61996C0131

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 13 de Março de 1997. - Carlos Mora Romero contra Landesversicherungsanstalt Rheinprovinz. - Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha. - Trabalhadores - Igualdade de tratamento - Prestações de orfão - Serviço militar. - Processo C-131/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-03659


Conclusões do Advogado-Geral


1 A questão prejudicial que o Tribunal de Justiça deve decidir no caso vertente, submetida pelo Bundessozialgericht alemão, pode resumir-se como segue: o órfão de um trabalhador espanhol falecido na Alemanha em 1969 vítima de um acidente de trabalho tem direito à prorrogação, para além dos 25 anos de idade, do pagamento da pensão de órfão pelo tempo em que deixou de recebê-la por estar a cumprir o serviço militar no seu país de origem, nas mesmas condições em que o Estado-Membro devedor da prestação reconhece esse direito a quem tenha cumprido o serviço militar nos termos da lei alemã?

2 Esta questão teve origem no litígio que, no Bundessozialgericht, opõe C. Mora Romero, demandante e recorrido em cassação («Revision» alemã; a seguir «demandante»), ao Landesversicherungsanstalt Rheinprovinz, instituição de segurança social demandada e recorrente em cassação (a seguir «demandada»).

3 Dos factos descritos pelo órgão jurisdicional nacional no despacho de reenvio resulta que o demandante, nascido a 16 de Fevereiro de 1965, tem nacionalidade espanhola e reside em Espanha. Em consequência da morte do seu pai em 1969, falecido em acidente de trabalho quando trabalhava na Alemanha, o demandante recebeu da instituição demandada uma pensão de órfão até à sua incorporação, em 30 de Novembro de 1987.

Durante o ano que durou o seu serviço militar nas Forças Armadas espanholas C. Mora Romero não recebeu a pensão de órfão. A partir de 1 de Dezembro de 1988 voltou a recebê-la por se encontrar de novo num período de formação escolar e profissional. Por decisão de 6 de Março de 1990, a instituição demandada notificou-o de que o seu direito à pensão de órfão tinha cessado definitivamente em 1 de Março de 1990 por ter completado 25 anos de idade.

4 Nos termos do previsto no segundo período do n._ 1 do § 1267 do Reichsversicherungsordnung (a seguir «RVO»), a pensão de órfão é concedida, no máximo, até completar 25 anos de idade, ao filho que se encontre em formação escolar ou profissional.

Segundo o disposto no terceiro período do mesmo número, se a formação escolar ou profissional for interrompida ou adiada para cumprimento, pelo filho, do serviço militar obrigatório ou do serviço que o substitua, a prestação de órfão será também concedida pelo tempo de duração da prestação deste serviço para além dos 25 anos de idade.

5 O acórdão de reenvio esclarece que para órfãos que, à data da sua incorporação no serviço militar, já tenham concluído 18 anos, a pensão de órfão interrompe-se, porque deixa de existir formação escolar ou profissional, mas, em contrapartida, se continuarem uma formação, ser-lhes-á concedida para além dos 25 anos, por um período de duração igual ao do serviço militar. Esta disposição tem vindo a ser interpretada pelo órgão jurisdicional que colocou a questão prejudicial no sentido de que apenas abrange o serviço militar prestado nas Forças Armadas alemãs.

6 Após ter, sem sucesso, reclamado da decisão da instituição demandada, de 6 de Março de 1990, o demandante interpôs recurso para o Sozialgericht Düsseldorf, que foi julgado improcedente. Em seguida, o Landessozialgericht Nordrhein-Westfalen condenou a instituição demandada a pagar ao demandante a pensão de órfão correspondente ao período entre 1 de Março de 1990 e 28 de Fevereiro de 1991. No seu acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou que, à luz da proibição de discriminação constante do artigo 6._ do Tratado CE, o § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo, do RVO devia ser interpretado no sentido de que o serviço militar obrigatório prestado nos termos da legislação dos demais Estados-Membros da Comunidade devia ser equiparado ao serviço militar obrigatório prestado nos termos da lei alemã. Este órgão jurisdicional entendeu que, uma vez que o demandante cumpriu a sua obrigação de prestação de serviço militar nos termos da legislação espanhola, se verificou um adiamento da sua formação profissional devido à prestação do serviço militar obrigatório para efeitos do § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo, do RVO.

