61996C0215

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 15 de Janeiro de 1998. - Carlo Bagnasco e o. contra Banca Popolare di Novara soc. coop. arl. (BNP) (C-215/96) e Cassa di Risparmio di Genova e Imperia SpA (Carige) (C-216/96). - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale civile e penale di Genova - Itália. - Concorrência - Artigos 85. e 86. do Tratado CE - Condições bancárias uniformes relativas à abertura de um crédito em conta corrente e à fiança geral. - Processos apensos C-215/96 e C-216/96.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-00135


Conclusões do Advogado-Geral


1. O presente processo tem a sua origem em dois litígios pendentes no Tribunale di Genova, em que se suscitou a questão da compatibilidade com os artigos 85.° e 86.° do Tratado CE de determinadas condições gerais dos contratos estabelecidas pelas normas bancárias uniformes (a seguir «NBU») da Associazione Bancaria Italiana (a seguir «ABI»), com vista a regular os contratos de abertura de crédito em conta corrente e os contratos de fiança geral (fideiussione omnibus) destinados a garantir a abertura de crédito.

O litígio no processo principal

2. Os demandantes nos litígios pendentes no Tribunale di Genova são C. Bagnasco, como devedor principal, e os seus fiadores, como devedores solidários, que recorreram de duas injunções judiciais de pagamento, provisoriamente executivas, proferidas pelo presidente do Tribunale di Genova em 18 de Junho de 1992.

3. No litígio que deu origem ao processo C-215/96, a injunção judicial impõe a C. Bagnasco e os seus fiadores pagarem à Banca Popolare di Nivara (a seguir «BPN») a soma de 222 440 332 LIT pelos seguintes motivos:

- 170 440 332 LIT, relativo ao saldo devedor da conta corrente n.° 1360/320/30 de que é titular C. Bagnasco, por força do contrato de 8 de Outubro de 1991, com juros à taxa de 17% vencidos a partir de 1 de Abril de 1992;

- 9 400 000 LIT, relativo ao saldo devedor da conta corrente n.° 14336/33E/30 de que é titular C. Bagnasco, por força do contrato de 27 de Dezembro de 1991, com juros à taxa de 17,50% vencidos a partir de 1 de Abril de 1992;

- 21 600 000 LIT, correspondentes ao montante de quatro livranças descontadas na altura própria pelo banco e emitidas pela firma individual Fidaurum, de C. Bagnasco, com o aval dos outros demandados, no valor de 5 400 000 LIT cada uma, com juros à taxa legal de 10% vencidos a partir de 22 de Maio de 1992;

- 21 000 000 LIT, pelas letras a cargo de A. Sbardella, descontadas e/ou a creditar em conta corrente, «salvo boa cobrança», relativas a facturas apresentadas para desconto e/ou a crédito com a assinatura de C. Bagnasco, e constituição como penhor de letras, sempre a cargo de A. Sbardella, descontadas por C. Bagnasco. A esta quantia acrescem os juros à taxa legal de 15% vencidos a partir da data da injunção judicial de pagamento.

4. No litígio que deu origem ao processo C-216/96, a injunção judicial impõe a C. Bagnasco e aos seus fiadores o pagamento à Cassa di Risparmio di Genova e Imperia (Carige) SpA (a seguir «Carige») da soma de 124 119 497 LIT pelos seguintes motivos:

- 48 798 664 LIT, correspondentes ao saldo devedor da conta corrente n.° 14445/20/106 de que é titular C. Bagnasco, por força do contrato de 28 de Agosto de 1989, com juros à taxa de 17,50% vencidos a partir de 1 de Junho de 1992;

- 75 320 833 LIT, com juros à taxa de 15% vencidos a partir de 11 de Julho de 1992, por uma «subvenção bancária» de 95 000 000 LIT, com base na qual C. Bagnasco tinha emitido 19 livranças.

5. As injunções judiciais de pagamento dirigiram-se, também, aos fiadores de C. Bagnasco, como co-devedores solidários, por força do aval sobre as livranças não pagas e da fiança geral subscrita em 7 de Fevereiro de 1990 até um máximo de 300 000 000 LIT (processo C-215/96), e subscrita em 28 de Novembro de 1989 até um máximo de 195 000 000 LIT (processo C-216/96).

6. C. Bagnasco e os seus fiadores opuseram-se às injunções judiciais alegando, em especial, incompatibilidade com os artigos 85.° e 86.° do Tratado CE das normas e práticas bancárias uniformes aplicadas pelos bancos italianos aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e aos contratos de fiança geral.

7. O Tribunale di Genova não considera necessário interrogar o Tribunal de Justiça sobre o efeito directo dos artigos 85.° e 86.° nem tão-pouco se as NBU constituem uma decisão de associação de empresas na acepção do artigo 85.° , porque a resposta é afirmativa em ambos os casos e se impõe com clareza. Contudo, o órgão jurisdicional nacional tem, nomeadamente, dúvidas quanto à compatibilidade com os artigos 85.° e 86.° de determinadas cláusulas das NBU referentes aos contratos de abertura de crédito e de fiança geral.

8. Em relação aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, o Tribunale di Genova entende que só interessa o mecanismo de fixação da taxa de juros, que constitui o preço do serviço prestado. C. Bagnasco considera que o processo de determinação do preço do crédito (acesso à disponibilidade de caixa) escapa a qualquer grau de previsibilidade razoável ou apreciável por parte do cliente.

O órgão jurisdicional nacional reconheceu que os contratos celebrados por C. Bagnasco com a BPN prevêem, no seu ponto 2, a aplicação de juros anuais de 17% e de 17,50% respectivamente, além de uma percentagem de 1/8 % sobre a dívida máxima atingida em cada trimestre ou fracção de trimestre. O contrato celebrado por C. Bagnasco com a Carige estabelece, por seu lado, uma taxa de juro anual de 14%, mais uma percentagem de 1/8 % sobre a dívida máxima alcançada em cada trimestre. Os contratos com ambos os bancos prevêem que os juros possam ser aumentados ou reduzidos em função das variações ocorridas no mercado monetário. O ponto 12 do contrato de C. Bagnasco com a BPN estabelece, além disso, que «o banco tem a faculdade de alterar em qualquer momento as taxas de juro... mediante anúncio a afixar nos locais dos seus serviços ou da forma que considere mais oportuna».

