61996C0098

Conclusões do advogado-geral Elmer apresentadas em 29 de Abril de 1997. - Kasim Ertanir contra Land Hessen. - Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Darmstadt - Alemanha. - Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 30 de Setembro de 1997. - Faik Günaydin, Hatice Günaydin, Günes Günaydin e Seda Günaydin contra Freistaat Bayern. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha. - Acordo de associação CEE-Turquia - Decisão do Conselho de Associação - Livre circulação de trabalhadores - Conceitos de integração no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro e de emprego regular - Autorização de residência limitada ao exercício temporário de uma actividade de cozinheiro especializado para uma entidade patronal concretamente individualizada - Períodos não cobertos por uma autorização de trabalho e/ou de residência - Cálculo dos períodos de emprego. - Processo C-98/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-05179


Conclusões do Advogado-Geral


Introdução

1 No caso vertente, o Verwaltungsgericht Darmstadt colocou ao Tribunal de Justiça diversas questões de interpretação relativas ao artigo 6._, n.os 1 e 3, da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação, criado pelo acordo de associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (1).

As disposições pertinentes de direito comunitário

2 Nos termos do artigo 2._, n._ 1, este acordo de associação tem por objecto «promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes, tendo em plena consideração a necessidade de assegurar o desenvolvimento acelerado da economia da Turquia e o aumento do nível de emprego e das condições de vida do povo turco».

Nos termos do artigo 12._ do acordo, as partes contratantes acordam em «inspirar-se nos artigos 48._, 49._ e 50._ do Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores».

3 O artigo 36._ do protocolo adicional, de 23 de Novembro de 1970 (2), ao acordo de associação prevê que o Conselho de Associação decide das modalidades necessárias à realização gradual da livre circulação de trabalhadores entre os Estados-Membros e a Turquia, em conformidade com os princípios inscritos no artigo 12._ do acordo.

4 Por aplicação deste artigo, o Conselho da Associação adoptou a Decisão n._ 1/80, que entrou em vigor em 1 de Julho de 1980 (a seguir «Decisão n._ 1/80») (3). O artigo 6._, n.os 1 e 3, da Decisão n._ 1/80 tem o seguinte teor:

«1. ... o trabalhador turco integrado no mercado regular do emprego de um Estado-Membro:

- tem direito, nesse Estado-Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

- tem direito, nesse Estado-Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, de responder dentro da mesma profissão a uma entidade patronal da sua escolha a outra oferta de emprego, feita em condições normais, registada nos serviços de emprego desse Estado-Membro;

- beneficia, nesse Estado-Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.

2. ...

3. modalidades de aplicação dos n.os 1 e 2 são fixadas pelas regulamentações nacionais.»

Matéria de facto do litígio no processo principal

5 Kasim Ertanir, nacional turco, encontrava-se na República Federal da Alemanha em 1991. As autoridades alemãs competentes do serviço de estrangeiros informaram-no de que a sua autorização de residência não podia ser prolongada, mas deram-lhe a conhecer, ao mesmo tempo, que estariam disponíveis para lhe conceder uma autorização prévia, permitindo-lhe obter na Embaixada de Alemanha em Ancara um visto de entrada que lhe possibilitaria obter uma autorização de residência e de trabalho para exercer a profissão de cozinheiro especializado. Em carta de 17 de Dezembro de 1991 ao advogado de K. Ertanir, essas autoridades informavam-no que «a duração da permanência como cozinheiro especializado turco na República Federal da Alemanha não podia exceder três anos».

6 K. Ertanir regressou à Turquia. Em 14 de Abril de 1992, a Embaixada da Alemanha em Ancara forneceu-lhe o visto já referido e ele regressou no mesmo dia à Alemanha. O visto em questão, válido por três meses, tinha nomeadamente a menção seguinte: «... válido unicamente para um trabalho de cozinheiro especializado no restaurante Ratskeller em Weinheim».

7 Mediante pedido apresentado em 30 de Junho de 1992, K. Ertanir recebeu, em 14 de Agosto de 1992, uma autorização de residência válida até 13 de Abril de 1993. Foi-lhe deferido no mesmo dia um pedido de renovação apresentado em 8 de Abril de 1993, com efeitos até 13 de Abril de 1994. Em ambos os casos, a autorização de residência referia o seguinte: «A autorização de residência caduca com a cessação do emprego de cozinheiro no restaurante Ratskeller de Weinheim. A autorização de residência não substitui a autorização de trabalho.»