7 A instituição demandada interpôs recurso de cassação deste último acórdão alegando que, de acordo com a jurisprudência do Bundessozialgericht, apenas pode haver equiparação quando o serviço militar prestado em forças armadas estrangeiras o for em substituição do serviço militar nacional; que a lei estabelece uma compensação a conceder pelo Estado àqueles que cumpram a obrigação militar por ela imposta; e que é problemático determinar o que se deve considerar serviço equiparado noutros Estados, porquanto a duração do serviço militar obrigatório varia entre os Estados-Membros. Por estas razões, não há que considerar que ao estabelecer requisitos distintos para a prorrogação do pagamento da pensão de órfão consoante o beneficiário tenha prestado serviço militar em Espanha ou na Alemanha se violou o artigo 6._ do Tratado CE.

8 No âmbito deste litígio, o Bundessozialgericht resolveu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial nos seguintes termos:

«Os artigos 6._, 48._ e 51._ do Tratado CE e o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho (1) [a seguir `Regulamento n._ 1612/68'] devem ser interpretados no sentido de que o legislador de um Estado-Membro pode alargar para além dos 25 anos de idade o período de concessão de prestações em benefício de órfãos apenas relativamente aos beneficiários cuja formação foi adiada para além desta idade para cumprimento da obrigação do serviço militar nos termos previstos na legislação desse mesmo Estado-Membro?»

9 O primeiro parágrafo do artigo 6._ do Tratado CE estatui:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.» (2)

10 O artigo 48._ do Tratado CE estabelece o princípio da igualdade de tratamento no âmbito da livre circulação dos trabalhadores:

«1. ...

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3. ...»

11 O artigo 51._ do Tratado CE, que incumbe o Conselho da adopção, em matéria de segurança social, das medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, prescreve:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, tomará, no domínio da segurança social, as medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, instituindo, designadamente, um sistema que assegure aos trabalhadores migrantes e às pessoas que deles dependam:

a) A totalidade de todos os períodos tomados em consideração pelas diversas legislações nacionais, tanto para fins de aquisição e manutenção do direito às prestações, como para o cálculo destas.

b) O pagamento das prestações aos residentes nos territórios dos Estados-Membros.»

12 O artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 determina:

«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

3. ...»

13 O artigo 2._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (3) (a seguir «Regulamento n._ 1408/71»), preceitua, relativamente ao seu âmbito de aplicação pessoal:

«1. O presente regulamento aplica-se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros e que sejam nacionais de um dos Estados-Membros, apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados-Membros, bem como aos membros da sua família e sobreviventes.

2. Além disso, o presente regulamento aplica-se aos sobreviventes dos trabalhadores assalariados ou não assalariados sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros, independentemente da nacionalidade desses trabalhadores assalariados ou não assalariados, sempre que os seus sobreviventes sejam nacionais de um dos Estados-Membros, apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados-Membros.

3. ...»

14 Nos termos do disposto no artigo 3._ desse mesmo regulamento,

«1. As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.

2. ...»

15 O âmbito de aplicação material do Regulamento n._ 1408/71 é o constante do seu artigo 4._:

«1. O presente regulamento aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitam a:

...

d) prestações de sobrevivência;

...»

16 Em cumprimento do disposto no artigo 5._ do Regulamento n._ 1408/71, que estabelece que os Estados-Membros determinarão, mediante declaração notificada ao presidente do Conselho e publicada no Jornal Oficial das Comunidade Europeias, o âmbito de aplicação do regulamento, mencionando as legislações e regimes a que se referem os n.os 1 e 2 do seu artigo 4._, a República Federal da Alemanha notificou uma declaração segundo a qual as prestações concedidas ao abrigo do RVO constituem pensões ou rendas de órfãos na acepção do artigo 78._ do referido regulamento, que regula as prestações de órfãos. (4)

17 Na análise da questão que efectua, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o problema de interpretação que coloca se centra na especificação das consequências decorrentes da proibição de discriminação do artigo 6._ do Tratado CE. Considera existirem razões para aceitar o argumento da demandada de que o princípio da livre circulação não impõe a aplicação do disposto no § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo, do RVO ao serviço militar cumprido nas forças armadas de outro Estado-Membro.