Segundo o tribunal italiano, dos elementos indicados, só a determinação inicial da taxa devida e da percentagem sobre a dívida máxima por divisa corresponde a uma negociação directa entre as partes. Ora bem, este elemento do contrato é prejudicado pelo direito reconhecido ao banco, no texto das NBU, de aumentar os juros (em qualquer momento, mediante anúncio a afixar nos locais dos seus serviços «ou da forma que considere mais oportuna»), «devido a alterações ocorridas no mercado monetário» e, portanto, em relação a índices de variação imprevisíveis ou, em todo o caso, dificilmente previsíveis pelo cliente médio do banco. O artigo 1284.° do código civil italiano (a seguir «CC») fixou a taxa de juro legal em 10% ao ano e os juros que a ultrapassem «deverão constar por escrito», aplicando-se, na sua ausência, a taxa de juro legal. Assim, pois, só a forma escrita garante, ainda que não necessariamente mediante a indicação concreta em números da taxa acordada, mas também através de um cálculo automático, que se realiza a partir de elementos objectivos e acessíveis, a fixação e a quantificação da taxa, que, no presente caso, consta da referência genérica às «alterações ocorridas no mercado monetário» e a um mecanismo que, além do mais, deixa ao banco a escolha dos prazos das alterações e das modalidades de comunicação destas ao cliente.

9. No que toca aos contratos de fiança geral associados à abertura de crédito, o órgão jurisdicional nacional considera que as cláusulas pertinentes das NBU e dos contratos examinados nos presentes processos se referem:

- à assunção da fiança «à mesma taxa prevista para a operação garantida e, de qualquer modo, a uma taxa não inferior à taxa corrente bancária», «pelo incumprimento de qualquer obrigação relativamente ao banco, derivada de operações bancárias de qualquer natureza, já permitidas ou que venham a ser permitidas ao referido titular (ou a quem lhe suceda)», como as referidas numa lista que vem a seguir especificada; a fiança garante além disso «quaisquer outras obrigações que o devedor principal tenha em qualquer altura ou venha a ter relativamente ao banco em relação com as garantias já prestadas ou que venham a ser prestadas pelo mesmo devedor a favor do banco no interesse de terceiros» (implementando, deste modo, o mecanismo da «fiança da fiança», susceptível de atingir uma extensão subjectiva praticamente ilimitada e incontrolável);

- à obrigação de o fiador se manter ao corrente das condições patrimoniais do devedor e, em especial, de este o informar da evolução das suas relações com o banco, o qual é dispensado de pedir ao fiador a autorização especial prevista no artigo 1956.° do CC ;

- à dispensa, que o fiador confere ao banco, da obrigação de agir no prazo previsto pelo artigo 1957.° do CC , a fim de continuar obrigado, não obstante o disposto nesta norma «mesmo que o banco não tenha instado o devedor e os eventuais co-obrigados com diligência continuada», ficando assim obrigado solidariamente «até à total extinção do débito, sem limites de tempo nem cumprimento de condições»;

- à obrigação assumida pelo fiador de «pagar imediatamente ao banco, após simples pedido por escrito, não obstante qualquer oposição do devedor principal, do que lhe seja devido a título de capital, juros, despesas, impostos, taxas e outras despesas acessórias»;

- à declaração de que, «para a determinação da dívida garantida, fazem prova contra o fiador, seus herdeiros, sucessores e beneficiários, os resultados da escrita contabilística do banco, o qual, por outro lado, não é obrigado a efectuar por sua própria iniciativa qualquer comunicação ao fiador sobre a situação das contas e, em geral, sobre as relações com o devedor»;

- à derrogação ao artigo 1939.° do CC com a consequência de que «a obrigação conserva todos os seus efeitos mesmo quando a obrigação principal seja por qualquer motivo inválida», «considerando-se o fiador, caso seja declarada a nulidade ou a anulação da obrigação principal, obrigado como se a mesma tivesse sido contraída em seu próprio nome».

10. Para resolver os litígios que opõem C. Bagnasco e os seus fiadores ao BPN e ao Carige, o Tribunale di Genova considerou necessário submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1) Se as normas bancárias uniformes impostas pela ABI aos seus associados, relativamente ao contrato para a abertura de crédito em conta corrente, enquanto impostas e aplicadas de modo uniforme e vinculativo por parte dos bancos associados na ABI, são compatíveis, na parte em que submetem a abertura do crédito a um regime não previamente determinado da taxa de juro, nem determinável pelo cliente, com o disposto no artigo 85.° do Tratado, na medida em que são susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros e têm por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum?

2) Quais os efeitos que pode produzir o eventual reconhecimento da incompatibilidade referida na primeira questão sobre as correspondentes cláusulas dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, estipulados a jusante pelos bancos associados com os clientes privados, dado que o conjunto dos bancos associados na ABI pode ser considerado, nos termos e para efeitos do artigo 86.° , como detentor de uma posição dominante colectiva no mercado nacional do crédito, cuja aplicação concreta da legislação em análise (relativamente à determinação da taxa de juro devedora) se configura como exploração abusiva?

3) Se as normas bancárias uniformes impostas pela ABI aos seus associados relativamente ao contrato de fiança omnibus para garantia da abertura de crédito - na medida em que impostas e aplicadas de modo uniforme e vinculativo por parte dos bancos associados - são compatíveis, em relação às cláusulas aludidas na fundamentação do presente despacho e no seu conjunto, com o disposto no artigo 85.° do Tratado, na medida em que são susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros e têm por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum?

4) Quais os efeitos que pode produzir o eventual reconhecimento da incompatibilidade referida na terceira questão sobre as cláusulas correspondentes dos contratos de fiança omnibus e sobre os próprios contratos a jusante, celebrados pelos bancos, uma vez que o conjunto dos bancos associados na ABI pode ser considerado, nos termos e para efeitos do artigo 86.° do Tratado, como detentor de uma posição dominante colectiva no mercado nacional do crédito, cuja aplicação concreta das normas em análise se configura como exploração abusiva?»

