61996C0285

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 18 de Junho de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Incumprimento de Estado - Não transposição da Directiva 76/464/CEE - Acórdão à revelia. - Processo C-285/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-05935


Conclusões do Advogado-Geral


1 A acção por incumprimento intentada contra a República Italiana faz parte de uma série de acções que a Comissão intentou a respeito da execução pelos Estados-Membros da Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (a seguir «directiva») (1).

2 A Comissão acusa mais especialmente os Estados-Membros em causa de não terem, em violação do artigo 7._ da directiva, adoptado programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade.

3 O presente processo tem a particularidade de constituir uma parte da minoria de acções em que o Tribunal terá de decidir à revelia, porque a República Italiana não apresentou, dentro do prazo e na devida forma, a sua contestação.

4 Nestas condições, a Comissão solicita ao Tribunal, nos termos do artigo 94._, n._ 1, do Regulamento de Processo, que julgue procedentes os seus pedidos, ou seja, que:

«- declare que, ao não adoptar os programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade para as 99 substâncias enumeradas em anexo, ao não comunicar à Comissão, sob forma sucinta, os programas e os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7._ da Directiva 76/464/CEE, e ao não fornecer à Comissão as informações solicitadas a este respeito, em violação do artigo 5._ do Tratado CE, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido Tratado;

- condene a República Italiana nas despesas».

Quadro geral da directiva

5 A directiva, adoptada com base nos artigos 100._ e 235._ do Tratado CEE, enuncia no seu primeiro considerando que:

«se impõe urgentemente uma acção geral e simultânea por parte dos Estados-Membros, com vista à protecção do meio aquático da Comunidade contra a poluição, nomeadamente contra a poluição causada por determinadas substâncias persistentes, tóxicas e bioacumuláveis».

6 O artigo 2._ da directiva dispõe que:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas adequadas para eliminar a poluição das águas mencionadas no artigo 1._ por substâncias perigosas incluídas nas famílias ou grupos de substâncias enunciados na Lista I do anexo, assim como para reduzir a poluição das referidas águas pelas substâncias perigosas incluídas nas famílias e grupos de substâncias enunciados na Lista II do anexo, nos termos da presente directiva, cujas disposições constituem apenas um primeiro passo para atingir esse objectivo.»

7 A Lista I inclui determinadas substâncias individuais que fazem parte das famílias e grupos de substâncias aí indicados, a escolher principalmente com base na toxicidade, persistência e bioacumulação. Nos termos do artigo 6._ da directiva, o Conselho deve fixar, para as substâncias constantes da Lista I, os valores-limite que as normas de emissão não devem ultrapassar, bem como objectivos de qualidade.

8 Segundo as disposições do anexo da directiva, a Lista II inclui:

«- as substâncias que fazem parte das famílias e grupos de substâncias constantes da Lista I e para as quais os valores-limite referidos no artigo 6._ da directiva não foram fixados,

- determinadas substâncias individuais e determinadas categorias de substâncias que fazem parte das famílias e grupos de substâncias a seguir enumerados,

e que têm um efeito prejudicial no meio aquático que pode todavia ser limitado a uma certa zona e que depende das características das águas de recepção e da respectiva localização».

9 O artigo 7._ da directiva dispõe:

«1. A fim de reduzir a poluição das águas referidas no artigo 1._ por substâncias constantes da Lista II, os Estados-Membros estabelecem programas para cuja execução aplicam designadamente os meios referidos nos n.os 2 e 3.

2. Qualquer descarga efectuada nas águas referidas no artigo 1._ e susceptível de conter uma das substâncias constantes da Lista II fica sujeita a uma autorização prévia, concedida pela autoridade competente do Estado-Membro em causa, que fixará as normas de emissão. Estas são calculadas em função dos objectivos de qualidade estabelecidos nos termos do n._ 3.

3. Os programas referidos no n._ 1 incluirão objectivos de qualidade para as águas, estabelecidos segundo as directivas do Conselho quando existam.

4. Os programas podem igualmente incluir disposições específicas relativas à composição e à utilização de substâncias ou grupos de substâncias assim como de produtos e terão em conta os últimos progressos técnicos economicamente viáveis.