A livre circulação dos trabalhadores migrantes apenas seria posta em causa por esta disposição se dela resultasse que o exercício do direito de livre circulação pelo segurado ou pelos seus filhos lhes era prejudicial em matéria de pensão de órfãos, o que não parece ser o caso uma vez que a existência de semelhantes desvantagens não foi demonstrada.

Além do mais, o seguro de pensões alemão não é apenas um sistema mutualista de previdência das contingências da vida laboral financiado por contribuições, uma vez que também é utilizado como instrumento para a concessão de indemnizações para compensação de prejuízos sofridos em circunstâncias excepcionais. Por essa razão, afirma que, num regime com essas características, a pensão de órfão, quando se verifica a prorrogação da sua concessão para além dos 25 anos a favor de quem tenha prestado serviço militar, não é uma prestação do seguro de pensões, antes sendo uma prestação de carácter indemnizatório, mediante a qual o legislador alemão se propõe compensar os inconvenientes ocasionados a quem tenha de cumprir a obrigação militar ou o serviço social que o substitua, para cujo pagamento o seguro de pensões mais não é do que um canal.

18 O demandante, os Governos francês e espanhol e a Comissão apresentaram observações escritas no prazo estabelecido para o efeito pelo artigo 20._ do Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça, bem como alegações na audiência.

19 O demandante afirma que, se o § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo, do RVO fosse de interpretar no sentido de só abranger o serviço militar prestado na Alemanha, os nacionais dos outros Estados-Membros ver-se-iam discriminados já que, nos termos da lei alemã, apenas os nacionais alemães podem efectuar o serviço militar nesse Estado-Membro. No seu entender, não há justificação para esta diferença de tratamento.

Propõe que seja dada resposta negativa à questão do Bundessozialgericht.

20 O Governo francês entende que a maioria das disposições de direito comunitário cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional nacional não é directamente aplicável aos factos descritos no acórdão de reenvio e sugere que o exame da questão seja limitado a determinar se a recusa por parte das autoridades alemãs em continuarem a pagar a pensão de órfão a C. Mora Romero, de Março de 1990 até Fevereiro de 1991, constitui uma discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao n._ 1 do artigo 3._ do Regulamento n._ 1408/71.

Sublinha o paradoxo que representa o facto de a instituição demandada equiparar o serviço militar prestado nas forças armadas de outro Estado-Membro ao serviço militar prestado na Alemanha, para suspender temporariamente o pagamento da pensão de órfão, e de, numa segunda fase, se recusar a fazer a mesma equiparação para efeitos da prorrogação do pagamento da pensão para além dos 25 anos pelo mesmo período que durou a suspensão. Dado que os cidadãos alemães são os únicos sujeitos às obrigações militares impostas pelas leis alemãs, esta recusa constitui uma discriminação em razão da nacionalidade.

Acrescenta que, na medida em que as disposições do Regulamento n._ 1408/71 são aplicáveis aos factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio e permitem dar-lhe uma resposta, é supérfluo examinar as disposições do Regulamento n._ 1612/68 para alcançar solução análoga. Propõe que se responda à questão prejudicial no sentido de que o princípio da não discriminação em matéria de direito às prestações de segurança social, estabelecido no Regulamento n._ 1408/71, impõe ao legislador de um Estado-Membro a obrigação de prorrogar o pagamento da pensão de órfão a favor dos titulares maiores de 25 anos que tenham sido obrigados a prolongar o seu período de formação para além dessa idade por terem sido chamados a cumprir o serviço militar no Estado-Membro de que são nacionais.

21 O Reino de Espanha entende que a interpretação defendida pelo órgão jurisdicional de reenvio é inaceitável à luz dos artigos 6._, 48._ e 51._ do Tratado, do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 e, em especial, das disposições do Regulamento n._ 1408/71.