11. Antes de propor uma resposta a estas questões, é necessário referir os problemas jurídicos suscitados pelas NBU da ABI no ordenamento jurídico italiano, bem como analisar a aplicação das normas comunitárias sobre concorrência no sector bancário, efectuada até agora pelas instituições comunitárias.

As NBU face ao direito interno italiano

12. Posteriormente à data em que ocorreram os factos que deram origem aos dois litígios pendentes no Tribunale di Genova, ocorreram em Itália alterações legislativas e actos administrativos que incidiram nas condições gerais aplicadas pelos bancos aos contratos de abertura de crédito e de fiança geral.

13. A Lei n.° 154/92 sobre transparência bancária alterou o regime de contrato de fiança geral, impondo a obrigação de determinar inicialmente a quantia máxima garantida.

14. Mediante comunicação por escrito de 22 de Fevereiro de 1993, a ABI notificou à Comissão as suas NBU, com a finalidade de obter uma declaração negativa ou uma isenção individual por força do n.° 3 do artigo 85.° Esta documentação foi também notificada à Banca d'Italia, na sua qualidade de autoridade nacional competente para a aplicação das normas de concorrência e de mercado no sector bancário, segundo a Lei n.° 287/90 .

15. Por comunicação por escrito de 7 de Julho de 1993, a Comissão informou a Banca d'Italia de que tinha decidido examinar apenas três dos vinte e seis acordos notificados pela ABI, concretamente, os referentes às condições das contas correntes em divisas, dos serviços de cobrança e aceitação dos valores, documentos ou títulos de crédito pagáveis em Itália e no estrangeiro e dos acordos relativos às condições de financiamento em divisas. Em relação aos outros vinte e três acordos notificados, entre os quais se contam os relativos às condições dos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral, a Comissão, sem se pronunciar sobre os seus possíveis efeitos restritivos da concorrência, considerou que não afectavam de forma sensível o comércio entre os Estados-Membros e que, por conseguinte, não se lhes aplicava o artigo 85.° A Comissão especificou que estes serviços bancários se limitam ao território nacional e dizem respeito à actividades económicas que, pela sua própria natureza ou por estipulação contratual, se exercem basicamente no território italiano ou têm uma influência muito reduzida nas trocas comerciais intracomunitárias, sendo, além disso, limitada a participação das filiais ou sucursais de bancos italianos neste tipo de serviços.

16. Em 23 de Novembro de 1993, a Banca d'Italia iniciou um processo para analisar a compatibilidade com a Lei n.° 287/90 dos vinte e três acordos excluídos da investigação da Comissão. Esse processo acabou pela adopção, por parte da Banca d'Italia, da Decisão n.° 12, de 3 de Dezembro de 1994 , segundo a qual várias condições das NBU, incluídas algumas das controvertidas no presente processo, afectavam o jogo da concorrência e eram contrárias ao artigo 2.° da Lei n.° 287/90, que proíbe os acordos restritivos da concorrência em termos similares ao artigo 85.° do Tratado CE. Esta decisão instava a ABI a alterar as suas NBU em vários pontos e a comunicar essas alterações aos seus membros, precisando, além disso, o carácter meramente indicativo das NBU. A ABI cumpriu a decisão da Banca d'Italia e alterou as suas NBU, ainda que tal alteração careça de efeitos retroactivos e não incida, portanto, nos processos pendentes no Tribunale di Genova.

A aplicação do direito comunitário da concorrência ao sector bancário

17. A princípio, suscitaram-se dúvidas sobre a aplicação do direito comunitário da concorrência ao sector bancário, já que as suas actividades tinham relação com a política económica e monetária dos Estados-Membros. Esta circunstância podia permitir a invocação do n.° 2 do artigo 90.° e do artigo 104.° do Tratado para impedir a aplicação dos artigos 85.° e 86.° às actividades bancárias.

18. O Tribunal de Justiça solucionou de forma completa tais dúvidas em 1981 com o acórdão Züchner , em que afirmou a sujeição do sector bancário às regras da concorrência, salvo as actividades bancárias realizadas em execução de um acto do poder público, às quais se aplica o n.° 2 do artigo 90.°

19. A partir desse momento, a Comissão abandonou as suas dúvidas iniciais e começou a examinar os acordos interbancários que lhe foram notificados . A primeira decisão da Comissão referente ao sector bancário data de 1984 . Posteriormente, a Comissão adoptou um número limitado de decisões, em que sublinhou que os bancos e os demais estabelecimentos de crédito constituem empresas no sentido do artigo 85.° , por se tratar de entidades que exercem actividades económicas. Contudo, a atitude da Comissão em relação aos acordos interbancários foi sempre bastante «tolerante», dado que só num caso é que impôs multas às empresas bancárias. Trata-se da decisão Eurocheque: acordo de Helsínquia , objecto de recurso de anulação perante o Tribunal de Primeira Instância que, no acórdão CB e Europay/Comissão , anulou parcialmente essa decisão e reduziu a coima.

20. Para dar resposta às questões prejudiciais submetidas nos presentes processos, é interessante ter em conta alguns dos critérios utilizados pela Comissão nessas decisões, ao analisar a compatibilidade dos acordos interbancários com o artigo 85.° . Para esse efeito, é conveniente distinguir os acordos relativos a serviços entre bancos, os acordos relativos a serviços dos bancos aos clientes, os acordos sobre a determinação das taxas de juro activas e passivas e, por último, outros tipos de acordos interbancários.

