61996C0386

Conclusões apensas do advogado-geral La Pergola apresentadas em 16 de Dezembro de 1997. - Société Louis Dreyfus & Cie e Compagnie Continentale (France) SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Processos C-386/96 P e C-391/96 P. - Glencore Grain Ltd, anteriormente Richco Commodities Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias. - Processos C-403/96 P e C-404/96 P. - Assistência urgente da Comunidade aos Estados da antiga União Soviética - Empréstimo - Crédito documentário - Recurso de anulação - Admissibilidade - Afectação directa.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02309


Conclusões do Advogado-Geral


Enquadramento jurídico e factual dos recursos de anulação apresentados pelas ora recorrentes, em 1993, no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias

1 Poucos meses após o acórdão proferido no processo Geotronics/Comissão (1) (a seguir «processo Geotronics»), o Tribunal de Justiça é de novo chamado a pronunciar-se sobre a admissibilidade de recursos apresentados, nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado CE (a seguir «Tratado»), por pessoas colectivas, visando a anulação de decisões tomadas pela Comissão das Comunidades Europeias (a seguir «Comissão»), no exercício das suas competências em matéria de gestão das operações de financiamento destinadas a países terceiros, no âmbito da «relação triangular» entre a Comissão, o Estado beneficiário e a empresa adjudicatária.

2 Mais precisamente, os processos C-386/96 P, C-391/96 P e C-403/96 P têm por objecto, respectivamente, os recursos que as sociedades de direito francês Louis Dreyfus e Cie (a seguir «Dreyfus») e Compagnie Continentale (France) (a seguir «Continentale») e a sociedade Glencore Grain (anteriormente Richco Commodities), constituída segundo o direito aplicável nas Bermudas (a seguir «Glencore»), interpuseram, separadamente, dos acórdãos a elas referentes proferidos em 24 de Setembro de 1996 pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (a seguir «Tribunal de Primeira Instância») (2).

Através desses acórdãos interlocutórios, o Tribunal de Primeira Instância - julgando procedente a questão prévia que tinha sido suscitada pela Comissão nos três processos, nos termos do artigo 114._, n._ 1, do Regulamento de Processo - declarou inadmissíveis os recursos apresentados pelas referidas sociedades e que visavam a anulação de uma decisão tomada pela Comissão no contexto da concessão de um empréstimo a médio prazo à Federação Russa pela Comunidade (3).

3 O objecto do processo C-404/96 P (a seguir «processo Glencore II») é análogo: paralelamente ao recurso acima referido, a Glencore recorreu de outro acórdão do Tribunal de Primeira Instância, proferido na mesma data, pelo qual este declarou inadmissível o recurso de anulação de outra decisão da Comissão apresentado pela sociedade das Bermudas (4).

4 Abstraindo, de um ponto de vista factual, de algumas diferenças marginais ou, pelo menos, não pertinentes para efeitos da análise jurídica, os quatro processos acima referidos são conexos, uma vez que suscitam problemas idênticos. A solução que proponho ao Tribunal de Justiça no âmbito das presentes conclusões é, portanto, em substância, a mesma para todos.

O enquadramento jurídico e factual dos litígios em questão está pormenorizadamente exposto nos quatro acórdãos objecto de recurso (5). Nas presentes conclusões, só o evocarei na medida necessária à análise jurídica que se segue. De resto, tratando-se de um recurso interposto para o Tribunal de Justiça - o qual, nos termos do artigo 168._-A do Tratado e do artigo 51._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, se limita às questões de direito -, o contexto factual subjacente reveste, naturalmente, uma importância relativa.

5 Como se sabe, a partir de 1989, os Estados da Europa Central e de Leste, na sequência da implementação de profundas reformas políticas e económicas, beneficiaram de uma assistência financeira no âmbito da política comunitária de auxílios ao desenvolvimento.

A Comunidade provê às necessidades financeiras destes Estados não só através da via tradicional dos empréstimos com fins estruturais, já amplamente utilizada em benefício dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (os chamados «Estados ACP»), dos países e territórios ultramarinos e dos países da bacia mediterrânica, mas também através de financiamentos destinados a obviar às dificuldades de ajustamento macroeconómico dos países beneficiários, a fim de os auxiliar nos seus esforços para a instituição efectiva de mecanismos democráticos e para a adopção de políticas macroeconómicas adequadas bem como de medidas de reestruturação económica conformes com os princípios de mercado.

Limitados no tempo, sujeitos a condições de concessão precisas e baseados numa abordagem individualizada, estes financiamentos assumem a forma de empréstimos a médio prazo, completando os das instituições financeiras internacionais (6).

6 Em especial, e no que respeita às presentes conclusões, em Dezembro de 1991, o Conselho das Comunidades Europeias (a seguir «Conselho») adoptou a Decisão 91/658/CEE (7), pela qual - tendo em conta a gravidade da situação económica e financeira da União Soviética e das suas repúblicas, bem como a necessidade de fornecer urgentemente a esses Estados assistência alimentar e médica (v. terceiro e quarto considerandos da Decisão 91/658) - concedeu a esses Estados um empréstimo a médio prazo num montante máximo de 1 250 milhões de ecus, gerido pela Comissão, para permitir a importação de produtos agrícolas e alimentares e de material médico originários da Comunidade ou dos países fornecedores da Europa Central e de Leste especificados na dita decisão.

O artigo 4._, n._ 1, da Decisão 91/658 dava à Comissão poderes para «negociar com as autoridades da URSS e suas repúblicas... as condições económicas e financeiras inerentes à concessão do empréstimo... bem como as modalidades de disponibilização dos financiamentos e as garantias necessárias para assegurar o reembolso do empréstimo».

7 As modalidades de execução do empréstimo em questão foram mais tarde especificadas pela Comissão no Regulamento (CEE) n._ 1897/92 (8).

8 Nos termos do artigo 2._ do Regulamento n._ 1897/92, a Comunidade Económica Europeia, a Federação Russa e o seu agente financeiro - o Vnesheconombank (a seguir «VEB») - celebraram, em 9 de Dezembro de 1992, um acordo-quadro relativo à concessão ao VEB de um empréstimo a médio prazo, com garantia da Federação Russa, de 349 milhões de ecus, pelo prazo máximo de três anos (a seguir «acordo-quadro com a Federação Russa»).

O acordo-quadro com a Federação Russa previa um regime específico de concessão do empréstimo. Há que salientar a particular importância que revestem as disposições constantes do n._ 6 desse acordo, relativas à afectação exclusiva do empréstimo à cobertura de créditos documentários irrevogáveis abertos pelo VEB (9), segundo os modelos standard internacionais (10), em aplicação de contratos de fornecimento dos produtos visados pela Decisão 91/658. Nos termos do n._ 6, já referido, o desembolso do empréstimo estava sujeito à condição de tanto os contratos comerciais celebrados pelas autoridades russas competentes como os créditos documentários por elas emitidos serem reconhecidos pela Comissão como conformes com a Decisão 91/658 e com o acordo-quadro.

9 O contrato de mútuo previsto pelo acordo-quadro com a Federação Russa e celebrado na mesma data entre a Comissão e o VEB criou junto deste último uma linha de crédito, a que era possível recorrer durante o período de saque (15 de Janeiro de 1993-15 de Julho de 1993) para pagamento de fornecimentos efectuados em execução dos contratos aprovados pela Comissão.

10 O desembolso do empréstimo a favor da Ucrânia, no que respeita ao processo Glencore II, apresenta-se em termos análogos. Em 13 de Julho de 1992, a Comunidade Económica Europeia e a República da Ucrânia celebraram um acordo-quadro relativo à concessão de um empréstimo a médio prazo de 130 milhões de ecus, pelo prazo máximo de três anos, através do State Export-Import Bank of Ukraine (a seguir «SEIB»), agente financeiro da Ucrânia (a seguir «acordo-quadro com a Ucrânia»).

No mesmo dia, a Comissão, o SEIB e a Ucrânia celebraram o contrato de mútuo previsto pelo acordo-quadro com a Ucrânia, através do qual foi criada uma linha de crédito disponível - segundo o mecanismo das cartas de crédito - durante o período contratual de saque (20 de Agosto de 1992-20 de Abril de 1993).

11 No âmbito de cada um destes dois contratos de empréstimo celebrados pela Comunidade Económica Europeia, a posição formal da Comissão e dos organismos de Estado implicados, a diversos títulos, na compra dos produtos objecto de financiamento pode definir-se do seguinte modo.

12 A Comissão: i) contraiu, em nome da Comunidade Económica Europeia, um empréstimo com vista à recolha dos fundos necessários destinados a serem colocados à disposição da União Soviética e das suas repúblicas, sob a forma de empréstimos geridos pela Comissão (11), ii) negociou os empréstimos às repúblicas com base em acordos celebrados com cada uma delas, incluindo condições específicas de desembolso, iii) «no âmbito do seu poder discricionário absoluto» (12), reservou-se o direito de determinar - através da chamada «nota de confirmação» (13) - se o financiamento dos contratos de venda que lhe tinham sido notificados pela república em questão ou pelo seu agente financeiro (v. infra) era ou não elegível e iv) verificava, em caso de reconhecida conformidade dos contratos, se os créditos documentários emitidos pelos agentes financeiros das repúblicas em questão correspondiam aos termos da nota de confirmação, aprovando os pedidos de desembolso apresentados pelo VEB (ou pelo SEIB) e autorizando o pagamento dos montantes contratuais num prazo razoável, através do envio de um compromisso de reembolso ao banco confirmante ou encarregue de notificar, designado no contrato de fornecimento (desde que este seja aceite) (14).

Insisto no facto de o referido reconhecimento de conformidade dos contratos comerciais e dos créditos documentários implicar a satisfação de todos os critérios previstos tanto pela Decisão 91/658 como pelos acordos-quadro. Estes critérios incluíam, nomeadamente, a dupla condição de a importação dos produtos abrangidos pelo financiamento ser feita com respeito pela liberdade de concorrência e aos preços do mercado mundial (v. artigo 4._, n._ 3, da Decisão 91/658) (15).

13 A Exportkhleb e a Ukrimpex, organismos encarregues, respectivamente, pela Federação Russa e pela Ucrânia, de negociar, por sua conta, as compras de trigo, seleccionaram as empresas adjudicatárias através de um concurso e conduziram as negociações relativas aos contratos de fornecimento que celebraram.

14 Por fim, o agente financeiro mandatado por cada uma das duas repúblicas, a saber, o VEB e o SEIB: i) notificou à Comissão os contratos comerciais celebrados para efeitos de reconhecimento da conformidade, ii) emitiu, após recepção da nota de confirmação, créditos documentários irrevogáveis susceptíveis de beneficiar da garantia comunitária (na medida em que correspondiam aos termos do referido aviso) e eventualmente subordinados, a pedido do fornecedor, a uma confirmação do banco por este designado (16), e iii) enviou à Comissão, durante o período de saque previsto no contrato, um pedido de desembolso a favor do banco confirmante ou encarregue de notificar o crédito, designado pelo fornecedor e aceite pela Comissão.

15 Há também que recordar a cronologia dos factos na origem dos litígios em questão.

Em 1992, aguardando a conclusão do acordo-quadro com a Federação Russa (v. n._ 8, supra), a Exportkhleb organizou um concurso informal, contactando diversas sociedades de trading internacional. Entre as oito empresas seleccionadas pela Exportkhleb, figuravam - quanto ao que agora nos interessa - as ora recorrentes.

Em 27 de Novembro de 1992, a Continentale celebrou com o agente da Federação Russa dois contratos de venda, relativos, respectivamente, a 450 000 toneladas de trigo para moagem, ao preço de 140,4 USD por tonelada, e 35 000 toneladas de trigo duro, ao preço de 145 USD por tonelada.

Em 28 de Novembro seguinte, a Exportkhleb celebrou com a Dreyfus um contrato com vista ao fornecimento de 325 000 toneladas de trigo, ao preço de 140,5 USD por tonelada, e com a Glencore um contrato destinado ao fornecimento de 700 000 toneladas de trigo, ao preço de 140 USD por tonelada.

Todos os contratos celebrados pela Exportkhleb com as empresas fornecedoras continham estipulações uniformes, como as relativas ao fornecimento das mercadorias vendidas (nas condições CIF Free out) e à data-limite de embarque (fixada em 28 de Fevereiro de 1993).

Para efeitos das presentes conclusões, as disposições destes contratos que importam são, principalmente, a cláusula suspensiva que submete a execução das obrigações contratuais, incluindo o pagamento do preço, ao reconhecimento pela Comissão de que se encontram satisfeitas as condições de concessão do financiamento (a seguir «condição suspensiva») (17) e a cláusula compromissória em favor dos tribunais arbitrais das Câmaras de Comércio e de Indústria de Moscovo e de Kiev, respectivamente, para todos os litígios que possam surgir no que respeita aos contratos de fornecimento (18).

16 Depois de ter pedido às três sociedades, em Janeiro de 1993, determinados dados (como a taxa de câmbio USD/ecu) não indicados no texto dos contratos de venda assinados pela Exportkhleb, a Comissão enviou ao VEB, a título de aprovação desses contratos, uma nota de confirmação datada de 27 de Janeiro de 1993.

Segundo as três sociedades recorrentes, esta nota da Comissão continha algumas diferenças de monta relativamente ao conteúdo dos contratos: assim, a data-limite de embarque nele prevista era 31 de Março de 1993, e a taxa de câmbio USD/ecu tinha sido fixada a nível diferente do que as empresas adjudicatárias tinham respectivamente proposto à sociedade cliente.

17 Em 4 de Fevereiro de 1993, o VEB emitiu, na sequência de instruções da Exportkhleb, cartas de crédito irrevogável em favor da Dreyfus, da Continentale e da Glencore, e enviou, em 9 de Fevereiro seguinte, os respectivos pedidos de reembolso à Comissão. Porém, por razões não esclarecidas nos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância objecto do presente recurso, estas cartas de crédito só se tornaram efectivamente operacionais alguns dias mais tarde, entre 16 e 25 de Fevereiro, conforme os casos. Foi só nessas datas, com efeito, que os bancos correspondentes nos países dos fornecedores, finalmente, receberam da Comissão os compromissos de reembolso relativos às diferentes operações.

Devido ao consequente atraso nas operações de embarque, as empresas adjudicatárias informaram a Exportkhleb de que já não estavam em condições de respeitar o prazo inicialmente acordado para o carregamento da totalidade das mercadorias.

18 Ora, como, segundo as recorrentes, durante o período, embora breve, que se seguiu à celebração dos contratos, a cotação do trigo no mercado mundial sofreu um aumento considerável, da ordem dos 13% (passando de 132 USD para 149,5 USD por tonelada, FOB Rouen), a Exportkhleb pediu ao conjunto das empresas adjudicatárias - aquando de uma reunião que teve lugar em Bruxelas, em 22 e 23 de Fevereiro de 1993 - que apresentassem novas propostas de preços para o fornecimento do que se chamou «saldo previsível» (ou seja, as quantidades de produtos relativamente aos quais parecia razoável afastar a possibilidade de serem fornecidas em tempo útil).

Na sequência de uma negociação em que as empresas seleccionadas tiveram que se nivelar pela proposta mais baixa (a saber, 155 USD por tonelada), acordaram, entre si e com a Exportkhleb, a repartição das novas quantidades a fornecer até, o mais tardar, 30 de Abril de 1993.

