61996C0157

Conclusões apensas do advogado-geral Tesauro apresentadas em 30 de Setembro de 1997. - The Queen contra Ministry of Agriculture, Fisheries and Food, Commissioners of Customs & Excise, ex parte National Farmers' Union, David Burnett and Sons Ltd, R. S. and E. Wright Ltd, Anglo Beef Processors Ltd, United Kingdom Genetics, Wyjac Calves Ltd, International Traders Ferry Ltd, MFP International Ltd, Interstate Truck Rental Ltd e Vian Exports Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido. - Processo C-157/96. - Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte contra Comissão das Comunidades Europeias. - Processo C-180/96. - Agricultura - Polícia sanitária - Medidas de emergência contra a encefalopatia espongiforme bovina - Doença dita 'das vacas loucas'.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02211


Conclusões do Advogado-Geral


1 As presentes conclusões dizem respeito a dois processos distintos, a saber, um reenvio a título prejudicial efectuado pela High Court of Justice, Queen's Bench Division (processo C-157/96) e um recurso interposto pelo Reino Unido contra a Comissão (processo C-180/96).

Em ambos os processos está em causa a validade da Decisão 96/239/CE da Comissão, de 27 de Março de 1996, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme dos bovinos (1) (a seguir «decisão»), notificada no próprio dia ao conjunto de Estados-Membros. Ao adoptar tal decisão, a Comissão impôs ao Reino Unido a proibição de exportar para outros Estados-Membros e países terceiros bovinos vivos e carne de bovino, bem como determinados produtos derivados.

Contexto factual e regulamentar anterior à decisão

2 Convém antes de mais recordar que a encefalopatia espongiforme dos bovinos (a seguir «EEB»), mais conhecida pela designação de doença «das vacas loucas», faz parte de um grupo de doenças degenerativas do cérebro, caracterizadas pelo aparecimento de alterações dos tecidos cerebrais, que apresentam aspecto esponjoso no exame ao microscópio, e pela presença, nesses tecidos e, por vezes, noutros tecidos, de uma forma anormal de uma proteína, a saber, a proteína do prião. Trata-se de doenças que atacam inúmeras espécies animais, designadamente os ovinos («tremor epizoótico dos ovinos»), bovinos, gatos domésticos e visões de criação, mas também os seres humanos (pense-se, por exemplo, na doença de kuru na Nova-Guiné ou ainda na doença de Creutzfeldt-Jakob, que se manifesta particularmente nas pessoas idosas).

A natureza exacta dos agentes infecciosos que estão na origem da EEB transmissível permanece ainda desconhecida. As informações actualmente disponíveis permitem relacionar a EEB com a utilização, na alimentação dos bovinos, de farinhas de carne e de ossos de ovinos ou bovinos contendo o agente infeccioso, que não foram sujeitas a adequado tratamento. A questão de saber se existem outras vias de transmissão da doença é objecto de discussão. No momento actual, a transmissibilidade vertical, pela mãe, ou horizontal, designadamente através de contactos, apenas foi verificada em determinados tipos de EEB transmissíveis, como o «tremor epizoótico dos ovinos». Além disso, experiências permitiram comprovar a transmissibilidade, em certos casos, de determinadas EEB de uma espécie animal para outra.

3 A hipótese de transmissibilidade do agente da doença bovina para a espécie humana apenas foi encarada na sequência da identificação do primeiro caso de EEB no Reino Unido, que ocorreu em 1986. Numerosas medidas preventivas foram de imediato adoptadas nesse país. Em especial, o «Ruminant Feed Ban», constante do «Bovine Spongiforme Encephalopathy Order 1988» (2), proibiu, a partir de Julho de 1988, a utilização na alimentação dos ruminantes de proteínas de ruminantes, suspeitas de ser fonte de contaminação. Essa mesma regulamentação impôs, na sequência de diversas alterações, a obrigação de notificar qualquer caso suspeito e de abater todos os bovinos suspeitos, adoptando, além disso, restrições à circulação de tais bovinos e prevendo controlos da destruição das carcaças desses animais, bem como a obrigação de desinfecção das instalações. Ademais, por força dos «Bovine Offal (Prohibition) Regulations 1989» (3), foram proibidas, a partir de Novembro de 1989, a venda e utilização dos alimentos destinados ao consumo humano de determinadas miudezas especificadas de bovinos (mioleira, medula espinal, baço, timo, amígdalas e intestinos) susceptíveis de conter o agente infeccioso. Essa proibição foi ampliada às cabeças de bovinos, com excepção da língua, pela «Specified Bovine Order 1996» (4).

4 A Comissão adoptou também determinado número de medidas preventivas contra a EEB, entre as quais, designadamente, a Decisão 94/474/CE, de 27 de Julho de 1994, que diz respeito a determinadas medidas de protecção relativas à encefalopatia espongiforme bovina e revoga as Decisões 89/469/CEE e 90/200/CEE (5). Por esta decisão, a Comissão impôs: a proibição de exportação do Reino Unido para os demais Estados-Membros de bovinos vivos com mais de seis meses e de bovinos vivos oriundos de vacas relativamente às quais exista suspeita ou a confirmação de EEB; a proibição de exportação do Reino Unido para outros Estados-Membros de carnes frescas de bovinos, excepto se provierem de bovinos com menos de dois anos e meio à data de abate, ou de bovinos que, estando no Reino Unido, hajam permanecido exclusivamente em explorações em que nenhum caso de EEB tenha sido confirmado durante os seis anos anteriores, ou, por último, se se tratar de carne de bovino fresca desossada sob a forma de músculo, limpa dos tecidos aderentes, incluindo os tecidos nervosos e linfáticos aparentes; e a instituição de um regime de identificação adequado (marcação a frio ou tatuagem) e de um regime de certificação garantindo a conformidade dos animais com as prescrições acima referidas.

Convém também recordar que a Comissão proibira já, pela Decisão 92/290/CEE, de 14 de Maio de 1992, relativa a determinadas medidas de protecção de embriões de bovino contra a encefalopatia espongiforme bovina (EEB) no Reino Unido (6), a exportação a partir do Reino Unido para outros Estados-Membros de embriões de bovinos provenientes de dadoras nascidas antes de 1988 ou descendentes de fêmeas que se suspeite estarem atingidas por EEB.

5 Novas informações sobre a EEB e a possibilidade de transmissão ao homem foram divulgadas, em 20 de Março de 1996, pela difusão de um aviso do Spongiforme Encephalopathy Advisory Committee (comité consultivo sobre a encefalopatia espongiforme bovina; a seguir «SEAC»), órgão científico independente exercendo funções consultivas junto do Governo do Reino Unido. Em especial, o SEAC constatava que a unidade de fiscalização da doença de Creutzfeldt-Jakob de Edimburgo identificara dez casos de uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob em pessoas com a idade máxima de 42 anos, que apresentavam sintomas clínicos e neurológicos atípicos. Na opinião do SEAC, «apesar de não haver qualquer prova directa da existência de um nexo, no estado actual dos dados disponíveis e na ausência de qualquer alternativa credível, a explicação actualmente mais provável é a de que tais casos estão relacionados com a exposição à EEB antes da adopção da proibição relativa aos abates especificados de bovinos em 1989. Isto é profundamente preocupante». O SEAC sublinhava, em consequência, salientando embora ser demasiado cedo para prever o número de casos eventualmente susceptíveis de se virem a declarar no futuro, ser imperativo aplicar correctamente as medidas em vigor de protecção da saúde pública, recomendando um controlo constante que assegurasse a extracção total da medula espinal. No mesmo parecer, o SEAC recomendava, além disso, que as carcaças de bovinos com mais de 30 meses fossem desossadas em estabelecimentos autorizados, controlados pelo «Meat Hygiene Service», e que os restos do corte fossem classificados como miudezas específicas de carne de bovino, e, por último, que fosse proibida a utilização de farinha de carne e de ossos de mamíferos na alimentação de todos os animais de criação. O SEAC concluía que, se tais recomendações fossem cumpridas, seria extremamente pequeno o risco relacionado com o consumo de carne de bovinos.