A esse propósito, afirma que se deve rejeitar qualquer tentativa de qualificar a prorrogação da pensão de órfão como uma compensação económica pela prestação do serviço militar, já que se trata de uma disposição adoptada pelo legislador com o objectivo de permitir a quem cumpra o serviço militar ter acesso a uma formação durante o mesmo tempo que os que não sejam obrigados a prestar esse serviço. Nesta óptica, igual prejuízo sofre o órfão que cumpra o serviço militar na Alemanha como o que presta esse serviço noutro Estado-Membro, pois ambos vêem adiada a sua formação por terem sido chamados ao cumprimento desse serviço. Acrescenta que, se a pensão revestisse o carácter indemnizatório que lhe atribui o órgão jurisdicional nacional, seria concedida a todos os que cumprem o serviço militar na Alemanha e não apenas aos órfãos, que apenas representam uma pequena parte daqueles.

Por estas razões, conclui que a pensão de órfão é uma prestação de segurança social e que estabelecer que só dela pode beneficiar quem cumpra o serviço militar na Alemanha constituiria uma discriminação em razão da nacionalidade relativamente aos beneficiários nacionais de outros Estados-Membros sujeitos ao regime alemão de segurança social, e propõe que se responda negativamente à questão prejudicial.

22 A Comissão observa, de imediato, que o demandante nunca foi «membro da família de um trabalhador» para efeitos do direito comunitário, já que seu pai, que se supõe que teria a nacionalidade espanhola, faleceu em 1969, bastante antes da adesão da Espanha à Comunidade, e não há nenhuma disposição no Acto de Adesão de Espanha (5) que equipare um emprego exercido por um espanhol antes da adesão do seu país à Comunidade ao desempenhado por um nacional de um Estado-Membro ao abrigo das disposições do direito comunitário relativas à livre circulação dos trabalhadores. Por todas essas razões, sustenta que o Regulamento n._ 1612/68 não é aplicável ao caso vertente.

No entender da Comissão, a questão prejudicial deve ser resolvida à luz das disposições do Regulamento n._ 1408/71, as quais, de acordo com o disposto no artigo 94._, são aplicáveis ainda que o facto gerador tenha acontecido antes da entrada em vigor do direito à livre circulação. Além disso, o demandante está incluído no âmbito de aplicação pessoal deste regulamento, dado que é sobrevivente de um trabalhador por conta de outrem, e a pensão de órfão que lhe foi concedida na Alemanha deve ser considerada uma prestação incluída no âmbito de aplicação material do referido regulamento.

Recorda que o n._ 1 do artigo 3._ do Regulamento n._ 1408/71 estabelece o princípio da igualdade de tratamento na aplicação do regulamento. Não obstante, aqueles que beneficiam da prorrogação do direito à pensão de órfão após terem completado 25 anos por terem sido chamados a prestar o serviço militar, são, regra geral, órfãos de nacionalidade alemã. A disposição controvertida limita-se a estabelecer a prorrogação, para além dos 25 anos, do direito a receber a pensão de órfão por um período de duração igual ao do período em que a pensão lhe foi suspensa, sem que isso constitua o reconhecimento de um direito novo, mas a execução diferida de um direito existente. Além disso, no momento de suspender o pagamento da pensão de órfão devido ao cumprimento do serviço militar pelo beneficiário, a instituição alemã não estabelece qualquer diferença consoante o serviço militar seja cumprido por aplicação das leis nacionais ou por aplicação das leis de outro Estado-Membro e, no entanto, estabelece essa diferença no momento de prorrogar o pagamento da pensão para além da idade limite.

A Comissão também propõe que se dê resposta negativa à questão prejudicial.

23 Queremos começar o nosso raciocínio efectuando algumas precisões sobre a legislação comunitária pertinente para a resolução do presente litígio, tendo em conta que, em nossa opinião, a maioria das disposições de direito comunitário cuja interpretação é pedida pelo Bundessozialgericht não são aplicáveis aos factos descritos no acórdão de reenvio.

24 No que se refere ao artigo 6._ do Tratado, que consagra o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, existe jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual este preceito apenas tem vocação para se aplicar de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação. (6)

Assim, no âmbito da livre circulação dos trabalhadores, o princípio da não discriminação foi aplicado e concretizado pelo artigo 48._ do Tratado e, em matéria de segurança social, o artigo 3._ do Regulamento n._ 1408/71, adoptado pelo Conselho em cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo artigo 51._ do próprio Tratado, de estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, consagra este mesmo princípio (7).

Assim, não é necessário, neste caso, referirmo-nos ao artigo 6._ do Tratado.

