61996J0259

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 14 de Maio de 1998. - Conselho da União Europeia contra Lieve de Nil e Christiane Impens. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Funcionários - Concurso interno - Medidas de execução de um acórdão de anulação - Passagem a uma categoria superior após concurso, sem efeito retroactivo - Danos materiais e morais. - Processo C-259/96 P.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02915


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


1 Funcionários - Carreira - Passagem a uma categoria superior - Exigência de concurso - Nomeação que produz efeitos em data anterior à aprovação no concurso - Inadmissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigo 45._, n._ 2)

2 Recurso de anulação - Acórdão de anulação - Efeitos - Obrigações da administração - Reparação de um prejuízo do recorrente relacionado com o acto anulado e que subsiste após a anulação

(Tratado CE, artigos 176._ e 215._, segundo parágrafo)

3 Funcionários - Responsabilidade extracontratual das instituições - Condições - Falta da administração - Prejuízo - Nexo de causalidade - Avaliação do dano moral - Critérios

4 Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Fundamento baseado em violação do artigo 48._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que proíbe a dedução de novos fundamentos no decurso da instância - Consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, das respostas a uma pergunta formulada como medida de organização do processo - Admissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigos 48._, n._ 2, e 64._, n._ 3)

5 Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Insuficiência de fundamentação - Falta de precisão quanto aos critérios escolhidos pelo Tribunal de Primeira Instância para fixar o montante de uma indemnização atribuída como reparação de um prejuízo - Recurso procedente

Sumário


6 Nos termos do artigo 45._, n._ 2, do Estatuto, a passagem de um funcionário de uma categoria para uma categoria superior só pode ter lugar mediante concurso. Assim, sendo a aprovação num concurso condição indispensável para a nomeação de um funcionário numa categoria superior, essa condição deve estar preenchida na data efectiva da nomeação. Por conseguinte, o artigo 45._, n._ 2, do Estatuto opõe-se a uma nomeação que produza efeitos em data anterior à aprovação no concurso.

7 O artigo 176._ do Tratado impõe, para além do dever que a administração tem de adoptar as medidas adequadas à execução do acórdão do tribunal comunitário, o dever de reparar o prejuízo adicional que eventualmente resulte do acto ilegal anulado, desde que estejam reunidas as condições referidas no artigo 215._, segundo parágrafo, do Tratado. O artigo 176._ do Tratado não faz depender a reparação do prejuízo da existência de nova falta distinta do acto ilegal inicial que foi anulado, mas prevê a reparação do prejuízo resultante desse acto e que persista após a sua anulação, e a execução pela administração do acórdão de anulação.

8 No âmbito de um pedido de indemnização apresentado por um funcionário, a responsabilidade da Comunidade pressupõe que se encontre reunido um conjunto de condições, ou seja, a ilicitude do comportamento imputado às instituições, a efectividade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado.

Para efeitos de avaliação de um eventual dano moral, há que ter em conta as circunstâncias agravantes que caracterizam a situação específica.

9 Por força do artigo 48._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, é proibida a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

Não é contrária a esta disposição a consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, das respostas dadas por uma das partes a perguntas formuladas como medida de organização do processo com base no artigo 64._, n._ 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, quando a outra parte tenha tido, se necessário, a possibilidade de tomar posição a respeito desses elementos na audiência.

10 Só ao Tribunal de Primeira Instância compete apreciar, nos limites de um pedido de indemnização, o modo e medida da reparação dos danos. Todavia, para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, estes devem ser suficientemente fundamentados. Não é esse o caso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância que não especifica os critérios que tomou em conta para efeitos da determinação do montante da indemnização atribuída como reparação do prejuízo sofrido.

