61996C0314

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 15 de Maio de 1997. - Ourdia Djabali contra Caisse d'allocations familiales de l'Essonne. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal des affaires de sécurité sociale d'Evry - França. - Acordo de cooperação CEE-Argélia - Artigo 39., n. 1 - Princípio da não discriminação em matéria de segurança social - Abono para adultos deficientes - Reenvio prejudicial. - Processo C-314/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-01149


Conclusões do Advogado-Geral


1 Este processo, objecto de reenvio por parte do tribunal des affaires de sécurité sociale d'Évry, diz respeito ao direito de uma nacional argelina residente em França a um abono especial que é pago em França aos adultos deficientes. É igualmente suscitada a questão de saber se o Tribunal deve pronunciar-se quando o litígio que deu origem ao reenvio prejudicial parece ter sido resolvido depois da apresentação do pedido prejudicial, sem que o órgão jurisdicional nacional tenha decidido retirar o mesmo.

A regulamentação comunitária pertinente

2 O direito às prestações de segurança social dos trabalhadores argelinos e dos seus familiares residentes na Comunidade rege-se pelo Acordo de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel em 26 de Abril de 1976 e aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n._ 2210/78 (1) do Conselho (a seguir «acordo»).

3 O acordo tem por objectivo promover uma cooperação global entre as partes contratantes, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento económico e social da Argélia e favorecer o reforço das suas relações (2).

4 O artigo 39._, n._ 1, prevê que, sem prejuízo das disposições dos números seguintes, dos quais nenhum é aqui relevante, os trabalhadores de nacionalidade argelina e os membros da sua família que com eles residem beneficiam, no domínio da segurança social, de um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, em relação aos próprios nacionais dos Estados-Membros em cujo território trabalham.

5 O Tribunal de Justiça declarou que, dado que o conceito de «segurança social», na disposição idêntica do Acordo de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos (3), não pode ter um conteúdo diferente do que lhe é reconhecido no quadro do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (4), os abonos para deficientes caem no domínio da segurança social na acepção deste artigo (5).

Matéria de facto e legislação nacional

6 O abono para adultos deficientes foi instituído pela Lei n._ 75-534, de 30 de Junho de 1975. A sua concessão é regulada pelo título II do livro VIII do novo código da segurança social francês. Este último prevê que tem direito a este abono qualquer pessoa de nacionalidade francesa ou nacional de um país que tenha concluído uma convenção de reciprocidade, sob certas condições relativas ao grau da deficiência do requerente e ao benefício de outras prestações (6).

7 O. Djabali, deficiente de nacionalidade argelina, solicitou à Caisse d'allocations familiales de l'Essonne a concessão do abono para adultos deficientes a partir do mês de Outubro de 1993. Parece incontestável que satisfaz as condições atrás mencionadas. Resulta aparentemente dos documentos constantes dos autos transmitidos ao Tribunal que, inicialmente, o seu pedido foi deferido; todavia, o mesmo parece ter sido em seguida indeferido, uma vez que O. Djabali recorreu à Comissão de Resolução Amigável daquele organismo. Em 13 de Julho de 1994, esta comissão indeferiu o seu pedido, aparentemente porque O. Djabali não tinha nacionalidade francesa nem era nacional de um país que tivesse concluído com a República Francesa uma convenção de reciprocidade na matéria. Em 14 de Junho de 1995, O. Djabali submeteu o assunto à apreciação do tribunal des affaires de sécurité sociale, alegando que a recusa de concessão do abono para adultos deficientes era contrária ao artigo 39._ do acordo.

8 A Caisse d'allocations familiales sustentou naquele órgão jurisdicional que o abono para adultos deficientes só devia ser considerado uma prestação de segurança social quando o requerente fosse um trabalhador ou um antigo trabalhador que tivesse, portanto, pago cotizações para o regime de segurança social. Alegava que O. Djabali não tinha direito ao abono porque nunca tinha trabalhado em França e não era, portanto, um «trabalhador ou antigo trabalhador migrante».

9 Em 28 de Maio de 1996, o tribunal des affaires de sécurité sociale decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a seguinte questão:

«O artigo 39._ do Regulamento (CEE) n._ 2210/78, de 26 de Setembro de 1978, respeitante ao Acordo entre a CEE e a República da Argélia, é aplicável a Ourdia Djabali, relativamente ao benefício de abono para adultos deficientes, quando esta nunca teve qualquer actividade assalariada, mas irá beneficiar eventualmente, em Dezembro de 1997, de uma reforma, na sua qualidade de mãe doméstica?»

10 A referência ao artigo 39._ do Regulamento n._ 2210/78 deve, evidentemente, ser entendida como feita ao artigo 39._ do acordo.

