61996J0054

Acórdão do Tribunal de 17 de Setembro de 1997. - Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH contra Bundesbaugesellschaft Berlin mbH. - Pedido de decisão prejudicial: Vergabeüberwachungsausschuß des Bundes - Alemanha. - Conceito de 'órgão jurisdicional nacional' na acepção do artigo 177. do Tratado - Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços - Directiva 92/50/CEE - Instância nacional de fiscalização. - Processo C-54/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-04961


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Questões prejudiciais - Reenvio ao Tribunal de Justiça - Órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado - Conceito - Instância de recurso competente em matéria de adjudicação de contratos

(Tratado CE, artigo 177._)

2 Aproximação das legislações - Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços - Directiva 92/50 - Disposição que obriga os Estados-Membros a criar instâncias de recurso - Falta de transposição - Consequências - Faculdade de as instâncias de recurso competentes em matéria de contratos públicos de obras e de fornecimentos decidirem também em matéria de serviços - Consequência não imperativa - Obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais verificarem a existência de uma possibilidade de recurso nos termos do direito nacional em vigor

(Directiva 92/50 do Conselho, artigo 41._)

Sumário


3 Para apreciar se um organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado, questão que releva unicamente do direito comunitário, há que ter em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência. Cumpre estes critérios a comissão federal de fiscalização alemã da adjudicação dos contratos, que a lei consagra como o único organismo competente para declarar, ao fazer aplicação das regras de direito e depois de ter ouvido as partes, uma violação, pelas instâncias inferiores de fiscalização, das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação dos contratos, cujas decisões têm efeitos jurídicos coercivos e exerce as suas funções de modo independente e sob a sua própria responsabilidade.

4 Não decorre do artigo 41._ da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, que obriga os Estados-Membros a garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes, que, na falta de transposição dessa directiva no termo do prazo previsto para esse efeito, as competentes instâncias de recurso dos Estados-Membros em matéria de adjudicação de contratos públicos de obras e de fornecimentos são igualmente competentes para conhecer os recursos relativas aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços. Todavia, as exigências de uma interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva e de uma protecção efectiva dos direitos dos cidadãos impõem ao órgão jurisdicional nacional verificar se as disposições pertinentes do direito nacional permitem reconhecer aos cidadãos um direito de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços. A este respeito, o órgão jurisdicional nacional pode ser obrigado, em especial, a verificar se esse direito de recurso pode ser exercido perante as mesmas instâncias que as previstas em matéria de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos e de obras.

Partes


No processo C-54/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pela Vergabeüberwachungsausschuß des Bundes (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH

e

Bundesbaugesellschaft Berlin mbH,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 41._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann (relator), H. Ragnemalm, M. Wathelet e R. Schintgen, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH, por Franz Günter Siebeck, advogado no foro de Munique,

- em representação do Governo alemão, por Ernst Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e Bernd Kloke, Oberregierungsrat no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Hendrik van Lier, consultor jurídico, e Claudia Schmidt, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH, do Governo alemão e da Comissão, na audiência de 28 de Janeiro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Maio de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 5 de Fevereiro de 1996, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de Fevereiro seguinte, a Vergabeüberwachungsausschuß des Bundes (comissão federal de fiscalização da adjudicação dos contratos públicos, a seguir «comissão federal de fiscalização») apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, uma questão relativa à interpretação do artigo 41._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH (a seguir «Dorsch Consult») à Bundesbaugesellschaft Berlin mbH (a seguir «entidade adjudicante») a respeito de um processo de adjudicação de um contrato público de serviços.

3 Em 28 de Junho de 1995, a entidade adjudicante fez publicar, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, um anúncio relativo a um contrato de prestação de serviços de arquitectos e de engenheiros da construção civil. Em 25 de Agosto de 1995, a Dorsch Consult apresentou a sua proposta à entidade adjudicante. Esta última, à qual chegaram dezoito propostas, seleccionou sete, entre as quais a da Dorsch Consult. Em 30 de Novembro de 1995, duas sociedades, conjuntamente com um arquitecto, foram seleccionadas para formar um grupo de trabalho para a execução dos serviços objecto do concurso. O contrato foi assinado em 12 de Janeiro de 1996. A Dorsch Consult foi informada em 25 de Janeiro de 1996 que a sua proposta não era a economicamente mais vantajosa.

