Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Dezembro de 1997. - Didier Tabouillot contra Directeur des services fiscaux de Meurthe-et-Moselle. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de grande instance de Briey - França. - Artigo 95. do Tratado - Imposto diferencial sobre os veículos a motor. - Processo C-284/96.
Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-07471
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Disposições fiscais - Impostos internos - Cobrança sobre veículos directamente importados de países terceiros - Inaplicabilidade do artigo 95._ do Tratado
(Tratado CE, artigo 95._)
Sendo que o artigo 95._ do Tratado só é aplicável às mercadorias provenientes dos Estados-Membros e, eventualmente, às mercadorias originárias de países terceiros que se encontram em livre prática nos Estados-Membros, uma situação como a decorrente da importação num Estado-Membro de um veículo directamente proveniente de um país terceiro não cai sob a alçada dessa disposição.
No processo C-284/96,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo tribunal de grande instance de Briey (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Didier Tabouillot
e
Directeur des Services Fiscaux de Meurthe-et-Moselle
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 95._ do Tratado CE, a fim de apreciar a compatibilidade do sistema francês de tributação dos veículos a motor com esta disposição.
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet (relator), J. C. Moitinho de Almeida, D. A. O. Edward e J. -P. Puissochet, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs
secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação de D. Tabouillot, por Georges Benabes, advogado no foro de Lorient,
- em representação do Governo francês, por Catherine de Salins, vice-directora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Romain Nadal, secretário adjunto dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Hélène Michard e Enrico Traversa, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de D. Tabouillot, do Governo francês e da Comissão, na audiência de 5 de Junho de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Julho de 1997,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 8 de Agosto de 1996, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Agosto seguinte, o tribunal de grande instance de Briey submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 95._ do mesmo Tratado, a fim de apreciar a compatibilidade do sistema francês de tributação dos veículos a motor com esta disposição .
2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre D. Tabouillot e a administração fiscal francesa a respeito da aplicação ao seu veículo de fabrico estrangeiro, para efeitos da determinação da sua potência fiscal, de um método de cálculo que conduz a uma tributação mais elevada do que a aplicada aos veículos de produção nacional similares.
3 Em França, os artigos 1599 C a 1599 J do code général des impôts instituíram um imposto diferencial sobre os veículos a motor. São fixados, por via legislativa, escalões de tributação que incluem diversas potências fiscais. A cada um destes escalões de tributação corresponde um coeficiente. O montante do imposto diferencial resulta da multiplicação dos valores de uma tabela de base, votada anualmente pelos conselheiros gerais dos diversos departamentos, pelos coeficientes que correspondem ao escalão de tributação em causa.
4 O demandante no processo principal impugna o método de cálculo da potência administrativa dos veículos particulares.
5 Duas circulares sucessivas regem o método de cálculo da potência administrativa dos veículos particulares: a circular de 28 de Dezembro de 1956 (JORF de 22 de Janeiro de 1957, p. 910) e a circular n._ 77-191, de 23 de Dezembro de 1977 (JOFR de 8 de Fevereiro de 1978, p. 1052). Tais circulares foram objecto de validação legislativa com efeito retroactivo, por força do artigo 35._ da loi de finances rectificative para 1993 (Lei n._ 93-859, de 22 de Junho de 1983, JORF de 23 de Junho de 1993, p. 8815).
6 A fórmula de cálculo da potência fiscal, determinada pela circular de 28 de Dezembro de 1956, é a seguinte: P = K n D2 L ù. P designa a potência administrativa expressa em cavalos-vapor; n o número de cilindros; D o diâmetro dos cilindros em centímetros; L o curso dos pistões em centímetros; ù a velocidade de rotação em rotações por segundo; K é um coeficiente numérico. Para a Comissão, que não foi contradita neste ponto, esta fórmula linear pode ser resumida, de forma mais simples, pela multiplicação da cilindrada do veículo, expressa em litros, pelo coeficiente 5.7294 V para os veículos a gasolina e 4.0106 para os veículos a gasóleo; o resultado da aplicação desta fórmula aos veículos varia, pois, exclusivamente em função da cilindrada do motor.