8 Por carta de 9 de Agosto de 1993, as autoridades competentes chamaram a atenção de K. Ertanir para o facto de uma autorização de residência com o objectivo de exercer uma actividade de cozinheiro especializado apenas poder ser concedida ou prolongada por um período máximo de três anos.

9 Em 19 de Abril de 1994, K. Ertanir pediu mais uma vez a renovação da sua autorização de residência. Por carta de 20 de Abril de 1994, as autoridades alemãs competentes renovaram-lhe a autorização de residência até 14 de Abril de 1995, assinalando-lhe novamente que essa autorização como cozinheiro especializado apenas podia ter a duração global máxima de três anos. Nesta autorização constava a mesma indicação que na de 14 de Agosto de 1992.

10 Durante a sua permanência na Alemanha, K. Ertanir obteve do Arbeitsamt Mannheim autorizações de trabalho para exercer a actividade constante da autorização de residência. Assim, recebeu em 24 de Abril de 1991 autorização de trabalho válida até 23 de Abril de 1992, como cozinheiro especializado no restaurante Ratskeller de Weinheim. Em 27 de Março de 1992, esta autorização de trabalho foi-lhe renovada até 23 de Abril de 1993. Em 13 de Maio de 1993, foi-lhe renovada, com efeitos de 24 de Abril de 1993 até 23 de Abril de 1994. Em 6 de Maio de 1994, foi-lhe ainda concedida uma autorização de trabalho, com efeitos de 24 de Abril de 1994 até 23 de Abril de 1996.

11 Em 13 de Abril de 1995, K. Ertanir pediu a renovação da autorização de residência por dois anos suplementares. As autoridades competentes do Land Hessen indeferiram o pedido por decisão de 17 de Julho de 1995 invocando, designadamente, o decreto de 3 de Fevereiro de 1995 do Ministério do Interior do Land Hessen, nos termos do qual os cozinheiros especializados estão excluídos dos benefícios concedidos pela Decisão n._ 1/80.

12 Por carta de 8 de Agosto de 1995, K. Ertanir apresentou reclamação administrativa desta decisão.

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais.

13 Em 24 de Outubro de 1995, K. Ertanir recorreu para o Verwaltungsgericht Darmstadt requerendo o efeito suspensivo da reclamação apresentada. Por despacho de 29 de Fevereiro de 1996, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) Para efeitos da manutenção da autorização de residência e de trabalho relativamente ao direito decorrente do n._ 1 do artigo 6._ da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, relativa ao desenvolvimento da associação, que consequências têm as interrupções da estada legal ou os períodos de trabalho sem autorização, tendo em conta que estes períodos não são equiparados a períodos de trabalho autorizado nos termos do n._ 2 do artigo 6._ da Decisão n._ 1/80?

2) Um trabalhador turco, titular de uma autorização de residência e de trabalho que lhe permite exercer uma actividade profissional de cozinheiro especializado, está integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro na acepção do n._ 1 do artigo 6._ da Decisão n._ 1/80 quando, desde o início da sua permanência neste Estado-Membro, tinha conhecimento de que a autorização de residência apenas lhe seria concedida por um período máximo global de três anos e apenas para o exercício de determinada actividade ao serviço de uma entidade patronal concretamente individualizada?

3) No caso de o Tribunal de Justiça entender que uma pessoa na situação descrita na questão 2 está integrada no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro: o n._ 3 do artigo 6._ da Decisão n._ 1/80 permite aos Estados-Membros conceder direitos de residência à partida não incluídos nas regalias previstas no n._ 1 do artigo 6._ da mesma decisão?»

A primeira questão

14 Resulta dos autos que, durante a sua permanência na Alemanha, o emprego de K. Ertanir estava autorizado nos termos das disposições do direito do trabalho. Deu todavia lugar a duas regularizações a posteriori. No que respeita à autorização de residência, verifica-se que em Abril de 1994 K. Ertanir não tinha tido a preocupação de pedir, em tempo útil, a renovação da mesma, de modo que entre 14 de Abril de 1994 e 20 de Abril de 1994 não dispunha de uma autorização de residência válida.

Assim, a primeira questão tem a ver na realidade com o problema de saber se curtas interrupções quanto à permanência e emprego regular de um trabalhador turco redundam em consequências sobre os direitos deste nos termos do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, no caso em que o Estado-Membro em questão regularizou posteriormente a estada durante esses períodos.