O SEAC confirmou estas primeiras recomendações num segundo parecer de 24 de Março de 1996, em que referia a impossibilidade de uma estimativa rigorosa do risco em virtude de grande número de «incertezas que se repercutem entre si, relativas, em especial, à amplitude da barreira interespécies entre bovinos e o homem; à inexistência de dados quanto aos graus de contágio de todo um conjunto de tecidos de bovinos importantes, que se situam aquém do nível detectável pelos testes analíticos actuais; à desigual distribuição da susceptibilidade de infecção nos tecidos; ao prazo decorrido antes do aparecimento do contágio durante o período de incubação; à questão de saber se existe um valor abaixo do qual não há qualquer risco de infecção». O SEAC repetiu a proibição de utilização de farinhas de carne e de ossos de mamíferos, desaconselhando também a utilização de tais farinhas como adubo em terras a que os ruminantes possam ter acesso.

6 No próprio dia em que o SEAC comunicou o seu parecer, o Reino Unido informou a Comissão da adopção de medidas nacionais suplementares prevendo, por um lado, a desossagem em estabelecimentos autorizados das carcaças de bovinos com mais de 30 meses, bem como a proibição de venda ou utilização dos restos do corte para consumo humano, e, por outro, a proibição de utilização na alimentação de todos os animais de criação da farinha de carne e de ossos provenientes de mamíferos.

Quase ao mesmo tempo, diversos Estados-Membros e vários países terceiros decidiram, contudo, proibir a importação de bovinos vivos e de carne de bovino proveniente do Reino Unido. Aliás, alguns países terceiros impuseram tal proibição relativamente a todas as importações provenientes da União Europeia.

7 Por seu lado, na sequência de tais informações, a Comissão consultou o Comité Científico Veterinário, o qual concluiu no sentido de, no estádio actual, não existir qualquer prova da transmissibilidade da EEB ao homem. Contudo, esse comité, recordando não poder ser excluída tal possibilidade, afirmou a necessidade de se verificar, à luz das novas informações, se as medidas comunitárias actuais eram adequadas, acrescentando, nomeadamente, que, atendendo à importância da doença, qualquer medida adoptada pela Comunidade Europeia para fazer face aos efeitos da doença e aos riscos de transmissão devia ser favoravelmente acolhida. Em anexo a esse parecer, consta uma declaração do doutor Ring, um dos membros do comité, segundo a qual «não podemos estar seguros de que a carne de bovino sob a forma de músculos não representa um perigo de transmissão da doença de EEB» (7).

É neste contexto que se inscreve, assim, a adopção, pela Comissão, da decisão que é objecto dos dois processos em análise.

A decisão

8 De acordo com o respectivo artigo 1._, a decisão determina que:

«Na pendência de uma análise global da situação e não obstante as disposições comunitárias adoptadas em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme dos bovinos, o Reino Unido não expedirá do seu território com destino aos demais Estados-Membros e a países terceiros:

- bovinos vivos, sémen e embriões de bovinos,

- carne de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido,

- produtos obtidos a partir de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido susceptíveis de entrar na cadeia alimentar humana ou animal, ou destinados a uso médico, cosmético ou farmacêutico,

- farinhas de carne e ossos provenientes de mamíferos.»

A decisão impõe também ao Reino Unido a transmissão quinzenal à Comissão de um relatório sobre a aplicação das medidas adoptadas em matéria de protecção contra a EEB (artigo 3._), e convida-o a apresentar novas propostas tendentes a erradicar a EEB do seu território (artigo 4._).

9 A decisão baseia-se no Tratado, bem como na Directiva 89/662/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário, na perspectiva da realização do mercado interno (8), e na Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno (9), tal como entretanto alteradas e completadas.

Estas duas directivas foram adoptadas com base no artigo 43._ do Tratado e «na perspectiva da realização do mercado interno». A Directiva 89/662 rege, de forma geral, os controlos veterinários susceptíveis de ser praticados nas fronteiras no quadro das trocas intracomunitárias: o objectivo consiste em limitar esses controlos ao local de partida, designadamente através da harmonização das exigências essenciais relativas à protecção da saúde humana e animal. A directiva impõe aos Estados-Membros, entre outras, a obrigação de informar a Comissão das doenças que comportem riscos graves para a saúde humana e animal e de lhe comunicar as medidas adoptadas (artigo 9._, n._ 1). Em tais casos, a Comissão está obrigada a adoptar as medidas eventualmente necessárias, após o exame imediato da situação no seio do Comité Veterinário e nos termos do processo previsto no artigo 17._ da referida directiva; a Comissão está, além disso, obrigada a seguir constantemente a evolução da situação e, ainda nos termos do processo previsto no artigo 17._, a alterar ou revogar, em função de tal evolução, as decisões tomadas (artigo 9._, n._ 4). O processo instituído pelo referido artigo 17._ prevê a consulta do Comité Veterinário Permanente, que decide nos termos da maioria prevista no n._ 2 do artigo 148._ do Tratado para a adopção dos actos do Conselho. A Comissão adoptará as medidas desde que sejam conformes com o parecer do comité; caso contrário, submete-as ao Conselho, que as aprovará por maioria qualificada ou as rejeitará por maioria simples. Na ausência de decisão do Conselho no prazo de quinze dias, a Comissão adoptará as medidas.

A Directiva 90/425 incide, particularmente, sobre o comércio de determinados animais vivos e produtos de origem animal, definindo, no artigo 10._, no que aqui nos interessa, um regime idêntico ao que acabámos de recordar a propósito da Directiva 89/662.

10 A fundamentação da decisão refere as novas informações científicas na matéria, o anúncio de medidas suplementares adoptadas pelo Governo do Reino Unido, as medidas adoptadas pelos vários Estados-Membros de proibição das importações e o parecer do Comité Científico Veterinário. Mais especificamente, os quinto, sexto e sétimo considerandos estão assim redigidos:

«considerando que, na actual situação, não é possível tomar uma posição definitiva sobre os riscos de transmissão da EEB ao homem; que este risco não pode ser excluído; que a incerteza resultante desta situação é fonte de preocupações para os consumidores; que, nestas condições, e a título de medida de emergência, afigura-se adequado proibir, transitoriamente, a expedição de bovinos, de carne de bovino ou de produtos derivados do território do Reino Unido para os outros Estados-Membros; que esta proibição deve aplicar-se igualmente às exportações para países terceiros, a fim de evitar qualquer desvio de tráfego;

considerando que a Comissão procederá, nas próximas semanas, a uma inspecção comunitária no Reino Unido, com o objectivo de apreciar a aplicação das medidas adoptadas; que é ainda conveniente aprofundar, em termos científicos, o alcance das novas informações e estudar as medidas a adoptar;

considerando que, por conseguinte, a presente decisão deve ser revista após análise dos elementos supramencionados».

11 A decisão vem, assim, na sequência de inúmeras medidas adoptadas nestes últimos anos, não apenas pelo Reino Unido, mas também pela Comissão (como enumeradas no primeiro considerando), para lutar contra a EEB, designadamente no intuito de proteger a saúde animal e humana na Comunidade. A decisão foi adoptada «na pendência de uma análise global da situação», de acordo com a obrigação, tal como definida nas referidas directivas, de controlo permanente e de adaptação das medidas em função da evolução da situação.

Tal obrigação conduziu a Comissão a adoptar, em 11 de Junho de 1996, a Decisão 96/362/CE (10) através da qual alterou e atenuou, sempre «na pendência de uma análise global da situação», as medidas preventivas impostas pela decisão. A Comissão chegou a esse resultado após consultar o Comité Científico Veterinário, o Comité Científico de Cosmetologia, o Comité Científico da Alimentação Humana e o Comité das Especialidades Farmacêuticas.

12 Com base nas informações suplementares fornecidas (11), a Decisão 96/362 levantou a proibição de exportação de esperma de bovinos que o Comité Científico Veterinário entendera, no parecer de 26 de Abril de 1996, não apresentar «risco de transmissão da EEB». Para outros produtos, tais como a gelatina, o fosfato dicálcico, os aminoácidos e os péptidos, o sebo e os produtos ou derivados do sebo, esta decisão condicionou o levantamento da proibição à aplicação de determinados métodos de fabrico e à instituição pelo Reino Unido de controlos eficazes (artigo 1._, n._ 2). Além disso, o Reino Unido foi obrigado a não exportar carnes, produtos ou preparações à base de carne, nem para consumo humano nem destinadas a animais domésticos carnívoros, provenientes de bovinos não abatidos no Reino Unido, excepto se provierem de estabelecimentos situados no Reino Unido e forem sujeitos a controlos veterinários precisos e estritos (artigo 1._-B). Por último, a Comissão foi encarregada de efectuar inspecções comunitárias, nomeadamente no que respeita à aplicação dos controlos oficiais, e, em consequência, fixar, após consulta dos Estados-Membros reunidos no Comité Veterinário Permanente, a data em que poderão recomeçar as exportações dos produtos em causa (artigo 1._-C).