4 A Dorsch Consult, depois de ter tido conhecimento que a entidade adjudicante não a tinha seleccionado para esse contrato, mas antes da sua proposta ser formalmente rejeitada, tinha já submetido um pedido, em 14 de Dezembro de 1995, ao Ministério Federal do Ordenamento do Território, da Construção e do Urbanismo, enquanto serviço de controlo da adjudicação dos contratos, a fim de obter a suspensão do processo de adjudicação e de o contrato lhe ser atribuído. Considerava que, ao celebrar o contrato com outra empresa, a entidade adjudicante tinha violado as disposições da Directiva 92/50 e o § 57a, n._ 1, da Haushaltsgrundsätzegesetz (lei relativa aos princípios do direito orçamental, a seguir «HGrG»). Por decisão de 20 de Dezembro de 1995, o serviço de controlo da adjudicação dos contratos declarou-se incompetente porque, nos termos dos §§ 57a e 57b da HGrG, não tinha competência para fiscalizar a adjudicação de contratos uma vez que estes eram respeitantes a serviços.

5 Nestas condições, a Dorsch Consult, em 27 de Dezembro de 1995, apresentou um pedido à comissão federal de fiscalização a fim de obter desta última uma decisão, alegando que o serviço de controlo da adjudicação dos contratos tinha injustificadamente declinado a sua competência. Alegava que, na medida em que a Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos (JO L 395, p. 33), não tinha sido transposta, era directamente aplicável e devia ser respeitada pelas instâncias responsáveis dos recursos.

6 A comissão federal de fiscalização declarou que a República Federal da Alemanha não tinha até à data transposto a Directiva 92/50. Embora existisse uma circular do Ministério Federal da Economia, de 11 de Julho de 1993, que referia que a directiva era directamente aplicável e que devia ser aplicada pela administração, não podia ser considerada uma transposição correcta da directiva. Segundo a comissão federal de fiscalização, o direito nacional não dá competência à instância de controlo para verificar o cumprimento das disposições relativas à adjudicação de contratos públicos de serviços. Por outro lado, seria absolutamente possível que as disposições da directiva tivessem efeito directo. Por último, a comissão federal de fiscalização coloca a questão de saber se, nos termos do artigo 41._ da Directiva 92/50, a competência dos serviços de fiscalização já existentes é também directamente aplicável à adjudicação dos contratos públicos de serviços.

7 Assim, a comissão federal de fiscalização, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«O artigo 41._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, deve ser interpretado no sentido de que, após 30 de Junho de 1993, as instâncias competentes dos Estados-Membros, que nos termos da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativa às vias de recurso nos processos de adjudicação de contratos de direito público abrangidos no âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE e 77/62/CEE, são competentes em matéria de recursos dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, na acepção da Directiva 92/50/CEE, com fundamento em alegada violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das regras nacionais que transpõem esse direito?»

Quanto ao quadro jurídico

8 A Directiva 92/50 tem por objecto regulamentar a adjudicação de contratos públicos de serviços e é aplicável aos contratos superiores a um certo valor. Quanto à protecção jurídica, o artigo 41._ prevê:

«O n._ 1 do artigo 1._ da Directiva 89/665... passa a ter a seguinte redacção:

`1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE, 77/62/CEE e 92/50/CEE, as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, nomeadamente, no n._ 7 do artigo 2._, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito.'»

9 Nos termos do artigo 44._, n._ 1, a Directiva 92/50 devia ser transposta pelos Estados-Membros antes de 1 de Julho de 1993.