25 Relativamente aos artigos 48._ do Tratado e 7._ do Regulamento n._ 1612/78, da exposição dos factos levada a cabo pelo órgão jurisdicional nacional deduzimos que o demandante não satisfaz os requisitos necessários para ser considerado «trabalhador» na acepção do direito comunitário, já que possui nacionalidade espanhola, residia em Espanha, onde seguia os seus estudos, e não consta que anteriormente se tenha deslocado a outro Estado-Membro para exercer um trabalho assalariado, nem tão pouco «membro da família de um trabalhador» na acepção do direito comunitário, já que o pai do demandante faleceu antes da adesão de Espanha à Comunidade.

A esse propósito, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Tsiotras (8), que um nacional de um Estado-Membro não pode invocar as disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores se, no momento da adesão do seu país à Comunidade ou posteriormente a ela, não trabalhava ou não trabalhou por conta de outrem no Estado-Membro de acolhimento.

Por estas razões, não pode invocar os direitos que o artigo 48._ do Tratado e as disposições do Regulamento n._ 1612/68 concedem aos trabalhadores e aos membros das suas famílias.

26 Ora, o demandante é titular de uma pensão de órfão concedida pela Alemanha pelo facto de o seu pai, de nacionalidade espanhola, estar inscrito no regime de segurança social desse Estado-Membro no momento do seu óbito em 1969. Trata-se de um pressuposto previsto e regulado no Regulamento n._ 1408/71, como teremos ocasião de demonstrar seguidamente.

Em primeiro lugar, o n._ 2 do artigo 2._ do Regulamento n._ 1408/71 dispõe que se aplica aos sobreviventes dos trabalhadores assalariados ou não assalariados sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros, independentemente da nacionalidade desses trabalhadores assalariados ou não assalariados, sempre que os seus sobreviventes sejam nacionais de um dos Estados-Membros. O regulamento é aplicável ao demandante em virtude desta disposição.

Em segundo lugar, a sua situação familiar enquadra-se na definição constante da alínea g) do artigo 1._, do regulamento, de acordo com a qual, para efeitos de aplicação do regulamento, o termo «sobrevivente» designa qualquer pessoa definida ou reconhecida como tal pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas. Este é o caso de C. Mora Romero, titular de uma pensão de órfão concedida ao abrigo da legislação alemã de segurança social.

Por último, não restam dúvidas de que a pensão de órfão que recebe na Alemanha está abrangida no âmbito de aplicação material do referido regulamento. Com efeito, as prestações de sobrevivência constam da lista do n._ 1 do artigo 4._ Além disso, na declaração prevista no artigo 5._, a Alemanha indicou que nas prestações a que se refere o artigo 78._ do regulamento se incluíam as pensões ou rendas de órfão previstas no RVO. E esta é a lei ao abrigo da qual se concedeu a pensão de órfão ao demandante. A esse propósito, o Tribunal de Justiça declarou que a circunstância de um Estado-Membro ter mencionado determinadas disposições legislativas ou regulamentares nacionais na declaração notificada e publicada em cumprimento do artigo 5._ do Regulamento n._ 1408/71 implica que as prestações reguladas por essas disposições constituem prestações de segurança social no sentido desse regulamento (9).

27 Uma vez demonstrado que C. Mora Romero está incluído no âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n._ 1408/71, que deve ser considerado como «sobrevivente» para efeitos de aplicação do regulamento e que a pensão de órfão que recebe da instituição competente da Alemanha está incluída no seu âmbito de aplicação material, resta examinar se estão reunidas as condições para que possa invocar o n._ 1 do artigo 3._

28 Este preceito estabelece que as pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais que contém.

Ao interpretar este preceito, o Tribunal de Justiça declarou que «... de qualquer modo, toda e qualquer derrogação à igualdade de tratamento fundada numa das disposições do regulamento referidas no artigo 3._, n._ 1, deve ser objectivamente justificada, sob pena de esvaziar do seu conteúdo a regra fundamental de não discriminação, consagrada no artigo 3._, n._ 1 no domínio da segurança social». (10)

29 Importa observar que não há no Regulamento n._ 1408/71, concretamente no capítulo 8 - que regula as prestações por descendentes a cargo de titulares de pensões ou de rendas e prestações por órfãos - do seu título III, que contém disposições especiais para as diferentes categorias de prestações, qualquer norma que exclua a aplicação do n._ 1 do artigo 3._ em matéria de requisitos para o reconhecimento e pagamento de uma prestação de órfão. Daqui deduzimos que C. Mora Romero pode reivindicar o direito a que a instituição de segurança social alemã que lhe paga a pensão de órfão o faça nas mesmas condições em que a concede aos órfãos de nacionalidade alemã.