Partes


No processo C-259/96 P,

Conselho da União Europeia, representado por Jean-Paul Jacqué, director do Serviço Jurídico, Diego Canga Fano e Thérèse Blanchet, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Alessandro Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

recorrente,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção) em 26 de Junho de 1996, De Nil e Impens/Conselho (T-91/95, ColectFP, p. II-959), Lieve de Nil, funcionária do Conselho da União Europeia, residente em Wolvertem (Bélgica) e Christiane Impens, funcionária do Conselho da União Europeia, residente em Bruxelas, representadas por Jean-Noël Louis, Thierry Demaseure, Véronique Leclercq e Ariane Tornel, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: H. Ragnemalm, presidente de secção, R. Schintgen, G. F. Mancini, J. L. Murray e G. Hirsch (relator), juízes,

advogado-geral: M. B. Elmer,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Julho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Julho de 1996, o Conselho da União Europeia, ao abrigo do artigo 49._ do Estatuto CE e das disposições correspondentes dos Estatutos CECA e CEEA do Tribunal de Justiça, interpôs recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Junho de 1996, De Nil e Impens/Conselho (T-91/95, ColectFP, p. II-959, a seguir «acórdão impugnado»), que anulou as decisões do Conselho de 9 e 15 de Junho de 1994, que indeferiram pedidos de indemnização das recorrentes de 9 de Fevereiro, bem como a decisão de 4 de Janeiro de 1995, que indeferiu a reclamação das recorrentes de 6 de Setembro de 1994, e condenou o Conselho a pagar a cada uma delas o montante de 500 000 BFR a título de indemnização por danos materiais e morais.

2 Resulta do acórdão impugnado que, em 4 de Dezembro de 1990, as recorrentes foram admitidas às provas do concurso interno B/228, destinado a prover quinze lugares de assistentes adjuntos de grau B 5 permitindo a funcionários do grau C 1 obter a «revalorização» dos seus lugares nesse grau. Não tendo sido incluídas pelo júri na lista dos candidatos aprovados, as recorrentes, juntamente com sete outras interessadas, recorreram para o Tribunal de Primeira Instância, que anulou «as operações subsequentes às decisões de admissão dos candidatos às provas do concurso interno B/228...» (acórdão de 11 de Fevereiro de 1993, Raiola Denti e o./Conselho, T-22/91, Colect., p. II-69).

3 Na sequência desse acórdão, que transitou em julgado, o Conselho decidiu manter as decisões de reclassificação tomadas em benefício dos quinze aprovados no concurso B/228, com efeitos a 1 de Janeiro de 1991, e publicar um aviso de concurso interno B/228 A, destinado a prover seis lugares de assistentes adjuntos de grau B 5 através de revalorização de lugares de grau C 1. A natureza e modalidades de cotação das provas do concurso B/228 A eram idênticas às do concurso B/228. Nos termos do aviso do concurso B/228 A, podiam ser admitidos às provas os candidatos que já tinham sido admitidos às provas do concurso B/228.

4 Depois de realizadas as provas, em que participaram, as recorrentes foram inscritas na lista de aprovados. O lugar de cada uma delas foi reclassificado no grau B 5, com efeitos a 1 de Janeiro de 1994. No entanto, as recorrentes entenderam que, apesar dessa reclassificação, devia considerar-se que de facto o Conselho não adoptara as medidas susceptíveis de reparar o prejuízo que lhes fora causado pela recusa do júri do concurso B/228 de as inscrever na lista de aprovados do mesmo concurso, uma vez que essa recusa as privara de uma reclassificação com efeitos a 1 de Janeiro de 1991.

5 Em 9 de Fevereiro de 1994, as recorrentes apresentaram um pedido baseado no artigo 90._, n._ 1, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), para indemnização do prejuízo que teriam sofrido com a adopção da decisão irregular do júri do concurso B/228.

6 Tendo esse pedido e uma reclamação apresentada nos termos do artigo 90._, n._ 2, do Estatuto sido indeferidos por decisões do Conselho de 9 e 15 de Junho de 1994, bem como de 4 de Janeiro de 1995, as recorrentes interpuseram recurso em 29 de Março de 1995 no Tribunal de Primeira Instância, pedindo a anulação dessas decisões e a condenação do Conselho no pagamento da importância de 500 000 BFR a cada uma delas, a título de indemnização dos danos materiais sofridos, e no pagamento de 1 ecu simbólico a cada uma delas, a título de reparação dos danos morais.