21. A Comissão considerou contrários ao n.° 1 do artigo 85.° os acordos interbancários multilaterais entre bancos de um mesmo Estado e as decisões de associações bancárias nacionais relativas ao pagamento de comissões uniformes por determinados serviços que os bancos se prestam mutuamente. Contudo, concedeu-lhes isenções individuais em virtude do n.° 3 do artigo 85.° A mesma solução foi aplicada recentemente a um acordo bilateral de cooperação geral entre dois bancos pertencentes a Estados-Membros diferentes . Trata-se de acordos sobre o preço de serviços prestados entre bancos, que eliminam a concorrência, por serem adoptados de forma multilateral e aos quais a Comissão concede isenções porque facilitam a normalização e o desenvolvimento das actividades bancárias e evitam uma multiplicidade de negociações bancárias bilaterais que tornariam mais lento e dispendioso o preço do serviço . Entre os acordos interbancários deste tipo a que a Comissão concedeu uma isenção encontram-se os seguintes:

- O acordo do sistema Eurocheque, por força do qual se fixa uma comissão máxima de 1,25% do montante a qualquer cheque emitido no estrangeiro em moeda local; comissão que é suportada pelo banco emissor e pelo banco que faz o pagamento do cheque sem repercussão nos clientes (decisão Eurocheques uniformes).

- O acordo aplicado pelos bancos belgas em relação às comissões máximas aplicáveis entre si relativamente a qualquer operação de pagamento internacional efectuado em divisas procedentes do estrangeiro (decisão Association belge des banques) .

- Os acordos sobre as comissões exigíveis para a cobrança e/ou aceitação de valores, documentos, cheques bancários e outros títulos de crédito a pagar em Itália (decisão ABI) .

22. A Comissão mostrou-se mais rigorosa, em especial após o acórdão Züchner, com os acordos interbancários que fixavam as comissões exigíveis aos clientes por determinados serviços bancários. Considerou que esses acordos impedem os bancos de determinar com liberdade o preço dos serviços que proporcionam à clientela e constituem violação grave do n.° 1 do artigo 85.° , que não pode beneficiar de isenções. Na decisão Eurocheque: acordo de Helsínquia, a Comissão condenou o acordo entre os bancos franceses associados no Groupement des cartes bancaires «CB», pelo qual foi decidido onerar os comerciantes filiados com uma comissão quando estes apresentassem à cobrança eurocheques emitidos num banco estrangeiro, comissão que se somava à que os bancos franceses recebiam dos bancos estrangeiros através do sistema Eurocheque .

23. Quanto aos acordos interbancários referentes à determinação das taxas de juro activas e passivas, a Comissão não extraiu consequências do acórdão Züchner e não se pronunciou sobre esta questão na decisão ABI nem na decisão Association belge des banques. Não obstante, o Tribunal de Justiça confirmou a aplicação das normas comunitárias de concorrência a esses acordos interbancários sobre as taxas de juros activas e passivas no acórdão Van Eycke , do qual se deduz que uma regulamentação nacional, que só reserva uma isenção fiscal no imposto sobre o rendimento aos depósitos relativamente aos quais se respeitem as taxas de juros e os prémios máximos fixados legalmente, é contrária à alínea g) do artigo 3.° e aos artigos 5.° e 85.° , se a regulamentação retomar um acordo interbancário preexistente. Com base neste acórdão, a Comissão procedeu ao exame dos acordos sobre determinação das taxas de juros que lhe foram notificados, encerrando a sua investigação sem adoptar qualquer decisão repressiva.

24. Finalmente, a Comissão considerou que determinados acordos interbancários que lhe tinham sido notificados não infringem o n.° 1 do artigo 85.° , porque não restringem de modo sensível o jogo da concorrência ou não afectam o comércio entre os Estados-Membros.

25. No que toca ao requisito da afectação do comércio intracomunitário, os argumentos utilizados pela Comissão para determinar a sua existência não me parecem muito coerentes .

Por um lado, a limitação dos acordos ao território de um Estado-Membro não impediu a Comissão de determinar a existência de perturbação do comércio intracomunitário. Para chegar a esta conclusão, a Comissão teve em conta a participação de sucursais e filiais de bancos de outros Estados-Membros e de filiais estrangeiras de bancos nacionais nas associações bancárias que elaboraram os acordos , bem como o argumento de que «acordos nacionais de preços que abranjam todo o território de um Estado-Membro podem ter por efeito consolidar uma compartimentação de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica desejada pelo Tratado» .

Por outro lado, a Comissão atendeu à natureza do serviço bancário objecto do acordo para determinar se a sua prestação gerava ou não operações bancárias «transfronteiras». Quando assim sucedia (pagamentos internacionais, cobrança e/ou aceitação de títulos de crédito estrangeiros, operações com divisas, etc.), a Comissão considerou que existia perturbação do comércio intracomunitário. Quando o serviço bancário tinha um carácter «interno», por disposições contratuais ou por razões de ordem técnica, a Comissão entendeu que não afectava sensivelmente o comércio intracomunitário. A decisão ABI considerou como serviços bancários de carácter «interno» o acordo interbancário Bancomat de caixas automáticas, o serviço de cofres fortes, o serviço de guarda de valores e o serviço de pagamento de facturas de fornecimentos de água, telefone e gás.

26. Em minha opinião, os critérios utilizados pela Comissão, nas suas decisões relativas a acordos interbancários, para determinar a existência de perturbação do comércio intracomunitário devem ser revistos em profundidade, com a finalidade de reforçar a aplicação dos artigos 85.° e 86.° ao sector bancário. Com efeito, a distinção entre serviços bancários de natureza transfronteiriça e os de natureza puramente interna ou nacional não pode manter-se actualmente por várias razões que passo a expor.

Em primeiro lugar, o desenvolvimento tecnológico está revolucionando a actividade bancária e permite a prestação de serviços bancários em Estados-Membros distintos do Estado de origem do banco. Como a própria Comissão reconheceu, as novas tecnologias aplicadas à actividade bancária (balcões electrónicos, telefone e computador; o que se denomina «home banking») facilitarão também a prestação de serviços bancários fora do mercado nacional .

Em segundo lugar, a liberalização dos movimentos de capital na Comunidade e em todo o mundo facilitam a internacionalização de todas as actividades bancárias. Este fenómeno é estimulado pela globalização da economia mundial.