30 Examinaremos, em seguida, se a instituição alemã demandada respeita o princípio da igualdade de tratamento no momento da aplicação da disposição em litígio - § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo do RVO -, nos termos da qual, se a formação escolar ou profissional for interrompida ou adiada para cumprimento, pelo filho, do serviço militar obrigatório ou de serviço que o substitua, a prestação de órfão será também concedida pelo tempo de duração da prestação deste serviço para além dos 25 anos de idade, atendendo a que essa prorrogação do pagamento da pensão foi recusada a C. Mora Romero e que o órgão jurisdicional nacional afirma, no acórdão de reenvio, que segundo a sua própria jurisprudência, a referida disposição apenas abrange o serviço militar prestado nas Forças Armadas alemãs.

31 Observamos que há três modalidades de aplicação dos segundo e terceiro parágrafos do n._ 1 do § 1267 do RVO, consoante o beneficiário esteja ou não sujeito ao cumprimento do serviço militar obrigatório e consoante o Estado que impõe essa obrigação, a saber:

- A pensão de órfão é concedida ao beneficiário, no máximo, até completar 25 anos, se estiver num período de formação escolar e profissional, sem qualquer distinção em razão da nacionalidade. É o caso dos órfãos não sujeitos a obrigações militares ou que estejam isentos do seu cumprimento.

- Se, por causa do cumprimento das obrigações militares, o órfão tiver de interromper os seus estudos, a instituição alemã demandada suspende o pagamento da prestação de órfão enquanto durar o serviço militar. Para este efeito, equipara-se o serviço militar prestado noutro Estado-Membro ao serviço militar prestado nas Forças Armadas alemãs.

- Se a formação do beneficiário for interrompida ou adiada devido ao cumprimento das obrigações militares é prorrogado o pagamento da pensão para além dos 25 anos, por período equivalente à duração do serviço militar. Todavia, esta prorrogação só é concedida aos órfãos que tenham cumprido as obrigações militares impostas pela legislação alemã.

32 O Bundessozialgericht pronuncia-se no seu acórdão sobre a finalidade prosseguida pela norma e considera que § 1267, n._ 1, terceiro parágrafo, do RVO faz parte de um regime de indemnização com que o legislador alemão pretendeu compensar as desvantagens que, para o miliciano, resultam do cumprimento das obrigações militares impostas pelas leis alemãs. A esse propósito, argumenta que a idade limite para o pagamento da pensão de órfão se aplica tanto a quem por decisão própria não tenha continuado a sua formação com a diligência necessária, como a quem, por golpe do destino, impedimento de saúde, medidas coercitivas ou outras obrigações, se tenha visto na impossibilidade de iniciar ou prosseguir essa formação; e que, se continuar a receber essa pensão após atingir essa idade, é unicamente em virtude do cumprimento do serviço militar.

33 Não estamos de acordo com esta posição, pois cremos que não se pode separar, como faz o órgão jurisdicional nacional, o segundo do terceiro parágrafos do n._ 1 do § 1267 do RVO.

Com efeito, trata-se sempre do direito ao pagamento de uma pensão de órfão, integrada num seguro de pensões alemão. Esta prestação não pode, por conseguinte, perder esse carácter pelo facto de o seu pagamento ser suspenso enquanto o beneficiário cumpre o seu serviço militar, reiniciando-se uma vez passado à disponibilidade, nem por o direito de a continuar a receber se prorrogar para além dos 25 anos por um período equivalente ao da duração do serviço militar se o beneficiário prosseguir a sua formação. Entendemos que se trata de um pagamento diferido da mesma prestação e não de uma prestação nova com carácter compensatório.