Mais precisamente: à Dreyfus foi atribuído um fornecimento de 185 000 toneladas de trigo para moagem, à Glencore um fornecimento de 450 000 toneladas de trigo para moagem e à Continentale um fornecimento de 20 000 toneladas de trigo duro (ou para moagem) e outro de 300 000 toneladas de trigo para moagem (das quais 120 000 ao preço inicialmente estabelecido de 140,4 USD e 180 000 ao preço de 150 USD por tonelada).

19 Em 9 de Março de 1993, a Exportkhleb notificou a Comissão das alterações contratuais acordadas (mas, nessa data, ainda não formalizadas) com cinco dos fornecedores seleccionados.

Por carta de 12 de Março seguinte, o director-geral da Direcção-Geral da Agricultura (DG VI) da Comissão respondeu à Exportkhleb, informado-a de que as alterações em questão só podiam ser aceites se o valor global dos fornecimentos de cereais objecto de um financiamento, que já tinha sido fixado pela nota de confirmação de 27 de Janeiro de 1993, não fosse ultrapassado. Esta condição podia ser satisfeita através da redução correspondente das quantidades a fornecer. Além disso, através dessa carta, a Comissão exigiu que o pedido de aprovação das alterações lhe fosse oficialmente apresentado pelo VEB.

Consequentemente, no momento da formalização das alterações (que teve lugar na terceira semana de Março, através da assinatura de simples aditamentos aos contratos iniciais, mas com data de 23 de Fevereiro de 1993), as quantidades fornecidas pela Glencore e pela Continentale foram reduzidas de acordo com as indicações dos serviços da Comissão.

20 Depois de o VEB ter, nos dez últimos dias do mês de Março, notificado a Comissão das novas propostas e das alterações aos contratos iniciais, o membro da Comissão encarregue das questões agrícolas informou o agente financeiro da Federação Russa, por carta de 1 de Abril de 1993 (a seguir «decisão de 1 de Abril de 1993»), de que estava disposto a autorizar as alterações relativas aos adiamentos dos fornecimentos e do pagamento do preço, desde que fosse respeitado o procedimento usual.

Em contrapartida, no que respeita às modificações relativas aos preços e às quantidades vendidas, a Comissão afirmou - baseando-se nos artigos 4._ e 5._ do Regulamento n._ 1897/92 (v. nota 15, supra) -, por um lado, que essas alterações tinham sido celebradas pela Exportkhleb directamente com as empresas adjudicatárias, ou seja, sem que estas fossem postas em concorrência com outros fornecedores potencialmente interessados, e, por outro, que os novos preços não constituíam as melhores condições de compra possíveis, dado que, no fim do mês de Março de 1993, o nível de preços no mercado mundial não diferia substancialmente do que se verificava no fim do mês de Novembro de 1992.

Acresce que, na opinião da Comissão, os aumentos de preços eram de tal ordem que não constituíam simples adaptações, mas verdadeiras modificações substanciais dos contratos inicialmente negociados. Consequentemente - concluía a carta do membro da Comissão -, «se se julgasse necessário alterar os preços ou as quantidades, havia que negociar novos contratos que deviam ser submetidos à Comissão para aprovação, em aplicação do processo completo usual (incluindo a apresentação de, pelo menos, três propostas)».

Depois de receber a carta da Comissão, a Exportkhleb comunicou à Dreyfus, à Continentale e à Glencore, nos primeiros dez dias do mês de Abril, a recusa da Comissão de aprovar as alterações introduzidas nos contratos de fornecimento inicialmente negociados.

21 O contexto factual na origem do processo Glencore II é análogo. Em Maio de 1993, a sociedade Ukrimpex, sociedade de Estado encarregue pela Ucrânia de negociar as compras de trigo objecto do financiamento comunitário, lançou um concurso informal, na sequência do qual recebeu sete propostas provenientes de sociedades de trading internacional. De entre estas, foi a da Glencore que foi aceite porque - embora não fosse a menos elevada em termos de preço - era a única que garantia o embarque da mercadoria em questão antes de 15 de Junho de 1993.

Em 26 de Maio de 1993, a Glencore e a Ukrimpex celebraram, portanto, um contrato relativo à venda de 40 424 toneladas de trigo, ao preço de 137,4 ecus por tonelada, nas condições CIF Free out. Este contrato foi notificado pelo SEIB à Comissão, para aprovação, em 31 de Maio seguinte.

Por carta de 10 de Junho de 1993, enviada ao vice-primeiro-ministro da Ucrânia - que tinha intervindo pessoalmente para pedir a aprovação do contrato o mais rapidamente possível -, os serviços da Comissão observaram que a proposta da Glencore não era a melhor, em termos de preço, de entre as apresentadas pelas empresas proponentes, e que o preço acordado ultrapassava o aceitável, concluindo que a Comissão não podia aprovar o contrato que lhe tinha sido submetido pelo SEIB. Porém, tendo em conta as necessidades alimentares urgentes da população ucraniana, a Comissão declarou-se disposta a assumir o financiamento comunitário, para efeitos de fornecimento imediato de 50 000 toneladas de trigo, a retirar dos stocks de intervenção, a um preço que poderia ser inferior em 30 USD por tonelada ao acordado entre a Ukrimpex e a Glencore. Observe-se, de passagem, que este fornecimento foi objecto de novo concurso, que também foi ganho pela Glencore.

Em 11 de Junho seguinte, a Ukrimpex informou a recorrente de que a Comissão se recusara a aprovar o contrato celebrado em 26 de Maio de 1993, pedindo-lhe que adiasse o transporte da mercadoria. A Glencore, que já tinha fretado um navio para o efeito, forneceu, mesmo assim, 40 000 toneladas de cereais, relativamente aos quais a Ucrânia nunca pagou à sociedade vendedora o montante correspondente, que é de cerca de 5 500 000 ecus.

Por último, a recusa da Comissão de aprovar o contrato em questão foi confirmada por uma carta que o membro da Comissão encarregue das questões agrícolas enviou ao SEIB em 12 de Julho de 1993 (a seguir «decisão de 12 de Julho de 1993»). Depois de ter recordado que, segundo as disposições do contrato de mútuo de 13 de Julho de 1992, a Comissão emitia as notas de confirmação no uso de um poder discricionário absoluto, a decisão de 12 de Julho de 1993 especificava que o preço acordado entre a Glencore e a Ukrimpex era muito superior ao que Comissão podia aceitar. Por conseguinte, nessas circunstâncias, não podia considerar satisfeita a exigência de o contrato sujeito à sua aprovação oferecer as condições de compra mais favoráveis, tendo em conta os preços normalmente obtidos nos mercados internacionais.

Os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância objecto dos presentes recursos

22 Já tive a oportunidade de referir que a decisão de 1 de Abril de 1993 e a de 12 de Julho de 1993 foram objecto de quatro recursos de anulação apresentados no Tribunal de Primeira Instância pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore.

Além disso, a Glencore (só no processo T-491/93, relativo à decisão de 1 de Abril de 1993) e a Dreyfus interpuseram um recurso visando a reparação dos danos materiais que a Comissão lhes teria respectivamente causado com a recusa (alegadamente ilegal) de aprovar as alterações aos contratos de fornecimento celebrados com a Exportkhleb. Por último, A Dreyfus também pediu ao Tribunal de Primeira Instância que condenasse a Comissão a pagar-lhe o montante simbólico de um ecu a título de indemnização pelo dano moral sofrido em virtude de declarações de um funcionário da instituição, segundo as quais a Dreyfus teria participado em práticas ilícitas aquando das negociações relativas a estas alterações.

23 Como também já atrás referi, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos quatro acórdãos proferidos em 24 de Setembro de 1996, que as empresas adjudicatárias de um contrato de fornecimento, no âmbito da execução de um empréstimo concedido pela Comunidade a países terceiros, não são directamente afectadas pela decisão da Comissão (19) tomada relativamente ao agente financeiro do Estado mutuário, pela qual a instituição comunitária se recusa a reconhecer a conformidade com as disposições comunitárias pertinentes: a) dos contratos de fornecimento objecto do pedido de desembolso do financiamento, celebrados pelo agente mandatado para esse efeito pelo Estado mutuário e pelas empresas adjudicatárias (como era o caso no processo T-509/93), ou b) das alterações eventualmente introduzidas em contratos já reconhecidos como conformes pela Comissão (como era o caso dos três outros processos).

Com efeito, segundo o Tribunal de Primeira Instância, os actos regulamentares comunitários e os acordos celebrados entre a Comunidade e a Federação Russa (ou, respectivamente, a Ucrânia) estabeleceram uma repartição de competências entre a Exportkhleb (ou, respectivamente, a Ukrimpex) e a Comissão. Enquanto o organismo de Estado tinha competência exclusiva para seleccionar o co-contratante através de concurso, para conduzir as negociações relativas ao contrato e para o celebrar, o único papel da Comissão - papel a que a instituição, apesar dos repetidos contactos que teve com este organismo e com as empresas adjudicatárias, se parece ter querido cingir nas circunstâncias em litígio - consistiu em verificar que as condições de concessão do financiamento, tais como tinham sido estabelecidas pela regulamentação comunitária, estavam satisfeitas. A empresa adjudicatária do contrato só manteve relações jurídicas com o seu co-contratante, ou seja, o agente mandatado para a celebração dos contratos de compra, tal como a Comissão, por seu lado, só manteve relações jurídicas com o agente financeiro do Estado mutuário.

Consequentemente, continuou o Tribunal de Primeira Instância, a intervenção da Comissão - à qual não cabia, portanto, qualquer apreciação além da que consistia em verificar que eram cumpridas todas as condições do financiamento dos contratos celebrados pela Exportkhleb e pela Ukrimpex com as recorrentes - não era susceptível de afectar a validade jurídica dos contratos em questão nem de modificar os termos dos mesmos, nomeadamente no que respeita aos preços respectivamente acordados. Os aditamentos celebrados em 23 de Fevereiro de 1993 pelas partes mantinham-se, portanto, plenamente válidos, «independentemente da decisão da Comissão de não reconhecer a conformidade das convenções com as disposições aplicáveis», porquanto esta decisão não se substituía a uma decisão das autoridades nacionais respectivamente competentes.

24 Na opinião do Tribunal de Primeira Instância, o facto de as sociedades recorrentes serem directamente afectadas pela decisão de 1 de Abril de 1993 ou pela de 12 de Julho de 1993 também não se pode deduzir do conteúdo da condição suspensiva (v. nota 17, supra). Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância salienta que «não se pode sujeitar a admissibilidade de um recurso, nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, à vontade das partes» de criar um nexo entre o contrato que celebraram e a decisão futura da Comissão quanto à conformidade ou não do dito contrato com as condições do financiamento.

Nos acórdãos objecto do presente recurso, o Tribunal de Primeira Instância chegou, portanto, à conclusão de que as decisões em causa não afectavam directamente a Dreyfus, a Continentale e a Glencore e excluiu que as três sociedades tivessem legitimidade para interpor um recurso de anulação das referidas decisões (20).

25 Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância julgou admissíveis os pedidos da Dreyfus e da Glencore que visavam a reparação dos danos materiais e morais respectivamente alegados pelas duas sociedades (v. n._ 22, supra), sublinhando, nomeadamente, a autonomia da acção de indemnização nos termos dos artigos 178._ e 215._, segundo parágrafo, do Tratado (21). Por fim, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que o processo relativo a estes pedidos de indemnização prosseguiria para conhecimento do mérito. Depois de a Dreyfus e de a Glencore terem apresentado os presentes recursos, os processos T-485/93 e T-491/93 foram suspensos, por despachos proferidos, respectivamente, em 27 de Janeiro de 1997 e em 26 de Fevereiro de 1997.

Fundamentos dos recursos interpostos pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore

26 Os recursos que as três sociedades apresentaram dos acórdãos atrás referidos assentam em fundamentos amplamente coincidentes (22).

Na opinião das recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um duplo erro de direito, porquanto: i) aplicou erradamente o artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, declarando os recursos inadmissíveis por as recorrentes não serem directamente afectadas, e ii) a sua fundamentação é contraditória sob diversos aspectos.

27 i) Quanto ao primeiro fundamento, as sociedades recorrentes contestam a afirmação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual as empresas adjudicatárias do contrato só mantiveram relações jurídicas com o respectivo co-contratante no âmbito do contrato de fornecimento (e não com a Comissão) e de que, consequentemente, as decisões impugnadas não afectaram de modo algum essas relações contratuais. As recorrentes consideram que, com este raciocínio, o Tribunal de Primeira Instância se afastou erradamente da jurisprudência comunitária constante na matéria.

Resultava dessa jurisprudência que a questão de saber se uma pessoa é directamente afectada deve ser apreciada à luz de um critério diferente: o da existência ou não de um dano para a situação jurídica ou material do recorrente, que decorra directamente do acto impugnado. Ora, em inúmeros acórdãos se aceitou que um recorrente possa ser directamente afectado, mesmo não existindo qualquer nexo jurídico com a Comissão ou com o destinatário da decisão impugnada.

Mais especialmente, no âmbito de relações triangulares como as dos casos em apreço, quando a pessoa interposta (ou seja, a autoridade nacional competente encarregue de executar a medida comunitária) não dispõe de qualquer poder de apreciação autónomo e a sua decisão é automaticamente a da Comissão, o operador económico - que não dispõe de qualquer via de recurso jurisdicional contra a autoridade nacional - deve ser considerado directamente afectado e parte legítima nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado.

Ora, tendo em conta, nomeadamente, as circunstâncias dos casos em apreço, a decisão da Comissão não deixava às autoridades nacionais competentes qualquer margem de apreciação quanto à execução das suas obrigações contratuais. Com efeito, atento o conteúdo dos contratos de fornecimento, sobretudo o da cláusula 4 relativa à obrigação de pagamento do montante correspondente (23), a não concessão do empréstimo à república em causa tinha conduzido à extinção da obrigação desta de pagar o montante acordado (ou, mutatis mutandis, o novo preço mais elevado, previsto no aditamento aos contratos iniciais já aprovados). Além disso, em cada um dos processos sobre que ora nos debruçamos, o financiamento comunitário constituía não só a condição suspensiva a que a execução do contrato estava juridicamente subordinada mas também o único meio de pagamento materialmente possível.

Por outro lado, não se podia aceitar que o poder da Comissão de sancionar um eventual desrespeito das condições de concessão do financiamento comunitário, como previstas no Regulamento n._ 1897/92, fosse arbitrariamente exercido pela instituição. Este poder era, portanto, acompanhado da obrigação correspondente de ser exercido devidamente, obrigação essa que também está sujeita ao controlo do Tribunal de Justiça.

28 A título subsidiário, a Glencore recorda a jurisprudência comunitária relativa ao artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, segundo a qual os particulares podem ser directamente afectados por medidas comunitárias que estão na base de disposições ulteriores, cujo conteúdo é conhecido com certeza ou com uma forte probabilidade.

29 Além disso, a Dreyfus, a Continentale e a Glencore sustentam que - contrariamente à análise feita pelo Tribunal de Primeira Instância -, nas circunstâncias específicas do sistema de assistência urgente instituído pela Comunidade, as decisões impugnadas substituíram-se às que eram da competência das autoridades russas e ucranianas, respectivamente.