7 O Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n._ 44 do acórdão, que a recusa do Conselho de adoptar as medidas concretas que lhe teriam permitido colocar as recorrentes em pé de igualdade com os seus colegas aprovados no concurso B/228, no que respeita à data de entrada em vigor da sua reclassificação, violara o artigo 176._ do Tratado CE.

8 A este respeito, especificou:

«38 Ao recusar reclassificar as recorrentes com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 1991, tal como os candidatos aprovados no concurso B/228, o Conselho fez com que perdessem uma oportunidade de ser promovidas, nos prazos estatutários, mais cedo ao grau B 4, e depois mais cedo ao grau B 3, vendo assim a sua carreira evoluir em condições idênticas às dos candidatos aprovados no concurso B/228. Efectivamente, como as recorrentes salientam, sem serem desmentidas pelo Conselho, onze dos quinze candidatos aprovados no concurso B/228, reclassificados em 1991, já tinham sido promovidos ao grau B 3 em 1 de Janeiro de 1996, sendo três deles, em 1996, susceptíveis de promoção ao grau B 2, enquanto os outros quatro candidatos aprovados já tinham sido na mesma data promovidos ao grau B 4, tendo três deles a possibilidade de ser promovidos ao grau B 3 em 1996. Ora, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Primeira Instância, o Conselho admitiu que, se as recorrentes tivessem sido reclassificadas no grau B 5 em Janeiro de 1991, poderiam eventualmente, em aplicação do artigo 45._, n._ 2, do Estatuto, ter sido promovidas ao grau B 4 em Julho de 1991, e ao grau B 3 em 1 de Julho de 1993, data em que a sua remuneração líquida ultrapassaria a remuneração então por elas efectivamente recebida.

39 As recorrentes sofreram, por isso, uma distorção entre as perspectivas de evolução das suas carreiras e as dos candidatos aprovados no concurso B/228, devido a o Conselho não ter adoptado as medidas adequadas para colocar aqueles que, tendo participado inicialmente no concurso B/228, iam finalmente ser aprovados no concurso B/228 A, em pé de igualdade com os aprovados no concurso B/228, no que respeita em especial às condições de reclassificação a que tinham direito, do mesmo modo que os aprovados no concurso B/228. Desde a organização do concurso B/228 A, que, segundo as próprias afirmações da instituição recorrida, foi organizado para preservar os direitos lesados pelas ilegalidades do concurso B/228, o Conselho poderia efectivamente ter previsto que a reclassificação dos candidatos aprovados produzisse efeitos na mesma data da reclassificação dos candidatos aprovados no concurso B/228. Não tendo antecipadamente previsto essa solução, o Conselho, a quem foram apresentados pedidos das recorrentes nesse sentido, deveria ter revogado as decisões de reclassificação em 1 de Janeiro de 1994 e proceder, com a preocupação de igualdade de tratamento, à reconstituição da carreira das interessadas, para lhes assegurar uma antiguidade na categoria B igual à antiguidade nessa categoria dos aprovados no concurso B/228...»

9 Considerando que os aprovados nas provas organizadas com base nos avisos B/228 e B/228 A deviam ser considerados como tendo sido aprovados num único e mesmo concurso, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n._ 42, que o Conselho estava obrigado a assegurar aos candidatos aprovados nas provas prestadas com base no aviso B/228 A o mesmo tratamento que aos candidatos aprovados nas provas prestadas com base no aviso B/228, dando à reclassificação dos primeiros os mesmos efeitos que à reclassificação dos segundos.

10 Quanto ao prejuízo sofrido devido à violação cuja existência se declarou, o Tribunal de Primeira Instância decidiu:

«46 As recorrentes não provam a existência do prejuízo que invocam, que teria consistido na diferença entre as remunerações que auferiram de 1 de Janeiro de 1991 a 1 de Janeiro de 1994 e as remunerações que aufeririam durante esse período se tivessem sido reclassificadas no grau B 5 em 1 de Janeiro de 1991. Com efeito, como resulta dos elementos apresentados pelo Conselho em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, e não contestados pelas recorrentes, estas não sofreram na realidade nenhuma perda na remuneração líquida, devido, designadamente, à perda do subsídio fixo designado por subsídio de secretariado, a que tinham direito antes da reclassificação.