Por último, a Directiva 89/646/CEE , que estabeleceu 1 de Janeiro de 1993 como data-limite para a adaptação dos direitos internos dos Estados-Membros, facilitou o acesso dos bancos europeus aos mercados bancários dos Estados-Membros distintos do seu Estado de origem, ao introduzir a autorização bancária única . Esta segunda directiva de harmonização bancária contém os três pilares sobre os quais se edifica o mercado único bancário da Comunidade, que são a harmonização mínima das condições de exercício da actividade bancária, o reconhecimento mútuo das autorizações de exercício da actividade concedidas pelos Estados-Membros às entidades de crédito e o controlo único por parte do Estado-Membro de origem da entidade (home country control). A consolidação deste mercado bancário único será favorecida pela introdução da moeda única, quando se iniciar a terceira fase da União Económica e Monetária, em conformidade com o n.° 4 do artigo 109.° J do Tratado. O fomento da livre concorrência entre os bancos dos Estados-Membros constitui um elemento importante para o adequado funcionamento deste mercado único bancário e essa livre concorrência deve estender-se a todos os serviços oferecidos pelos bancos, pelo que não parece aceitável considerar que alguns destes serviços devem continuar a ser comercializados no quadro de mercados nacionais limitados ao território de cada um dos Estados-Membros.

27. É esta reflexão de carácter geral que orientará as respostas às questões prejudiciais submetidas no presente processo, que proponho a seguir.

As questões prejudiciais

28. Com as suas quatro questões prejudiciais, o Tribunale di Genova prentende que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a compatibilidade de determinadas cláusulas das NBU da ABI aplicáveis aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral associados aos anteriores, com o artigo 85.° (primeira e terceira questões) e com o artigo 86.° (segunda e quarta questões). Além disso, solicita que o Tribunal determine as consequências de uma declaração de incompatibilidade dessas NBU nos contratos individuais celebrados pelos bancos com os seus clientes (segunda e quarta questões).

Quanto à aplicação do artigo 85.°

29. O n.° 1 do artigo 85.° é aplicável quando se demonstre a existência de um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada, que afecte o comércio entre os Estados-Membros e que tenha por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

30. Nos presentes processos, o Tribunale di Genova considera incontestável que as condições gerais contidas nas NBU da ABI em relação aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral constituem uma decisão de associação de empresas no sentido do n.° 1 do artigo 85.° Por isso, não solicita que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre este ponto. Estou de acordo com esta apreciação do tribunal italiano, que é acertada, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a existência de decisões de associações de empresas e que tinha sido já mantida pela Comissão na sua decisão ABI e pela Banca d'Italia na sua Decisão n.° 12/94.

31. As dúvidas que o Tribunale di Genova formula com as suas primeira e terceira questões prejudiciais referem-se à existência, nos presentes processos, dos outros dois requisitos necessários para aplicação do n.° 1 do artigo 85.° , isto é, a restrição da concorrência e a perturbação do comércio intracomunitário.

A restrição da concorrência

32. Para que uma decisão de associação de empresas seja contrária ao n.° 1 do artigo 85.° é necessário que tenha «... por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum...». Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a concorrência é restringida, na acepção do n.° 1 do artigo 85.° , quando os operadores económicos deixem de determinar de maneira autónoma a sua estratégia comercial. Esta exigência de autonomia não os impede de adaptar-se inteligentemente ao comportamento dos seus concorrentes, mas é incompatível com o todo e qualquer contacto directo ou indirecto entre os operadores económicos, que tenha por objectivo ou por efeito alterar as condições normais de concorrência do mercado relevante, tendo em conta a natureza das prestações ou dos produtos fornecidos, a importância e o número de empresas e o volume de tal mercado .

33. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça , deve verificar-se, em primeiro lugar, se o objectivo da decisão de associação de empresas em si mesmo constitui uma restrição da concorrência. Se assim for, está preenchida a condição exigida pelo n.° 1 do artigo 85.° e não é necessário analisar os seus efeitos. Se o seu objectivo não for restringir a concorrência, prossegue uma análise dos seus efeitos para determinar se restringe ou não a concorrência .

Os efeitos de uma decisão de associação de empresas devem ser apreciados em função da concorrência que existiria no mercado relevante se tal decisão não tivesse existido. Por isso, o Tribunal de Justiça considera que o exame por parte da Comissão destas práticas restritivas da concorrência «... deve basear-se... numa apreciação dos acordos no seu conjunto...», que obriga a ter em conta tanto os efeitos reais como os efeitos potenciais destas decisões de associações de empresas na concorrência , bem como o contexto económico global em que se desenvolveria a concorrência na sua ausência . Além disso, é necessário que a decisão tenha um efeito sensível na concorrência .

34. No presente processo, as cláusulas controvertidas das NBU da ABI relativas aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral a eles ligados não têm por objectivo restringir a concorrência, mas produzem, em meu entender, um manifesto efeito restritivo da concorrência.

35. As cláusulas das NBU que se aplicam à determinação da taxa de juro da abertura de crédito limitam a autonomia dos bancos membros da ABI para estabelecerem a sua estratégia comercial em relação a este tipo de serviço financeiro. Com efeito, os bancos são obrigados pelas NBU a incluir nos contratos de abertura de crédito cláusulas mediante as quais podem aumentar a taxa de juro em função das variações do mercado monetário e sem necessidade de comunicação prévia nem consentimento do cliente, já que é suficiente o anúncio exposto nos locais do serviço bancário ou pela forma que o banco considere mais oportuna. Se bem que não se fixe directamente a taxa de juro que o banco cobra pela prestação do serviço, que pode ser objecto de negociação com o cliente, as referidas cláusulas das NBU impedem que um banco proponha à sua clientela condições mais vantajosas para os serviços de abertura de crédito, tais como taxas de juro fixas ou taxas de juros variáveis, mas com a obrigação de comunicação prévia das alterações ao cliente.