10 A Directiva 89/665 dispõe, no artigo 2._, n._ 8:

«Sempre que as instâncias responsáveis pelos processos de recurso não sejam de natureza jurisdicional, as suas decisões devem ser fundamentadas por escrito em todos os casos. Além disso, nesse caso, devem ser adoptadas disposições para garantir os processos através dos quais qualquer medida presumidamente ilegal tomada pela instância de base competente ou qualquer falta presumida no exercício dos poderes que lhe foram conferidos deva poder ser objecto de recurso jurisdicional ou de recurso junto de outra instância que seja um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado e que seja independente em relação à entidade adjudicante e à instância de base.

A nomeação dos membros dessa instância independente e a cessação do seu mandato estão sujeitas às mesmas condições do que as aplicáveis aos juízes, no que se refere à autoridade responsável pela sua nomeação, à duração do seu mandato e à sua inamovibilidade. No mínimo, o presidente dessa instância independente deve possuir as mesmas qualificações jurídicas e profissionais que um juiz. A instância independente tomará as suas decisões na sequência de um processo contraditório e essas decisões produzirão, pelos meios determinados por cada Estado-Membro, efeitos jurídicos coercivos.»

11 A Directiva 89/665 foi transposta para o direito alemão pela lei de 26 de Novembro de 1993 (BGBl. I p. 1928) que completou a HGrG inserindo-lhe os §§ 57a a 57c.

12 O § 57a, n._ 1, da HGrG dispõe:

«Tendo em vista cumprir as obrigações resultantes das directivas das Comunidades Europeias, o Governo federal legislará, por meio de regulamento, com o acordo do Bundesrat, a adjudicação dos contratos públicos de fornecimentos, de obras e de serviços, bem como os concursos que tenham por objectivo adjudicar contratos públicos de serviços...»

13 O § 57b, n._ 1, da HGrG prevê relativamente aos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimentos, de obras e de serviços mencionados no § 57a, n._ 1, um controlo pelos serviços de controlo. Em conformidade com o n._ 2, o Governo federal, adoptará, sob a forma de regulamentos, com o acordo do Bundesrat, as disposições que regulamentam a competência desses serviços de controlo. Nos termos do n._ 3 dessa disposição, o serviço de controlo é obrigado a dar início a um procedimento de controlo em presença de elementos que permitam presumir a existência de uma violação das disposições relativas à adjudicação de contratos públicos nos termos de um regulamento adoptado com base no § 57a. Nomeadamente, é obrigado a dar início ao referido procedimento quando alguém que tem ou tinha interesse num dado concurso alega uma violação das referidas disposições.

14 Nos termos do § 57b, n._ 4, da HGrG, o serviço de controlo verifica o cumprimento das disposições adoptadas nos termos do § 57a. Pode obrigar a entidade adjudicante a anular disposições ou decisões ilegais ou a adoptar disposições ou decisões legais. Além disso, pode suspender provisoriamente o processo de adjudicação de um contrato. O serviço de controlo pode exigir à entidade adjudicante, nos termos do § 57b, n._ 5, as informações necessárias para levar a bom termo a sua missão. O n._ 6 dispõe que as acções de indemnização, em caso de violação das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação dos contratos, devem ser intentadas perante os órgãos jurisdicionais comuns.

15 O § 57c, n._ 1, da HGrG dispõe que a federação e os Länder são respectivamente obrigados a criar uma comissão de fiscalização que exerça a sua actividade de modo independente e sob a sua própria responsabilidade para fiscalizar os processos de adjudicação dos contratos nos domínios que lhes dizem respeito. Nos termos dos n.os 2 a 4 dessa disposição, a comissão de fiscalização funciona por secções, compostas por um presidente, um assessor funcionário e um assessor exercendo as suas funções de modo não profissional. São independentes e estão apenas sujeitos ao cumprimento da lei. O presidente e um dos assessores devem ser funcionários. No que diz respeito à anulação ou à revogação da sua nomeação, bem como à sua independência e à sua demissão, diversas disposições da Richtergesetz (lei relativa ao estatuto da magistratura) são aplicáveis por analogia. Quanto à anulação ou à revogação da nomeação de um membro a título não profissional, certas disposições da lei relativa ao estatuto da magistratura aplicam-se igualmente por analogia. Por outro lado, a nomeação de um membro não profissional é revogada quando este não cumpriu de forma grave as suas obrigações. O mandato dos membros da comissão de fiscalização, nomeados a título não profissional, é de cinco anos.