Em especial, na decisão de 1 de Abril de 1993, a Comissão manifestava-se disposta a autorizar certas modificações contratuais acordadas entre a Exportkhleb e as empresas adjudicatárias (a saber, as relativas à prorrogação dos prazos de fornecimento e de pagamento dos preços), mas não outras (as relativas aos preços e às quantidades vendidas). Assim, a Comissão, «ao alterar, à sua vontade, os contratos», a que era, tecnicamente, alheia, substitui, de qualquer modo, a sua própria apreciação à vontade das partes.

Por outro lado, para respeitar os seus compromissos para com a Dreyfus, a Continentale e a Glencore, as autoridades russas e ucranianas dependiam inteiramente do reconhecimento da Comissão com vista ao financiamento comunitário. Com efeito, as autoridades nacionais competentes - dada a sua situação de insolvência, que estava na origem da própria assistência financeira concedida pela Comunidade -, depois de terem tomado conhecimento da adopção pela Comissão de uma decisão declarando a não conformidade do contrato (ou, mutatis mutandis, dos aditamentos aos contratos já aprovados), nunca podiam proceder à importação dos cereais nos termos dos acordos celebrados, na medida em que o pagamento do preço correspondente não era (no todo ou em parte) coberto pelo empréstimo.

30 O Tribunal de Primeira Instância também tinha errado ao basear-se - para excluir que as recorrentes fossem directamente afectadas pelas decisões respectivamente impugnadas - na circunstância de o efeito desses actos sobre a sua situação jurídica ou material resultar de um acto de vontade anterior.

Em primeiro lugar, bem vistas as coisas, uma vez que a condição suspensiva decorria directa e objectivamente da situação material e jurídica em que se encontravam, respectivamente, as partes nos contratos de fornecimento, a conclusão segundo a qual a admissibilidade do recurso ficou dependente da vontade das autoridades nacionais e das empresas adjudicatárias era inexacta. Na realidade, a dupla condição a que as partes sujeitaram a validade das convenções respectivas era, precisamente, a que a própria Comissão tinha imposto às repúblicas mutuárias, ou seja, a necessária aprovação desses contratos e dos créditos documentários abertos para pagamento dos fornecimentos.

Além disso, mesmo que fosse exacto concluir que se fez depender a admissibilidade dos recursos da vontade das partes, o Tribunal de Primeira Instância tinha acabado por introduzir uma condição suplementar, relativamente às previstas no artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, no que toca à admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por particulares de decisões de que não são destinatários, a saber, a condição de o prejuízo causado directamente às recorrentes pelo acto impugnado não resultar de uma decisão que estas tomaram livremente no exercício da sua autonomia individual.

31 Por último, segundo a Glencore, os acórdãos impugnados são também contrários à jurisprudência segundo a qual uma pessoa pode ser directamente afectada, na acepção do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, mesmo que não exista um nexo jurídico com o órgão de onde emana o acto impugnado e mesmo quando a disposição comunitária não se substitua a uma decisão das autoridades nacionais, deixe uma certa margem de apreciação às autoridades nacionais e o conteúdo da medida ulterior não seja certo ou altamente provável.

Esta jurisprudência resultava, nomeadamente, dos acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância que, por várias vezes, julgaram admissível um recurso de anulação, interposto pela empresa eventualmente beneficiária de um auxílio de Estado, da decisão da Comissão que tem por destinatário o Estado-Membro em questão e que declara a incompatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum.

Ora, tal como as autoridades nacionais competentes fizeram no caso em apreço, no que respeita ao pagamento do preço de compra das mercadorias, o Estado-Membro que concede um auxílio pode também acordar com a empresa destinatária subordinar a concessão do auxílio à aprovação da Comissão. A posição da Glencore - que, além do mais, esteve em contacto permanente com os serviços da Comissão durante a fase anterior à adopção das decisões impugnadas - apresentava, portanto, nomeadamente do ponto de vista processual, importantes semelhanças com a de uma empresa beneficiária de um projecto de auxílio de Estado.

32 ii) Na opinião das sociedades recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância tinha, além disso, ignorado o princípio geral que impõe a qualquer órgão jurisdicional a obrigação de fundamentar as suas decisões, uma vez que os fundamentos dos acórdãos objecto de recurso continham graves contradições. Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância tinha-se enganado ao afirmar que - apesar da existência constatada, nos contratos de fornecimento, da dita condição suspensiva (v. nota 17, supra) - as decisões da Comissão não afectavam a validade jurídica dos contratos em questão nem modificavam os termos dos acordos celebrados entre as partes.

Ora, a verdade é precisamente o contrário. Estando a execução do contrato sujeita à condição suspensiva (v. n._ 27, supra), as decisões negativas da Comissão afectavam directamente a posição jurídica das empresas adjudicatárias, privando-as do direito de exigirem o preço (ou o novo preço) acordado com a autoridade nacional competente.

33 A Continentale alega, além disso, que o Tribunal de Primeira Instância - depois de ter recordado que a Comissão tinha pedido ao VEB que lhe retransmitisse oficialmente o pedido de aprovação dos aditamentos aos contratos de fornecimento já apresentado pela Exportkhleb, e observado que, pela decisão de 1 de Abril de 1993, a Comissão se recusou a aprovar as modificações introduzidas nos contratos - se contradisse ao declarar que a decisão da Comissão não se substituiu a uma decisão das autoridades nacionais russas (24).

Esta conclusão era, por um lado, arbitrária, pois não existia qualquer análise do Tribunal de Primeira Instância relativamente à própria possibilidade da existência de uma decisão autónoma efectivamente imputável às autoridades nacionais competentes, da qual, na verdade, decorriam os efeitos prejudiciais para as empresas adjudicatárias do contrato. Por outro, estava em contradição com o reconhecimento implícito, pelo Tribunal de Primeira Instância, do papel de simples «correia de transmissão» desempenhado, na prática, pelo VEB, por vontade da própria Comissão.

Fundamentos e argumentos de defesa apresentados pela Comissão

34 A Comissão começa por suscitar a questão da inadmissibilidade dos quatro presentes recursos, alegando que estes - à excepção do fundamento baseado na contradição da fundamentação - se limitavam, no essencial, a reproduzir os fundamentos e argumentos já apresentados em primeira instância, incluindo os baseados em factos expressamente rejeitados pelo Tribunal de Primeira Instância.

De resto, a análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, no que respeita tanto aos contratos de mútuo celebrados entre a Comunidade e as repúblicas em causa como aos contratos de fornecimento celebrados pelas recorrentes com as sociedades de Estado encarregues de negociar as compras de trigo, era de natureza factual e não podia ser objecto de recurso.

A Comissão alega que, segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recursos como os apresentados pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore constituem, na realidade, simples pedidos de reapreciação dos recursos de anulação, já rejeitados pelo Tribunal de Primeira Instância, e, nos termos do artigo 49._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, não eram da competência deste último.

É apenas a título subsidiário, portanto, que a Comissão aborda o mérito dos processos em apreço.

35 A título preliminar, a Comissão observa que a própria interpretação da condição suspensiva estava longe de ser clara. Com efeito, não parece que o tribunal arbitral da Câmara de Comércio e de Indústria de Moscovo (ou o órgão jurisdicional homólogo de Kiev), o único com competência para a interpretação dos contratos de fornecimento em questão, se tenha pronunciado sobre o alcance exacto da cláusula em questão. Além disso, na correspondência trocada com a Exportkhleb nos dias que se seguiram à adopção da decisão de 1 de Abril de 1993, a Dreyfus parecia considerar o contrato de fornecimento como um «contrato firme [a firm contract]» (25).

36 Quanto ao primeiro fundamento do recurso, a Comissão observa ser necessário, para que um recurso de anulação de uma decisão da Comissão seja admissível, que o acto impugnado produza efeitos, em virtude do direito comunitário na esfera do recorrente, sem o que este não seria directamente afectado pela decisão.

Segundo a Comissão, nos processos em apreço, pelo contrário, os únicos efeitos invocados pelas recorrentes resultavam de «uma conjugação da decisão da Comissão com os termos do contrato, no qual, aliás, a Comissão não é parte». Com efeito, os contratos de fornecimento e as decisões impugnadas não eram medidas de execução da Decisão 91/658 e do Regulamento n._ 1897/92 e não integravam, de outro modo, a ordem jurídica comunitária (26).

37 Também não se podia considerar - sempre segundo a Comissão - que as autoridades nacionais competentes, a cujas decisões respectivas estaria directa e autonomamente associado o dano alegado pelas recorrentes, estivessem investidas de uma missão de direito público no âmbito da execução de uma política comunitária. As decisões dessas autoridades, de não proceder ao pagamento do preço (ou do preço mais elevado) acordado, não eram, por conseguinte, medidas de direito público tomadas em execução de decisões comunitárias; só teriam produzido efeitos de direito privado nas relações estabelecidas, respectivamente, pela Ukrimpex e pela Exportkhleb com as empresas adjudicatárias.

Ora, acrescenta a Comissão, o controlo jurisdicional destes actos - que são do âmbito do direito administrativo e, portanto, de um ramo do direito público - não podia, de modo algum, depender de acordos de direito privado nos quais a Comissão não é parte.

A ser aceite o raciocínio das recorrentes, o locus standi no âmbito do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado dependeria não de princípios decorrentes da jurisprudência comunitária mas da existência ou não de tais acordos, com a consequência de o direito subjectivo se substituir ao direito objectivo decorrente dos acórdãos do Tribunal de Justiça.

Em especial, o acolhimento dos presentes recursos implicava, necessariamente, uma reviravolta na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de financiamento de projectos pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (v. nota 31, infra).

38 Por outro lado, nos casos em apreço, os pedidos de adiantamento do financiamento com base nos empréstimos concedidos à Federação Russa e à Ucrânia tinham sido enviados à Comissão pelas repúblicas em questão, através dos seus respectivos agentes financeiros. Uma vez que as empresas adjudicatárias, pelo contrário, se mantiveram inteiramente alheias a esses pedidos, era impossível que o VEB e o SEIB tivessem assumido o papel de simples intermediários, privados de qualquer margem de apreciação autónoma, entre os operadores económicos interessados e a Comissão.

De resto - tal como os representantes da Comissão observaram na audiência -, o nexo que as recorrentes afirmam existir entre o financiamento comunitário e a causa dos contratos de fornecimento (v. nota 64, infra) estava longe de ter sido demonstrado. Com efeito, segundo a Comissão, parecia que empresas de dimensões comparáveis às da Dreyfus, da Continentale e da Glencore tinham vendido cereais à União Soviética, antes da sua dissolução, fora do âmbito de qualquer sistema de financiamento ou de outra forma de assistência da Comunidade.

39 A Comissão contesta, além disso, os argumentos apresentados pela Glencore, segundo os quais o facto de a sociedade ser directamente afectada se podia deduzir do teor das duas decisões impugnadas, que era susceptível de tornar certo ou muito provável que, na falta de financiamento comunitário, as autoridades russas e ucranianas, respectivamente, não pagariam o preço acordado, e, a título subsidiário, da jurisprudência comunitária em matéria de auxílios de Estado.

Segundo a Comissão, o facto de um particular ser ou não directamente afectado pelo acto impugnado não podia depender de factores - como, no caso em apreço, a solvência das autoridades enquanto compradores e a sua capacidade de honrar os seus compromissos, ou o conteúdo de um contrato de direito privado - alheios a esse acto e que escapavam a qualquer controlo (e mesmo ao conhecimento) da autoridade de onde emana o acto. Em especial, a empresa eventualmente beneficiária de um auxílio era sempre directamente afectada por uma decisão negativa tomada pela Comissão, qualquer que fosse o acordo anteriormente celebrado entre essa empresa e o Estado que concede o auxílio.

40 Por fim, quanto ao segundo fundamento de recurso apresentado pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore, a Comissão contesta que o Tribunal de Primeira Instância tenha analisado as consequências jurídicas da condição suspensiva já várias vezes mencionada e que tenha chegado à conclusão de que a Exportkhleb e a Ukrimpex não tinham nem a obrigação jurídica nem os meios de pagar o preço acordado. Aliás, não lhe cabia proceder a tal análise, porquanto a interpretação dos contratos é da competência exclusiva dos órgãos de arbitragem designados para o efeito (v. n._ 35, supra). Nos acórdãos objecto de recurso, o Tribunal de Primeira Instância tinha-se, pelo contrário, limitado a recordar os argumentos das recorrentes.

41 Acresce que a alegada contradição na fundamentação seria de excluir por completo, na medida em que a decisão de 1 de Abril de 1993 e a de 12 de Julho de 1993 não tinham, por si sós, qualquer efeito directo sobre a situação das recorrentes face à Exportkhleb e à Ukrimpex, respectivamente. Tais efeitos só poderiam resultar das cláusulas suspensivas que as próprias partes nos contratos estipularam. Tinha sido portanto correctamente que o Tribunal de Primeira Instância concluíra que as decisões em questão não afectavam directamente as três sociedades.

42 Por último, a Comissão reitera que nenhum elemento dos acórdãos objecto de recurso prova que o VEB tenha agido como simples «correia de transmissão» entre as empresas adjudicatárias do contrato e a Comissão. A Comissão tinha insistido para que os contratos celebrados pela Exportkhleb lhe fossem submetidos pelo VEB, porque o reconhecimento da sua conformidade dava origem a uma obrigação financeira (ou seja, uma dívida a imputar ao empréstimo à Federação Russa). Consequentemente, a Comissão só podia tratar com uma entidade competente para se obrigar em transacções financeiras. Estas considerações em nada contrariavam a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual as decisões impugnadas não se substituíram à escolha inicial dos fornecedores, efectuada, respectivamente, pelas autoridades russas e ucranianas.

O acórdão do Tribunal de Justiça no processo Geotronics e a sua pertinência para efeitos da apreciação do mérito dos recursos em apreço

43 Na sequência do encerramento da fase escrita, as recorrentes e a Comissão foram convidadas pelo Tribunal de Justiça a comentar na audiência o eventual impacto que o acórdão proferido em 22 de Abril de 1997 pelo Tribunal de Justiça no processo Geotronics (v. nota 1, supra) podia ter sobre os argumentos que, respectivamente, apresentaram nos processos sobre que nos debruçamos.

44 Como se sabe, este processo respeitava ao recurso interposto pela Geotronics, uma sociedade que tinha participado num concurso restrito (para o fornecimento de tacómetros electrónicos a utilizar no âmbito de um programa de reforma agrária) lançado conjuntamente pela Comissão e pelo Governo romeno e financiado pelo programa PHARE, do acórdão pelo qual o Tribunal de Primeira Instância tinha julgado inadmissível o recurso de anulação que essa sociedade tinha interposto de uma carta que lhe tinha sido enviada pela Comissão.

Mais precisamente, depois de ter sido informada pela autoridade competente que representava o Estado romeno de que a sua proposta tinha sido objecto de um parecer favorável e de que o contrato de fornecimento iria ser sujeito à aprovação da autoridade contratante, a Geotronics tomou conhecimento - por carta enviada por fax pela Comissão - de que a sua proposta fora rejeitada por não satisfazer a condição, aplicável ao concurso, segundo a qual os instrumentos objecto do fornecimento deviam ser originários de um Estado-Membro ou de um Estado beneficiário do programa PHARE.