5. Os programas fixarão os prazos da sua própria execução.

6. Os programas e os resultados da respectiva aplicação serão comunicados à Comissão de forma sucinta.

7. A Comissão organizará, regularmente, com os Estados-Membros, uma confrontação dos programas com vista a assegurar uma aplicação suficientemente harmoniosa e, se julgar necessário, apresentará ao Conselho, para esse efeito, propostas sobre a matéria.»

10 Nos termos do artigo 12._ da directiva:

«1. O Conselho, deliberando por unanimidade, pronunciar-se-á no prazo de nove meses sobre qualquer proposta da Comissão feita nos termos do artigo 6._...

...

2. A Comissão transmitirá, se possível no prazo de vinte e sete meses após a notificação da presente directiva, as primeiras propostas feitas nos termos do n._ 7, do artigo 7._ O Conselho, deliberando por unanimidade, pronunciar-se-á no prazo de nove meses.»

11 Por fim, a artigo 13._ dispõe que, para efeitos da aplicação da directiva, os Estados-Membros fornecerão à Comissão, a seu pedido, designadamente, informações complementares referentes aos programas previstos no artigo 7._

12 A directiva, que entrou em vigor na data da sua notificação, ou seja, em 5 de Maio de 1976, não prevê expressamente qualquer prazo para a execução concreta das obrigações nela enunciadas.

13 Na sua petição, a Comissão acusa a República Italiana de não ter adoptado programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade no que diz respeito às 99 substâncias constantes do anexo I da petição.

14 As 99 substâncias em questão são substâncias que, segundo a Comissão, fazem parte da Lista I, mas, dado que o Conselho ainda não adoptou, em conformidade com o artigo 6._ da directiva, os valores-limite de emissão e os objectivos de qualidade, essas substâncias fazem parte da Lista II.

15 Com efeito, no que respeita à Lista I, dado que, à excepção do mercúrio e do cádmio, esta abrange essencialmente famílias e grupos de substâncias, é por conseguinte necessário, antes de poder proceder à definição dos valores-limite de emissão ou de objectivos de qualidade, definir, dentro destes grupos e famílias, as substâncias individuais visadas.

16 Os trabalhos realizados para o efeito pela Comissão, em cooperação com os Estados-Membros, conduziram à elaboração de uma lista de 129 substâncias anexadas à comunicação da Comissão ao Conselho, de 22 de Junho de 1982, relativa às substâncias perigosas susceptíveis de constar da Lista I da Directiva 76/464 (2).

17 Entretanto, foram acrescentadas à lista em causa três outras substâncias, que abrange, deste modo, 132 substâncias. Entre estas, 18 são objecto de uma directiva do Conselho, que fixa valores-limite de emissão e objectivos de qualidade, e 15 outras deram origem à proposta da directiva do Conselho que altera a Directiva 76/464, apresentada pela Comissão em 14 de Fevereiro de 1990 (3).

18 A presente acção incide portanto sobre as 99 restantes substâncias da lista anexa à referida comunicação da Comissão.

Tramitação

19 Na sequência de uma reunião com peritos nacionais, a Comissão convidou a demandada, por nota de 26 de Setembro de 1989, a fornecer-lhe os programas respeitantes às substâncias prioritárias. A demandada não respondeu a esta carta.

20 Por carta de 4 de Abril de 1990, a Comissão convidou o Governo italiano a comunicar-lhe uma lista actualizada indicando quais das 99 substâncias acima mencionadas eram lançadas no meio aquático em Itália, os objectivos de qualidade aplicáveis no momento em que foram concedidas as autorizações da descarga de resíduos susceptíveis de conter uma destas substâncias e, eventualmente, as razões por que não tinham sido estabelecidos tais objectivos, bem como um calendário indicando em que data a demandada os estabeleceria. Esta carta ficou sem resposta.

21 Por carta de notificação de incumprimento de 10 de Julho de 1991, a Comissão comunicou ao Governo italiano que considerava que, ao não adoptar programas incluindo objectivos de qualidade ou ao não comunicar, sob forma sucinta, estes programas, bem como os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7._ da directiva, e ao não fornecer à Comissão as informações solicitadas a este respeito, em violação do artigo 5._ do Tratado, a República Italiana não tinha cumprido as suas obrigações resultantes do Tratado. O Governo italiano não respondeu ao convite que lhe foi feito para apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

22 Em 15 de Maio de 1993, a Comissão dirigiu à demandada um parecer fundamentado reiterando as acusações contidas na carta de notificação de incumprimento. A demandante pediu à demandada que tomasse as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses. O parecer fundamentado ficou igualmente sem resposta.