16 Em conformidade com o n._ 5, a comissão de fiscalização verifica a legalidade das decisões dos serviços de controlo, mas não o modo como esses serviços estabeleceram os factos. Se for provada a ilegalidade de uma decisão, a comissão de fiscalização notifica o serviço de controlo para tomar uma nova decisão tendo em conta o seu parecer. Nos termos do § 57c, n._ 6, da HGrG, qualquer pessoa pode recorrer à comissão de fiscalização no prazo de quatro semanas após a decisão do serviço de controlo que alegue uma violação das disposições relativas à adjudicação dos contratos.

17 O § 57c, n._ 7, da HGrG institui uma comissão federal de fiscalização. Os seus membros funcionários são o presidente e assessores saídos das secções de decisão (Beschlußabteilungen) do Bundeskartellamt (serviço federal dos acordos). O presidente do Bundeskartellamt regulamenta a composição da comissão federal de fiscalização, bem como a formação e a composição das secções. Nomeia os assessores a título não profissional e os seus substitutos sob proposta das organizações profissionais de direito público. Além disso, exerce o controlo hierárquico por delegação do Governo federal. A comissão federal de fiscalização da adjudicação dos contratos tem igualmente um regulamento interno.

18 Nos termos do § 57a da HGrG, o Governo federal adoptou um regulamento relativo à adjudicação dos contratos. No entanto, este regulamento só é aplicável aos contratos de fornecimentos e de obras e não aos de serviços. A Directiva 92/50 não foi até agora transposta pela República Federal da Alemanha.

19 Nos termos dos §§ 57b e 57c da HGrG, o Governo federal adoptou o regulamento relativo ao processo de controlo dos contratos públicos (BGBl. I 1994, p. 324). O § 2, n._ 3, desse regulamento dispõe:

«A decisão do serviço de controlo relativa à entidade adjudicante é feita por escrito, deve ser fundamentada e ser-lhe notificada sem demora. O serviço de controlo enviará sem atraso a qualquer pessoa que tenha alegado uma violação das disposições de adjudicação dos contratos o texto da sua decisão, chamará a sua atenção para a possibilidade de apresentar um pedido à comissão de fiscalização da adjudicação dos contratos num prazo de quatro semanas e indicará a comissão de fiscalização competente.»

20 O § 3 prevê:

«(1) O processo na comissão de fiscalização da adjudicação dos contratos é regido no âmbito do § 57c da lei relativa aos princípios do direito orçamental e do presente regulamento, segundo o regulamento interno que a comissão tenha adoptado.

(2) A comissão de fiscalização da adjudicação dos contratos é obrigada, nos termos do artigo 177._ do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a recorrer ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias quando considerar que é necessário que o Tribunal de Justiça decida sobre uma questão relativa à interpretação desse Tratado ou à validade e à interpretação de um acto jurídico adoptado com base no Tratado para lhe permitir tomar a sua decisão.

(3) Devem ouvir-se as partes no processo no serviço de controlo da adjudicação dos contratos antes de qualquer decisão da secção em causa.

(4) A secção não é competente para suspender o processo de adjudicação de contratos ou para dar outras instruções relativas ao processo de adjudicação de contratos.

(5) A secção decide por maioria absoluta dos votos. A decisão, feita por escrito, deve ser fundamentada e enviada o mais rapidamente possível às partes.»

21 O regulamento interno da comissão federal de fiscalização da adjudicação dos contratos estabelece a organização e a distribuição dos processos, a respectiva tramitação que inclui uma fase oral para a qual são convocadas as pessoas em causa, bem como as exigências que devem respeitar as decisões da comissão federal de fiscalização.