45 Tendo-lhe sido submetido um recurso de anulação da referida decisão da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância - depois de o seu presidente ter rejeitado o pedido de medidas provisórias da recorrente (27) - acabou por declarar o recurso da Geotronics inadmissível, por não existir um acto susceptível de ser objecto de recurso (28).

O Tribunal de Primeira Instância recordou, antes de mais, no referido acórdão, a repartição de competências entre a Comissão e as autoridades do Estado beneficiário na execução das acções e dos projectos financiados no âmbito da política comunitária de cooperação, em especial, no contexto dos auxílios externos previstos pelo programa PHARE. O Tribunal de Primeira Instância observou assim que os contratos financiados por este programa deviam ser considerados contratos nacionais, que vinculam exclusivamente os operadores económicos em causa e o Estado beneficiário, ao qual incumbe preparar, negociar e celebrar os contratos.

Em contrapartida, não se estabelece qualquer relação jurídica entre as empresas proponentes e a Comissão, que se limita a adoptar, em nome da Comunidade, as decisões de financiamento relativas aos contratos em questão. Para as empresas proponentes, os actos da Comissão não podem, portanto, ter por efeito substituir a decisão do Estado beneficiário por uma decisão comunitária.

O Tribunal de Primeira Instância afastou assim a possibilidade de, nesta matéria, poderem existir actos da Comissão susceptíveis de afectar a situação jurídica da empresa proponente e de serem, como tais, objecto de um recurso de anulação, como o que a Geotronics interpôs da já referida carta da Comissão. A Geotronics, conforme o Tribunal de Primeira Instância observou, não podia, de qualquer modo, beneficiar da anulação dessa carta, conforme pedia, uma vez que essa anulação não podia pôr em causa o contrato celebrado pelas autoridades romenas com a empresa adjudicatária do contrato (29).

46 Como se sabe, o acórdão objecto de recurso que acabo de referir foi anulado pelo Tribunal de Justiça na parte em que declarou inadmissível o recurso interposto nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado.

Acolhendo as lúcidas conclusões do advogado-geral G. Tesauro (30), o Tribunal de Justiça afirmou que o Tribunal de Primeira Instância tinha cometido um erro de direito com a transposição, pura e simples, para o caso então em apreço, da fundamentação subjacente à jurisprudência relativa aos contratos financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (a seguir «jurisprudência FED») (31).

Com efeito, observou o Tribunal de Justiça, a carta, enviada por fax, objecto do recurso, que tinha sido formalmente endereçada à Geotronics, foi adoptada pela Comissão após esta ter verificado se a proposta da sociedade destinatária satisfazia ou não as condições estipuladas para o financiamento comunitário e indicadas no aviso de concurso.

O Tribunal de Justiça considerou dever separar, conceptualmente, a decisão da Comissão do processo negocial em que esse acto se inscrevia e que estava previsto para a celebração de um contrato nacional, e isto por duas razões: a decisão tinha sido tomada pela Comissão no exercício das suas competências e tinha especificamente por destinatário uma única empresa, que, pela simples adopção dessa medida, perdia qualquer possibilidade de lhe ser adjudicado o contrato.

Baseando-se nestas considerações, o Tribunal de Justiça concluiu que a decisão da Comissão tinha, em si, efeitos obrigatórios susceptíveis de afectar a situação jurídica da Geotronics. O acórdão do Tribunal de Primeira Instância, que tinha declarado inadmissível o recurso de anulação apresentado pela sociedade, foi, portanto, anulado (32).

47 As três recorrentes nos processos em apreço e a Comissão retiraram - como era inevitável - conclusões divergentes do referido acórdão do Tribunal de Justiça no processo Geotronics.

48 A Dreyfus, a Continentale e a Glencore invocam este acórdão para afastar quaisquer dúvidas quanto à admissibilidade dos respectivos recursos. No acórdão Geotronics, o Tribunal de Justiça teria, de resto, satisfeito a exigência - que a jurisprudência FED não satisfazia - de assegurar uma protecção jurisdicional concreta aos operadores económicos.

As três sociedades observam também que, nos processos objecto da jurisprudência FED, a recorrente era, invariavelmente, uma empresa participante num concurso, que impugnava o acto pelo qual a Comissão tinha aprovado a adjudicação do contrato, pelas autoridades nacionais do Estado ACP, a outra empresa. Era portanto um operador que não a empresa adjudicatária, relativamente à qual a Comissão tinha adoptado a decisão impugnada, que recorria ao Tribunal de Justiça. A recorrente só era, portanto, indirectamente afectada pela decisão.

Pelo contrário, no acórdão Geotronics - alegam as recorrentes -, a exclusão da sociedade recorrente do concurso era a consequência directa da decisão da Comissão de rejeitar a sua proposta. As autoridades romenas mantinham-se, por seu lado, livres para lhe adjudicar o contrato e tinham de facto informado a Geotronics da sua intenção de a escolher como adjudicatária. Essa escolha implicava, porém, a necessária renúncia do Governo romeno ao financiamento comunitário. Afastando-se, quanto a este aspecto, da análise do Tribunal de Primeira Instância (33) e fazendo suas as conclusões do advogado-geral, o Tribunal de Justiça revelou considerar ser a referida possibilidade das autoridades romenas puramente teórica.

Assim, no acórdão Geotronics, como no casos objecto da jurisprudência FED, as empresas participantes ou adjudicatárias só tinham relações jurídicas com as autoridades nacionais competentes. Declarando o recurso da Geotronics admissível, o Tribunal de Justiça tinha portanto - tendo em conta as particulares circunstâncias do caso - revisto, oportunamente, o critério que tinha aplicado nos outros acórdãos que recordei.

49 As recorrentes alegam que os seus recursos deviam ser objecto de solução análoga e explicitam as razões que obrigariam o Tribunal de Justiça a, também nos casos ora em apreço, se afastar da jurisprudência FED.

Em primeiro lugar, a Comissão tinha adoptado as decisões de não aprovar, respectivamente, os aditamentos aos contratos de fornecimento celebrados entre a Exportkhleb e as três sociedades recorrentes e o contrato celebrado entre a Ukrimpex e a Glencore no exercício das suas competências.

50 Em segundo lugar, as decisões impugnadas pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore eram-lhes especificamente dirigidas - em conformidade, de resto, com o carácter directo das relações estabelecidas entre as três sociedades e a Comissão, tanto na fase preparatória como após a adjudicação dos dois contratos - e tinham, por si só, produzido, relativamente a elas, efeitos jurídicos obrigatórios. Em particular, as decisões da Comissão tinham definitivamente privado as recorrentes de qualquer possibilidade de executarem os respectivos contratos de venda pelo preço acordado, que reflectia o nível dos preços que então se verificava no mercado mundial.

A pretensa possibilidade de as autoridades russas e ucranianas pagarem às três sociedades os preços acordados, mesmo na falta do financiamento comunitário, era, com efeito, puramente teórica, mesmo nos casos em apreço, devido à grave crise financeira que as duas repúblicas então atravessavam e, sobretudo, porque não se tinha verificado a condição suspensiva a que as partes no contrato de fornecimento tinham subordinado a execução das obrigações por elas respectivamente assumidas.

Esta circunstância permitia até distinguir os processos em apreço dos que eram objecto da jurisprudência FED, na medida em que as diferentes versões sucessivas da Convenção de Lomé não previam explicitamente a renúncia automática ao financiamento comunitário pelo Estado ACP que decidisse adjudicar o concurso a um proponente que não tivesse sido aprovado pela Comissão.

51 É precisamente devido aos efeitos jurídicos obrigatórios que as decisões impugnadas tinham, por si só, produzido relativamente às recorrentes que o facto de essas decisões terem por destinatários formais não as três sociedades mas os agentes financeiros da Federação Russa e da Ucrânia não tinha qualquer importância.

52 As recorrentes consideram, por fim, que se devia rejeitar o argumento da Comissão de que - na perspectiva do momento em que as decisões foram tomadas relativamente à ocorrência dos factos - os litígios ora em apreço eram diferentes do processo Geotronics (v. n._ 57, infra), estando, pelo contrário, mais próximos dos casos que foram objecto da jurisprudência FED.

Nestes últimos processos, era a empresa terceira, excluída do processo pelas autoridades nacionais antes da intervenção da Comissão, que tinha interposto recurso de anulação da decisão desta última. Não havia portanto, entre a empresa recorrente e o Estado beneficiário, qualquer contrato cuja execução dependesse, de facto ou de direito, do reconhecimento da Comissão.

A situação era mesmo inversa - alegam a Dreyfus, a Continentale e a Glencore - no âmbito dos presentes recursos: as autoridades nacionais competentes começaram por adjudicar os contratos às sociedades recorrentes e a Comissão recusou-se, depois, a aprovar os contratos já celebrados, para efeitos do seu financiamento.

53 Que observações apresenta, por seu lado, a Comissão? Os representantes da instituição recorrida recordaram, na audiência, que, quanto ao papel desempenhado pela Comissão, os sistemas totalmente descentralizados de assistência técnica são muito análogos, quer se trate - em particular - de concursos financiados pelo FED ou pelo programa PHARE.

A Comissão intervinha nuns e noutros em nome da Comunidade como simples fornecedor de fundos públicos, deixando ao Estado beneficiário a responsabilidade da execução do conjunto do programa. Esta repartição de competências não excluía, aliás, que, muito frequentemente, as autoridades nacionais beneficiassem concretamente de conselhos técnicos (por exemplo, aquando da fase de elaboração dos programas objecto do financiamento) ou de assistência financeira (por exemplo, para remunerar os peritos encarregues de redigir as condições do concurso) por parte dos serviços da Comissão.

54 Estando demonstrada, quanto ao fundo, a similitude dos sistemas descentralizados de financiamento FED e PHARE, o acórdão Geotronics do Tribunal de Justiça devia ser explicado à luz das particulares circunstâncias de facto em que se inscreve.

A Comissão teria, nesse caso, cometido uma «gafe» ao ultrapassar as suas competências quando tomou a iniciativa de escrever directamente à sociedade visada. Sobretudo, a condição relativa à origem comunitária ou PHARE dos produtos objecto do concurso - que a proposta da Geotronics não respeitava, segundo a decisão impugnada - não fora prevista pela regulamentação comunitária, a única que à Comissão cabia aplicar, mas pelas condições de adjudicação estabelecidas pelas autoridades romenas.

55 As referidas particularidades do processo Geotronics não se verificavam, em contrapartida, nos processos ora em apreço, ainda que os acordos-quadro celebrados pela Comissão com a Federação Russa e com a Ucrânia tivessem instituído um sistema descentralizado que, em princípio, responde aos critérios resultantes da jurisprudência FED.

56 Em primeiro lugar, a Comissão não tinha, no caso em apreço, tomado iniciativas susceptíveis de «quebrar» a relação jurídica entre as sociedades adjudicatárias e os organismos de Estado encarregues de conduzir e finalizar as negociações para a adjudicação do contrato. Enquanto no processo Geotronics a carta da Comissão tinha sido enviada à própria sociedade, nos processos em apreço as decisões impugnadas tinham por destinatários os agentes financeiros das repúblicas visadas. Não tinha, portanto, havido, nos processos em litígio, qualquer decisão da Comissão que se tivesse substituído à das autoridades nacionais.

57 Além disso, a Comissão considera que a decisão de 1 de Abril de 1993 e a de 12 de Julho de 1993 são de natureza diferente da que tem por destinatário a Geotronics. As medidas impugnadas nos recursos não respeitavam, com efeito, a uma recusa de aprovação das propostas apresentadas pelas três sociedades no âmbito dos dois concursos, que se traduzisse pela sua exclusão desses processos. Tais medidas situavam-se num momento completamente diferente no que respeita à evolução dos factos, a saber, num momento posterior à adjudicação, à negociação e à celebração dos contratos de fornecimento com as autoridades competentes russas e ucranianas, respectivamente.

Esta distinção de ordem cronológica traduzia-se, segundo a Comissão, pelo diferente alcance dos meios de protecção jurisdicional existentes ao dispor das empresas recorrentes. Com efeito, como foi observado pelo advogado-geral G. Tesauro nas suas conclusões (34), a Geotronics não podia submeter o acto impugnado ao controlo de legalidade de qualquer instância jurisdicional que não o órgão jurisdicional comunitário, dado que, no âmbito dos contratos financiados pelo programa PHARE, o proponente excluído da adjudicação não dispõe de qualquer direito a recorrer a um processo arbitral ad hoc. Não seria esse o caso da Dreyfus, da Continentale e da Glencore. Apesar da inadmissibilidade dos respectivos recursos de anulação que apresentaram ao órgão jurisdicional comunitário, as recorrentes tinham sempre a possibilidade de invocar a cláusula compromissória prevista nos contratos de fornecimento para qualquer litígio relativo à sua interpretação e à sua execução (35), iniciando o processo previsto para obter do tribunal arbitral da Câmara de Comércio e de Indústria de Moscovo (ou do seu homólogo de Kiev) uma sentença declaratória quanto à obrigação da Exportkhleb (ou, respectivamente, da Ukrimpex) de pagar o preço nas condições acordadas.

Análise jurídica

i) A questão prévia de inadmissibilidade suscitada a propósito dos recursos

58 A questão prévia de inadmissibilidade dos recursos suscitada pela Comissão no Tribunal de Justiça (v. n._ 34, supra) deve, em minha opinião, ser rejeitada.

O artigo 51._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça impõe a rejeição, por inadmissível, de qualquer fundamento de recurso que se limite a contestar a apreciação da matéria de facto feita pelo Tribunal de Primeira Instância (36). Porém, o Tribunal de Justiça é, decerto, competente para exercer o controlo que lhe é confiado pelo artigo 168._-A do Tratado quando o Tribunal de Primeira Instância, tendo constatado e apreciado a matéria de facto do processo, qualificou a sua natureza jurídica e daí retirou consequências de direito (37). Se é verdade que, no seu recurso, a recorrente deve acusar o Tribunal de Primeira Instância de ter aplicado erradamente as normas de direito cujo respeito devia assegurar, não é menos verdade que tal aplicação errada pode resultar de uma deficiente qualificação dos factos (38).

Ora, é precisamente essa que me parece ser a substância das pretensas violações do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado e da exigência geral de fundamentação, invocadas pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore. Segundo as três sociedades, os erros que o Tribunal de Primeira Instância cometeu ao examinar o interesse de cada uma em obter a anulação da decisão de 1 de Abril de 1993 e da decisão de 12 de Julho de 1993 respeitavam - note-se bem - não aos factos considerados provados mas sim à apreciação jurídica que deles foi feita, que consideraram insuficiente e ilógica. De resto, na minha opinião, não se pode seriamente contestar que as recorrentes indicaram de modo preciso - como o deviam fazer, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (39) - os aspectos dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância que criticam, bem como os fundamentos de direito que sustentam especificamente o pedido de anulação desses acórdãos.

ii) O mérito dos recursos

59 Passando agora a abordar o mérito dos processos em apreço, creio dever recordar, antes de mais, o ensinamento do Tribunal de Justiça sobre o carácter directo do interesse que o acto impugnado deve ter para o recorrente, no âmbito do artigo 173._ do Tratado.