23 A petição da Comissão foi apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Agosto de 1996.

24 A República Italiana não contestou a acção.

25 Por carta de 15 de Julho de 1997, a Comissão pediu que os seus pedidos fossem julgados procedentes, em aplicação do artigo 94._, n._ 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

Admissibilidade

26 Nos termos do artigo 94._, n._ 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal, ouvido o advogado-geral, conhece da admissibilidade do pedido e verifica se os requisitos de forma se encontram devidamente preenchidos.

27 Não tendo detectado qualquer irregularidade processual susceptível de afectar a admissibilidade do pedido, penso poder analisar os pedidos da Comissão em sede de mérito.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira acusação

28 Através da primeira acusação, a Comissão afirma que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado ao não adoptar os programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade para as 99 substâncias perigosas enumeradas em anexo e ao não comunicar à Comissão, sob forma sucinta, os programas e os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7._ da directiva.

29 Resulta tanto do quadro geral da directiva, pormenorizado acima, como do acórdão Comissão/Luxemburgo (4) que os Estados-Membros tinham a obrigação de adoptar os programas de redução da poluição previstos no artigo 7._ da directiva e de comunicar à Comissão, sob forma sucinta, os referidos programas bem como os resultados da sua aplicação. Resulta igualmente do mesmo acórdão que os Estados-Membros tinham a obrigação de incluir as referidas 99 substâncias nos seus programas de redução da poluição.

30 A primeira acusação da Comissão deve portanto ser acolhida.

Quanto à segunda acusação

31 Através de uma segunda acusação, a Comissão alega que a República Italiana violou o artigo 5._ do Tratado ao não lhe fornecer as informações que lhe solicitou a respeito da aplicação da directiva.

32 A Comissão considera que por esta razão a República Italiana não cumpriu a obrigação, que incumbe aos Estados-Membros por força do artigo 5._ do Tratado, de colaborar com as instituições da Comunidade para lhe facilitar o cumprimento da sua missão.

33 Resulta dos autos que a Comissão faz esta acusação porque a República Italiana não respondeu a duas cartas, respectivamente de 26 de Setembro de 1989 e de 4 de Abril de 1990, nas quais a Comissão tinha pedido à República Italiana informações relativas às 99 substâncias acima referidas.

34 A este respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante (5), se um Estado-Membro não cumpriu obrigações específicas resultantes de uma directiva, não tem interesse examinar a questão de saber se, por esta razão, não cumpriu igualmente as suas obrigações resultantes do artigo 5._ do Tratado.

35 Na ocorrência, as informações solicitadas pela Comissão não diferem. essencialmente, das que deviam resultar do programa de redução da poluição que a República Italiana era, por força do artigo 7._ da directiva, obrigada a estabelecer e a comunicar à Comissão.

36 Tendo já sido verificado no âmbito da primeira acusação da Comissão o incumprimento, pela República Italiana, desta obrigação específica da directiva, proponho que o Tribunal rejeite a segunda acusação.

Quanto às despesas

37 Sendo o objectivo principal da acção o incumprimento pela República Italiana das suas obrigações resultantes do artigo 7._ da directiva, sugiro ao Tribunal que condene o governo demandado na totalidade das despesas, apesar de a segunda acusação não ter sido acolhida.

Conclusão

38 No termo desta análise, proponho ao Tribunal que:

«- declare que, ao não adoptar os programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade para as 99 substâncias enumeradas em anexo à petição da Comissão, e ao não comunicar à Comissão, sob forma sucinta, os programas e os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7._ da Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por certas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE;

- quanto ao restante julgue a acção improcedente;

- condene a República Italiana nas despesas».

(1) - JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165.

(2) - JO C 176, p. 4.

(3) - JO C 55, p. 7.

(4) - Acórdão de 11 de Junho de 1998 (C-206/96, Colect., p. I-3401).

(5) - V., por exemplo, acórdão de 2 de Maio de 1996, Comissão/Bélgica (C-133/94, Colect., p. I-2323, n._ 56).