47 Em contrapartida, as recorrentes demonstram a existência do direito à reparação do prejuízo que resulta do facto de não terem sido reclassificadas na categoria B ao mesmo tempo que os candidatos aprovados no concurso B/228, uma vez que, mesmo que não tivessem tido direito à promoção após a reclassificação, perderam em qualquer caso uma oportunidade de verem a sua carreira evoluir no futuro de modo comparável à dos candidatos aprovados no concurso B/228...

48 As recorrentes sustentam terem ainda sofrido um dano moral que avaliam simbolicamente em 1 ecu.

49 No que respeita a este prejuízo, o Tribunal entende que nem a não aprovação num concurso nem a preparação de provas posteriores podem em princípio ser consideradas susceptíveis de causar um dano moral automaticamente indemnizável, tanto mais que, no presente caso, as recorrentes não demonstram que a sua não inclusão na lista de aprovados no concurso B/228 se deve às irregularidades que levaram à anulação. Quanto ao prejuízo que teria causado às recorrentes a recusa do Conselho de deferir o pedido de indemnização e posterior reclamação, ele confunde-se com o próprio prejuízo que o Conselho recusou reparar. Por conseguinte, não constitui um prejuízo distinto, susceptível de ser indemnizado separadamente.

50 O Tribunal de Primeira Instância considera que o dano moral efectivamente sofrido pelas recorrentes consiste no estado de incerteza prolongado em que se encontraram no que respeita à evolução da sua carreira. A este respeito, deve observar-se que as circunstâncias específicas do presente processo se caracterizaram por irregularidades importantes no decurso das provas organizadas com base no aviso B/228, por uma séria ofensa ao direito das recorrentes ao normal decurso dessas provas e pelo facto de que a recusa do Conselho de as colocar em pé de igualdade com os seus colegas reclassificados em 1 de Janeiro de 1991 ocorreu numa data em que já tinham sido aprovadas nas provas organizadas com base no aviso B/228 A.

51 O Tribunal de Primeira Instância entende que se avaliarão correctamente, ex aequo et bono, em 500 000 BFR conjuntamente (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T-82/91, ColectFP, p. II-61, e T-3/92, ColectFP, p. II-83) os prejuízos material e moral sofridos por cada uma das recorrentes. Por conseguinte, há que condenar o Conselho no pagamento deste montante a cada uma delas.»

11 No presente recurso, o Conselho invoca os seis fundamentos seguintes:

- violação do artigo 176._ do Tratado;

- violação do artigo 30._ do Estatuto;

- violação do princípio da igualdade de tratamento;

- violação do artigo 45._, n._ 2, do Estatuto;

- violação do artigo 48._ do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, e

- não verificação das condições legais constitutivas da responsabilidade e violação do princípio da proporcionalidade.

Quanto aos quatro primeiros fundamentos

12 Com os quatro primeiros fundamentos, que devem ser apreciados em conjunto, o Conselho censura em substância ao Tribunal de Primeira Instância o facto de o ter acusado de ter executado incorrectamente o acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido, quando decidiu organizar um segundo concurso e reclassificar no grau B 5 os candidatos aprovados, com efeitos a 1 de Janeiro de 1994.

13 A este respeito, o Conselho alega que, para preservar os direitos dos candidatos lesados pelas irregularidades de um concurso, basta, segundo a jurisprudência do Tribunal (acórdãos de 14 de Julho de 1983, Detti/Tribunal de Justiça, 144/82, Recueil, p. 2421; de 6 de Julho de 1993, Comissão/Albani e o., C-242/90 P, Colect., p. I-3839, e de 9 de Agosto de 1994, Parlamento/Meskens, C-412/92 P, Colect., p. I-3757), que a autoridade investida do poder de nomeação da instituição em causa organize um novo concurso de nível equivalente ao do primeiro concurso. As medidas tomadas pelo Conselho para executar o acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido, seriam em todos os aspectos conformes com essa jurisprudência.