No essencial, o alcance da decisão foi reduzido, visto o esperma e, sob determinadas condições, a gelatina, o fosfato dicálcico, os aminoácidos e os péptidos, o sebo e os produtos ou derivados do sebo terem sido excluídos da proibição de exportação.

Os dois processos em análise

- Processo C-157/96

13 As demandantes no processo principal são a National Farmers' Union, associação profissional que representa a maioria dos empresários agrícolas em Inglaterra e no País de Gales, bem como nove empresas especializadas na criação para venda, alimentação, estabulação, transporte e exportação de bovinos, dos respectivos espermas e embriões, e na transformação e exportação de carne de bovino e de produtos derivados. As demandantes impugnaram na High Court of Justice, Queen's Bench Division, determinados diplomas nacionais adoptados pelos demandados no processo principal, o Ministry of Agriculture, Fisheries and Food (Ministério da Agricultura, da Pesca e da Alimentação) e os Commissioners for Customs and Excise (serviços de cobrança dos direitos aduaneiros e impostos sobre consumos específicos), em aplicação do artigo 1._ da decisão. Onze exportadores de carne e uma associação de exportadores de ovinos intervieram, além disso, no órgão jurisdicional nacional, em apoio das conclusões das demandantes.

Na opinião das demandantes, os diplomas nacionais impugnados estão viciados em virtude da nulidade da decisão (12). Em apoio dessa tese, invocaram, em primeiro lugar, a incompetência da Comissão para adoptar a decisão, dado que as Directivas 86/662 e 90/425 apenas habilitaram a Comissão para adoptar medidas destinadas a garantir a protecção contra riscos graves para a saúde das pessoas e/ou dos animais e, ao mesmo tempo, necessárias para esse efeito; além disso, em nenhum caso as directivas em causa conferiram à Comissão o poder de estabelecer uma proibição de exportação de um Estado-Membro para países terceiros. Em segundo lugar, a decisão está viciada por desvio de poder na medida em que, contrariamente às finalidades prosseguidas pelas directivas em que se baseia, tem por finalidade principal não assegurar a protecção contra um risco grave para a saúde, mas tranquilizar os consumidores. Por último, a decisão viola o princípio da proporcionalidade: com efeito, não é necessária nem adequada para serenar as inquietações dos consumidores ou proteger a saúde humana, mesmo que se admita que tal foi o objectivo efectivamente prosseguido, o que as demandantes contestam.

14 Tendo considerado que a única questão controvertida no processo principal tem por objecto a validade, à luz do direito comunitário, da proibição instituída pela artigo 1._ da decisão, a High Court decidiu que, para efeitos da solução do litígio nela pendente, era necessário submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. A questão submetida tem a seguinte redacção:

«É o artigo 1._ da Decisão 96/239/CE da Comissão, de 27 de Março de 1996, total ou parcialmente inválido, em especial porque a Comissão não tinha poderes ou então porque incorreu em desvio dos poderes para adoptar a decisão, ou porque esta infringe o princípio da proporcionalidade?»

O órgão jurisdicional a quo interroga, pois, o Tribunal de Justiça sobre a eventual invalidade do artigo 1._ da decisão por incompetência da Comissão e/ou desvio de poder, bem como por violação do princípio da proporcionalidade.

- Processo C-180/96

15 A mesma decisão é objecto de recurso directo interposto pelo Reino Unido, nos termos do artigo 173._ do Tratado (13). Nesse recurso, o Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão ou, a título subsidiário, anular o artigo 1._ da decisão, na medida em que se aplica: aos bovinos vivos cuja exportação foi autorizada pela Decisão 94/474; ao esperma e aos embriões de bovinos vivos; às carnes provenientes de bovinos com menos de 30 meses abatidos no Reino Unido ou às carnes provenientes de bovinos relativamente aos quais esteja certificado provirem de manadas que nunca tiveram casos de EEB e não terem estado expostos a qualquer fonte real ou potencial de contaminação alimentar; aos produtos obtidos a partir de bovinos abatidos no Reino Unido susceptíveis de entrar na cadeia alimentar animal ou humana, ou também no fabrico de materiais para uso médico, cosmético ou farmacêutico; à gelatina e ao sebo; às exportações para países terceiros (salvo se, eventualmente, existir risco efectivo de desvio de tráfego).

O Reino Unido impugnou também, no mesmo recurso, as tomadas de posição da Comissão posteriores à decisão, na medida em que não reduziram o alcance desta, contrariamente ao desejo que havia manifestado. No essencial, pede que sejam também anulados os «actos» que confirmaram a proibição de exportação imposta pela decisão (14).

16 Partindo da premissa de que a decisão e os demais actos impugnados, longe de se justificarem por razões de protecção da saúde, foram adoptados para eliminar ou, pelo menos, serenar a inquietação dos consumidores e proteger assim o mercado no sector em causa, ou seja, por razões económicas, o Reino Unido sustenta, em primeiro lugar, que a respectiva adopção não cai sob a alçada nem da competência nem do poder de apreciação da Comissão. Sobre este ponto, acrescenta que a decisão de isolamento total, atendendo às demais medidas já adoptadas no Reino Unido e na Comunidade para combater a EEB, é sobretudo contraprodutiva, visto traduzir-se num obstáculo não justificado às trocas comerciais, que se traduz em desvio de poder. Em segundo lugar, a decisão está viciada por falta de fundamentação. Em terceiro lugar, viola o princípio da proporcionalidade. Em quarto lugar, a decisão estabelece uma discriminação ilegal, como tal proibida pelos artigos 6._ e 40._, n._ 3, do Tratado, entre os produtores e consumidores do Reino Unido, por um lado, e os produtores e consumidores dos outros Estados-Membros, por outro; além disso, não se justifica por nenhum dos objectivos referidos no n._ 1 do artigo 39._ do Tratado. Em quinto lugar, o artigo 1._, terceiro travessão, da decisão é inválido na medida em que não respeita nem o princípio da segurança jurídica nem a obrigação de fundamentação, dizendo respeito a produtos cuja regulamentação não é da competência da Comissão. Por último, o Reino Unido sustenta que as Directivas 89/662 e 90/425 devem ser declaradas ilegais na hipótese de serem interpretadas no sentido de autorizarem a ampliação da proibição de exportação aos produtos referidos no terceiro travessão do artigo 1._ da decisão, visto tratar-se de produtos não referidos no Anexo II do Tratado, dessa forma não abrangidos pelas directivas em causa.

Por seu lado, a Comissão contesta o bem fundado das acusações que acabam de ser expostas e conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso na sua totalidade e condenar o Reino Unido nas despesas.

17 Considerando os elementos precedentes, é perfeitamente óbvio que os fundamentos invocados pelo Reino Unido abrangem também os vícios de validade considerados pelo órgão jurisdicional nacional na questão prejudicial que é objecto do processo C-157/96. Por outro lado, sendo que os argumentos desenvolvidos perante o Tribunal de Justiça relativos aos vícios invocados em ambos os processos são no essencial idênticos, consideramos adequado abordar frontalmente o processo C-180/96 (Reino Unido/Comissão), para em seguida retirar dessa análise também resposta à questão submetida pelo órgão jurisdicional a quo no processo C-157/96 (National Farmers' Union e o.).

Quanto ao mérito

- Quanto à competência da Comissão

18 Como já foi referido, por este fundamento o Reino Unido, bem como, aliás, as demandantes no processo C-157/96, invocam que a adopção da decisão não cai sob a alçada nem da competência nem do poder de apreciação da Comissão. Mais precisamente, sustentam que as directivas que constituem a base jurídica de tal decisão não autorizam a adopção de medidas que, como sucede com as impostas pela decisão, se destinam a tranquilizar os consumidores, mas apenas de medidas tendo por finalidade proteger a saúde das pessoas e/ou animais: longe de facilitar a realização do mercado interno, a decisão constitui, em consequência, um entrave injustificado às trocas comerciais. Esta mesma decisão, precisamente porque foi adoptada para restabelecer a confiança dos consumidores no sector da carne de bovino e não, pelo contrário, para proteger a respectiva saúde, é, além disso, o resultado de um desvio de poder. Por último, na opinião daquele governo, em nenhum caso as directivas em causa autorizam a adopção de medidas contendo a proibição de exportação para países terceiros.