34 Além disso, de acordo com o previsto no n._ 4 do artigo 4._ do Regulamento n._ 1408/71 apenas estão excluídos do seu âmbito de aplicação a assistência social e médica, os regimes de prestações em favor das vítimas da guerra ou das suas consequências, e os regimes especiais dos funcionários públicos ou do pessoal equiparado.

A pensão de órfão que estamos a analisar, concedida por um regime de segurança social de um Estado-Membro, não é parte de nenhum desses regimes, nem sequer quando o seu pagamento é parcialmente diferido para depois dos 25 anos por causa de cumprimento das obrigações militares. Por essa razão, entendemos que, ainda na hipótese de se ter de lhe reconhecer um certo carácter indemnizatório, posição que não preconizamos, nem por isso perderia o seu carácter de prestação de segurança social na acepção do Regulamento n._ 1408/71 devendo ser concedida a um órfão na situação de C. Mora Romero nas mesmas condições que aos nacionais alemães.

35 Em nossa opinião, a regra constante dos parágrafos segundo e terceiro do n._ 1 do § 1267 do RVO, que devem ser interpretados conjuntamente, visa garantir, mediante o pagamento de uma prestação económica que lhes garanta determinado nível de rendimentos, que os órfãos, por esse facto, não sejam privados do acesso à formação profissional até uma idade razoável, que se situa nos 25 anos. Uma boa prova disso é que se a sua formação profissional for interrompida ou adiada por estarem sujeitos a um dever a que não se podem escusar, como é, em certos Estados-Membros, o cumprimento das obrigações militares, num primeiro momento é-lhes suspenso o pagamento da prestação, porque não estão num período de formação e, posteriormente, o pagamento da mesma prestação é prorrogado, para além dos 25 anos, por um período de duração igual ao da interrupção se continuarem a sua formação.

36 Em atenção a esse objectivo, devemos considerar que o prejuízo causado na formação escolar ou profissional de um órfão, que recebe uma pensão de órfão alemã, pela interrupção ou adiamento dessa formação durante determinado tempo para cumprimento das suas obrigações militares é o mesmo, quer estas obrigações lhe sejam impostas pela legislação alemã, se é alemão, quer pela legislação espanhola, se é espanhol.

Todavia, na prática, os órfãos de nacionalidade alemã que prossigam a sua formação para além dos 25 anos serão os únicos a poder beneficiar do pagamento diferido da pensão que não lhes foi paga enquanto cumpriam o serviço militar.

37 Por conseguinte, somos da opinião que constitui discriminação em razão da nacionalidade, proibida pelo artigo 3._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71, o facto de a instituição de segurança social alemã equiparar o cumprimento do serviço militar num Estado-Membro ao serviço militar efectuado na Alemanha para suspender, durante esse período, o pagamento da pensão de órfão aos beneficiários que estejam num período de formação escolar ou profissional, e se negar a efectuar igual equiparação no momento de prorrogar o pagamento dessa mesma prestação para além dos 25 anos, por um período de duração equivalente, quando o beneficiário cuja formação foi interrompida ou adiada cumpriu o serviço militar noutro Estado-Membro.

38 Queremos acrescentar, para terminar, que, com o objectivo de confortar a sua interpretação relativa ao carácter indemnizatório da pensão de órfão paga para além dos 25 anos, o órgão jurisdicional nacional refere-se, no seu acórdão de 8 de Fevereiro de 1996 às conclusões que apresentámos no caso De Vos, em 14 de Dezembro de 1995 (11). O acórdão foi proferido pelo Tribunal de Justiça em 14 de Março de 1996 (12). Importa no entanto salientar que, nem os factos nem o enquadramento jurídico desse processo têm qualquer relação com o processo ora em análise.

Tratava-se, aí, de decidir se um trabalhador nacional de um Estado-Membro, que trabalhava no território de outro Estado-Membro, teria direito a continuar a receber as contribuições do seguro complementar de velhice e sobrevivência para trabalhadores do sector público, pelo montante que deveria ter sido pago se a relação laboral não tivesse sido suspensa devido ao cumprimento do serviço militar do trabalhador, quando o referido direito é garantido aos nacionais desse Estado-Membro que trabalhem no sector público e prestem o serviço militar nesse Estado. O Tribunal de Justiça respondeu negativamente a essa questão.