O mecanismo instituído por esta disposição tem por efeito que, «em cada caso concreto de comportamento ilegal, se torne possível uma protecção jurídica eficaz dos interesses assim afectados» (40). Em especial, o quarto parágrafo (anteriormente segundo parágrafo) do artigo 173._ do Tratado «tem por objectivo assegurar a protecção jurídica dos particulares em todos os casos em que, não sendo destinatários de uma decisão, sejam afectados por um acto comunitário, que, independentemente das aparências, lhes diga directa e individualmente respeito» (41). Além disso, dado que, por um lado, «A letra e o sentido gramatical da referida disposição justificam a interpretação mais ampla» e que, por outro lado, «... as disposições do Tratado relativas ao direito de acção dos particulares não podem ser interpretadas restritivamente», o artigo 173._, quarto parágrafo - como o Tribunal de Justiça declarou -, não pode, no silêncio do Tratado, ser interpretado de modo restritivo (42).

60 Segundo a orientação do Tribunal de Justiça, é essencial «indagar se o acto comunitário impugnado é imediatamente executório, ou seja, se dele decorrem automaticamente efeitos para os particulares ou se entre um e outros se interpõe a intervenção de uma outra entidade - designadamente os Estados-Membros - dotada de um qualquer poder de livre apreciação» (43).

Como é sabido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de interesse directo, depois de ter seguido uma orientação inicial mais formal, foi-se alinhando, com o passar dos anos e cada vez mais claramente, pelas definições da doutrina «que deixa espaço não só para um efeito formal directo mas também para um efeito material directo, que uma decisão [impugnada] produz sobre uma pessoa. A definição desta última noção fala de interesse material directo de um interessado quando um acto de uma instituição comunitária necessita, é certo, de uma medida de execução nacional complementar, mas quando é possível prever com certeza ou com forte probabilidade que a medida de execução afectará a recorrente e o modo como a afectará... delineou-se assim, progressivamente, na jurisprudência, no que respeita à exigência de um interesse directo, uma repartição racional das tarefas, no âmbito da qual o Tribunal de Justiça é directamente competente quando as consequências jurídicas para os interessados e a sua identidade podem ser deduzidas da decisão com certeza ou com forte probabilidade, sendo o órgão jurisdicional nacional competente, em primeiro lugar, quando não seja esse o caso» (44).

61 O processo Piraiki-Patraiki e o./Comissão (45) reveste particular importância para efeitos das presentes conclusões. O Tribunal de Justiça considerou, nesse processo, que o acto impugnado - a saber, a decisão pela qual a Comissão tinha autorizado a República Francesa a adoptar um regime geral de quotas para a importação de fio de algodão proveniente da Grécia - dizia directamente respeito às empresas recorrentes (a saber, a Piraiki-Patraiki e as outras principais empresas gregas produtoras de algodão e exportadoras dos produtos em causa para França) na acepção do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, embora, nesse caso, fosse simplesmente possível (e não certo) que o Estado-Membro destinatário da decisão em causa adoptasse medidas susceptíveis de prejudicar as empresas recorrentes.

Depois de ter junto ao mérito a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão (46), o Tribunal de Justiça observou, nesse acórdão, que a circunstância de a França permanecer livre de adoptar ou não o regime geral das quotas de importação autorizado «não basta para excluir que a referida decisão dissesse directamente respeito às recorrentes, uma vez que outros factores permitiam concluir pela existência, na sua esfera jurídica, de um interesse directo no recurso» (47).

Os «outros factores» recordados pelo Tribunal de Justiça eram os seguintes: i) mesmo antes de a isso ter sido autorizada pela Comissão, a República Francesa tinha instituído um regime muito restritivo para as licenças de importação de fio de algodão de origem grega; ii) o pedido de medidas de salvaguarda provinha das próprias autoridades francesas e iii) este pedido visava obter da Comissão uma autorização para um regime de quotas de importação mais severo do que o que acabou por ser permitido pela decisão impugnada (48).

O Tribunal de Justiça considerou que, na presença de tais factores, era portanto legítimo esperar que a República Francesa adoptasse efectivamente o regime autorizado pela decisão objecto do recurso dos exportadores gregos de algodão. O Tribunal de Justiça concluiu, por conseguinte, que, «nestas condições, a possibilidade de a República Francesa decidir não aproveitar a faculdade que lhe foi concedida pela decisão da Comissão era puramente teórica, não havendo dúvidas quanto à vontade das autoridades francesas de aplicarem a decisão. Há pois que reconhecer que a decisão em litígio dizia directamente respeito às recorrentes» (49).

62 Esta abordagem do Tribunal de Justiça, baseada nos efeitos directos materiais do acto impugnado sobre a situação do recorrente, está marcada por um grande realismo (50). Diferente e mais formalista é, pelo contrário, a orientação acolhida pela jurisprudência FED. Pense-se na noção, que lhe está subjacente, de relação triangular entre Comissão, Estado beneficiário e empresas participantes nos concursos (51).

Como é sabido, o Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado que, no âmbito da cooperação técnico-financeira instituída pelas várias convenções de Lomé que se sucederam no tempo, os actos emanados da Comissão no decurso do processo de adjudicação ou de execução de um contrato financiado pelo FED e celebrado pelo Estado ACP associado não dizem directamente respeito às empresas proponentes. Segundo o Tribunal de Justiça, estes actos visam apenas verificar que as condições do financiamento estão preenchidas e que os procedimentos previstos são respeitados, e inscrevem-se exclusivamente no âmbito das relações entre a Comissão e o Estado em questão (52).

63 Como o advogado-geral G. Tesauro no processo Geotronics (53), abster-me-ei aqui de tomar posição sobre a correcção da orientação seguida pelo Tribunal de Justiça no âmbito da jurisprudência FED, em matéria de admissibilidade de recursos nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado (54).

Esta tomada de posição não é, de facto, necessária: os litígios ora submetidos à apreciação do Tribunal de Justiça inscrevem-se numa perspectiva completamente diferente da dos casos que foram objecto da jurisprudência FED. Como as recorrentes alegaram, os processos em apreço são, em substância, análogos ao que foi decidido pelo acórdão Geotronics.

64 Recorde-se que, nos processos relativos aos financiamentos FED, o acto do delegado da Comissão impugnado através de recurso directo para o Tribunal de Justiça era, conforme os casos, a aprovação da proposta de adjudicação do contrato elaborada pelo ordenante nacional do Estado beneficiário (55) ou a aposição do visto no contrato celebrado pelo ordenante (56).

A exclusão das empresas recorrentes do processo de adjudicação do contrato atribuído a empresas concorrentes estava portanto directamente ligada, pelo menos no plano formal, à decisão das autoridades nacionais do Estado ACP. O acto de aprovação ou o visto da Comissão não interferia, portanto, com a apreciação já feita, de modo autónomo, pelo Estado beneficiário do financiamento, não afectava a validade da celebração do contrato com a empresa adjudicatária e nem sequer prejudicava a sua execução.

65 Os princípios estabelecidos pela jurisprudência FED não podem, porém, ser transpostos para casos como o que foi decidido no acórdão Geotronics, como o Tribunal de Justiça precisou no n._ 13 desse acórdão (57).

Contrariamente aos casos objecto da jurisprudência FED, a recorrente no processo Geotronics tinha perdido toda e qualquer possibilidade real de lhe ser adjudicado o contrato, pela simples adopção, pela Comissão, da decisão impugnada (58).

66 Na minha opinião, há que aplicar um raciocínio análogo à análise da admissibilidade dos recursos feita pelo Tribunal de Primeira Instância, a qual está na origem dos presentes recursos: nas circunstâncias acima descritas, a eventual margem de apreciação mantida pelas autoridades russas e ucranianas competentes quanto à aplicação das decisões impugnadas devia ser examinada por referência à faculdade que essas autoridades continuavam a ter de executar os contratos, sem modificar as condições de preço contestadas pela Comissão, desde que, naturalmente, renunciassem ao financiamento comunitário que se tinha tornado indisponível.

É só no caso de esta faculdade existir que se pode legitimamente excluir que a decisão de 1 de Abril de 1993 e a decisão de 12 de Julho de 1993 digam respeito às recorrentes nos presentes processos.

Dito isto, há então que verificar se as medidas adoptadas pela Comissão puseram ou não em causa a apreciação já efectuada - no exercício das suas competências previstas e reguladas pelo Regulamento n._ 1897/92 e pelos acordos-quadro - pelas autoridades competentes da Federação Russa e da Ucrânia, de modo que, por si só, tornavam impossível, de facto ou de direito, a execução dos contratos de fornecimento, em conformidade com as condições acima indicadas.

67 Os acórdãos impugnados limitam-se a referir a este respeito - conforme já recordei nos n.os 23 e 24, supra - que as decisões através das quais a Comissão se recusou a financiar o pagamento dos contratos de fornecimento celebrados pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore, respectivamente, com a Exportkhleb e com a Ukrimpex, não afectaram a validade dos contratos em questão.

O Tribunal de Primeira Instância parece ter considerado que, em consequência, os organismos compradores continuavam verdadeiramente obrigados a cumprir esses contratos, em conformidade com os respectivos preços de venda acordados com os fornecedores: a decisão das autoridades nacionais (relativa à adequação económico-comercial global de cada um dos regimes contratuais) não foi substituída pela da Comissão (relativa à compatibilidade dos contratos com as condições regulamentares do financiamento).

68 Ora, parece-me que, mesmo que se queira seguir a análise do Tribunal de Primeira Instância, baseada numa abordagem puramente tecnico-jurídica, não é de todo certo que os dois actos de recusa da Comissão não tenham afectado os direitos e obrigações decorrentes, para cada uma das partes, dos contratos de fornecimento.

É verdade que, por efeito da cláusula compromissória inserida nos contratos em causa (59), esta questão é, com toda a probabilidade, da competência dos tribunais arbitrais das Câmaras de Comércio e de Indústria de Moscovo e de Kiev. Porém, bastará recordar aqui que, com base no que foi acordado entre as diferentes partes, os efeitos dos contratos de fornecimento visados nos presentes recursos estavam subordinados à condição suspensiva do reconhecimento, pela Comissão, da conformidade dos próprios contratos e dos créditos documentários emitidos pelo VEB e pelo SEIB (segundo ordens, respectivamente, da Exportkhleb e da Ukrimpex) em aplicação dos ditos contratos. Em particular, nenhum pagamento podia ser executado sem que o banco designado no contrato de fornecimento tivesse recebido um compromisso de reembolso regular emitido pela Comissão (mais precisamente, pelo seu banco «manager») (60).

As sociedades recorrentes explicaram, de resto, de modo persuasivo, em minha opinião, que - depois de terem devidamente constituído os organismos compradores em mora (v. n._ 35, supra) - tinham renunciado a qualquer iniciativa, junto dos órgãos arbitrais competentes, para concretizar as suas pretensões no que respeita à execução dos contratos, precisamente, porque estavam conscientes de que as referidas pretensões eram manifestamente infundadas, atendendo à redacção clara da condição suspensiva.

69 O Tribunal de Primeira Instância não atribuiu qualquer importância às considerações anteriores, baseando-se no critério já referido - afirmado nos acórdãos objecto de recurso -, segundo o qual a admissibilidade dos recursos interpostos pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore não podia depender da vontade das partes nos diferentes contratos de fornecimento. Estas não podiam estabelecer, para esse efeito, qualquer nexo entre o acto jurídico por si celebrado e a decisão futura da Comissão sobre a conformidade do contrato com as condições fixadas para o financiamento comunitário.

Pela minha parte, abstenho-me de examinar a exactidão desse critério. De qualquer modo, é muito improvável que se possa aplicar aos processos em apreço. Com efeito, há que ter presente a circunstância de que, entre os contratos de fornecimento celebrados pela Federação Russa e pela Ucrânia «a jusante» com as sociedades recorrentes e os contratos de mútuo celebrados pelas duas repúblicas «a montante» com a Comissão, havia - abstraindo da sua formalização expressa através da condição suspensiva - um nexo socio-económico incontestável e objectivo, conhecido de cada um dos actores da relação triangular já referida.

Em minha opinião, não se pode, com efeito, negar que as duas partes em cada um dos contratos de fornecimento - e, em especial, os vendedores, operadores económicos experientes, que bem conheciam os problemas urgentes de insolvência das repúblicas compradoras, atingidas por graves crises financeiras, como se indica claramente nos considerandos da Decisão 91/658 (v. nota 7, supra) - foram levadas a obrigar-se para com os seus co-contratantes devido apenas à concessão quase simultânea (61) dos empréstimos às repúblicas em causa pela Comunidade.

De resto, como as recorrentes observaram, são precisamente as modalidades concretas de funcionamento do mecanismo de pagamento instituído pelos acordos-quadro que demonstram, sem qualquer ambiguidade, que os contratos de fornecimento pressupunham, em termos económicos, a concessão dos empréstimos comunitários às duas repúblicas, para efeitos de execução da obrigação de pagamento das mercadorias entregues.

Com base nas considerações anteriores (v. n.os 8 a 14), observo que, no âmbito dos dois empréstimos de urgência concedidos pela Comunidade à Federação Russa e à Ucrânia, a emissão dos créditos documentários pelos respectivos agentes financeiros das duas repúblicas não bastava necessariamente para garantir às empresas adjudicatárias a segurança do pagamento das mercadorias fornecidas, nem ao banco correspondente do VEB ou do SEIB - agindo como banco confirmante a pedido da empresa adjudicatária (62) - a certeza do reembolso dos montantes avançados. A garantia de obter a execução pelo comprador, representada pelo crédito documentário, tem, com efeito, em princípio, valor igual ao crédito do banco emissor. Por outro lado, o mínimo que se pode dizer do crédito de que gozavam o VEB e o SEIB, no momento dos factos, é que era modesto (63).

A certeza, para os fornecedores, de receber o pagamento completo e atempado da contraprestação decorria - desde que os contratos comerciais fossem reconhecidos como conformes com a regulamentação comunitária aplicável - das obrigações assumidas, por seu turno, pela Comunidade (na sua qualidade de mutuante) para com o VEB e o SEIB. Com efeito, a cobertura assegurada pela Comissão aos créditos irrevogáveis abertos por esses bancos oferecia uma garantia evidente: uma garantia, acrescente-se, em tudo análoga à que, na prática do comércio internacional, decorre da confirmação de um crédito documentário por outro banco que goze de melhor reputação.

O que importa, portanto, no caso em apreço, não é a condição suspensiva estabelecida pelas partes mas sim a subordinação económica objectiva dos contratos de fornecimento aos contratos de empréstimo que aqueles pressupunham. A inserção da condição suspensiva nos contratos limitava-se a reflecti-la (64).

70 Dito isto, entendo que - nomeadamente à luz dos problemas de competência levantados pela Comissão (v. n.os 35 e 68, supra) - não é aqui necessário nem permitido aprofundar mais a questão de saber se a situação jurídica das entidades compradoras russas e ucranianas, relativamente à execução dos contratos celebrados com as recorrentes, se pode qualificar de verdadeira obrigação.

De resto, segundo a análise feita pelo Tribunal de Primeira Instância para afastar a admissibilidade dos recursos - por falta de interesse directo da Dreyfus, da Continentale e da Glencore -, basta observar que a Exportkhleb e a Ukrimpex conservavam certamente, pelo menos no plano formal, a faculdade de renunciar ao financiamento comunitário e de executar os contratos de fornecimento em conformidade com as condições de preço contestadas pela Comissão.