A Comissão refuta tais argumentos sustentando que: a) as directivas em que se baseia a decisão a autorizam a tomar medidas com vista à protecção da saúde em casos como o vertente; b) a decisão visa precisamente proteger a saúde e, enquanto tal, não comporta, em consequência, qualquer obstáculo injustificado às trocas comerciais; c) a decisão, não tendo sido adoptada por motivos diversos do da protecção contra um risco grave para a saúde, de forma alguma padece de desvio de poder; d) a ampliação da proibição de exportação também aos países terceiros é indispensável para se obter o isolamento total da zona infectada, por forma a assegurar a erradicação completa da doença e, ao mesmo tempo, reduzir o eventual risco de fraude e desvio de tráfego.

19 Observe-se, antes de mais, que o fundamento em causa se baseia essencialmente no argumento de que a decisão não visa proteger a saúde mas, como expressamente referido no seu quinto considerando, eliminar as graves preocupações criadas junto dos consumidores e, assim, restabelecer a respectiva confiança no sector da carne de bovino. Em consequência, ter-se-ia de admitir tratar-se de uma decisão adoptada para evitar o colapso do mercado da carne de bovino nos outros Estados-Membros, ou seja, por razões eminentemente económicas. Deste ponto de vista, a Comissão teria ultrapassado os limites da sua competência, não pelo facto de as Directivas 90/425 e 89/662 não constituírem base jurídica adequada para a adopção de medidas destinadas a proteger a saúde, pelo menos no âmbito das trocas comerciais intracomunitárias e no que lhes diz respeito, mas antes em virtude de, no caso vertente, não estarem reunidas as condições para a adopção de tal tipo de medidas.

Nestas condições, parece-nos importante estabelecer em primeiro lugar se o objectivo prosseguido pela decisão consiste efectivamente em proteger a saúde ou, pelo contrário, em tranquilizar os consumidores, para em seguida verificar se as informações de que a Comissão dispunha eram de molde a justificar a adopção da decisão e, por último, determinar se as directivas em causa constituíam base jurídica adequada também para a proibição de exportação para países terceiros.

20 Uma vez que, no caso vertente, é, pois, pacífico, e de qualquer forma incontestável, que a Comissão está habilitada a, com base nas Directivas 90/425 e 89/662, tomar medidas destinadas a responder ao aparecimento de doenças ou de causas susceptíveis de comportar riscos graves para os animais e/ou a saúde humana, diga-se desde já que a decisão deve ser considerada conforme aos objectivos das duas directivas que lhe serviram de base jurídica. Com efeito, essas directivas obrigam cada Estado-Membro a comunicar à Comissão e aos demais Estados-Membros qualquer doença, zoonose ou causa susceptível de constituir perigo para a saúde das pessoas e/ou animais, conferindo à Comissão competência para adoptar «as medidas necessárias para os animais... e, se a situação o exigir, para os produtos derivados desses animais» (15). A Comissão goza, em consequência, de um amplo poder de apreciação para a adopção das medidas julgadas necessárias para proteger a saúde, poder esse que seria aliás simplista considerar como mero instrumento da realização do mercado interno. Com efeito, a protecção da saúde é não apenas uma exigência a atender no âmbito das disposições relativas à livre circulação como também em função dos objectivos prosseguidos pela política agrícola comum (16), constituindo ainda objectivo prioritário a que o Tratado atribui alcance autónomo e, em definitivo, superior (17).

21 Dito isto, o quinto considerando da decisão é claro e inequívoco quando afirma que, «na actual situação, não é possível tomar uma posição definitiva sobre os riscos de transmissão da EEB ao homem» e que «este risco não pode ser excluído». Como o Tribunal de Justiça salientou no despacho em que indeferiu o pedido de medidas provisórias, não é correcto isolar tais afirmações «e apenas ter em conta a frase relativa às preocupações dos consumidores» (18), devendo, pelo contrário, o texto controvertido ser tomado em consideração na sua globalidade. Tal visão do texto põe perfeitamente em evidência que o objectivo da decisão, tal como resulta do conjunto dos considerandos, reside precisamente em evitar o risco, e as preocupações a ele relativas, para a saúde humana e animal.

Também não nos parece poder afirmar-se, como o Reino Unido também sustentou, que a existência da EEB, na medida em que é já conhecida desde há alguns anos, não constitui fenómeno novo, com a consequência suplementar de a decisão não se justificar de forma alguma e de, designadamente, não estarem reunidas as condições a que as Directivas 90/425 e 89/662 subordinam a competência para agir da Comissão. Quanto a este ponto, basta salientar que as directivas em causa de forma alguma exigem, para que a Comissão possa intervir, que a doença em causa surja pela primeira vez, mas, de forma muito mais simples, que se trate de uma doença susceptível de comportar risco grave para a saúde. É evidente que o alastramento de dada doença ou uma mudança nas informações científicas a ela relativas constituem elementos novos que legitimam a acção da Comissão.

22 Nesta perspectiva, e sem que seja necessário aventurarmo-nos em apreciações de ordem científica quanto à gravidade da EEB e à sua transmissibilidade ao homem sob a forma de doença de Creutzfeldt-Jakob, observaremos, ainda, que o risco para a saúde humana constitui uma possibilidade efectiva que, aliás, ninguém nos processos em análise entendeu poder excluir. Na realidade, foi o próprio Governo do Reino Unido que tornou públicas as primeiras informações quanto à provável relação entre a EEB e determinados casos de doença de Creutzfeldt-Jakob (19). Além disso, a decisão apenas veio dar maior rigor - precisamente em função das novas informações divulgadas - a medidas (perfeitamente incontestadas) que haviam sido anteriormente tomadas pela Comissão e pelo próprio Reino Unido, ao mesmo tempo que uniformizava o alcance para o conjunto da Comunidade das medidas que alguns Estados-Membros tinham adoptado unilateralmente na sequência dos últimos desenvolvimentos na matéria.

Consideramos que tais elementos podem e devem bastar para concluir que a Comissão não cometeu qualquer desvio de poder ao adoptar a decisão e que esta se inscreve dentro dos limites dos poderes que as referidas directivas conferem à Comissão. Na realidade, tendo em conta as proporções com que a EEB se expandiu no gado e a probabilidade da sua transmissão ao homem, é forçoso reconhecer que a decisão visa garantir a protecção da saúde contra um risco grave para os animais e/ou seres humanos e que tal objectivo podia seguramente ser prosseguido pela Comissão através das medidas de protecção consideradas necessárias e de acordo com os processos previstos nas disposições aplicáveis das directivas em que a referida decisão se baseia. Aliás, o próprio Governo do Reino Unido contesta a competência da Comissão não em função da inexistência da gravidade do risco relacionado com tal doença, mas em virtude de se tratar de um risco que não é novo, relativamente ao qual a Comissão adoptara, anteriormente, medidas preventivas (adequadas). Tal argumentação, em definitivo, diz, contudo, respeito não à competência da Comissão para adoptar medidas como as da decisão em causa, mas, mais precisamente, à proporcionalidade das medidas adoptadas. É, pois, no âmbito do exame relativo à acusação específica baseada na violação do princípio da proporcionalidade que nos ocuparemos da argumentação em causa.

23 Por último, entendemos que a decisão podia seguramente abranger também as exportações para países terceiros. Dado que deve a este propósito ser rejeitado, também pelas mesmas razões acima invocadas, o argumento do Reino Unido de que a medida se funda exclusivamente em considerações de ordem económica, salientaremos, antes de mais, que as Directivas 90/425 e 89/662 não excluem, pelo menos expressamente, a competência da Comissão para proibir também as exportações de determinados animais e/ou produtos para países terceiros. De igual modo, não consideramos que tal limitação se possa deduzir do facto de as directivas em causa fazerem referência, até na respectiva epígrafe, aos controlos veterinários «aplicáveis ao comércio intracomunitário». Com efeito, embora seja verdade que foram adoptadas na perspectiva da realização do mercado interno, é igualmente certo que os poderes da Comissão estão apenas subordinados, do ponto de vista aqui relevante, à condição de as medidas adoptadas serem necessárias para efeitos de protecção da saúde num mercado unificado (20).