15 O Governo alemão considerou que, tendo em conta a sua resposta à segunda e terceira questões, não tem que se pronunciar quanto à presente.

16 A Comissão alega que tais interrupções, muito curtas, da actividade e da permanência legal de um trabalhador turco não têm consequências sobre os direitos que para o mesmo resultam do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, uma vez que o Estado-Membro em questão não o acusa destas interrupções nas decisões posteriores.

17 Uma das condições para poder invocar um direito baseado no artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 é que o referido trabalhador turco tenha tido um emprego regular no decurso dos períodos considerados nesta disposição. Esta última não enuncia condições autónomas para que o emprego seja «regular». Importa portanto decidir esta questão com base nas disposições dos Estados-Membros quanto às condições em que os nacionais turcos podem entrar e permanecer nos seus territórios e aí exercerem uma actividade profissional. Por conseguinte, é a legislação dos diferentes Estados-Membros que determina as condições de regularidade da permanência no território nacional.

18 Não é portanto excepcional que as autoridades do serviço de estrangeiros dum Estado-Membro só renovem a autorização de residência e de trabalho após a sua expiração, por exemplo, porque os pedidos são numerosos, e assim as novas autorizações têm efeito como se tivessem sido passadas em tempo útil, de modo que o período não coberto pela autorização de residência ou de trabalho é regularizado a posteriori. Também é normal que as autoridades competentes de um Estado-Membro não sejam excessivamente rigorosas no caso de uma eventual ultrapassagem dos prazos para solicitar a renovação da autorização de residência e de trabalho, mesmo que as disposições aplicáveis obriguem o estrangeiro a assegurar-se de que o seu emprego e a sua residência estão regularizados e que deva, ele próprio, obter em tempo útil a renovação das referidas autorizações, de modo que estas são renovadas como se os pedidos tivessem sido atempadamente apresentados.

19 No acórdão de 17 de Abril de 1997 (4), o Tribunal declarou, após ter verificado que determinadas formas de estada no estrangeiro deviam entrar no cálculo dos três anos de residência regular exigidos no artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80,

«O mesmo se passa com o período durante o qual a pessoa em questão não possuía uma autorização de residência válida, quando as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento não tenham posto em causa, por esse motivo, a legalidade da residência do interessado no território nacional, tendo-lhe, pelo contrário, concedido uma nova autorização de residência.»

20 Resulta dos autos que as autoridades alemãs do serviço de estrangeiros consideraram que, durante os curtos períodos entre a expiração da autorização de residência anterior e a concessão da nova autorização, a permanência de K. Ertanir na Alemanha era regular, uma vez que durante esses períodos foi regularizada a posteriori, como se os pedidos para este efeito tivessem sido apresentados atempadamente.

21 Cabe portanto responder a esta questão que o artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 deve ser interpretado no sentido de que, para calcular o período de emprego regular na acepção desta disposição, importa ter em consideração um período durante o qual o referido trabalhador não tinha autorização de residência ou de trabalho válida, quando as autoridades competentes do país de acolhimento não contestaram, nessa base, a regularidade da estada em questão no território do Estado, mas, pelo contrário, a regularizaram a posteriori concedendo nova autorização de residência ou de trabalho.

A segunda questão

22 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça para declarar se um trabalhador turco que exerce a actividade como cozinheiro especializado exerce um emprego regular e se encontra integrado no mercado regular de um Estado-Membro na acepção em que tais expressões são utilizadas no artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, quando tenha sido indicado no momento da concessão das autorizações de residência e de trabalho que estas apenas podiam ser concedidas para o máximo global de três anos, e unicamente para o exercício de uma actividade precisa para uma entidade patronal determinada.

23 O Governo alemão alega que um trabalhador turco que tenha obtido as autorizações de residência e de trabalho provisórias, para exercer uma actividade como cozinheiro especializado, não pode ser considerado integrado no mercado regular do emprego de um Estado-Membro na acepção em que esta expressão é utilizada no artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80.

24 A Comissão e K. Ertanir consideram, pelo contrário, que os cozinheiros especializados não constituem uma profissão que se distinga de outras numa medida tal que um trabalhador turco, empregado como cozinheiro especializado num Estado-Membro, não pertença ao mercado regular de emprego. Isto é válido, mesmo que o trabalhador em questão tenha sabido, desde o início da sua estada no Estado-Membro, que as autorizações de residência e de trabalho concedidas estão sujeitas a determinadas restrições.