Tal tese - já rejeitada, aliás, pelo Tribunal de Justiça, no processo Geotronics (65) - deve, todavia, ser também afastada. Com efeito, mais não é, em minha opinião, do que um exercício estéril de formalismo jurídico, e isto pelas razões que passo a indicar.

Ainda que a Federação Russa e a Ucrânia - ou seja, os destinatários (através dos seus agentes financeiros) das decisões impugnadas - tivessem disposto directamente dos meios financeiros para fazer face aos compromissos de compra celebrados com as três sociedades (ou de fontes de financiamento alternativas, ainda que menos favoráveis que as fontes comunitárias), é impensável que as duas repúblicas tivessem tido interesse em cumprir os contratos celebrados com a Dreyfus, a Continentale e a Glencore, à custa de renunciarem à concessão do empréstimo comunitário em medida correspondente. Isto é tanto mais verdade quanto os cereais objecto desses contratos são um bem homogéneo e indiferenciado. As repúblicas compradoras teriam podido obtê-lo facilmente - ainda que com alguns atrasos previsíveis nas entregas - junto das grandes sociedades de trading concorrentes, em conformidade com as condições contratuais aprovadas pela Comissão.

De qualquer modo, passando do plano das reflexões especulativas ao dos factos, as circunstâncias descritas nos acórdãos impugnados demonstram que a Federação Russa e a Ucrânia não dispunham directamente desses recursos (66). No plano do mérito, esta circunstância não é, de resto, contestada pela Comissão.

Há, portanto, que concluir o seguinte: a pretensa faculdade (embora a questão não se alterasse se se preferisse chamar-lhe obrigação) de as autoridades russas e ucranianas executarem os contratos em conformidade com as condições acordadas, renunciando ao financiamento comunitário, deve considerar-se puramente teórica, tal como, no processo Geotronics, o foi a possibilidade de as autoridades romenas adjudicarem o contrato em questão à sociedade recorrente, apesar da decisão de exclusão adoptada pela Comissão.

Com base nos factores já recordados, a vontade de as autoridades das duas repúblicas se conformarem com as decisões impugnadas, abstendo-se de pagar os preços de venda respectivos que a Comissão tinha considerado incompatíveis com as condições de financiamento, não levantava - para me servir da fórmula utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão, acima discutido (v. n._ 61) - «qualquer dúvida» ou era, pelo menos, altamente provável.

71 As decisões de não aprovar, respectivamente, os aditamentos aos contratos de fornecimento celebrados entre a Exportkhleb e as três sociedades recorrentes e o contrato celebrado entre a Ukrimpex e a Glencore foram adoptadas pela Comissão no exercício das suas competências (tais como previstas e regulamentadas pelos artigos 4._ e 5._ do Regulamento n._ 1897/92, que, por sua vez, se baseia na Decisão 91/658) e privaram a Dreyfus, a Continentale e a Glencore (com ou sem razão, não é isso que importa agora) de qualquer possibilidade efectiva de executar os contratos de fornecimento que lhes tinham sido respectivamente adjudicados.

As decisões da Comissão substituíram-se, assim, em substância, às das autoridades nacionais competentes, produzindo efeitos jurídicos obrigatórios nas respectivas esferas das três sociedades, as quais têm, portanto, interesse directo em interpor o seu recurso para obter a anulação das mesmas.

72 Esta conclusão parece-me perfeitamente conforme com o acórdão Geotronics, várias vezes mencionado (v. n._ 46, supra). Com efeito, a circunstância de, nos processos em apreço, a Comissão ter adoptado as decisões impugnadas pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore na sequência (e não, como no acórdão Geotronics, antes) da adjudicação, da negociação e da celebração dos contratos de fornecimento pelas autoridades nacionais competentes não conduz, de modo algum - com pretende, pelo contrário, a Comissão (v. n._ 57, supra) -, à impossibilidade jurídica de as três sociedades invocarem os meios de protecção jurisdicional previstos pela ordem jurídica comunitária.

É certo que a Dreyfus, a Continentale e a Glencore podiam invocar a cláusula compromissória prevista nos contratos de fornecimento, para obter, eventualmente, uma sentença arbitral declaratória da existência do incumprimento de uma obrigação contratual pela Exportkhleb (ou, respectivamente, pela Ukrimpex). O tribunal arbitral da Câmara de Comércio e de Indústria de Moscovo (ou o seu homólogo de Kiev) era, porém, manifestamente incompetente para conhecer da compatibilidade da decisão de 1 de Abril de 1993 e da decisão de 12 de Julho de 1993 com as disposições (contidas na Decisão 91/658 e no Regulamento n._ 1897/92) que regiam o poder de reconhecimento, atribuído à Comissão, da conformidade dos contratos comerciais e dos créditos documentários abertos para o pagamento dos fornecimentos em questão. Tal como no processo Geotronics, as recorrentes não podiam submeter as decisões impugnadas ao controlo de legalidade de uma instância jurisdicional que não o órgão jurisdicional comunitário.

73 Por último, é verdade que, no processo Geotronics, a inadmissibilidade dos recursos suscitada pela Comissão, que o Tribunal de Primeira Instância entendeu dever acolher, tinha um objecto diferente dos quatro processos ora em apreço no Tribunal de Justiça.

No processo Geotronics, era a própria natureza da carta enviada pela Comissão à Geotronics que estava em causa, ou seja, a possibilidade de qualificar esse acto como susceptível de ser objecto de um recurso de anulação, na medida em que se destinava a produzir efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da empresa participante no concurso (67). Este aspecto não é, em contrapartida, contestado nos processos em apreço e (à excepção do processo T-509/93) também não o foi perante o Tribunal de Primeira Instância (68).

A Comissão limitou-se, no âmbito das questões prévias de inadmissibilidade acolhidas pelos acórdãos de 24 de Setembro de 1996, a contestar que a decisão de 1 de Abril de 1993 e a decisão de 12 de Julho de 1993 - que tinham por destinatários, respectivamente, o VEB e o SEIB - dissessem directamente respeito às sociedades recorrentes (69). No acórdão Geotronics, pelo contrário, o Tribunal de Justiça, após ter qualificado a decisão adoptada como acto recorrível, não teve de controlar se a recorrente tinha um interesse directo (e individual), pois a carta da Comissão, enviada por fax, de que a Geotronics era formalmente destinatária, tinha sido qualificada de decisão tomada a seu respeito, para efeitos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado (70).

Porém, esta diferença de circunstâncias também não pode ter efeitos desfavoráveis em termos de admissibilidade dos recursos das ora recorrentes, pelas razões atrás expostas.

De resto, como se indica claramente no quarto parágrafo do artigo 173._, no sistema de protecção jurisdicional instituído pelo Tratado, os particulares têm o direito (ainda que condicionado) de impugnar num recurso directo as decisões tomadas (formalmente) em relação a outras pessoas. Tais decisões devem ser consideradas como dizendo respeito, de modo análogo, não só aos destinatários mas a outra pessoa, que as impugna invocando um interesse individual e directo (71). Como já recordei antes (v. n._ 59), a disposição em questão tem, precisamente, por objectivo evitar que as instituições comunitárias possam excluir ou limitar os recursos dos particulares através da escolha da forma dos actos que adoptam e precisar que a escolha dessa forma não é susceptível de modificar a natureza do acto (72).

Suponhamos, por hipótese, que - mantendo-se inalteradas todas as outras circunstâncias - os destinatários formais da decisão de 1 de Abril de 1993 e da de 12 de Julho de 1993 eram as recorrentes nos processos em apreço. As decisões em questão podiam, nesse caso, segundo as condições estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Geotronics, ser objecto de um recurso de anulação por parte das três sociedades.

Sendo esse o caso, não entendo como se possa chegar a uma solução diferente pela simples razão de, nos casos ora submetidos ao Tribunal de Justiça, a Comissão ter decidido que os destinatários dos actos impugnados não eram a Dreyfus, a Continentale e a Glencore, mas sim, respectivamente, os agentes financeiros da Federação Russa e da Ucrânia.

74 Nos termos do artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, «Quando o recurso for procedente, o Tribunal de Justiça anulará a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, julgar definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para julgamento.»

As decisões sobre o mérito nos litígios submetidos ao Tribunal de Justiça exigem, inevitavelmente, o apuramento de matéria de facto, para efeitos da apreciação dos fundamentos inicialmente apresentados pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore, que o Tribunal de Primeira Instância ainda não teve ocasião de examinar nos seus acórdãos interlocutórios de 24 de Setembro de 1996. Além disso e sobretudo, os pedidos de indemnização apresentados pela Dreyfus e pela Glencore nos termos dos artigos 178._ e 215._, segundo parágrafo, do Tratado encontram-se ainda pendentes, no Tribunal de Primeira Instância, nos processos T-485/93 e T-491/93. Estas considerações levam-me a propor a remessa dos presentes processos ao Tribunal de Primeira Instância.

Conclusões

À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça:

- que anule os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Setembro de 1996, nos processos T-485/93, T-491/93, T-494/93, e T-509/93, na parte em que declararam inadmissíveis os recursos interpostos, respectivamente, por Louis Dreyfus & Cie, Compagnie Continentale (France) SA e Glencore Grain Ltd (anteriormente Richco Commodities Ltd), com vista a obterem a anulação da decisão de 1 de Abril de 1993, e por Glencore, com vista a obter a anulação da decisão de 12 de Julho de 1993, e que declare esses recursos admissíveis; e

- que remeta os presentes processos ao Tribunal de Primeira Instância.

(1) - V. acórdão de 22 de Abril de 1997 (C-395/95 P, Colect., p. I-2271).

(2) - V. acórdãos de 24 de Setembro de 1996, Dreyfus/Comissão (T-485/93, Colect., p. II-1101), Richco/Comissão (T-491/93, Colect., p. II-1131), e Compagnie Continentale/Comissão (T-494/93, Colect., p. II-1157).

(3) - Através desta decisão - contida numa carta enviada pelo membro da Comissão encarregue das questões agrícolas ao agente financeiro da Federação Russa -, a Comissão recusou-se a reconhecer como conformes com a regulamentação comunitária pertinente as modificações introduzidas nos contratos de compra e venda já celebrados pela Dreyfus, pela Continentale e pela Glencore com a sociedade de Estado encarregue pela Federação Russa da adjudicação de um concurso para fornecimento de trigo (v. n.os 15 a 20, infra).

(4) - V. acórdão de 24 de Setembro de 1996, Richco/Comissão (T-509/93, Colect., p. II-1181). A segunda decisão impugnada pela Glencore estava contida numa carta que, no contexto da concessão de um empréstimo a médio prazo à Ucrânia pela Comunidade, o membro da Comissão encarregue das questões agrícolas tinha enviado ao agente financeiro da república mutuária. Através da decisão em questão, a Comissão recusou-se a reconhecer como conforme com a regulamentação comunitária aplicável o contrato de fornecimento de trigo já celebrado pelo agente mandatado para esse efeito pela Ucrânia com a Glencore, na qualidade de empresa adjudicatária (v. n._ 21, infra).

(5) - V. acórdãos referidos nas notas 2 e 4.

(6) - V. Espino Morcillo, A.; Kollias, S.: «Emprunts», in C. Gavalda-R. Kovar (dir.), Répertoire de droit communautaire, Paris, 1992 (edição de folhas soltas, Janeiro de 1993), tomo II, parágrafos 51 a 67.

(7) - Decisão de 16 de Dezembro de 1991 relativa à concessão de um empréstimo a médio prazo à União Soviética e suas repúblicas (JO L 362, p. 89). Através desta decisão, o Conselho adoptou a proposta apresentada no mês anterior pela Comissão, nomeadamente na sua qualidade de instituição coordenadora do grupo dos 24 países industrializados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos [v. proposta da Comissão, de 8 de Novembro de 1991, de uma decisão do Conselho relativa à concessão de um empréstimo a médio prazo à União Soviética e suas repúblicas, COM(91) 443 final, JO C 320, p. 3].

(8) - Regulamento de 9 de Julho de 1992 que estabelece normas de execução relativas à concessão de um empréstimo a médio prazo à União Soviética e suas repúblicas previstas na Decisão 91/658/CEE (JO L 191, p. 22).

(9) - Como se sabe, o crédito documentário é o meio de pagamento tradicionalmente utilizado nos contratos de venda internacional, uma vez que a sua estrutura permite reduzir os riscos normalmente inerentes a este tipo de operações comerciais. O esquema do crédito documentário, na sua forma mais simples, centra-se no pedido que o cliente (ou seja, o comprador de certos bens ou serviços) apresenta ao banco por si escolhido (chamado banco emissor): i) para abrir um crédito documentário em favor do beneficiário (ou seja, o vendedor ou prestador) e ii) para proceder ao pagamento do montante correspondente, mediante apresentação atempada ao banco emissor (ou ao seu agente), pelo beneficiário (ou pelo seu banco, na qualidade de agente), dos documentos justificativos indicados pelo cliente na carta de crédito. Quando os documentos aceites pelo banco emissor são conformes com os termos e condições do crédito, o cliente obriga-se a reembolsar o banco não só do montante avançado ao beneficiário como também das comissões e eventuais juros. Observe-se que a obrigação assumida pelo banco emissor relativamente ao beneficiário é independente do contrato de venda celebrado entre este último e o cliente; consequentemente (à excepção do caso do crédito revogável adiante referido), o banco é obrigado a pagar o montante indicado pelo cliente, depois de verificar a conformidade dos documentos apresentados com os termos e condições do crédito e a tempestividade e regularidade da respectiva apresentação, sem que possa suscitar qualquer excepção no que respeita à relação subjacente. Além disso, na forma mais comum do crédito documentário, o banco emissor encarrega outro banco (normalmente, um banco correspondente do banco emissor no país do beneficiário) de «notificar o crédito»: em tal caso, o banco do beneficiário paga a este último o preço, na qualidade de agente do banco emissor, mediante apresentação dos documentos. O banco encarregue de notificar o crédito não assume, porém, qualquer obrigação relativamente ao beneficiário. Todavia, o fornecedor que pretenda reduzir o risco de não cumprimento da promessa feita pelo comprador pode exigir que o crédito documentário aberto pelo cliente seja «confirmado» por um banco do seu país. O chamado banco «confirmante» obriga-se então, de modo autónomo, perante o beneficiário, acrescentando ao do banco emissor o seu próprio compromisso de efectuar o pagamento exigido pelo comprador, na única condição de os documentos apresentados serem conformes com os indicados na carta de crédito. Por fim, enquanto o crédito documentário irrevogável - em que o banco emissor é directamente obrigado a efectuar o pagamento exigido, bastando para isso apenas que os documentos apresentados pelo beneficiário sejam conformes com os indicados na carta de crédito - é muito comum na prática comercial, fala-se de crédito documentário revogável quando o banco emissor não assume qualquer obrigação relativamente ao beneficiário, podendo recusar o pagamento (por exemplo, por considerar que a situação financeira do cliente se degradou posteriormente à abertura do crédito). Aliás, esta última forma de crédito documentário quase não é, por razões óbvias, utilizada na prática comercial (v. Giamperi, A.: «Il credito documentario», Nuova giur. civ. commentata, 1992, II, p. 318, em especial, pp. 318 e 319, e Jack, R.: Documentary Credits, Londres-Dublim-Edimburgo, 1991, pp. 1 a 24).

