento n. 4064/89, relativamente à adopção de actos e de decisões de natureza interlocutória, provisória e final. Daqui decorre que este pedido visa, na realidade, a suspensão do procedimento administrativo de controlo a que está sujeita a operação de concentração Cablevisión. Por conseguinte, tem por finalidade assegurar o mesmo objectivo que o pedido relativo à suspensão da referida decisão de 6 de Fevereiro de 1996.

38 Ora, sem que seja necessário decidir quanto à questão de saber se a decisão impugnada, sendo um acto de natureza manifestamente preparatória, produz efeitos jurídicos tais que afectem de modo caracterizado os interesses da requerente e justifiquem, consequentemente, a admissibilidade quer do recurso principal de anulação quer do presente pedido de medidas provisórias (v., a este respeito, acórdão IBM/Comissão, já referido, n. 23), há que examinar se as medidas solicitadas, que têm por objectivo suspender o procedimento administrativo iniciado pela Comissão para efeitos do controlo da operação de concentração Cablevisión, são conformes aos princípios que regem a repartição das competências entre as diferentes instituições comunitárias.

39 A este respeito, há que recordar que as competências do juiz comunitário consistem em exercer uma fiscalização jurisdicional sobre os actos que a Comissão adopta na sua qualidade de autoridade administrativa, mas não são extensivas à apreciação das questões sobre as quais essa instituição ainda não se pronunciou. Tal poder envolveria, efectivamente, uma antecipação da discussão do mérito e uma confusão das diferentes fases do procedimento administrativo e do processo judicial incompatíveis com o sistema de repartição das competências entre a Comissão e os órgãos jurisdicionais comunitários, bem como com os imperativos de uma boa administração da justiça e de uma tramitação regular do procedimento administrativo (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, T-64/89, Colect., p. II-367, n. 46).

40 Assim, num caso como o aqui em apreço, o Tribunal não pode, em princípio, deferir um pedido de medidas provisórias que visa impedir a Comissão de exercer os seus poderes de investigação e de sanção imediatamente após o início de um procedimento administrativo e mesmo antes de ter adoptado os actos interlocutórios ou definitivos, cuja execução se pretende evitar. Com efeito, ao adoptar estas medidas, o Tribunal não operaria no âmbito da fiscalização da actividade da instituição requerida, mas substituiria esta no exercício de competências de carácter puramente administrativo. Daqui resulta que a requerente não pode, no caso em apreço, nos termos dos artigos 185. e 186. do Tratado, pedir que seja imposto à instituição requerida suspender a execução da decisão relativa ao início de um procedimento administrativo e que lhe seja proibido, mesmo a título provisório, o exercício das suas competências no âmbito desse procedimento (v. os despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1989, Cosimex/Comissão, T-131/89 R, Colect. 1990, p. II-1, n. 12, de 14 de Dezembro de 1993, Gestevisón Telecinco/Comissão, T-543/93 R, Colect., p. II-1409, n. 24, e Atlantic Container e o./Comissão, já referido, n. 39).

41 Esse direito apenas lhe pode ser reconhecido no caso desse pedido apresentar elementos susceptíveis de permitir ao juiz verificar a existência de circunstâncias excepcionais, justificando a adopção das medidas solicitadas (v., a este respeito, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Março de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-10/92 R, T-11/92 R, T-12/92 R, T-14/92 R e T-15/92 R, Colect., p. II-1571, n. 54).

42 A este respeito, há que salientar que, no caso em apreço, a requerente não apresentou qualquer elemento de prova que demonstre a existência de circunstâncias excepcionais que poderiam fundamentar a adopção das medidas solicitadas. O presente pedido de medidas provisórias não pode ser declarado admissível com base neste fundamento.

43 Com base nas considerações precedentes e sem que seja necessário analisar o mérito do pedido de medidas provisórias, verifica-se que as condições que permitem, em direito, decretar as medidas solicitadas não estão reunidas no caso em apreço e que, por conseguinte, o pedido deve ser indeferido.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1) O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 12 de Julho de 1996.