7 Uma nova fórmula, decorrente da circular de 23 de Dezembro de 1977, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1978, de acordo com a qual: P = m (0,0458 . C/K)1,48. Nesta fórmula, P designa a potência administrativa; m equivale a 1 para a gasolina e 0,7 para o gasóleo; C é a cilindrada do motor expressa em centímetros cúbicos; K é um parâmetro que traduz a transmissão do movimento e que se obtém calculando «a média aritmética ponderada das velocidades expressas em quilómetros por hora, teoricamente atingidas pelo veículo, no regime do motor de 1 000 rotações por minuto nas diversas relações da caixa de velocidades em marcha à frente».
8 A circular de 23 de Dezembro de 1977 aplica-se «aos veículos particulares com menos de nove lugares, equipados com motores térmicos de combustão interna que funcionem a quatro tempos e com uma transmissão de um dos tipos descritos em anexo... e aprovados por tipo a partir de 1 de Janeiro de 1978». O seu âmbito de aplicação foi alterado pela circular n._ 87-56, de 24 de Junho de 1987 (a seguir «circular n._ 87-56»). Foi decidido, para obviar a «determinadas distorções verificadas relativamente a modelos equivalentes aprovados por tipo ou a título isolado», que as disposições da circular de 23 de Dezembro de 1977 «se apliquem também aos veículos particulares aprovados a título isolado conformes com um tipo aprovado ou considerados equivalentes, do ponto de vista do cálculo da potência administrativa, a um tipo aprovado cuja potência administrativa tenha sido calculada nos termos da presente circular».
9 A circular n._ 87/56 precisa que «os veículos, que não as viaturas particulares acima referidas, continuam sujeitos às disposições da circular de 1956».
10 Verifica-se, em consequência, coexistirem em França, a partir de 1 de Janeiro de 1978, dois modos distintos de calcular a potência administrativa.
11 Decorre do processo principal que a grande maioria dos veículos aprovados em França está abrangida pela fórmula prevista na circular de 23 de Dezembro de 1977. Contudo, a fórmula resultante da circular de 28 de Dezembro de 1956 mantém-se aplicável, de forma residual, quando se trate de:
- viaturas particulares aprovadas por tipo ou a título isolado, cujo tipo tenha sido aprovado em França antes de 1 de Janeiro de 1978;
- veículos apresentados para aprovação a título isolado que não sejam conformes com um tipo aprovado em França depois de 1 de Janeiro de 1978;
- viaturas particulares conformes com um tipo aprovado depois de 1 de Janeiro de 1978 mas consideradas não equivalentes, do ponto de vista da potência fiscal, a um tipo aprovado cuja potência administrativa tenha sido calculada nos termos da circular de 23 de Dezembro de 1977 (circular n._ 87/56).
12 D. Tabouillot é proprietário de um Chevrolet do tipo Corvette, com cilindrada de 5 735 cm3, colocado em circulação pela primeira vez em 1 de Janeiro de 1980 e matriculado pela primeira vez em França em 29 de Maio de 1992, na sequência de uma derrogação ministerial de 5 de Maio de 1992, mencionada no livrete.
13 A administração fiscal fixou a potência administrativa desse veículo em 33 CV, por aplicação do método de cálculo previsto na circular de 28 de Dezembro de 1956.
14 Em 10 de Setembro de 1994, D. Tabouillot cometeu uma infracção ao não apor no pára-brisas do seu veículo o selo fiscal relativo ao período de tributação 1993-1994. Foram-lhe reclamadas as somas de 6 031 FF, a título do referido selo, bem como de 11 710 FF, a título da multa prevista no artigo 1840 N - C do code général des impôts, ou seja, um montante total de 17 741 FF, reduzido para 17 152 FF após abatimento.
15 Considerando este imposto contrário ao artigo 95._ do Tratado, D. Tabouillot impugnou junto da administração fiscal o bem fundado das somas que lhe eram exigidas. Este recurso gracioso foi rejeitado em 25 de Setembro de 1995.
16 Por petição de 14 de Novembro de 1995, D. Tabouillot intentou uma acção contra o directeur des services fiscaux de Meurthe-et-Moselle no tribunal de grande instance de Briey. Com efeito, D. Tabouillot entende que as disposições fiscais relativas ao imposto diferencial sobre os veículos a motor que incide sobre os veículos com mais de 16 CV devem ser declaradas inaplicáveis por não conformidade com o artigo 95._ do Tratado.