(10) - O mecanismo de crédito documentário irrevogável previsto pelos contratos de empréstimo que a Comissão celebrou com o VEB e com o SEIB (v. n.os 9 e 10, infra) era conforme com as «regras e usos uniformes relativos aos créditos documentários», elaborados pela Câmara de Comércio Internacional de Paris (Revisão de 1983, publicação ICC n._ 400) e adoptados pela Comunidade como modelo standard de crédito documentário para uso dos bancos emissores.

(11) - Nos termos do artigo 2._ da Decisão 91/658, a Comissão celebrou, em 15 de Janeiro de 1993, em nome da Comunidade, como mutuária, um contrato de mútuo com um consórcio de bancos liderados pelo Crédit Lyonnais, destinado expressamente ao financiamento do empréstimo concedido à Federação da Rússia. Nos termos desse contrato, a Comunidade tinha acesso ao crédito que lhe era concedido pelos bancos mutuantes sob a forma de adiantamentos pagos mediante emissão de notas de saque. Dada a relação existente entre o contrato em questão e o financiamento concedido ao VEB, o contrato de mútuo de 15 de Janeiro de 1993 previa, precisamente, que a Comissão, no momento da emissão de uma nota de saque, podia dar instruções específicas ao Crédit Lyonnais no sentido de transferir o montante em causa directamente para contas bancárias que não as da Comunidade (tais como as do banco confirmante ou encarregue de notificar o crédito, ou do banco emissor).

(12) - V. n._ 5.1, alínea b), dos contratos de empréstimo celebrados pela Comissão, respectivamente, com o VEB e com a Ucrânia e o SEIB.

(13) - A nota de confirmação, que incluía as menções obrigatórias que deviam figurar em todos os documentos seguintes - incluindo os créditos documentários -, era enviada pela Comissão ao VEB ou ao SEIB, com cópia ao banco (o chamado «manager») encarregue pela Comissão da gestão dos processos de pagamento.

(14) - Através do compromisso de reembolso, enviado com uma carta de acompanhamento do banco «manager», a Comissão obrigava-se a honrar o compromisso do banco emissor, a pedido do banco confirmante ou encarregue de notificar o crédito, designado pelo fornecedor. Este banco, após receber o compromisso de reembolso, enviava um pedido de reembolso ao banco «manager», que procedia ao pagamento, em ecus, do montante autorizado, num prazo de três dias.

(15) - V. também artigos 4._, n._ 2, e 5._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 1897/92, nos termos dos quais o reconhecimento pela Comissão dos contratos de fornecimento celebrados pelas repúblicas em questão estava sujeito, nomeadamente, à dupla condição de: i) os contratos serem adjudicados «na sequência de um processo que garanta a livre concorrência» (incluindo a apresentação de pelo menos três propostas) e ii) apresentarem «as condições de aquisição mais favoráveis em relação ao preço normalmente obtido nos mercados internacionais».

(16) - Através dos créditos documentários por si abertos, os agentes financeiros da Federação Russa e da Ucrânia pediram ao banco seu correspondente no país do fornecedor para notificar o crédito em questão, autorizando-o a acrescentar - através de uma confirmação - uma obrigação independente de pagamento, se o beneficiário assim o exigisse. Foi enviada uma cópia das cartas de crédito emitidas pelo VEB e pelo SEIB aos serviços da Comissão e ao banco «manager» para verificação da conformidade das menções obrigatórias (v. nota 13, supra). O banco «manager» informou, por seu lado, o banco confirmante ou encarregue de notificar o crédito de que o pagamento só seria efectuado após recepção, pela Comissão, de um pedido de desembolso do VEB ou do SEIB.

(17) - Nos termos do n._ 1 dos contratos de fornecimento celebrados pela Exportkhleb: «O presente contrato está sujeito à aprovação das autoridades CEE e ao acordo bancário entre o agente financeiro da Federação Russa e o das autoridades CEE [This contract is concluded subject to approval of EES (rectius, EEC) authorities and the bank agreement between authorised bank of Russian Federation and the bank authorised by the EEC authorities]». Além disso, o n._ 4 dos contratos referidos, sob a epígrafe «Pagamento», dispunha: «O presente contrato fica sujeito à recepção pelo banco notificador em causa de um compromisso adequado proveniente do titular da conta de garantia (banco aceite pela CEE) [This contract is subject to receit (sic) by the relevant advising bank of an appropriate undertaking from the cover account holder (Bank authorised by EEC]». Do mesmo modo, nos termos do contrato de fornecimento celebrado pela Ukrimpex e pela Glencore, cabia ao agente da Ucrânia «obter todos os acordos necessários, designadamente o reconhecimento do contrato pela Comissão das Comunidades Europeias (to obtain all necessary agreements such as approval of the relating contract by the Commission of the European Communities)». Quanto ao pagamento correspondente a cada carregamento das mercadorias contratuais, o contrato previa que seria efectuado «em conformidade com os termos de um contrato de mútuo CEE (in accordance with the terms of an EEC Loan Agreement)».

(18) - V., por exemplo, o n._ 11 do chamado acordo-tipo Eurgrain 2, que a Exportkhleb celebrou com as diferentes empresas adjudicatárias ao mesmo tempo que os contratos de fornecimento, e que foi expressamente previsto no n._ 6 desses contratos.

(19) - Nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, «Qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas condições [que as aplicáveis aos recursos interpostos por um Estado-Membro, pelo Conselho ou pela Comissão], recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito» (sublinhado meu). Tal como o Tribunal de Primeira Instância observou, as questões prévias de inadmissibilidade suscitadas pela Comissão não tinham, porém, por objecto a falta de um interesse individual das recorrentes (v. acórdãos de 24 de Setembro de 1996, T-485/93, n._ 48, T-491/93, n._ 49, T-494/93, n._ 49, e T-509/93, n._ 41, já referidos nas notas 2 e 4).Observe-se que, só no processo T-509/93, é que a Comissão tinha apresentado, em apoio da sua questão prévia de inadmissibilidade, um segundo fundamento, que o Tribunal de Primeira Instância, todavia, rejeitou, baseado na pretensa inexistência de um acto recorrível. O Tribunal de Primeira Instância declarou que, embora o contrato de mútuo entre a Comunidade, a Ucrânia e o SEIB - regido, por vontade das partes contratantes, pelo direito inglês - contivesse um pacto atributivo de jurisdição (não exclusivo) em favor dos tribunais ingleses, o órgão jurisdicional comunitário continua competente para conhecer do recurso de anulação interposto do acto pelo qual a Comissão recusou o reconhecimento de conformidade de um contrato com as condições do financiamento comunitário, porquanto esse acto produz efeitos jurídicos relativamente ao SEIB, na medida em que o priva do direito de emitir um pedido de desembolso do empréstimo. A decisão de 12 de Julho de 1993 é portanto abrangida pela noção de «acto recorrível», na acepção do artigo 173._ do Tratado (v. acórdão de 24 de Setembro de 1996, já referido na nota 4, n.os 26 a 28). V. também a nota 26, infra.

(20) - V. acórdãos de 24 de Setembro de 1996, T-485/93 (n.os 48 a 55), T-491/93 (n.os 49 a 57), T-494/93 (n.os 49 a 57) e T-509/93 (n.os 41 a 49), já referidos nas notas 2 e 4.

(21) - V. acórdãos de 24 de Setembro de 1996, T-485/93 (n.os 65 a 75) e T-491/93 (n.os 62 a 67), já referidos na nota 2. O Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão, que já tinha suscitado a questão prévia de inadmissibilidade dos pedidos de reparação dos danos apresentados pela Dreyfus e pela Glencore, não conseguiu provar que a apresentação desses pedidos consubstanciava um desvio de processo, por os referidos pedidos visarem, na realidade, a revogação de uma decisão que se tornara definitiva. Na opinião do Tribunal de Primeira Instância, isto era particularmente evidente quanto ao pedido da Dreyfus que visava a reparação do dano moral, pois esse pedido assentava num alegado comportamento da Comissão que era distinto do acto cuja anulação a sociedade simultaneamente pedia.

(22) - Assim, para comodidade da exposição, na análise que se segue, resumi os fundamentos de recurso comuns - de resto, praticamente idênticos no essencial - apresentados pelas diferentes recorrentes, atribuindo-lhos indistintamente, abstraindo das diferenças formais quanto à apresentação e ao desenvolvimento desses argumentos nos actos processuais referentes aos quatro processos.

(23) - V. nota 17, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(24) - Do mesmo modo, no processo T-509/93, o Tribunal de Primeira Instância, embora tenha observado que, através da decisão de 12 de Julho de 1993, «a Comissão informou oficialmente o SEIB da sua recusa em aprovar o contrato que lhe fora submetido», considerou que a medida impugnada não se substituiu a uma decisão das autoridades nacionais ucranianas.

(25) - V. interpelação de 6 de Abril de 1993 relativa ao pagamento do preço mais elevado acordado, enviada por fax à Exportkhleb, na qual a Dreyfus afirmou: «Compreenderão decerto que consideramos ter convosco um contrato firme... e que devemos insistir para que cumpram as obrigações decorrentes do contrato» (tradução livre).

(26) - Na audiência, os representantes da Comissão chegaram mesmo a declarar que também eram inadmissíveis, por falta de acto recorrível, os recursos de anulação da decisão de 1 de Abril de 1993 e da de 12 de Julho de 1993, que, por hipótese, tivessem sido interpostos no órgão jurisdicional comunitário pelos próprios destinatários, ou seja, a Exportkhleb e a Ukrimpex (sendo certo que estes organismos podem recorrer ao órgão jurisdicional nacional competente, nomeadamente, o foro inglês, através de uma acção de incumprimento do contrato de mútuo em causa). Porém, este argumento - tal como os representantes da Comissão expressamente admitiram - foi já rejeitado pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão proferido no processo T-509/93 (v. nota 19, supra) e não foi por acaso que a Comissão não o apresentou em nenhuma das fases escritas dos presentes processos.

(27) - V. despacho de 7 de Julho de 1994, Geotronics/Comissão (T-185/94 R, Colect., p. II-519).

(28) - V. acórdão de 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão (T-185/94, Colect., p. II-2795). O Tribunal de Primeira Instância também negou provimento, no mesmo acórdão, ao pedido de indemnização que a Geotronics simultaneamente apresentou, nos termos dos artigos 178._ e 215._ do Tratado.

(29) - Acórdão referido, n.os 27 a 35.

(30) - Conclusões de 30 de Janeiro de 1997 apresentadas no processo Geotronics/Comissão (C-395/95 P, Colect. 1997, p. I-2273).

(31) - V. acórdão de 22 de Abril de 1997 (já referido na nota 1, n._ 13). A jurisprudência FED tem por objecto os contratos públicos financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (a seguir «FED»), em conformidade com as disposições da Segunda Convenção de Associação entre a CEE e os Estados africanos e malgaxe, assinada em Iaundé, em 29 de Julho de 1969, ou das Primeira, Segunda e Terceira Convenções entre os Estados ACP e a Comunidade Europeia, assinadas em Lomé, respectivamente, em 28 de Fevereiro de 1975, 31 de Outubro de 1979 e 8 de Dezembro de 1984 (v. os acórdãos de 10 de Julho de 1984, STS/Comissão, 126/83, Recueil, p. 2769; de 10 de Julho de 1985, CMC e o./Comissão, 118/83, Recueil, p. 2325; de 19 de Setembro de 1985, Murri Frères/Comissão, 33/82, Recueil, p. 2759; de 24 de Junho de 1986, Développement e Clemessy/Comissão, 267/82, Colect., p. 1907; de 14 de Janeiro de 1993, Italsolar/Comissão, C-257/90, Colect., p. I-9; e de 29 de Abril de 1993, Forafrique Burkinabe/Comissão, C-182/91, Colect., p. I-2161). Como o Tribunal de Justiça recordou no processo Geotronics (n._ 12), segundo a jurisprudência FED, as medidas adoptadas nos processos em questão pelos representantes da Comissão - quer se trate de medidas de aprovação (ou de recusa de aprovação) da adjudicação do contrato proposto pelo ordenante nacional, ou de vistos (ou de recusa de vistos) quanto ao contrato e às respectivas ordens de pagamento - visam unicamente verificar se as condições do financiamento comunitário estão ou não preenchidas, e não podem ter por efeito violar o princípio de que os concursos em questão são concursos nacionais. As empresas concorrentes ou adjudicatárias só estabelecem, portanto, relações jurídicas com o Estado beneficiário - responsável exclusivo pela elaboração, negociação e celebração dos contratos -, sendo que os actos dos representantes da Comissão não podem substituir por uma decisão comunitária a decisão do referido Estado relativamente a essas empresas. Neste momento, o principal instrumento da política comunitária de cooperação para o desenvolvimento é a Quarta Convenção de Lomé, assinada em 15 de Dezembro de 1989 por um prazo que se estende até 29 de Fevereiro de 2000.

(32) - V. o acórdão de 22 de Abril de 1997 (já referido na nota 1, n.os 12 a 17). O Tribunal de Justiça - julgando definitivamente o recurso de anulação da Geotronics, nos termos do artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça - acabou, aliás, por, afinal, lhe negar provimento (acórdão já referido, n.os 25 a 29). Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso introduzido pela Geotronics do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que este rejeitou o pedido de indemnização (acórdão referido, n.os 19 a 24).

(33) - O acórdão anulado do Tribunal de Primeira Instância, nessa parte, sublinhava que «Na audiência, o representante da recorrente admitiu a este respeito que, no caso vertente, o Governo romeno tinha a liberdade de adjudicar o contrato à Geotronics, apesar da recusa da Comissão de lhe conceder o benefício da ajuda da Comunidade» (v. acórdão de 26 de Outubro de 1995, já referido na nota 28, n._ 30).

(34) - Já referidas na nota 30 (n._ 21).

(35) - V. nota 18, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(36) - V., entre muitos outros, acórdão de 2 de Junho de 1994, De Compte/Parlamento (C-326/91 P, Colect., p. I-2091, n.os 29, 38, 41, 50, 57, 72, 75, 86, 88, 90 e 101).

(37) - V., entre muitos outros, acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C-136/92 P, Colect., p. I-1981, n._ 79), e despacho de 17 de Setembro de 1996, San Marco/Comissão (C-19/95 P, Colect., p. I-4435, n._ 39).

(38) - V. despacho de 11 de Julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão (C-325/94 P, Colect., p. I-3727, n._ 30), e acórdão de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão (C-278/95 P, Colect., p. I-2507, n._ 44). O Tribunal de Justiça afirmou, por exemplo, que, quando, no caso de um recurso interposto de um despacho de medidas provisórias, o recorrente sustente que o seu interesse em obter a suspensão da execução da decisão litigiosa foi examinado de modo insuficiente, o recurso não se limita a pôr em causa o apuramento dos factos efectuado pelo juiz das medidas provisórias, antes devendo ser entendido como visando demonstrar que o despacho impugnado está inquinado por um erro de direito no que respeita à apreciação jurídica dessas circunstâncias [v. despacho de 30 de Abril de 1997, Moccia Irme/Comissão, C-89/97 P(R), Colect., p. I-2327, n._ 40].

(39) - V., entre muitos outros, despacho de 26 de Abril de 1993, Kupka-Floridi/Comité Económico e Social (C-244/92 P, Colect., p. I-2041, n._ 9), e acórdão de 29 de Maio de 1997, De Rijk/Comissão (C-153/96 P, Colect., p. I-2901, n._ 15).