11 Por carta de 8 de Abril de 1997, a Caisse d'allocations familiales informou o Tribunal de Justiça de que o ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais tinha decidido, no mês de Novembro de 1996, conceder o abono a O. Djabali. Esta última recebeu portanto 148 188,45 FF de montantes em atraso e, desde Janeiro de 1997, recebe 3 982 FF por mês. A esta carta, a Caisse d'allocations familiales juntava cópias das cartas i) da Caisse d'allocations familiales a O. Djabali, datada de 27 de Dezembro de 1996, comunicando-lhe que o ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais tinha decidido conceder-lhe o abono a partir de 1 de Outubro de 1993, confirmando que tinham sido dadas instruções para proceder ao pagamento e convidando-a a desistir da instância no tribunal des affaires sociales, bem como ii) da Caisse d'allocations familiales ao tribunal des affaires sociales, datada de 6 de Dezembro de 1996, para o mesmo efeito.

12 Parece que O. Djabali não fez as diligências necessárias para desistir formalmente da instância.

13 Por carta de 11 de Abril de 1997, a Secretaria do Tribunal de Justiça perguntou ao órgão jurisdicional de reenvio se pretendia manter o seu pedido de decisão prejudicial.

14 Por carta de 25 de Abril de 1997, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de que não tinha poderes, segundo as regras nacionais processuais, para retirar um pedido de decisão prejudicial devidamente dirigido ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, via-se obrigado a manter o seu pedido.

15 Foram apresentadas observações escritas pela demandante, pelo Governo francês e pela Comissão. O Governo francês e a Comissão fizeram-se representar na audiência.

Competência do Tribunal de Justiça

16 O. Djabali obteve, segundo parece, a concessão do abono a que pretendia ter direito. Se bem que tal não afecte a admissibilidade do pedido prejudicial, uma vez que se encontravam então reunidas todas as condições para apresentar este pedido, parece no entanto ser duvidoso que seja «necessária» uma decisão na matéria para permitir ao órgão jurisdicional nacional o julgamento da causa, como exigido pelo artigo 177._ do Tratado CE. No caso de figura, o organismo de segurança social competente, depois de ter mudado de opinião quanto ao direito de O. Djabali beneficiar do abono, aparentemente, pagou a integralidade da quantia devida. Se for esse o caso, já não se pode considerar ser «necessária» ao órgão jurisdicional nacional uma resposta à questão prejudicial.

17 Coloca-se então a questão de saber se o Tribunal de Justiça pode cancelar o processo, mesmo se o pedido prejudicial não foi formalmente retirado pelo órgão jurisdicional nacional.

18 No processo Chanel (7), o Tribunal decidiu motu proprio o cancelamento de um processo do seu registo, porque o pedido prejudicial deixara de ter «objecto» na sequência da alteração em recurso da decisão do órgão jurisdicional nacional que estava na origem do pedido.

19 Nos casos que não sejam aqueles em que a decisão de reenvio é anulada em recurso, o princípio parece ser o de que o Tribunal de Justiça deve prosseguir a instância até que o pedido prejudicial seja retirado (8). Esta abordagem parece ser incongruente quando, como no caso de figura, o pedido prejudicial deixou de ter «objecto» porque o litígio foi resolvido sem que o órgão jurisdicional nacional retire o seu pedido. De facto, há talvez mais razões para não decidir num processo como o que está aqui em causa do que num litígio em que a decisão de reenvio é anulada em recurso: neste último caso, o órgão jurisdicional inferior deve talvez prosseguir a instância no processo principal, sem acórdão do Tribunal de Justiça, ao passo que em processos como o do caso sub judice o acórdão seria proferido, mas se calhar não seria aplicado.

20 Evidentemente que o direito comunitário não proíbe que o órgão jurisdicional nacional retire o seu pedido prejudicial (9). A questão que se coloca é a de saber se, quando o órgão jurisdicional o não faz (por exemplo, como parece ser aqui o caso, porque as regras processuais nacionais não lho permitem), o Tribunal deve, apesar de tudo, cancelar o processo porque a decisão deixou de ser necessária.

21 De facto, pode ser perigoso que o Tribunal cancele o processo, sem contactos com o órgão jurisdicional nacional. O Tribunal não estará necessariamente em posição de determinar de modo decisivo, com base nas informações fornecidas pelas partes, que não é necessário que o órgão jurisdicional nacional prossiga a instância: talvez esta deva ser prosseguida por uma razão que não resulte dos autos transmitidos ao Tribunal. Do mesmo modo, é evidente que o Tribunal não deve admitir que o litígio se encontra resolvido com base nas afirmações de apenas uma das partes. Se, todavia, fosse dada a possibilidade ao órgão jurisdicional e às partes de tomarem posição sobre esta questão, o Tribunal poderia então devidamente cancelar o processo na ausência de resposta.

22 A prossecução da instância do processo prejudicial poderia colocar sérios problemas ao Tribunal. Por exemplo, se o litígio na origem do reenvio for resolvido rapidamente, pode acontecer que algumas ou todas as partes não apresentem observações; o Tribunal pode então ter dificuldades em proferir um acórdão. Por outro lado, se forem colocadas várias questões, ou se os problemas suscitados forem complexos, será manifestamente desproporcionado que o Tribunal tenha de responder a questões que já não são pertinentes para resolver o litígio na origem das mesmas.