14 Neste contexto, o Conselho contesta designadamente a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 38 e 39 do acórdão impugnado, segundo a qual a reclassificação das recorrentes deveria retroagir à mesma data que a reclassificação do concurso B/228, isto é, a 1 de Janeiro de 1991. Considera que esta afirmação invade as suas competências no âmbito do artigo 176._ do Tratado, por força do qual a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão, e indica que dispõe, neste quadro, de uma margem de apreciação.

15 De igual modo, o Conselho alega que uma classificação retroactiva a 1 de Janeiro de 1991 seria contrária ao artigo 45._, n._ 2, do Estatuto, por força do qual «A passagem de um funcionário de um quadro ou de uma categoria para outro quadro ou categoria superior só pode ter lugar mediante concurso», e violaria também o princípio da igualdade de tratamento, dado que as seis aprovadas no concurso B/228 A reprovaram no primeiro concurso B/228.

16 Deve recordar-se que o Tribunal de Justiça esclareceu que, por força do artigo 176._ do Tratado, cabe à instituição competente adoptar, relativamente ao interessado, no respeito dos princípios da regulamentação comunitária aplicável, qualquer acto que seja susceptível de compensar equitativamente a desvantagem que para ele resultou do acto anulado (v. acórdão de 5 de Março de 1980, Könecke/Comissão, 76/79, Recueil, p. 665, n._ 15).

17 Resulta dos n.os 3 e 4 do acórdão impugnado que, na sequência do acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido, que anulou as operações subsequentes às decisões de admissão dos candidatos às provas do concurso interno B/228, o Conselho decidiu manter as decisões de reclassificação dos quinze aprovados no concurso B/228, com efeitos a 1 de Janeiro de 1991, e organizar um concurso interno B/228 A para os candidatos reprovados nas provas do concurso B/228. A natureza e as modalidades de cotação das provas do concurso B/228 A eram idênticas às do concurso B/228. Em Dezembro de 1993, as recorrentes, que passaram nas provas, foram incluídas na lista de aprovados. O lugar de cada uma delas foi reclassificado no grau B 5, com efeitos a 1 de Janeiro de 1994.

18 Em primeiro lugar, quanto à data da reclassificação, deve recordar-se que, nos termos do artigo 45._, n._ 2, do Estatuto, a passagem de um funcionário de uma categoria para uma categoria superior só pode ter lugar mediante concurso. Assim, sendo a aprovação num concurso condição indispensável para a nomeação de um funcionário numa categoria superior (v. acórdão de 12 de Julho de 1973, Tontodonati/Comissão, 28/72, Recueil, p. 779, n._ 8, Colect., p. 301), essa condição deve estar preenchida na data efectiva da nomeação. Por conseguinte, o artigo 45._, n._ 2, do Estatuto opõe-se a uma nomeação que produza efeitos em data anterior à aprovação no concurso.

19 Daqui resulta que, no caso presente, só tendo as recorrentes sido aprovadas no concurso em finais de 1993, estava excluída a sua reclassificação com efeitos a 1 de Janeiro de 1991. Portanto, deve considerar-se errada a afirmação em contrário constante dos n.os 38 a 44 do acórdão impugnado. Todavia, ela não é susceptível de implicar, por si, a anulação do acórdão impugnado.

20 Em seguida, no que respeita à argumentação do Conselho segundo a qual a organização de um segundo concurso e a reclassificação das aprovadas no grau B 5 com efeitos a 1 de Janeiro de 1994 satisfazem as exigências do artigo 176._ do Tratado, resulta da jurisprudência do Tribunal (acórdão Parlamento/Meskens, já referido, n._ 24) que o artigo 176._ do Tratado impõe, para além do dever que a administração tem de adoptar as medidas adequadas à execução do acórdão do Tribunal de Justiça, o dever de reparar o prejuízo adicional que eventualmente resulte do acto ilegal anulado, desde que estejam reunidas as condições referidas no artigo 215._, segundo parágrafo, do Tratado CE. Deste modo, o artigo 176._ do Tratado não faz depender a reparação do prejuízo da existência de nova falta distinta do acto ilegal inicial que foi anulado, mas prevê a reparação do prejuízo resultante desse acto e que persista após a sua anulação, e a execução pela administração do acórdão de anulação.