36. As cláusulas das NBU da ABI referentes ao contrato de fiança geral produzem também um efeito restritivo da concorrência na prestação do serviço financeiro de abertura de crédito. Estas cláusulas afastam-se das disposições do CC italiano e estabelecem condições muito favoráveis e protectoras para os bancos, no que toca à conclusão dos contratos de fiança geral . A existência destas NBU impede os bancos de oferecerem aos clientes que solicitem um serviço de abertura de crédito condições mais favoráveis para a celebração do contrato conexo de fiança geral. Para o cliente resultará tanto mais viável a busca de fiadores quanto menos restritivas forem as condições da fiança geral, que constituem, assim, um elemento relevante no momento de contratar um serviço de abertura de crédito com o banco.

37. As condições gerais das NBU influem, portanto, nas possibilidades dos bancos membros da ABI para decidirem as condições que desejariam reservar aos seus clientes em função da sua situação interna de rentabilidade, da sua especialização e da sua política comercial. Como a imensa maioria dos bancos italianos são membros da ABI, os clientes vêem drasticamente restringidas as suas possibilidades de escolha no momento de contratar uma abertura de crédito em conta corrente e uma fiança geral, já que as NBU restringem a concorrência entre os bancos e estes clientes não podem aspirar a obter vantagens por solicitar a prestação do serviço de abertura de crédito a uma ou a outra entidade bancária. As condições das NBU relativas à determinação da taxa de juro são uma componente do preço final que o cliente paga ao banco pelo serviço de abertura de crédito e constituem, portanto, um elemento fundamental da concorrência, que afecta inteiramente as relações entre entidades bancárias e clientela. A mesma reflexão se impõe relativamente às condições do contrato de fiança geral, que afectam a relação entre o banco e o cliente, ainda que não estejam directamente ligadas ao preço do serviço de abertura de crédito.

38. Quanto ao resto, as NBU relativas à abertura de crédito e à fiança geral produzem um efeito restritivo apreciável da concorrência, já que a margem de manobra dos bancos no momento de negociarem inicialmente a taxa de juro e as demais condições da abertura de crédito com o cliente é reduzida, sendo determinada em boa medida pelo nível das taxas de juro existentes nos mercados de capitais.

A incidência no comércio intracomunitário

39. Segundo uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, «para que uma decisão, um acordo ou uma prática concertada possa afectar o comércio entre Estados-Membros, deve, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, deixar prever, com suficiente grau de probabilidade, que (a decisão, acordo ou prática concertada) pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre o desenrolar das trocas comerciais entre Estados-Membros, de modo a fazer recear a criação de entraves à realização de um mercado único entre Estados-Membros» . Além disso, a incidência no comércio intracomunitário das práticas restritivas da concorrência deve ser sensível para que o comércio entre os Estados-Membros seja afectado na acepção do n.° 1 do artigo 85.° .

O Tribunal de Justiça afirmou também que «... o artigo 85.° , n.° 1, do Tratado não exige que os acordos que caem sob a alçada dessa disposição tenham efectivamente afectado de modo sensível as trocas comerciais intracomunitárias, prova que, aliás, na maior parte dos casos só muito dificilmente poderá ser feita, mas requer que seja provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito» . Por conseguinte, não é necessária a prova efectiva da restrição do comércio intracomunitário, mas basta demonstrar a existência de uma probabilidade suficiente de que o acordo tenha incidência no momento dos autos ou no futuro no comércio entre Estados-Membros .

40. No que toca às práticas restritivas da concorrência que se estendem a todo o território de um Estado-Membro, o Tribunal de Justiça considera que afectam o comércio intracomunitário, porque consolidam, pela sua própria natureza, compartimentações de carácter nacional que desta forma constituem obstáculo à interpenetração económica que o Tratado CE prossegue e asseguram protecção à produção nacional . Este prejuízo automático do comércio intracomunitário pelas práticas aplicadas em todo o território de um Estado-Membro é relativizado noutros acórdãos do Tribunal de Justiça, em que se têm em conta os meios dos participantes no acordo para assegurarem a fidelidade da clientela, a importância do acordo no mercado relevante e o contexto económico em que este se aplica . Portanto, existe uma forte presunção de que uma prática restritiva da concorrência aplicada em todo o território de um Estado-Membro afecta o comércio intracomunitário, que só é elidida se a análise das suas características e do contexto económico em que se insere demonstrar o contrário.

41. Nas observações apresentadas nos presentes processos, a Comissão considera que as NBU relativas aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral não afectam o comércio intracomunitário, pelo que não lhes é aplicável o artigo 85.° , mas, eventualmente, o direito italiano da concorrência. A Comissão fundamenta a sua conclusão em duas razões, isto é, os mencionados contratos referem-se a serviços bancários que não têm essencialmente carácter transfronteiriço e a prestação deste tipo de serviços não constitui um elemento determinante para a entrada no mercado financeiro italiano de bancos procedentes de outros Estados-Membros.

42. Em minha opinião, a argumentação da Comissão não se ajusta à jurisprudência do Tribunal de Justiça pois as NBU referentes aos contratos de abertura de crédito e de fiança geral afectam de maneira sensível o comércio intracomunitário. Existem várias razões que justificam esta conclusão.

Em primeiro ligar, a abertura de crédito em conta corrente é um serviço financeiro que admite qualquer das modalidades de prestação conhecidas no direito comunitário e, portanto, pode ter um carácter transfronteiriço. A mundialização das actividades bancárias, a utilização das novas tecnologias na prestação dos serviços financeiros e a implantação do mercado bancário único facilitam a realização de operações bancárias entre Estados-Membros relativas à abertura de crédito e à fiança geral. Assim, é perfeitamente imaginável que um cliente italiano se dirija a um banco estabelecido noutro Estado-Membro para celebrar um contrato de abertura de crédito em conta corrente se as condições oferecidas por tal banco lhe forem mais favoráveis que as aplicadas pelos bancos estabelecidos em Itália. Da mesma maneira, um banco de outro Estado-Membro pode estar interessado em prestar serviços de abertura de crédito em conta corrente em Itália a partir do seu Estado de origem ou mediante a abertura de filiais ou de sucursais em Itália. A plena implantação no mercado interno favorece a «comunitarização» de todos os serviços financeiros, pelo que a distinção feita pela Comissão nas suas decisões entre os serviços financeiros de carácter nacional e os de natureza transfronteiriça não me parece pertinente.