23 A solução em processos em que tal problema se coloque poderá ser não simplesmente perguntar ao órgão jurisdicional nacional se pretende manter o seu pedido, mas que a Secretaria pergunte ao órgão jurisdicional e às partes se existem razões para pensar que é ainda necessária uma decisão para aquele se pronunciar. Na ausência de tais razões, o processo poderia então ser cancelado por iniciativa do Tribunal.

24 Esta solução é compatível com o princípio desenvolvido pelo Tribunal, segundo o qual a justificação de um pedido de decisão prejudicial e, em consequência, da competência do Tribunal, não é a formulação de opiniões a título consultivo sobre questões gerais ou hipotéticas mas a necessidade inerente à efectiva solução de um contencioso (10).

A questão colocada

25 Neste processo, é felizmente possível responder - se for caso disso - de modo relativamente breve, à questão colocada.

26 O Governo francês alega que o pedido é inadmissível, dado que o despacho de reenvio não contém informações suficientes. Embora seja um facto que este despacho dá poucos pormenores sobre os factos, o problema colocado é, em minha opinião, suficiente claro para que o Tribunal possa responder à questão.

27 O Tribunal reconheceu que o artigo 39._ do acordo tem efeito directo, de modo que as pessoas a que o mesmo se aplica têm o direito de o invocar num processo nos órgãos jurisdicionais nacionais (11).

28 Dos autos não resulta claramente se o cônjuge de O. Djabali trabalha ou trabalhou (12) em França, mas um documento dos autos do órgão jurisdicional nacional parece deixar entender que assim acontece. Admitindo que trabalhe ou que tenha trabalhado, o artigo 39._, n._ 1, aplica-se então claramente e O. Djabali tem direito ao abono na qualidade de membro da sua família que com ele reside.

Conclusão

29 Se, depois de contactos com o órgão jurisdicional nacional e com as partes, e à luz das respostas dadas ao Tribunal, se verificar que o litígio que está na origem do pedido prejudicial foi efectivamente resolvido e que não existe qualquer motivo para considerar que é necessária uma decisão sobre a questão submetida para permitir ao órgão jurisdicional nacional proferir a sua decisão, entendo que o Tribunal deve declarar-se incompetente para se pronunciar a título prejudicial sobre a questão submetida ou cancelar o processo no registo por sua própria iniciativa.

30 Se continuar a ser necessária uma decisão, entendo que se deve responder da seguinte forma à questão submetida pelo tribunal des affaires de sécurité sociale d'Évry:

«O artigo 39._, n._ 1, do Acordo de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel em 26 de Abril de 1976 e aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n._ 2210/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978, opõe-se a que um Estado-Membro recuse conceder uma prestação, como o abono para adultos deficientes, pago aos seus próprios nacionais, à cônjuge de um argelino que trabalha ou trabalhou nesse Estado-Membro e com o qual reside no mesmo Estado-Membro, pelo facto de ter nacionalidade argelina.»

(1) - Regulamento de 26 de Setembro de 1978 relativo à conclusão do Acordo de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República Democrática e Popular da Argélia (JO L 263, p. 1; EE 11 F8 p. 70).

(2) - Artigo 1._

(3) - Assinado em Rabat em 27 de Abril de 1976 e aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n._ 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F9 p. 3).

(4) - V., para a versão codificada aplicável na época controvertida, o Anexo I do Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho (JO 1983, L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53). A última versão codificada é publicada na parte I do Anexo A do Regulamento (CE) n._ 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1). No que diz respeito à inclusão do abono francês para adultos deficientes no âmbito de aplicação do Regulamento n._ 1408/71, v., em especial, artigos 4._, n._ 2, alínea a), e 10._-A, bem como o Anexo II A.

(5) - Acórdão de 20 de Abril de 1994, Yousfi (C-58/93, Colect., p. I-1353, n._ 28).

(6) - Artigo 821.1, primeiro parágrafo.

(7) - Despacho de 3 de Junho de 1969 (31/68, Recueil 1970, p. 403).

(8) - V. acórdão de 14 de Dezembro de 1971, Politi (43/71, Recueil, p. 1039, Colect., p. 419), e, em especial, as conclusões do advogado-geral A. Dutheillet de Lamothe neste processo (Recueil, p. 1054), bem como o acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal (106/77, Colect., p. 243, n._ 10).

(9) - V. acórdão de 15 de Junho de 1995, Zabala Erasun e o. (C-422/93, C-432/93 e C-424/93, Colect., p. I-1567).

(10) - Acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045, n._ 19), e acórdão Zabala Erasun e o. (já referido na nota 9, n._ 29).

(11) - Acórdão de 5 de Abril de 1995, Krid (C-103/94, Colect., p. I-719, n._ 24).

(12) - O conceito de «trabalhador», na disposição idêntica do Acordo de Cooperação entre Marrocos e a CEE, abrange o antigo trabalhador : acórdão de 31 de Janeiro de 1991, Kziber (C-18/90, Colect., p. I-199, n._ 27).