21 Como o pedido das recorrentes tinha precisamente como objecto a reparação do prejuízo resultante do acto ilegal anulado, há que rejeitar os quatro primeiros fundamentos.

Quanto à primeira parte do sexto fundamento

22 Com a primeira parte do sexto fundamento, o Conselho alega que não estão reunidas as condições susceptíveis de implicar a sua responsabilidade. Ele não teria agido de modo ilegal aquando da execução do acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido, pelo que não estariam preenchidas duas das condições de efectivação da responsabilidade, ou seja, o prejuízo e o nexo de causalidade. O Conselho esclarece a este respeito que, embora as irregularidades tenham afectado de modo igual os 71 candidatos ao concurso B/228, nem por isso decorre daí um direito automático à reparação de um pretenso prejuízo, por não haver prova de um nexo de causalidade entre as referidas irregularidades e a não aprovação no primeiro concurso.

23 É jurisprudência constante (v. acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C-136/92 P, Colect., p. I-1981, n._ 42) que, no âmbito de um pedido de indemnização apresentado por um funcionário, a responsabilidade da Comunidade pressupõe que se encontre reunido um conjunto de condições relativas à ilicitude do comportamento imputado às instituições, à efectividade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado.

24 Quanto à primeira parte dessas condições, resulta do n._ 19 do presente acórdão que, contrariamente à afirmação feita pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 38 a 44 do acórdão impugnado, o comportamento ilegal não reside na recusa do Conselho de reclassificar as recorrentes com efeitos a 1 de Janeiro de 1991, mas no acto original anulado, isto é, nas operações subsequentes às decisões de admissão dos candidatos às provas do concurso B/228 (v. acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido). Aliás, é precisamente nesse acto que, segundo as conclusões do Tribunal de Primeira Instância no n._ 6 do acórdão impugnado, se baseia o pedido das recorrentes apresentado ao abrigo do artigo 90._, n._ 1, do Estatuto.

25 Em seguida, no que respeita ao prejuízo, deve declarar-se que, em qualquer caso, não pode ser reconhecido um dano moral relacionado com o prolongado estado de incerteza em que as recorrentes se encontraram no que respeita à evolução da sua carreira (n._ 50 do acórdão impugnado). Efectivamente, por um lado, as razões indicadas pelo Tribunal de Primeira Instância em apoio desta conclusão, ou seja, «irregularidades importantes no decurso das provas organizadas com base no aviso B/228... uma séria ofensa ao direito das recorrentes ao normal decurso dessas provas e... o facto de que a recusa do Conselho de as colocar em pé de igualdade com os seus colegas reclassificados em 1 de Janeiro de 1991 ocorreu numa data em que já tinham sido aprovadas nas provas organizadas com base no aviso B/228 A», prendem-se mais com a gravidade das irregularidades, que já levou à anulação dos actos em causa pelo acórdão Raiola-Denti e o./Conselho, já referido, e não com um prolongado estado de incerteza das recorrentes quanto à evolução das suas carreiras. Por outro lado, para efeitos do cálculo de eventuais danos morais, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter tido em conta, a par do tempo que durou o estado de incerteza em que as recorrentes se encontravam, outras circunstâncias agravantes que caracterizam a sua situação específica.

26 Não sendo esse o caso, e como aliás as recorrentes não invocam essas circunstâncias, deve anular-se o acórdão impugnado na parte em que reconheceu às recorrentes o direito a serem indemnizadas pelo danos morais alegadamente sofridos.

27 Como, neste aspecto, o litígio está em condições de ser julgado, dever-se-á, em conformidade com o artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, negar provimento ao pedido das recorrentes relativo à reparação de danos morais.