(40) - V. conclusões do advogado-geral P. VerLoren van Themaat de 14 de Outubro de 1982, no processo Piraiki-Patraiki e o./Comissão (acórdão de 17 de Janeiro de 1985, 11/82, Recueil, p. 207, n._ 4.2 das conclusões).

(41) - V. acórdão de 16 de Junho de 1970, Alcan e o./Comissão (69/69, Recueil, p. 385, n._ 4, Colect. 1969-1970, p. 369).

(42) - V. acórdão de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, em especial p. 283).

(43) - V. conclusões do advogado-geral J. L. Cruz Vilaça de 21 de Janeiro de 1987, no processo Mannesmann-Röhrenwerke/Conselho (acórdão de 17 de Março de 1987, 333/85, Colect., p. 1381, em especial p. 1397). Por outras palavras, o Tribunal de Justiça interpreta a condição do interesse directo no sentido de o destinatário do acto impugnado (quer se trate de um Estado-Membro, de uma instituição ou de outra pessoa singular ou colectiva) não dever ter qualquer poder de apreciação quanto à aplicação do mesmo. Neste caso, o acto em questão - que não exige do seu destinatário a adopção de medidas de execução - deve ser considerado, por si só, susceptível de afectar a situação jurídica do recorrente, se, além disso, lhe disser individualmente respeito (v., entre muitos outros, acórdãos de 1 de Julho de 1965, Toepfer e Getreide-Import/Comissão, 106/63 e 107/63, Colect. 1965-1968, p. 119, em especial p. 121; de 13 de Maio de 1971, International Fruit e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, n.os 23 a 29; de 23 de Novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, Colect., p. 333, n.os 6 a 8; de 18 de Novembro de 1975, CAM/Comissão, 100/74, Recueil, p. 1393, n._ 14, Colect., p. 471; de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Recueil, p. 777, n.os 25 e 26; de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing e o./Conselho, 113/77, Recueil, p. 1185, n.os 11 e 12; de 11 de Julho de 1985, Salerno e o./Comissão, 87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, Recueil, p. 2523, n._ 31; de 26 de Abril de 1988, Apesco/Comissão, 207/86, Colect., p. 2151, n._ 12; de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n._ 23; de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T-3/93, Colect., p. II-121, nos 80 e 81; de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C-135/92, Colect., p. I-2885, nos 23 a 30; de 27 de Abril de 1995, CCD de la Societé générale des grandes sources e o./Comissão, T-96/92, Colect., p. II-1213, nos 38 a 46; de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T-480/93 e T-483/93, Colect., p. II-2305, n._ 63; de 22 de Outubro de 1996, Skibsvaerftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n._ 49; e de 9 de Abril de 1997, Terres rouges e o./Comissão, T-47/95, Colect., p. II-481, nos 57 a 59).

(44) - V. conclusões do advogado-geral P. VerLoren van Themaat (já referidas na nota 40, n._ 4.6).

(45) - Já referido na nota 40.

(46) - O recurso era inadmissível, na opinião da Comissão, que sustentava - do ponto de vista específico da falta de interesse directo - que esse interesse existia «quando um particular fosse afectado por uma decisão comunitária sem que qualquer medida nacional se viesse interpor entre o particular e tal acto. Pelo contrário, no caso em apreço, a decisão impugnada necessitava de medidas nacionais de execução, das quais decorreriam consequências directas para os particulares. A Comissão, por seu lado, tinha-se limitado a autorizar um Estado-Membro a tomar medidas de restrição à importação de certos produtos de determinado sector; a própria decisão não estabelecia um regime que a França pudesse instituir, mantendo-se livre de agir ou não, ou de aplicar quotas de importação mais elevadas ou durante um período mais curto... O facto de a decisão litigiosa ter sido notificada [ao Governo francês e] ao Governo grego, e não às empresas algodoeiras gregas, constituía, enfim, uma demonstração ulterior de que se tratava de um processo que punha em causa relações e interesses que respeitavam exclusivamente à Comunidade e a certos Estados-Membros» (acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido na nota 40, n._ 3.1 da parte «Matéria de facto»).

(47) - Acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão (já referido na nota 40, n._ 7).

(48) - Acórdão já referido (n._ 8).

(49) - Acórdão já referido (n.os 9 e 10).

(50) - V. Brown, W.: «Remedies of unsuccessful tenderers for E. D. F.-financed contracts», Eur. L. Rev., 1985, p. 421, em especial p. 424.

(51) - V. nota 31, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(52) - V. acórdãos STS/Comissão (n.os 18 e 19), CMC e o./Comissão (n.os 28 e 29), Murri Frères/Comissão (n.os 33 e 34) e Italsolar/Comissão (n.os 22 a 26), já referidos na nota 31.

(53) - Conclusões de 30 de Janeiro de 1997 (já referidas na nota 30, n.os 14 e 20).

(54) - Incidentalmente, devo reconhecer que as críticas avançadas pela doutrina relativamente à jurisprudência FED serão tudo menos desprovidas de força persuasória. Em especial, foi observado que «a aprovação, pelo delegado da Comissão ou do ordenante principal, da escolha de um proponente particular, efectuada pelo ordenante nacional, diz directamente respeito ao proponente excluído, pois o poder de apreciação deixado ao Estado ACP, de aceitar ou não a aprovação ou a recusa de aprovação, é, na maioria dos casos, puramente teórico. O objectivo das disposições relativas à cooperação financeira e técnica é fornecer financiamentos comunitários para projectos que o Estado ACP devia, de outro modo, encarregar-se de financiar por si próprio ou através do recurso a fontes menos favoráveis... Embora [a Segunda Convenção de Lomé] não o preveja expressamente, deduz-se logicamente das suas disposições que o Estado ACP que tome uma decisão diferente da do representante da Comissão deve, para tanto, renunciar ao financiamento comunitário. Pode, portanto, considerar-se que é pouco provável que o Estado ACP decida adjudicar o concurso a um participante que não foi aprovado pela Comissão» (v. Brown, op. cit., já referida na nota 50, p. 425; tradução livre).

(55) - V. processo CMC e o./Comissão (n._ 3 das conclusões do advogado-geral P. VerLoren van Themaat, Colect. 1985, p. 2326) e acórdão Italsolar/Comissão (já referido na nota 31, n._ 7).

(56) - V. acórdão STS/Comissão (já referido na nota 31, n.os 3.3 e 4.1 das conclusões do advogado-geral P. VerLoren van Themaat).

(57) - V. nota 31, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(58) - Creio que é neste sentido, parece-me, que deve ser correctamente entendida a afirmação do Tribunal de Justiça recordada no texto, embora seja menos explícita que a do advogado-geral no n._ 19 das referidas conclusões (v. nota 30, supra). Inversamente, não creio que o Tribunal de Justiça tenha tido a intenção de aludir a uma diferença - que, francamente, não vejo - entre as funções e competências respectivas da Comissão e do Estado beneficiário no âmbito da adjudicação dos concursos financiados pelo FED e pelo programa PHARE. A este respeito, não é decerto por acaso que a solução adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Geotronics está em perfeita conformidade com as considerações já tecidas em 1983 pelo presidente da Segunda Secção, P. Pescatore, exercendo funções de presidente do Tribunal de Justiça, no despacho adoptado - na sequência do pedido de medidas provisórias apresentado pelas sociedades requerentes - no processo 118/83 R, que respeitava, precisamente, a um concurso relativo a obras públicas financiadas pelo FED. Baseando-se nas observações relativas às funções da Comissão no âmbito do processo de decisão cooperativo organizado pela Segunda Convenção de Lomé, o presidente afirmou que «não é de excluir que uma análise aprofundada revele a existência de um acto da Comissão destacável do seu contexto, que seria, eventualmente, susceptível de ser objecto de um recurso de anulação» (v. despacho de 5 de Agosto de 1983, CMC e o./Comissão, 118/83 R, Recueil, p. 2583, n._ 47; sublinhado meu). Há, sobretudo, que assinalar que, no processo Geotronics, não só a Comissão tinha observado, perante o Tribunal de Primeira Instância, que «o procedimento de adjudicação de contratos instituído pelo programa PHARE é comparável ao aplicado aos contratos financiados pelo [FED]» como também, na fundamentação da parte do acórdão de primeira instância relativa à admissibilidade do recurso de anulação, os acórdãos do Tribunal de Justiça relativos aos concursos públicos financiados pelo FED foram invocados «por analogia» (v. o acórdão de 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão, já referido na nota 28, n.os 23 e 32). V. também n.os 53 e 54, supra.

(59) - V. nota 18, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(60) - V. as notas 14 e 17, supra, e as partes do texto que se lhes referem.

(61) - Os representantes da Comissão contestaram, na audiência, que a concessão do empréstimo à Federação Russa e a celebração dos contratos de fornecimento tivessem sido simultâneas, sublinhando que, enquanto os contratos comerciais tinham sido celebrados entre a Exportkhleb e as recorrentes em 27 e 28 de Novembro de 1992, o acordo-quadro com a Federação Russa e o contrato de mútuo aí previsto só foram celebrados em 9 de Dezembro de 1992, não tendo produzido efeitos senão em Janeiro de 1993. Francamente, não vejo como se possa negar que, aquando da celebração dos contratos de fornecimento, as negociações relativas à concessão do empréstimo se encontravam num estado muito avançado e que essa circunstância devia ser bem conhecida - além da Federação Russa, mutuária e compradora dos cereais - também das sociedades vendedoras. Também não fiquei convencido pelo argumento da Comissão segundo o qual, tendo as recorrentes mantido no passado, na ausência de financiamentos ou de outras formas de assistência da Comunidade, relações contratuais com a União Soviética antes da sua dissolução, o nexo que as três sociedades se esforçaram por estabelecer entre a concessão dos empréstimos às repúblicas em causa e a celebração dos contratos de fornecimento era arbitrário. Não tendo a Comissão precisado o contexto, nomeadamente cronológico, em que se deviam inserir estes contratos de fornecimento, nada permite considerar que existiam então problemas de insolvência análogos do comprador, susceptíveis de tornar impossível ou extremamente incerta a execução do contrato por parte deste.

(62) - V. nota 16, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(63) - Em particular, o VEB - segundo o que as recorrentes afirmaram na audiência - tinha acabado de faltar ao cumprimento de uma obrigação de reembolso de empréstimos concedidos pelos Estados Unidos no âmbito dos programas de ajuda ao departamento da agricultura, os quais foram, por conseguinte, suspensos.

(64) - Este conceito foi exposto na audiência pelas sociedades recorrentes que utilizaram a noção de causa do contrato: a causa concreta dos contratos de fornecimento celebrados, respectivamente, pela Exportkhleb e pela Ukrimpex com a Dreyfus, a Continentale e a Glencore teria sido a transferência de propriedade de determinadas toneladas de cereais em contrapartida do pagamento do preço mediante recursos financeiros colocados à disposição dos compradores pela Comunidade, através do mecanismo de abertura de créditos documentários irrevogáveis, sob o duplo controlo de conformidade da Comissão. Note-se que, segundo uma formulação alternativa, o referido nexo entre financiamento comunitário e contratos de fornecimento podia (nomeadamente, na falta de uma condição explícita) decorrer da aplicação da doutrina da presupposizione do direito italiano ou de eventuais princípios correspondentes aplicáveis nas ordens jurídicas dos outros Estados-Membros, a saber - mutatis mutandis - a doutrina da Geschäftsgrundlage do direito alemão ou, na common law, a doctrine of frustration (v. Treitel, G. H.: Frustration and Force Majeure, Londres, 1994, pp. 579 e 580; Philippe, D.-M.: Pacta sund servanda. Rebus sic stantibus, Centre de droit des obligations de la faculté de droit de l'université catholique de Louvain, doc. n._ 86/5, Lovaina-a-Nova, 1986, e Bessone, M.; D'Angelo, A.: «Presupposizione», in Enciclopedia del diritto, vol. XXXV, Milão, 1986, p. 326). De qualquer modo - quer se fale de ausência ulterior de causa dos contratos de fornecimento ou de ausência ulterior do acontecimento pressuposto (disponibilidade do financiamento comunitário) -, há que retirar uma conclusão idêntica de uma ou de outra destas formulações: os actos pelos quais a Comissão tornou definitivamente indisponíveis os empréstimos concedidos às duas repúblicas conduziram, no plano legal, à resolução dos contratos de fornecimento e, portanto, à liberação da Exportkhleb e da Ukrimpex da sua obrigação de pagar às recorrentes o preço (ou o preço mais elevado) que tinham respectivamente acordado com elas.

(65) - V. nota 33, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(66) - Recorde-se que, na sequência do convite feito pelo director-geral da DG VI da Comissão à Exportkhleb, no sentido de reduzir os «saldos previsíveis» dos produtos objecto de fornecimento por parte das empresas adjudicatárias, para que as modificações dos preços acordadas em 1993 não resultem numa ultrapassagem do valor global (já estabelecido pelo aviso de confirmação de 27 de Janeiro de 1993) do financiamento disponível para o fornecimento de cereais, a Glencore e a Continentale sofreram efectivamente uma redução das quantidades que deveriam fornecer, em conformidade com as indicações da Comissão (v. n._ 19, supra). Esta circunstância leva a crer que a Federação Russa não dispunha de fundos para pagar as quantidades superiores que já tinham sido atribuídas às duas sociedades. Por outro lado, no que respeita ao processo Glencore II, já referi que o vice-primeiro-ministro da Ucrânia tinha pedido directamente à Comissão que aprovasse atempadamente o contrato de fornecimento celebrado entre a Ukrimpex e a Glencore, logo após a sua notificação pelo SEIB (v. n._ 21, supra). Numa carta ulterior de 2 de Julho de 1993, o vice-primeiro-ministro da Ucrânia, inquieto, apresentou ao membro da Comissão encarregue das questões agrícolas um pedido de modificação do acordo-quadro de 13 de Julho de 1992, para permitir a afectação à compra de cevada da parte inutilizada do financiamento já atribuído para a compra de milho e de trigo.

(67) - A Comissão tinha sustentado perante o Tribunal de Primeira Instância que, no caso então em apreço, não era a medida impugnada que causava à recorrente o prejuízo por ela invocado, mas sim a carta posterior pela qual o ministro da Agricultura e da Indústria Alimentar romeno tinha informado a Geotronics de que não celebraria o contrato com ela (v. o acórdão de 26 de Outubro de 1995, já referido na nota 28, n._ 23).

(68) - V. nota 19, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(69) - V. nota 19, supra, e a parte do texto que se lhe refere.

(70) - V. nota 19, supra.

(71) - V., entre muitos outros, acórdão de 11 de Julho de 1984, Commune de Differdange e o./Comissão (222/83, Recueil, p. 2889, n._ 9).

(72) - V., entre muitos outros, acórdão de 17 de Junho de 1980, Calpak e Emiliana Lavorazione Frutta/Comissão (789/79 e 790/79, Recueil, p. 1949, n._ 7); despacho de 13 de Julho de 1988, Fédération européenne de la santé animale e o./Conselho (160/88 R, Colect., p. 4121, n._ 26); e acórdão Terres rouges e o./Comissão (já referido na nota 43, n._ 39).