Quanto à admissibilidade

22 Antes de responder à questão colocada, há que examinar se a comissão federal de fiscalização, no âmbito do processo que deu origem à presente questão prejudicial, deve ser considerada um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado. Esta questão deve ser distinguida da questão de saber se a comissão federal de fiscalização preenche as condições enunciadas no artigo 2._, n._ 8, da Directiva 89/665, que não é objecto do presente processo.

23 Para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado, questão que releva unicamente do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Junho de 1966, Vaassen-Göbbels, 61/65, p. 377, Colect. 1965-1968, p. 401; de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò/X, 14/86, Colect., p. 2545, n._ 7; de 17 de Outubro de 1989, Danfoss, 109/88, Colect., p. 3199, n.os 7 e 8; de 27 de Abril de 1994, Almelo e o., C-393/92, Colect., p. I-1477, e de 19 de Outubro de 1995, Job Centre, C-111/94, Colect., p. I-3361, n._ 9).

24 No respeitante à origem legal, a Comissão alega que a HGrG é uma lei orçamental-quadro que não cria direitos nem obrigações em relação aos cidadãos enquanto sujeitos de direito. Refere, por outro lado, que a comissão federal de fiscalização só pode intervir para fiscalizar as decisões dos serviços de controlo. No domínio dos contratos públicos de serviços, não há até ao presente qualquer serviço de controlo competente. Daqui a Comissão deduz que, para esta matéria, falta a origem legal da comissão federal de fiscalização.

25 A este respeito basta referir que a comissão federal de fiscalização foi instituída pelo § 57c, n._ 7, da HGrG. Assim, a sua origem legal não pode ser contestada. Para constatar uma origem legal, é irrelevante que a legislação nacional não tenha atribuído à comissão federal de fiscalização competências no domínio concreto dos contratos públicos de serviços.

26 Por outro lado, há que salientar que não há dúvidas quanto ao carácter permanente da comissão federal de fiscalização.

27 A Comissão contesta igualmente que a comissão federal de fiscalização tenha a natureza de um órgão jurisdicional obrigatório, condição que, em sua opinião, pode ter um duplo significado. Com efeito, pode significar que as partes devem ser obrigadas a dirigir-se ao órgão de reenvio para a regulamentação do seu litígio ou que as decisões desse órgão devem ser coercivas. A Comissão opta a favor da segunda interpretação e declara que a legislação nacional não prevê que as decisões da comissão federal de fiscalização sejam executórias.

28 Há que reconhecer, em primeiro lugar, que as disposições do § 57c da HGrG estabelecem a comissão de fiscalização como o único organismo que verifica a legalidade das decisões do serviço de controlo. Para invocar uma violação das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação de contratos, é obrigatório o recurso à comissão de fiscalização.

29 Em segundo lugar, resulta do § 57c, n._ 5, da HGrG que, quando a comissão de fiscalização conclui pela ilegalidade das decisões adoptadas pelo serviço de controlo, obriga-o a tomar uma nova decisão, respeitando a decisão da comissão de fiscalização quanto às questões de direito. Conclui-se que as decisões da comissão de fiscalização têm efeitos jurídicos coercivos.

30 A Comissão sustenta igualmente que a comissão federal de fiscalização, não intervindo, segundo as próprias indicações desta última, num processo contraditório, não pode ser considerada um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado.

31 Há que recordar que a exigência de um processo contraditório não é um critério absoluto. Além disso, há que concluir, de acordo com os termos do § 3, n._ 3, do regulamento relativo ao processo de controlo dos contratos públicos, que as partes no processo perante o serviço de controlo da adjudicação dos contratos devem ser ouvidas antes de qualquer decisão da secção em causa.

32 Segundo a Comissão, o critério relativo à aplicação da norma de direito também não existe, porque, nos termos dos §§ 57c da HGrG e 3, n._ 1, do regulamento relativo ao processo de controlo dos contratos públicos, o processo aplicável na comissão federal de fiscalização é regido pelo regulamento interno de que ela é dotada, regulamento que não produz efeitos em relação a terceiros e que não está publicado.