Em segundo lugar, as NBU da ABI, aplicadas por todos os seus membros, que são a quase totalidade dos bancos existentes em Itália, provocam uma compartimentação do mercado italiano dos serviços financeiros de abertura de crédito, que constitui obstáculo à implantação de um mercado único deste tipo de serviços em todos os Estados-Membros e à interpenetração económica que o Tratado CE prossegue.

Em terceiro lugar, existe um número importante de estabelecimentos bancários italianos que são filiais ou sucursais de bancos de outros Estados-Membros, que se vêem «forçados» a aplicar as NBU relativas ao serviço de abertura de crédito, pelas vantagens que o facto de pertencer à ABI supõe.

Em quarto lugar, as BNU constituem uma decisão de associação de empresas que se aplica ao conjunto do território de um Estado-Membro e que afecta a quase totalidade das operações bancárias, incluídas as de abertura de crédito e fiança geral. O contexto económico em que se inserem as NBU não oferece, em meu entender, qualquer elemento susceptível de desvirtuar a presunção de que uma prática restritiva deste tipo, aplicada em toda a Itália, afecta o comércio entre os Estados-Membros.

Por último, a abertura de crédito em conta corrente constitui o mais importante contrato bancário activo e através dele se presta um serviço financeiro de grande importância para os empresários . Se se considerar que o mercado relevante nos presentes processos é o constituído pelos serviços de abertura de crédito e de fiança geral a ele ligados, é incontestável que as NBU da ABI restringem de forma muito sensível o comércio intracomunitário, porque são aplicadas por quase todos os bancos instalados em Itália e porque reduzem drasticamente a concorrência no fornecimento desses serviços. Mesmo aceitando como mercado relevante o conjunto dos serviços bancários oferecidos em Itália, a importância do serviço de abertura de crédito e de fiança geral implica que as NBU da ABI referentes a estes serviços incidam de forma sensível e significativa no comércio intracomunitário.

43. As razões precedentes demonstram a existência de uma probabilidade suficiente de que as NBU afectam de forma sensível o comércio entre os Estados-Membros no momento do processo e o afectem no futuro.

44. Por conseguinte, considero que condições gerais, com as características das recolhidas nas NBU da ABI, relativas aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral, são contrárias ao artigo 85.° , n.° 1.

Quanto à aplicação do artigo 86.°

45. O artigo 86.° proíbe «na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste».

46. Nos presentes processos, o Tribunale di Genova pergunta se os bancos agrupados na ABI ocupam uma posição dominante colectiva e, em caso de resposta afirmativa, se a aplicação das NBU em matéria de contrato de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral nas relações entre esses bancos e seus clientes constitui uma exploração abusiva de tal posição, contrária ao artigo 86.°

47. A Comissão, nas suas observações, considera que o simples facto de a ABI agrupar a quase totalidade dos bancos italianos não é suficiente para considerar que os seus membros gozam de uma posição dominante colectiva no mercado bancário italiano. Compartilho plenamente desta opinião da Comissão, que se impõe com clareza à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

48. A jurisprudência comunitária admitiu a aplicação do artigo 86.° à chamada posição dominante colectiva, assinalando que não pode excluir-se que duas ou mais entidades económicas independentes que estejam, num mercado concreto, unidas por tais laços económicos que, por causa desse facto, se encontrem conjuntamente numa posição dominante em relação aos demais operadores do mesmo mercado . Segundo o Tribunal de Justiça, «para se concluir pela existência de uma posição dominante colectiva, é necessário que as empresas em causa estejam suficientemente ligadas entre si para poderem adoptar uma mesma linha de acção no mercado» .

Não pode justificar-se a existência de uma posição dominante colectiva através de uma simples «reciclagem» dos elementos constitutivos de uma infracção ao artigo 85.° , afirmando que as partes de um acordo ou de uma prática ilícita possuem conjuntamente uma importante quota de mercado, que, por essa única razão, se acham numa posição dominante colectiva e que o seu comportamento ilícito constitui o abuso de tal posição .

49. Em minha opinião, os bancos agrupados no seio da ABI não se encontram numa posição dominante colectiva no mercado bancário italiano, porque a pertença a esta associação não cria entre as diferentes entidades bancárias laços económicos de tal forma estreitos que estas adoptem uma mesma estratégia comercial.

50. A pertença à ABI não anula a actuação individual no mercado dos bancos que formam tal associação. Os membros da ABI apresentam-se no mercado como empresas com estratégias comerciais autónomas, que são coincidentes apenas naqueles serviços em relação aos quais a ABI adoptou uma decisão restritiva da concorrência, que todos eles seguem e que entra dentro do âmbito de aplicação do artigo 85.°

51. Se se considerasse que os membros da ABI se encontram numa posição dominante colectiva, esta figura seria aplicável a todas as associações profissionais que agrupam a maior parte das empresas de um sector económico concreto e as decisões destas associações seriam fiscalizáveis através do artigo 86.° em todos os casos. Produzir-se-ia, assim, de forma sistemática, uma «reciclagem» dos elementos constitutivos de uma infracção ao artigo 85.° , com vista à possível aplicação do artigo 86.° através da figura da posição dominante colectiva.

Neste sentido, creio que há uma clara diferença entre o grau de integração que existe entre as empresas agrupadas numa associação profissional, como a ABI, e as empresas integrantes de uma conferência marítima. Estas últimas podem ocupar uma posição dominante colectiva, como admitiu a jurisprudência comunitária porque se apresentam no mercado como uma só e única entidade face aos clientes. Contudo, as empresas integrantes de uma associação profissional não actuam no mercado como uma entidade integrada.

52. Portanto, entendo que as empresas integrantes de uma associação profissional com as características da ABI não ocupam uma posição dominante colectiva no mercado que justifique a aplicação do artigo 86.° às suas práticas comerciais uniformes.