39 Os factos na origem desse processo não apresentam qualquer relação com a situação de C. Mora Romero: De Vos era um «trabalhador» no sentido do artigo 48._ do Tratado cujo contrato de trabalho foi suspenso enquanto cumpria o serviço militar; as cotizações patronais para o seguro complementar de velhice e sobrevivência para trabalhadores do sector público constituíam parte da remuneração, já que eram uma vantagem económica concedida pela entidade patronal em razão da relação de trabalho, ficando, por isso, suspensa também a obrigação de pagar as referidas cotizações durante o período de duração do serviço militar e, se bem que a entidade patronal continuasse a pagá-las, juntamente com as que o trabalhador devia pagar, fazia-o por conta da administração federal que a reembolsava posteriormente.

O mesmo sucede com o enquadramento jurídico: De Vos não solicitou qualquer prestação de segurança social no sentido do Regulamento n._ 1408/71 e, no momento de responder ao órgão jurisdicional nacional que tinha colocado a questão prejudicial, tanto o Tribunal de Justiça no seu acórdão, como nós próprios, considerámos que o direito que reivindicava não integrava as condições de emprego e de trabalho, na acepção do n._ 1 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, e também não constituía um benefício social no sentido do n._ 2, já que não era concedido ao beneficiário em razão da sua condição objectiva de trabalhador ou pelo facto de residir na Alemanha, antes havendo que considerá-lo como um benefício que o Estado alemão concedia às pessoas chamadas a cumprir o serviço militar para as compensar, em parte, das consequências das obrigações militares que lhes impunha.

40 Houve então que declarar que o direito comunitário, na fase de desenvolvimento em que se encontrava, não podia obrigar a que esse direito, concedido pela legislação alemã a determinadas categorias de trabalhadores nacionais, se tornasse extensivo, nas mesmas condições, aos trabalhadores de outros Estados-Membros.

Conclusão

Atentas as considerações que precedem, propomos que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial que lhe foi submetida pelo Bundessozialgericht nos seguintes termos:

«O artigo 3._, n._ 1, do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão modificada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, deve ser interpretado no sentido que se opõe a que um Estado-Membro que equipara o serviço militar cumprido nas forças armadas de outro Estado-Membro ao prestado nas suas próprias forças armadas para suspender, durante esse período, o pagamento da pensão de órfão aos beneficiários que estejam num período de formação escolar ou profissional, se negue a efectuar essa equiparação no momento de prorrogar o pagamento dessa mesma prestação para além da idade limite, fixada nos 25 anos, por um período de duração equivalente, quando o beneficiário cuja formação foi interrompida ou adiada cumpriu o serviço militar noutro Estado-Membro.»

(1) - Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

(2) - Este texto figurava no artigo 7._ do Tratado CEE antes da entrada em vigor do Tratado da União Europeia.

(3) - JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53.

(4) - Actualização da declaração da República Federal da Alemanha referida no artigo 5._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 (JO 1980, C 139, p. 1; EE 05 F2, p. 189). Posteriormente, a República Federal da Alemanha introduziu determinadas modificações na sua declaração (JO 1983, C 351, p. 1; EE 05 F4, p. 51).

(5) - JO 1985, L 302, p. 23.

(6) - Acórdãos de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz (C-419/92, Colect., p. I-505, n._ 6), e de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos (C-193/94, Colect., p. I-929, n._ 20).

(7) - Acórdão de 28 de Junho de 1978, Kenny (1/78, Colect., p. 505, n.os 9 a 11).

(8) - Acórdão de 26 de Maio de 1993 (C-171/91, Colect., p. I-2925).

(9) - Acórdãos de 12 de Julho de 1979, Toia (237/78, Recueil, p. 2645, n._ 8), e de 11 de Junho de 1991, Athanasopoulos e o. (C-251/89, Colect., p. I-2797, n._ 28).

(10) - Acórdão de 30 de Abril de 1996, Cabanis-Issarte (C-308/93, Colect., p. I-2097, n._ 26).

(11) - Conclusões apresentadas no processo cujo acórdão foi proferido em 14 de Março de 1996, De Vos (C-315/94, Colect., p. I-1417 e segs., especialmente, p. I-1419).

(12) - Já referido na nota 11, supra.