Acrescente-se que o facto de reconhecer à Comissão, com base nas directivas em causa, o poder de impor o confinamento do território atingido por dada doença também relativamente a países terceiros pode, em certos casos, constituir o único e indispensável meio de evitar a difusão dessa doença e conseguir, ao mesmo tempo, a sua erradicação. No essencial, parece-nos que uma decisão da Comissão pode seguramente prever, com base nas directivas em causa, o isolamento total de dada zona geográfica ou, como sucede no caso vertente, do conjunto do território de um Estado-Membro, quando tal se revele necessário para evitar que a proibição de exportação para outros Estados-Membros não seja eludida através da «passagem» via um ou diversos países terceiros, ou seja, para garantir o efeito útil de tal proibição e, por esse meio, responder às exigências de protecção da saúde num mercado unificado.

24 Dentro da mesma perspectiva, também não consideramos dever atribuir-se importância ao facto - ainda que se admita ser relevante quanto à competência da Comissão e não, como entendemos, sobretudo para o exame da proporcionalidade das medidas adoptadas - de os Estados-Membros da Comunidade apenas poderem importar carne de alguns países terceiros e na sequência de controlos muito rigorosos. Os controlos das importações provenientes do Reino Unido são igualmente rigorosos; contudo, para a Comissão, eram insuficientes - aquando da adopção da decisão e atendendo às informações recebidas quanto ao risco de transmissibilidade ao homem (21) - para afastar de forma adequada os riscos para a saúde humana e animal, contrariamente ao que se julgou aquando da adopção das anteriores medidas. De resto, os acontecimentos que se seguiram à adopção da decisão mais não fizeram do que confirmar este dado: não obstante o embargo total, os controlos revelaram-se inadequados, a ponto de permitirem exportações fraudulentas tanto para os outros Estados-Membros como para países terceiros.

Em particular, cabe aqui sublinhar, para além do risco de fraudes como assinalado pela Comissão nos articulados e depois infelizmente confirmado pelos factos, não se poder, de forma alguma, excluir a possibilidade de produtos à base de carne preparados em países terceiros que não exportam para a Comunidade poderem entrar no território comunitário mesmo após decorrido um longo período de tempo. Daqui resulta, de forma evidente, que a efectiva erradicação da doença não pode ser obtida sem o «isolamento» da zona geográfica infectada e, em consequência, sem a proibição total de exportações: a obrigação de dar efeito útil às disposições aplicáveis das directivas em causa e às medidas adoptadas com essa base exige-o ou, pelo menos, autoriza-o.

25 Em definitivo, dado que as medidas em vigor no momento da adopção da decisão se haviam revelado inadequadas ou, em qualquer caso, tinham sido aplicadas de forma não satisfatória; que, além disso, no momento presente a transmissibilidade da EEB não pode de forma alguma ser excluída, sendo, assim, susceptível de constituir risco grave para a saúde, cabe entender que a Comissão se manteve dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos pelas duas directivas em que se baseia a decisão. Em consequência, deve ser rejeitado o primeiro fundamento invocado pelo Reino Unido.

- Quanto à falta de fundamentação

26 De acordo com a tese defendida pelo Reino Unido, mesmo que se admita que a decisão foi adoptada com vista à protecção da saúde humana e animal, será forçoso, contudo, reconhecer que padece de fundamentação adequada. Com efeito, a Comissão omitiu, em violação, por esse facto, do artigo 190._ do Tratado, referir as razões pelas quais considerou insuficientes as medidas anteriormente adoptadas.

Sobre este ponto, a Comissão responde que o quinto considerando constitui fundamentação clara e adequada da decisão.

27 Recorde-se antes de mais, a este respeito, que, de acordo com jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190._ do Tratado depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado (22). Em especial, deve «revelar de forma clara e inequívoca o percurso lógico seguido pela instituição de que emana o acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adoptada e possibilitar ao Tribunal de Justiça o exercício da sua fiscalização» (23). Isto evidencia, se necessário, que cabe distinguir a falta de fundamentação, vício de natureza formal, das eventuais acusações quanto ao bem fundado da fundamentação (24).

Ora, basta, neste caso, constatar que o quinto considerando da decisão é perfeitamente claro ao afirmar que a adopção da decisão se tornou necessária - nessa altura e sob a condição de controlos contínuos - na medida em que não era possível uma tomada de posição definitiva sobre os riscos de transmissão da EEB, transmissão essa que não pode ser excluída, e na medida em que a incerteza a este respeito causara graves preocupações para os consumidores. A decisão visa, pois, afastar o risco, e as correlativas preocupações, para a saúde humana e animal. Além disso, a decisão esclarece perfeitamente que o relatório do SEAC de 20 de Março de 1996 tornou públicas novas informações em matéria de EEB e que o próprio Reino Unido entendeu dever, na sequência desse relatório, adoptar medidas suplementares (25). Daqui decorre que os elementos em que a Comissão se baseou são referidos de forma suficientemente clara para permitir aos interessados contestar o respectivo bem fundado e ao Tribunal de Justiça exercer o controlo da legalidade e que, em consequência, a decisão está suficientemente fundamentada.

- Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

28 O Governo do Reino Unido invocou também violação do princípio da proporcionalidade, com fundamento no facto de a Comissão ter tomado uma medida, a saber, o embargo total, inclusive para países terceiros, que não era necessária para a consecução do objectivo prosseguido, que - mesmo admitindo ser tal objectivo legítimo - poderia seguramente ter sido atingido através de medidas de menor efeito restritivo sobre as trocas comerciais. Aquele governo precisou que «a natureza desproporcionada e a ilegalidade da decisão impugnada são particularmente evidentes no que se refere às exportações para países terceiros, à carne proveniente de efectivos não afectados pela EEB, aos bovinos nascidos depois de 1 de Maio de 1996, ao esperma e aos embriões, bem como ao sebo e à gelatina». No que se refere aos animais vivos, às carnes de bovino e aos produtos derivados excluídos da proibição de exportação adoptada pela Decisão 94/474, na redacção dada pela referida Decisão 95/287, é perfeitamente óbvio que, para o Reino Unido, como o afirmou expressamente, a decisão não se pode justificar pelo aparecimento de novo risco relacionado com a EEB e que, em consequência, as anteriores medidas nacionais e comunitárias eram suficientes, dada a respectiva natureza adequada e apropriada, para garantir a protecção da saúde.

Tivemos já ocasião de evidenciar que tal argumentação é contraditada pelas circunstâncias de facto que estiveram na origem da decisão e, designadamente, pelas informações contidas no relatório do SEAC de 20 de Março de 1996, informações que incitaram o próprio Reino Unido a adoptar medidas suplementares. Acrescente-se que, baseando-se na premissa de que a decisão não é adequada à consecução de objectivos que não se traduzam em dissipar as preocupações dos consumidores, que aliás não teriam razão de ser, esta mesma argumentação retoma a discussão, ainda que sob diferente ângulo, do problema da incerteza científica na matéria.

29 Ora, não dispondo o Tribunal de Justiça de elementos que lhe permitam apreciar, na ausência de provas científicas irrefutáveis, a natureza adequada ou inadequada da medida na altura em que foi adoptada, cabe sublinhar, antes de mais, que a Comissão tem latitude suficiente para exercer os poderes que lhe são conferidos pelas directivas de base e, assim sendo, para ela própria determinar, com o apoio dos órgãos técnicos expressamente previstos para esse efeito e que foram consultados no caso vertente, a adequação ou não das medidas a adoptar (26). Recorde-se, ademais, que o Tribunal de Justiça ainda recentemente confirmou, quanto aos controlos veterinários impostos, para efeitos de protecção da saúde, por uma directiva em matéria de trocas comerciais intracomunitárias de carnes frescas, que, «no exercício dos seus poderes, as instituições comunitárias devem ter em conta exigências de interesse geral, tais como a protecção dos consumidores ou da saúde e da vida das pessoas e dos animais» e que, «em conformidade com o referido princípio, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, relativamente ao objectivo que a instituição competente entende prosseguir, pode afectar a legalidade dessa medida» (27).

É, pois, tendo em conta estas observações de ordem geral que se deve examinar se as diversas medidas previstas na decisão violam o princípio da proporcionalidade, como no processo C-157/96 sustentaram o Reino Unido e as demandantes no processo principal. A resposta, diga-se desde já, não pode deixar de ser negativa, essencialmente porque, atendendo às incertezas científicas na matéria e à inexistência de controlos nacionais fiáveis (28), as medidas em causa não podem ser consideradas manifestamente inadequadas para garantir a realização do objectivo prosseguido, ou seja, a protecção da saúde.