Quanto aos efeitos da declaração de incompatibilidade com os artigos 85.° ou 86.° das NBU nos contratos dos bancos com os seus clientes

53. Com as suas segunda e quarta questões prejudiciais, o Tribunale di Genova pretende que o Tribunal de Justiça determine as consequências que uma declaração de incompatibilidade com os artigos 85.° ou 86.° das NBU referentes aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e da fiança geral tem nos contratos individuais celebrados pelos bancos com os clientes, que incorporam as condições gerais estabelecidas nas NBU.

54. O n.° 2 do artigo 85.° pune com nulidade os acordos ou decisões que infrinjam o n.° 1 do referido preceito. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta nulidade afecta o acordo ou a decisão de associação de empresas no seu conjunto se os elementos que violam especificamente o n.° 1 do artigo 85.° não foram cindíveis do acordo ou da decisão. Além disso, os órgãos jurisdicionais nacionais têm competência para reconhecer a nulidade por força do n.° 2 do artigo 85.° , dado que o artigo 85.° é uma norma com efeito directo.

No que toca às consequências da declaração da nulidade de pleno direito, existe uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual «... as consequências da nulidade das cláusulas contratuais incompatíveis com o artigo 85.° , n.° 1, relativamente aos outros elementos do acordo e a outras obrigações que dele emergem, não estão no âmbito do direito comunitário. Compete ao tribunal nacional apreciar, à luz do direito nacional aplicável, o alcance e as consequências, para o conjunto das relações contratuais, da eventual nulidade de algumas delas por efeito do artigo 85.° , n.° 2. É à luz do direito nacional que se deve nomeadamente apreciar se tal incompatibilidade pode ter como consequência obrigar os contratantes a adaptar o conteúdo do contrato a fim de o isentar da proibição...» .

55. Segundo esta jurisprudência, o órgão jurisdicional nacional deve aplicar o seu direito interno para determinar as consequências que a aplicação do n.° 2 do artigo 85.° a condições gerais como as NBU da ABI, aos contratos de abertura de crédito e de fiança geral podem ter na totalidade de uma decisão de associação de empresas, quando essas condições gerais sejam incompatíveis com o n.° 1 do artigo 85.°

Contudo, a questão que o Tribunale di Genova submete é diferente. Com efeito, este órgão jurisdicional pergunta quais as consequências da nulidade das NBU da ABI nos contratos de abertura de crédito e de fiança geral celebrados pelos bancos com os seus clientes e que aplicam condições gerais contrárias ao n.° 1 do artigo 85.°

56. Ainda que a questão seja diferente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida permite, como pôs em relevo a Comissão nas suas observações, uma resposta basicamente coincidente.

Se as consequências da nulidade de certas cláusulas de uma decisão de associação de empresas sobre os demais elementos da decisão se regem pelas normas do direito nacional, a fortiori as consequências de tal nulidade em contratos celebrados em aplicação de tal decisão devem determinar-se à luz das normas de direito interno relativas à nulidade dos contratos. Para este efeito, serão especialmente relevantes as normas internas referentes aos vícios do consentimento e à licitude do objecto ou da causa dos contratos.

O órgão jurisdicional nacional não é obrigado a deduzir automaticamente da nulidade dos elementos da decisão de associação de empresas, considerados nulos por força do n.° 2 do artigo 85.° , a nulidade dos contratos individuais celebrados em aplicação de tal decisão. É possível que outras sanções previstas no seu direito interno sobre contratos, tais como a anulabilidade, a inoponibilidade de algumas das suas cláusulas, a reparação do prejuízo ou a restituição do indevido, sejam mais adequadas para resolver cada caso concreto.

57. Esta liberdade do órgão jurisdicional nacional para aplicar o seu direito interno à determinação das consequências da nulidade nos contratos individuais celebrados com base em elementos de uma decisão de associação de empresas, que violam o artigo 85.° , tem um limite importante que resulta da jurisprudência geral do Tribunal de Justiça referente à tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares conferidos pelas normas comunitárias . Esta jurisprudência exige uma equivalência, tanto processual como material, entre a protecção dos direitos dos particulares lesados pela violação de uma norma de direito comunitário e a protecção conferida contra a lesão de direitos dos particulares provocada pela infracção de uma norma similar de direito interno.

Nos presentes processos, o direito italiano tem uma norma quase idêntica ao artigo 85.° Portanto, as consequências, nos contratos individuais entre bancos e clientes, da nulidade de determinadas condições gerais das NBU da ABI, por violação do artigo 85.° , devem ser similares às que se produziriam em caso de infracção ao preceito equivalente a tal artigo existente na Lei n.° 287/90.

58. Os bancos agrupados na ABI não se encontram, em minha opinião, em posição dominante colectiva e, por isso, considero que as NBU não infringem o artigo 86.° Não obstante, se tal infracção existisse, as suas consequências nos contratos individuais entre bancos e clientes, celebrados em aplicação das NBU, determinar-se-iam através das normas do direito interno . Esta solução impõem-se com mais clareza ainda em relação ao artigo 86.° , porque este preceito não contém qualquer previsão similar ao n.° 2 do artigo 85.°

59. Por conseguinte, os efeitos da incompatibilidade com o artigo 85.° de condições gerais, tais como as estabelecidas nas NBU da ABI para os contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral, relativas aos contratos individuais celebrados pelos bancos com os clientes, devem ser determinados pelos órgãos jurisdicionais nacionais em conformidade com as normas pertinentes dos seus direitos internos.

Conclusão

60. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunale di Genova da seguinte forma:

«1) Condições gerais com as características das claúsulas das NBU da ABI, relativas aos contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral, são contrárias ao artigo 85.° , n.° 1.

2) As empresas integrantes de uma associação profissional com as características da ABI não ocupam uma posição dominante colectiva no mercado que justifique a aplicação do artigo 86.° às suas práticas comerciais uniformes.

3) Os efeitos da incompatibilidade com o artigo 85.° de condições gerais, tais como as estabelecidas nas NBU da ABI para os contratos de abertura de crédito em conta corrente e de fiança geral, relativas aos contratos individuais celebrados pelos bancos com os clientes, devem ser determinados pelos órgãos jurisdicionais nacionais em conformidade com as normas pertinentes dos seus direitos internos.»