28 Em contrapartida, não pode excluir-se a priori que os funcionários não aprovados no primeiro concurso B/228 e que, tal como as recorrentes, foram aprovados no segundo concurso B/228 A, sofreram danos materiais que consistem no facto de a sua carreira não evoluir no futuro de modo comparável à dos aprovados no concurso B/228 (v. n._ 47 do acórdão impugnado), devido à impossibilidade de serem reclassificados em 1 de Janeiro de 1991.

29 Neste contexto, no que respeita ao nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o dano material, deve observar-se que compete ao Conselho fazer a prova de que a não aprovação das recorrentes no primeiro concurso, assim como o prejuízo resultante dessa não aprovação, não se devem às irregularidades verificadas. Não tendo sido feita tal prova, deve neste ponto rejeitar-se a primeira parte do sexto fundamento.

Quanto ao quinto fundamento e à segunda parte do sexto fundamento

30 Por fim, com o quinto fundamento e a segunda parte do sexto fundamento, o Conselho acusa o Tribunal de Primeira Instância de, na determinação dos montantes atribuídos, ter violado o artigo 48._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, ao tomar em consideração um facto novo que consistiu na evolução da carreira dos quinze aprovados no concurso B/228 entre o dia da interposição do recurso e o dia da audiência, bem como o princípio da proporcionalidade.

31 A este respeito, deve afastar-se desde já o fundamento baseado em violação do artigo 48._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que proíbe a dedução de novos fundamentos no decurso da instância. Com efeito, resulta dos autos que, em 26 de Janeiro de 1996, o Tribunal de Primeira Instância pediu às recorrentes que determinassem o montante da diferença entre as suas remunerações até à sua reclassificação em 1 de Janeiro de 1994 e as remunerações que teriam auferido se tivessem sido reclassificadas no grau B 5 em 1 de Janeiro de 1991, com os aprovados no concurso B/228. Baseando-se esse pedido no artigo 64._, n._ 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, este, sem violar o artigo 48._, n._ 2, do referido regulamento, podia basear-se nas respostas, tanto mais que o Conselho teve a possibilidade de tomar posição sobre este aspecto na audiência.

32 Quanto ao fundamento baseado em violação do princípio da proporcionalidade, deve recordar-se que, nos termos da jurisprudência do Tribunal (acórdão Comissão/Brazzelli Lualdi e o., já referido, n._ 81), só ao Tribunal de Primeira Instância compete apreciar, nos limites do pedido, o modo e medida da reparação dos danos. Todavia, para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, estes devem ser suficientemente fundamentados.

33 No caso vertente, o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância no n._ 51 do acórdão impugnado, nos termos do qual o prejuízo sofrido por cada uma das recorrente se eleva, numa correcta avaliação ex aequo et bono, a 500 000 BFR, não permite ao Tribunal de Justiça conhecer os critérios tomados em conta para a determinação desse montante. Sem essa precisão, o Tribunal não está em condições de decidir se o acórdão impugnado viola o princípio da proporcionalidade nesse aspecto.

34 Assim sendo, deve anular-se o acórdão impugnado na parte em que anulou as decisões do Conselho de 9 e 15 de Junho de 1994 e de 4 de Janeiro de 1995 e condenou o Conselho a pagar a cada uma das recorrentes o montante de 500 000 BFR a título de indemnização conjunta de danos materiais e morais.

Quanto à remessa do processo ao Tribunal de Primeira Instância

35 Nos termos do artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, «Quando o recurso for procedente, o Tribunal de Justiça anulará a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, julgar definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para julgamento.»

36 Não estando o litígio em condições de ser julgado no que respeita ao pedido das recorrentes para reparação dos danos materiais, deve remeter-se o processo ao Tribunal de Primeira Instância.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção)

decide:

37 São anulados os n._ 1, 2 e 4 do dispositivo do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Junho de 1996, De Nil e Impens/Conselho (T-91/95).

38 É negado provimento ao pedido das recorrentes relativo à reparação dos danos morais.

39 O processo é remetido ao Tribunal de Primeira Instância para que este decida do pedido das recorrentes para reparação dos danos materiais.

40 Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.