30 Em primeiro lugar, tendo ficado provado que a Comissão está também habilitada, por força das Directivas 90/425 e 89/662, a adoptar medidas relativas às trocas comerciais com países terceiros, é forçoso reconhecer, em nossa opinião, a legitimidade da proibição absoluta de exportação para o conjunto de países terceiros, precisamente porque visa assegurar o efeito útil das demais medidas impostas, em particular a erradicação completa da EEB e, assim, em definitivo, a realização do objectivo prioritário de protecção da saúde. O facto de a Comunidade não efectuar importações do conjunto de países terceiros não é de molde a alterar os termos da questão, visto, como já foi referido, não poder ser excluída a possibilidade de reimportação através dos países terceiros cujas importações na Comunidade sejam autorizadas (29).

Acrescente-se que soluções alternativas menos restritivas para as trocas comerciais, como as sugeridas no processo C-157/96 pelas demandantes no processo principal, traduzidas na proibição de reimportação acompanhada de um sistema de adequada certificação, não são de molde a permitir afastar o risco de fraudes, nem a eventual reimportação na Comunidade de produtos derivados ou transformados.

31 Em segundo lugar, não nos parece poder sustentar-se ser a medida desproporcionada por proibir também, diversamente da Decisão 94/474, as exportações de carnes provenientes de bovinos que tenham estado em locais de criação não contaminados pela EEB; isto, designadamente, em virtude das dificuldades relacionadas com a identificação dos bovinos e com o controlo das respectivas deslocações de uma manada para outra (30).

Com efeito, a proibição de exportação, que apenas abrange os bovinos - bem como as carnes frescas provenientes desses bovinos e os produtos derivados obtidos a partir destas - que hajam permanecido em locais de criação em que não se tenham verificado casos de EEB, seria seguramente suficiente e adequada, mas apenas, há que precisá-lo, na presença de um sistema, fiável como é evidente, de identificação dos animais e de controlo dos respectivos movimentos (31). Ora, o próprio Reino Unido admitiu que só haviam sido inventariados os animais que sofriam ou se suspeitava sofrerem de EEB (32), o que, ademais, implica inevitavelmente a impossibilidade de identificar todos os animais directamente expostos ao risco de infecção por terem sido alimentados com produtos contaminados ou por terem estado em contacto com animais que sofriam de EEB, não podendo esta última hipótese ser excluída no estádio actual dos conhecimentos científicos. Daqui decorre, como o Tribunal de Justiça salientou no despacho sobre o pedido de medidas provisórias, que «esta inexistência de marcação dos animais e de controlo dos seus movimentos também não permite aplicar algumas das medidas recomendadas pelos peritos internacionais do Gabinete Internacional de Epizootias, que preconizam que os animais sejam identificados como provenientes de manadas em que nenhum caso de EEB foi alguma vez detectado» (33).

32 Em terceiro lugar, também não é possível considerar desproporcionada a medida de proibição da exportação de animais vivos mesmo com idade inferior a seis meses. A este respeito, basta recordar aqui que não foi provada a não transmissibilidade a partir da mãe (34) e que a investigação nesta matéria se tornou mais difícil por não ter sido respeitada a proibição de utilização de farinhas de carne e de ossos de ovinos na alimentação dos bovinos (35). A impossibilidade de excluir a existência de risco de transmissão vertical implica, como é evidente, que idênticas considerações sejam válidas para a proibição de exportação de embriões.

Não é também necessário acrescentar, no que se refere às proibições que acabámos de referir, que a inexistência de sistemas de identificação dos animais e de controlos dos respectivos movimentos não permite determinar com certeza se o bovino em causa, mesmo que não ainda apresente sintomas de EEB, pode ter sido infectado. As mesmas considerações são igualmente válidas para a proibição de exportação de carnes frescas provenientes de bovinos com idade inferior a dois anos e meio, uma vez que, como referido, continua controversa a questão dos riscos eventualmente relacionados com o consumo de carne proveniente de bovinos infectados (36).

33 Em quarto lugar, resta examinar a necessidade de proibição de exportação do esperma e de determinados produtos derivados, como a gelatina e o sebo. Esta proibição foi entretanto levantada, pela Decisão 96/362, tanto no que se refere ao esperma, visto informações suplementares terem permitido chegar à conclusão de que este produto não apresenta qualquer risco de transmissibilidade, quer relativamente ao sebo e à gelatina, na condição de terem sido obtidos segundo determinados métodos de fabrico e na sequência de controlos rigorosos (37). Este facto, há que precisá-lo, não é contudo decisivo nem relevante para a presente análise, visto que o levantamento da proibição não permite, enquanto tal, concluir que a medida controvertida não era necessária e que, em consequência, o princípio da proporcionalidade foi violado.

Com efeito, atendendo à incerteza na matéria na altura da adopção da decisão, à urgência com que a Comissão foi chamada a agir e ao facto de se tratar de medidas provisórias «na pendência de uma análise global da situação», não se pode seguramente afirmar que a proibição de exportação adoptada relativamente aos referidos produtos era manifestamente inadequada para se atingir o objectivo prosseguido.

34 Por último, para sermos completos, observaremos que as medidas alternativas menos restritivas para as trocas comerciais, tal como entendidas pelo Reino Unido que as considera no mínimo tão eficazes como as aqui em causa, são demasiado vagas para poderem ser seriamente tomadas em consideração. Com efeito, o governo demandante refere-se (38) a uma campanha de informação aos consumidores, cujo impacto sobre a erradicação da EEB não conseguimos contudo apreender com exactidão, a medidas análogas às já tomadas unilateralmente pelo Reino Unido, cuja eficácia se revelou contudo discutível (39), bem como à adopção de medidas mais rigorosas do que estas, o que a Comissão precisamente fez e que o Reino Unido contesta.

- Quanto à violação do princípio da não discriminação e à incompatibilidade com o n._ 1 do artigo 39._ do Tratado

35 A acusação baseada na pretensa violação do princípio da não discriminação enunciado nos artigos 6._ e 40._, n._ 3, do Tratado, tanto sob o ângulo da discriminação dos produtores do Reino Unido relativamente aos dos demais Estados-Membros, como sob o da discriminação entre os consumidores do Reino Unido relativamente aos dos demais Estados-Membros, também nos não parece proceder. No que se refere ao primeiro aspecto, basta recordar aqui que 97,9% dos casos de EEB na Europa forma detectados no Reino Unido e que, assim sendo, os criadores de gado que operam neste Estado-Membro não estão seguramente em situação idêntica aos que operam noutros Estados-Membros. Em especial, a existência de focos de EEB em outros Estados-Membros é de tal forma limitada que seria absurdo considerar a hipótese de as mesmas medidas serem impostas tanto a uns como a outros. Sobre este ponto, não é sequer necessário recordar que, nos termos de jurisprudência constante, o princípio da não discriminação entre produtores ou consumidores comunitários, que é a expressão específica do princípio geral de igualdade, «exige que situações semelhantes não sejam tratadas de maneira diferente, excepto quando exista uma justificação objectiva para essa diferença de tratamento» (40).

Quanto ao facto de as exigências de protecção da saúde invocadas em apoio da decisão abstraírem da saúde dos consumidores residentes no território do Reino Unido (41), observaremos antes de mais que a base jurídica da decisão não pode em caso algum abranger uma proibição de comercialização de carnes «nacionais» no território do Reino Unido, visto que tem por objecto a abolição dos controlos nas fronteiras com vista à realização do mercado interno e que, assim sendo, incide sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros. Por outro lado, é forçoso reconhecer que tal proibição de comercialização, a menos que fosse acompanhada por medidas radicais, como o abate de todo o efectivo presente no território nacional (medida esta que seria seguramente desproporcionada), teria exigido controlos particularmente dispendiosos, de eficácia incerta. O isolamento da zona geográfica em que a doença se desenvolveu, para conseguir a sua erradicação, constituía, assim, o único meio adequado de impedir que a livre circulação dos produtos em causa trouxesse um prejuízo grave aos animais e à saúde das pessoas.

36 Algumas observações são suficientes para refutar o argumento do Reino Unido de que a decisão e demais actos impugnados não correspondem a qualquer dos objectivos referidos no n._ 1 do artigo 39._ do Tratado. Mais precisamente, a tese apresentada consiste em dizer que a decisão, em consequência da proibição de exportação que adoptou, terá implicado a desestabilização dos mercados e a impossibilidade de garantir preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores, com violação de dois objectivos fundamentais definidos no n._ 1 do artigo 39._

A este respeito, observe-se antes de mais que, como já sublinhámos, a protecção da saúde constitui uma componente do conjunto de políticas comunitárias e que, designadamente, trata-se de uma exigência de que não se pode abstrair mesmo no que se refere às finalidades prosseguidas pela política agrícola comum (42). Acresce que medidas tendo por objectivo garantir a protecção da saúde não podem deixar de reforçar a confiança dos consumidores na qualidade dos produtos e traduzir-se, em consequência, no aumento do consumo e, assim, do volume de trocas comerciais e de produção, o que não pode deixar de contribuir para a consecução dos objectivos referidos no n._ 1 do artigo 39._ do Tratado. Nestas condições, a acusação invocada pelo Reino Unido é totalmente destituída de fundamento.