17 Em apoio do seu pedido, D. Tabouillot argumentou, designadamente, que a utilização concomitante de dois métodos de cálculo da potência administrativa, um resultante da circular de 28 de Dezembro de 1956 e o outro da de 23 de Dezembro de 1977, conduz a resultados prejudiciais para os veículos comprados fora de França para serem importados neste país, sendo, pois, susceptível de afectar o comércio intracomunitário.
18 O directeur des services fiscaux concluiu pedindo que fosse negado provimento ao pedido de D. Tabouillot. Em sua opinião, o sistema do imposto diferencial sobre os veículos a motor resultante da lei n._ 87-1061, de 30 de Dezembro de 1987, e das subsequentes circulares, é conforme com o direito comunitário, tendo, aliás, o Conseil d'État decidido nesse sentido em acórdão de 20 de Março de 1992.
19 Foi nestas condições que o tribunal de grande instance de Briey submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes duas questões prejudiciais:
«1) O artigo 95._ do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de um método de determinação, para efeitos administrativos, da potência dos veículos que conduz a conferir uma potência superior a certos veículos e, por conseguinte, a dissuadir os consumidores da sua aquisição, uma vez que os veículos abrangidos nas categorias mais fortemente tributadas são exclusivamente veículos importados que estão numa relação de concorrência directa com os veículos similares vendidos em França que são, estes, classificados em categorias fiscais mais favoráveis?
2) O artigo 95._ do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que veda a utilização simultânea de dois critérios de determinação, para efeitos administrativos, da potência dos veículos, critérios dos quais um, mais desfavorável, é aplicado designadamente aos veículos importados de outros Estados-Membros e tem como efeito afastar os consumidores franceses desses veículos, em benefício de veículos similares vendidos em França?»
20 Por carta de 8 de Dezembro de 1997, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de Dezembro seguinte, ou seja, após o advogado-geral ter apresentado as suas conclusões, D. Tabouillot apresentou observações sobre alguns aspectos das conclusões, relativos à admissibilidade da questão prejudicial, e solicitou ao Tribunal que declare o pedido de decisão prejudicial admissível.
21 A este respeito, importa observar que os argumentos apresentados em apoio desta posição não tornam necessária a reabertura da fase oral do processo, como previsto pelo artigo 61._ do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
22 Cabe salientar que, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o advogado de D. Tabouillot precisou que o veículo deste fora directamente importado dos Estados Unidos da América para França.
23 Ora, de acordo com uma jurisprudência constante (v. acórdãos de 10 de Outubro de 1978, Hansen, 148/77, Recueil, p. 1787, n._ 23, Colect., p. 615; de 9 de Junho de 1992, Simba e o., C-228/90 a C-234/90, C-339/90 e C-353/90, Colect., p. I-3713, n._ 14, e de 13 de Julho de 1994, OTO, C-130/92, Colect., p. I-3281, n._ 18), o artigo 95._ do Tratado só é aplicável às mercadorias provenientes dos Estados-membros e, eventualmente, às mercadorias originárias de países terceiros que se encontram em livre prática nos Estados-membros. Daqui resulta que esta disposição não é aplicável aos produtos importados directamente de países terceiros.
24 Nestas condições, o artigo 95._ do Tratado não é aplicável a uma situação como a do processo principal.
25 Contudo, o advogado do demandante no processo principal sustentou, na audiência, que, apesar disso, incumbia ao Tribunal de Justiça responder às questões submetidas, pois ser-lhe-ia possível, em direito interno, invocar essa decisão a título do princípio da igualdade dos contribuintes e dos cidadãos franceses perante o imposto e a lei.
26 Declare-se, a este respeito, que nenhum elemento da decisão de reenvio permite considerar que as questões prejudiciais visam obter resposta sobre este ponto. Pelo contrário, como salientado pelo advogado-geral no n._ 30 das conclusões, o órgão jurisdicional nacional colocou tais questões com base na hipótese de o veículo em causa ter sido importado de outro Estado-Membro.
27 Em consequência, deve responder-se às questões prejudiciais que uma situação como a decorrente da importação num Estado-Membro de um veículo directamente proveniente de um país terceiro não cai sob a alçada do artigo 95._ do Tratado.
Quanto às despesas
28 As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo tribunal de grande instance de Briey por decisão de 8 de Agosto de 1996, declara:
Uma situação como a decorrente da importação num Estado-Membro de um veículo directamente proveniente de um país terceiro não cai sob a alçada do artigo 95._ do Tratado.