33 Todavia está provado que a comissão federal de fiscalização é obrigada a aplicar as disposições relativas à adjudicação dos contratos tais como as contidas nas directivas comunitárias e nos regulamentos nacionais adoptados para a sua transposição. Além disso, exigências processuais gerais, tais como a obrigação de audição das partes, de decidir por maioria absoluta dos votos e de fundamentar as decisões, são mencionadas no § 3._ do regulamento relativo ao processo de controlo dos contratos públicos, que está publicado no Bundesgesetzblatt. A comissão federal de fiscalização aplica, por conseguinte, normas jurídicas.

34 Por último, a Dorsch Consult e a Comissão consideram que a comissão federal de fiscalização não é independente. Está vinculada à estrutura organizacional do Bundeskartellamt, que está ele próprio sujeito ao controlo do ministro da Economia. Não é fixada qualquer duração do mandato quer para o presidente quer para os assessores funcionários e as disposições destinadas a garantir a imparcialidade apenas dizem respeito aos membros a título não profissional.

35 Em primeiro lugar há que salientar que, nos termos do § 57c, n._ 1, da HGrG, a comissão de fiscalização exerce a sua missão de modo independente e sob a sua própria responsabilidade. Nos termos do § 57c, n._ 2, da HGrG, os membros das secções são independentes e apenas estão sujeitos ao cumprimento da lei.

36 Seguidamente há que sublinhar que, nos termos do § 57c, n._ 3, da HGrG, as disposições essenciais da lei alemã sobre os magistrados relativas à anulação ou à revogação da sua nomeação bem como à sua independência e à sua inamovibilidade aplicam-se por analogia aos membros funcionários das secções. De um modo geral, as disposições da lei relativa aos magistrados respeitantes à anulação da sua nomeação bem como à sua revogação aplicam-se igualmente aos membros a título não profissional. A imparcialidade desses membros é, por outro lado, assegurada pelo § 57c, n._ 2, da HGrG, segundo a qual não lhes devem ser submetidos processos em que eles próprios tenham participado na adopção da decisão relativa à adjudicação de um contrato ou em que são ou eram eles próprios proponentes ou representantes de proponentes.

37 Além disso, convém salientar que, no caso concreto, a comissão federal de fiscalização exerce uma função jurisdicional. Pode, com efeito, declarar a ilegalidade das decisões adoptadas pelo serviço de controlo e obrigá-lo a adoptar uma nova decisão.

38 Resulta de tudo o que acima se disse que a comissão federal de fiscalização, no âmbito do processo que deu origem à presente questão prejudicial, deve ser considerada um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177._ do Tratado, de modo que a questão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

39 Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se decorre do artigo 41._ da Directiva 92/50 que, na falta de uma transposição dessa directiva no termo do prazo fixado para esse efeito, as instâncias de recurso dos Estados-Membros competentes em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos de obras e de fornecimentos têm igualmente competência para conhecer os recursos relativos aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços.

40 Convém salientar, em primeiro lugar, que compete à ordem jurídica de cada Estado-Membro designar o órgão jurisdicional competente para decidir os litígios que põem em causa direitos individuais derivados da ordem jurídica comunitária entendendo-se, no entanto, que os Estados-Membros são responsáveis por assegurar, em todas as circunstâncias, a protecção efectiva desses direitos. Com esta reserva, não compete ao Tribunal de Justiça intervir na solução dos problemas de competência que possa suscitar, no quadro da organização judiciária nacional, a qualificação de certas situações jurídicas assentes no direito comunitário (acórdão de 18 de Janeiro de 1996, SEIM, C-446/93, Colect., p. I-73, n._ 32).

41 Além disso, o artigo 41._ da Directiva 92/50, ao mesmo tempo que obriga os Estados-Membros a adoptar as medidas necessárias para garantir recursos eficazes em matéria de contratos públicos de serviços, não contém qualquer indicação sobre quais devem ser as instâncias nacionais competentes, nem no sentido de que estas devam ser as mesmas instâncias que os Estados-Membros designaram em matéria de contratos públicos de obras e de fornecimentos.