- Quanto à validade do artigo 1._, terceiro travessão, da decisão

37 O Reino Unido invoca, além disso, a invalidade do artigo 1._, terceiro travessão, da decisão, que, recorde-se, proíbe as exportações de «produtos obtidos a partir de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido susceptíveis de entrar na cadeia alimentar humana ou animal, ou destinados a uso médico, cosmético ou farmacêutico». Com efeito, tal disposição viola o princípio da segurança jurídica na medida em que não define de forma clara e precisa o alcance da proibição em causa, alcance que não pode também ser clarificado pela remissão para as directivas de base, que impõem à Comissão não apenas a adopção das medidas necessárias quanto aos animais e produtos expressamente especificados, mas também de medidas, «se a situação o exigir, para os produtos derivados desses animais» (artigo 10._, n._ 4, da Directiva 90/425) ou «para os produtos de origem ou os produtos derivados desses produtos» (artigo 9._, n._ 4, da Directiva 89/662). Além disso, não respeita a obrigação de fundamentação, visto não existir qualquer relação entre a prescrição em causa e o considerando a ela relativo, que se limita a afirmar a oportunidade de proibir a expedição do território do Reino Unido «de produtos derivados» de carnes de bovino. Por último, e em qualquer caso, o Reino Unido sustenta que a Comissão não tinha competência para adoptar a proibição de exportação no que se refere aos produtos, como a gelatina, o fosfato dicálcico, os aminoácidos e os péptidos, não compreendidos no Anexo II do Tratado; isto com fundamento em que as directivas com base nas quais a decisão foi adoptada, e que elas próprias se fundam no artigo 43._ do Tratado, não podem deixar de ser interpretadas no sentido de se aplicarem exclusivamente aos produtos agrícolas a que se refere o Anexo II do Tratado.

A estas acusações, a Comissão responde que, atendendo à urgência e necessidade de garantir o controlo completo da situação «na pendência de uma análise global» desta, é forçoso reconhecer que a decisão respeita o princípio da segurança jurídica. A Comissão acrescenta que os considerandos constituem não apenas fundamentação suficiente da disposição em causa, como igualmente realçam, de forma evidente, que «também» os produtos derivados susceptíveis de comportar risco para a saúde estão abrangidos pela proibição de exportação. Por último, a Comissão sustenta que as directivas de base incluem expressamente no respectivo âmbito de aplicação todos os produtos derivados e, em consequência, todos os produtos a que a decisão se aplica.

38 Ora, dado que a regulamentação comunitária, tal como a nacional, deve ser suficientemente clara e a sua aplicação previsível para todos os que por ela são abrangidos (43), apenas acrescentaremos que a decisão é dirigida ao Reino Unido, o qual, atendendo ao profundo conhecimento da situação, acompanhada em estreita ligação com a Comissão, não podia não estar ao corrente, quanto mais não fosse através das discussões no Comité Veterinário, dos produtos a que a decisão se refere. Tendo em conta o que precede, também não nos parece que o Reino Unido possa validamente sustentar que a disposição em causa não se baseia em fundamentação adequada e consequentemente viola o artigo 190._ do Tratado (44).

Além disso, quanto ao facto de a Comissão ter de certa forma exercido poderes que não cabem dentro das suas atribuições, limitar-nos-emos a observar, com a Comissão, que a expressão «produtos derivados», tal como utilizada nas directivas de base, pode (e deve) ser seguramente interpretada no sentido de abranger todos os produtos e materiais obtidos a partir de... bovinos. Com efeito, seria paradoxal admitir que um produto fabricado a partir de carne de bovino não pudesse ser qualificado como «produto derivado» na acepção das directivas em causa.

- Quanto à validade das Directivas 90/425 e 89/662

39 O Reino Unido argumenta, por último, que as Directivas 90/425 e 89/662, caso devam ser interpretadas no sentido de abrangerem também os produtos não mencionados no Anexo II do Tratado, devem ser consideradas inválidas, por o artigo 43._ do Tratado não autorizar o Conselho a adoptar directivas aplicáveis também a produtos não enumerados no anexo em causa. A Comissão sustenta, pelo contrário, que o artigo 43._ constitui também base jurídica correcta para directivas aplicáveis a produtos não mencionados no anexo, na medida em que se trate de produtos meramente acessórios. O Conselho, subscrevendo embora esta tese, começa por sublinhar que o Anexo II abrange não apenas os animais vivos e a maior parte dos produtos de origem animal, como inclui também uma rubrica residual que cobre todos os «produtos de origem animal não especificados nem compreendidos noutras posições». O Conselho salienta ainda que a acusação em causa diz respeito a produtos relativamente aos quais o embargo foi já levantado pela Decisão 96/362 (45).

Entendemos que a tese sustentada pelo Reino Unido não pode ser partilhada. Com efeito, ainda que se chegasse à conclusão de que a rubrica residual que acaba de ser referida não pode em caso algum abranger os produtos em causa, não é menos certo que, como sublinharam tanto o Conselho como a Comissão, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de afirmar que o simples facto de uma medida integrada no âmbito de aplicação do Anexo II incidir também, de forma acessória, sobre determinados produtos não mencionados nesse anexo não é suficiente para retirar a regulamentação em causa do âmbito de aplicação da política agrícola comum (46). Ora, nem sequer é necessário acrescentar que a maior parte dos produtos a que a decisão se aplica é expressa e especificamente mencionada no Anexo II.

Conclusão

40 No que se refere ao processo C-180/96 (Reino Unido/Comissão), propomos que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene o Estado recorrente nas despesas.

41 Quanto ao processo C-157/96 (National Farmers' Union e o.), concluímos propondo que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão que lhe foi submetida pela High Court of Justice, Queen's Bench Division:

«O exame da questão submetida não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade do artigo 1._ da Decisão 96/239/CE da Comissão, de 27 de Março de 1996, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme dos bovinos.»

(1) - JO L 78, p. 47.

(2) - SI 1988 n._ 1039, alterado pelo SI 1991 n._ 2246 e pelo SI 1996 n._ 962.

(3) - SI 1989 n._ 2061.

(4) - SI 1996 n._ 963.

(5) - JO L 194, p. 96. Esta decisão foi por último alterada pela Decisão 95/287/CE da Comissão, de 18 de Julho de 1995 (JO L 181, p. 40).

(6) - JO L 152, p. 37.

(7) - Parecer de 22 de Março de 1996 do Comité Científico Veterinário.

(8) - JO L 395, p. 13.

(9) - JO L 224, p. 29.

(10) - JO L 139, p. 17.

(11) - Para um resumo circunstanciado dos pareceres obtidos antes de se proceder à alteração da decisão e à evolução global da situação, v. os n.os 23 a 31 do despacho de 12 de Julho de 1996, Reino Unido/Comissão (C-180/96 R, Colect., p. I-3903).

(12) - Cabe, nesta altura, recordar que a National Farmers' Union e diversas outras empresas que operam no sector dos produtos de bovinos impugnaram também a decisão, através de recurso interposto nos termos do artigo 173._ do Tratado, no Tribunal de Primeira Instância (processo T-76/96), tendo, por outro lado, pedido a suspensão da execução dessa decisão, nos termos do artigo 185._ do Tratado. Este pedido foi indeferido pelo presidente do Tribunal de Primeira Instância por despacho de 13 de Julho de 1996, The National Farmers' Union e o./Comissão (T-76/96 R, Colect., p. II-815).

(13) - Recorde-se que o Reino Unido pedira ao Tribunal de Justiça, no âmbito do mesmo processo, a suspensão da execução da decisão, nos termos do artigo 185._ do Tratado, e/ou a concessão de medidas provisórias, nos termos do artigo 186._ do mesmo Tratado. Esse pedido foi indeferido por despacho de 12 de Julho de 1996, já referido na nota 11.