25 Sublinho que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 tem efeito directo (5). De acordo com os seus próprios termos, esta disposição diz apenas respeito ao direito ao emprego, mas resulta de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que este direito ao emprego (6) implica um direito de residência.

Ao invés, esta disposição não rege a questão do direito ao emprego e à residência, nos Estados-Membros, de trabalhadores turcos que não preencham as condições de duração nela estabelecidas. Fora dos casos visados na Decisão n._ 1/80, é a legislação dos Estados-Membros que determina se e, sendo esse o caso, em que condições, os nacionais turcos podem entrar e permanecer no território desses Estados e aí exercerem uma actividade.

26 O Tribunal de Justiça declarou, além disso, no acórdão de 16 de Dezembro de 1992 (7),

«... segundo a sua redacção [as disposições do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80] aplicam-se aos trabalhadores turcos pertencentes ao mercado regular de trabalho de um Estado-Membro e, em particular... por força do artigo 6._, n._ 1, primeiro travessão, basta que um trabalhador turco tenha ocupado um emprego regular há mais de um ano para que tenha direito à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal...».

Assim, para poder invocar um direito baseado no artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, é necessário que o trabalhador turco em questão esteja ligado ao mercado regular de trabalho num Estado-Membro e aí tenha exercido uma actividade regular durante os períodos referidos nessa disposição.

27 No que concerne à questão de saber em que momento um trabalhador turco pode ser considerado como exercendo uma actividade ligada ao mercado regular de trabalho, importa salientar desde já que se torna evidente, em minha opinião, que o trabalho como cozinheiro especializado não se distingue de outras formas de actividade remunerada. Trata-se do exercício de um trabalho mediante pagamento de uma remuneração contratual normal. Que poderá haver de especial neste tipo de cozinheiro em relação aos outros? Pouco importa que um cozinheiro se especialize na cozinha francesa, italiana, turca, libanesa ou chinesa. Este tipo de cozinha pode igualmente em princípio ser feito por cozinheiros turcos ou suecos - do mesmo modo que os cozinheiros turcos podem igualmente dedicar-se à cozinha francesa, italiana ou alemã.

28 Em minha opinião, é a partir de uma apreciação verdadeiramente objectiva da natureza da actividade que cabe determinar se há, no exercício da referida actividade, ligação ao mercado regular de trabalho na Alemanha. Assim, penso que não se pode atribuir importância às indicações dadas pelas autoridades do serviço de estrangeiros dos Estados-Membros relacionadas com a passagem de autorizações de residência e de trabalho ao trabalhador turco em questão, porque isso significaria que os Estados-Membros poderiam assim contornar as disposições do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80.

29 Nas minhas conclusões no processo Bozkurt (8) referi que:

«As disposições do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação não instituem condições especiais para que o emprego seja considerado `regular'.

...

Convém portanto considerar que a expressão emprego `regular' constante do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação remete para as regras dos Estados-Membros relativas às condições em que os nacionais turcos podem entrar e residir no seu território e aí exercer um emprego. Como as disposições deste artigo não condicionam a regularidade do emprego à existência de uma autorização de residência formal ou outra, o mais lógico é lê-las no sentido de que um emprego é `regular' na acepção desse artigo se, segundo a legislação do Estado-Membro em causa, não for irregular que um nacional turco tenha o emprego em causa.»

30 No seu acórdão Sevince (9), o Tribunal estabeleceu algumas linhas directrizes relativamente ao que as legislações dos Estados-Membros podem fazer caber na noção de «emprego regular» do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80:

«A regularidade do emprego, na acepção destas disposições, mesmo admitindo que não esteja necessariamente dependente da posse de uma autorização regular de residência, pressupõe todavia uma situação estável e não precária no mercado do trabalho (10).

...

Em consequência, a expressão `empregado regularmente', que figura... no artigo 6._, n._ 1, terceiro travessão, da Decisão n._ 1/80, já referida, não pode abranger a situação de um trabalhador turco que apenas pôde continuar legalmente a exercer uma actividade em razão do efeito suspensivo atribuído ao seu recurso até que o órgão jurisdicional nacional decida definitivamente este recurso, na condição, todavia, de este órgão jurisdicional negar provimento ao recurso» (11).

31 Poderia adiantar-se que, enquanto um trabalhador turco possuir uma autorização de trabalho provisória, deve automaticamente considerar-se que a sua situação no mercado de trabalho do Estado-Membro é provisória, não se tratando por isso de um emprego regular.