42 Está, porém, assente, por um lado, que os §§ 57a a 57c da HGrG têm por objectivo transpor a directiva 89/665 e, por outro, que o mesmo § 57a é a disposição de base para a transposição da Directiva 92/50, à qual o Governo federal ainda não procedeu.

43 Nestas circunstâncias, há que recordar, em primeiro lugar, que a obrigação dos Estados-Membros, decorrente de uma directiva, de alcançar o resultado por ela previsto, bem como o seu dever, por força do artigo 5._ do Tratado CE, de tomar todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento dessa obrigação impõem-se a todas as autoridades dos Estados-Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, as autoridades jurisdicionais. Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à directiva, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 189._, terceiro parágrafo, do Tratado CE (v. acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect., p. I-4135, n._ 8; de 16 de Dezembro de 1993, Wagner Miret, C-334/92, Colect., p. I-6911, n._ 20, e de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Colect., p. I-3325, n._ 26).

44 Em segundo lugar, há que salientar que a questão da designação de uma instância competente para conhecer os recursos em matéria de contratos públicos de serviços é pertinente mesmo na ausência de transposição da Directiva 92/50. Com efeito, no caso de um Estado-Membro não ter tomado as medidas de execução exigidas ou de ter adoptado medidas não conformes a uma directiva, o Tribunal de Justiça reconheceu, sob determinadas condições, o direito de os particulares invocarem em juízo uma directiva contra um Estado-Membro que não cumpriu as suas obrigações. Embora esta garantia mínima não possa servir de justificação a um Estado-Membro para não tomar, atempadamente, as medidas adequadas ao objecto de cada directiva (v., nomeadamente, acórdão de 2 de Maio de 1996, Comissão/Alemanha, C-253/95, Colect., p. I-2423, n._ 13), pode, apesar disso, ter por efeito habilitar os cidadãos a invocar, contra um Estado-Membro, as disposições materiais da Directiva 92/50.

45 Quanto ao restante, há que recordar que, se as disposições nacionais não podem ser interpretadas em conformidade com a Directiva 92/50, os interessados podem pedir, segundo os procedimentos apropriados do direito nacional, a reparação dos danos sofridos devido à falta de transposição da directiva no prazo imposto (v., nomeadamente, acórdão de 8 de Outubro de 1996, Dillenkofer e o., C-178/94, C-179/94, C-188/94, C-189/94 e C-190/94, Colect., p. I-4845).

46 Por conseguinte, há que responder à questão prejudicial que não decorre do artigo 41._ da Directiva 92/50 que, na falta de transposição dessa directiva no termo do prazo previsto para esse efeito, as competentes instâncias de recurso dos Estados-Membros em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos de obras e de fornecimentos são igualmente competentes para conhecer os recursos relativos aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços. Todavia, as exigências de uma interpretação do direito nacional em conformidade com a Directiva 92/50 e de uma protecção efectiva dos direitos dos cidadãos impõem ao órgão jurisdicional nacional verificar se as disposições pertinentes do direito nacional permitem reconhecer aos cidadãos um direito de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços. Em circunstâncias como as do caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional é obrigado, em especial, a verificar se esse direito de recurso pode ser exercido perante as mesmas instâncias que as previstas em matéria de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos e de obras.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

47 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pela Vergabeüberwachungsausschuß des Bundes, por despacho de 5 de Fevereiro de 1996, declara:

Não decorre do artigo 41._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, que, na falta de transposição dessa directiva no termo do prazo previsto para esse efeito, as competentes instâncias de recurso dos Estados-Membros em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos de obras e de fornecimentos são igualmente competentes para conhecer os recursos relativos aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços. Todavia, as exigências de uma interpretação do direito nacional em conformidade com a Directiva 92/50 e de uma protecção efectiva dos direitos dos cidadãos impõem ao órgão jurisdicional nacional verificar se as disposições pertinentes do direito nacional permitem reconhecer aos cidadãos um direito de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços. Em circunstâncias como as do caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional é obrigado, em especial, a verificar se esse direito de recurso pode ser exercido perante as mesmas instâncias que as previstas em matéria de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos e de obras.