(14) - Mais precisamente, o Governo do Reino Unido referiu uma declaração do comissário encarregado da agricultura, bem como a proposta de alteração da decisão, ainda não adoptada no momento de interposição do recurso. Aquele mesmo governo precisou, contudo, na réplica, não ter qualquer interesse na anulação das tomadas de posição que conduziram à adopção da Decisão 96/362.

(15) - V. artigo 10._, n._ 4, da Directiva 90/425 e artigo 9._, n._ 4, da Directiva 89/662. A este propósito, v. também o que foi já referido no n._ 9 supra.

(16) - A este respeito, o próprio Tribunal de Justiça teve ocasião de afirmar que «a prossecução dos objectivos da política agrícola comum, especialmente no contexto das organizações comuns de mercado, não pode ignorar exigências de interesse geral, como a protecção dos consumidores ou a protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais, exigências que as instituições comunitárias devem ter em conta no exercício dos seus poderes» (acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, 131/86, Colect., p. 905, n._ 17).

(17) - Não é sequer necessário recordar que, nos termos do n._ 1 do artigo 129._ do Tratado, «a Comunidade contribuirá para assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana, incentivando a cooperação entre os Estados-Membros e, se necessário, apoiando a sua acção» (primeiro parágrafo) e que «as exigências em matéria de protecção da saúde constituem uma componente das demais políticas comunitárias» (terceiro parágrafo).

(18) - Despacho Reino Unido/Comissão, já referido na nota 11, n._ 58.

(19) - V., em particular, o relatório já referido do SEAC de 20 de Março de 1996.

(20) - Sobre este ponto, v. despacho The National Farmers' Union e o./Comissão, já referido na nota 12, n._ 77.

(21) - V. as observações escritas da Comissão sobre o pedido de medidas provisórias (despacho Reino Unido/Comissão, já referido na nota 11, n.os 68 e segs.

(22) - V., por exemplo, acórdãos de 11 de Janeiro de 1973, Países Baixos/Comissão (13/72, Recueil, p. 27, Colect., p. 9), e de 14 de Janeiro de 1981, Alemanha/Comissão (819/79, Recueil, p. 21).

(23) - Acórdão de 13 de Junho de 1996, Binder (C-205/94, Colect., p. I-2871, n._ 25).

(24) - Sobre este ponto, v. conclusões do juiz Vesterdorf, designado como advogado-geral nos processos T-1/89, T-2/89, T-3/89, T-4/89 e T-6/89 a T-15/89 (polipropileno), apresentadas em 10 de Julho de 1991 (Colect., p. II-869, em especial p. II-908).

(25) - V. segundo e terceiro considerandos da decisão.

(26) - V., ainda que em diferente contexto, o acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, França e Irlanda/Comissão (C-296/93 e C-307/93, Colect., p. I-795, n.os 30 e 31).

(27) - Acórdão de 15 de Abril de 1997, Bakers of Nailsea (C-27/95, Colect., p. I-1847, n.os 37 e 38). V., também, acórdão de 11 de Julho de 1989, Schräder (265/87, Colect., p. 2237, n._ 22).

(28) - Sobre este ponto, basta recordar aqui que a proibição de utilização na alimentação de bovinos de farinhas de carne ou de ossos de ovinos - que é considerada pelo Reino Unido como suficiente para eliminar os riscos para a saúde, por tal proibição visar o agente responsável da BSE - foi adoptada em Julho de 1988. Ora, em Dezembro de 1995, 23 148 casos de BSE tinham sido inventariados em animais nascidos após a adopção da proibição. Tal facto pode seguramente significar que tal proibição não foi respeitada, o que evidencia a insuficiência dos controlos, como o próprio Reino Unido aliás admitiu, podendo contudo significar, ou em qualquer caso não excluir, que o contágio tenha também ocorrido por outras vias. Em qualquer caso, trata-se de um elemento que confirma a necessidade de medidas suplementares e mais drásticas.

(29) - A este respeito, v. supra n._ 24.

(30) - V., a este respeito, as conclusões do Conselho de 29 e 30 de Abril de 1996.

(31) - Sobre este ponto, não podemos deixar de recordar que a Decisão 84/469/CEE da Comissão, de 28 de Julho de 1989, relativa a determinadas medidas de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina no Reino Unido (JO L 225, p. 51), na redacção dada pela Decisão 90/261/CEE (JO L 146, p. 29), impunha já ao Reino Unido «uma utilização sistemática de registos computadorizados para garantir a identificação dos animais» (artigo 1._, n._ 3). Com excepção da Irlanda do Norte - o que torna provável, de acordo com o relatado nos últimos dias pela imprensa, a flexibilização da proibição de exportação no que diz respeito aos bovinos provenientes de certas manadas presentes no território em causa - tais fichas informatizadas não foram contudo instituídas. A comissão temporária de inquérito do Parlamento Europeu no «Relatório sobre as alegações de infracção ou de má administração do direito comunitário relativamente à BSE, sem prejuízo da jurisdição dos tribunais nacionais e comunitários», não deixou de evidenciar e criticar a situação assim criada. Em especial, pode ler-se no relatório o seguinte: «As deficiências verificadas no sistema de registo britânico provocaram o aparecimento de explorações `de escoamento' (questão debatida no Parlamento britânico). Estas explorações, que tinham já tido muitos casos de BSE, compravam animais no primeiro estádio da doença e recebiam uma compensação por abate dos animais doentes. As explorações de gado que vendiam os animais doentes escapavam às restrições branqueando o seu real estado sanitário. Esta situação provocou uma perda de fiabilidade das estatísticas epidemiológicas e dificultou o estudo e controlo da doença. Por outro lado, provocou uma perda da eficácia da regulamentação comunitária, sujeitando os consumidores a um risco evitável. A falta de aplicação da regulamentação sobre a marca, o registo e o controlo põe em causa a seriedade de qualquer programa de abate selectivo do tipo do programa previsto na cimeira de Florença» (documento PE 220.554/def., parte A, I, resultados do inquérito, p. 11).

(32) - De resto, não é contestado o dado, fornecido pela Comissão, de que não fora possível identificar a manada de origem em 11 000 casos de animais doentes de BSE.

(33) - Despacho Reino Unido/Comissão, já referido na nota 11, n._ 70.

(34) - Como já referido, tal transmissibilidade foi, pelo contrário, comprovada no que se refere ao «tremor epizoótico dos ovinos», o que torna também plausível a transmissão hereditária no que se refere à BSE.

(35) - Em 31 de Dezembro de 1995, foram identificados 933 casos de BSE em animais com mães doentes, mas nascidos depois da entrada em vigor da proibição em causa. Em tais casos, torna-se difícil, em consequência, verificar se a doença foi transmitida por via hereditária ou em virtude do não cumprimento da referida proibição, ou seja, pela ingestão de alimentos contaminados.

(36) - V. a referida declaração do doutor Ring anexa ao parecer do Comité Científico Veterinário de 22 de Março de 1996.

(37) - Não é supérfluo precisar que a Comissão não considerou estarem preenchidas, até ao momento, as condições a que subordinou o recomeço das exportações dos produtos em causa, pelo que a proibição se mantém em vigor também para esses produtos.

(38) - V. p. 76 da petição.

(39) - V., em especial, notas 28, 31 e 32.

(40) - V., por último, acórdão Bakers of Nailsea, já referido na nota 27, n._ 27. No mesmo sentido, v. desde já o acórdão de 19 de Outubro de 1977, Ruckdeschel e Hansa-Lagerhaus Ströh (117/76 e 16/77, Colect., p. 619, n._ 7).

(41) - Precisamos que este argumento foi também desenvolvido, no processo C-157/96, pelas demandantes no processo principal, mas no intuito de demonstrar que a Comissão terá adoptado a decisão por razões diversas da protecção da saúde, cometendo assim desvio de poder.

(42) - A este respeito, v. acima n._ 20, e designadamente notas 16 e 17.

(43) - Neste sentido v., entre outros, acórdãos de 22 de Fevereiro de 1984, Kloppenburg (70/83, Recueil, p. 1075, n._ 11), e de 16 de Junho de 1993, França/Comissão (C-325/91, Colect., p. I-3283, n._ 26).

(44) - A este respeito, v., em especial, as considerações acima desenvolvidas, n.os 26 e 27.

(45) - A este respeito, v. contudo nota 37.

(46) - V., neste sentido, acórdão de 16 de Novembro de 1989, Comissão/Conselho (C-11/88, Colect., p. 3799, publicação sumária).