32 Todavia, resulta do acórdão Sevince que não é decisivo, para determinar se um trabalhador turco pode ser considerado empregado regularmente num Estado-Membro, que este tenha formalmente beneficiado de uma autorização de residência. É em contrapartida determinante que, de acordo com a legislação nacional do respectivo Estado-Membro, tenha materialmente o direito de trabalhar e de permanecer no Estado em questão durante o período em causa.

33 Tal como não se pode atribuir importância à questão de saber se o direito de residência resulta duma autorização de trabalho ou de residência formal, também não se pode, em minha opinião, atribuir importância à validade restrita no tempo de uma autorização de residência ou de trabalho concedida. A conceder importância à validade temporal da autorização de residência, bastaria aos Estados-Membros emitirem autorizações de residência de duração limitada para poderem eximir-se totalmente à aplicação das disposições do artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, de modo que os nacionais turcos não beneficiariam, de facto, dos direitos que lhe são reconhecidos nessas disposições. A esse propósito, importa não esquecer que é presumivelmente uma prática bastante corrente de os Estados-Membros apenas concederem aos nacionais de um país terceiro uma autorização de residência limitada nos primeiros anos em que dispõem do direito de trabalhar e permanecer num Estado-Membro.

34 O mesmo ponto de vista se aplica quando os Estados-Membros limitam a autorização de residência e de trabalho de modo diferente de uma restrição temporal, por exemplo, indicando que a autorização apenas dá direito a trabalhar para uma determinada entidade patronal ou num emprego claramente definido. Se bastasse aos Estados-Membros fixar restrições desta ou daquela natureza às autorizações de residência e de trabalho para limitar os direitos conferidos aos nacionais turcos pelas disposições comunitárias, aqueles poderiam livremente tornar ilusórios os direitos que estes nacionais turcos retiram da Decisão n._ 1/80, que é parte integrante do direito comunitário.

35 Isso não significa que tais restrições, relativas à duração ou outras, não tenham consequências, porque produzem efeitos que lhes são atribuídos pela respectiva ordem jurídica nacional, na medida em que os nacionais de países terceiros não adquiriram direitos ao abrigo das disposições comunitárias. Assim, se a autorização de trabalho de um nacional turco se limitar a um certo tipo de serviço prestado a determinada entidade patronal e este trabalho terminar antes de decorrer um ano, resulta a contrario do artigo 6._, n._ 1, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80 que o nacional turco não adquiriu, nos termos das disposições comunitárias, o direito de manter o emprego, e que as suas possibilidades de permanecer e de trabalhar no território do Estado-Membro em questão apenas devem ser apreciadas à luz da legislação interna desse Estado-Membro.

36 O elemento determinante para saber se se deve considerar que um trabalhador turco possui um emprego regular num Estado-Membro reside assim, em minha opinião, unicamente no facto de saber se a pessoa em questão teve materialmente o direito de permanecer e trabalhar no Estado-Membro no decurso do período em causa no litígio, nos termos da legislação do referido Estado-Membro relativa aos estrangeiros. Pouco importa assim que o trabalhador em causa tenha beneficiado durante esses períodos de autorizações de residência ou de trabalho válidas e que dessas autorizações conste uma restrição de duração ou outra.

37 Importa portanto responder à segunda questão que o artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador turco que exerce uma actividade remunerada como cozinheiro especializado num Estado-Membro deve ser considerado ligado ao mercado regular de emprego e que os Estados-Membros não podem impedir que o referido trabalhador adquira os direitos nos termos da já referida disposição, ao inserir nas suas autorizações de residência e de trabalho restrições de duração ou outras.

A terceira questão

38 A terceira questão colocada consiste em saber se, uma vez que um grupo de pessoas deve, pelas suas características objectivas, ser considerada regularmente empregada e ligada ao mercado regular de emprego num Estado-Membro, o artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80 habilita um Estado-Membro a emitir as autorizações de residência prevendo previamente que os seus titulares serão excluídos dos benefícios decorrentes das disposições do artigo 6._, n._ 1.

39 O Governo alemão considera que o artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80 confere aos Estados-Membros competência para preverem em relação aos nacionais turcos autorizações de residência que excluem a priori a aplicação das disposições do n._ 1 desse mesmo artigo.

40 A Comissão alega que o artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80 não permite aos Estados-Membros preverem autorizações de residência e de trabalho que excluam a priori os nacionais turcos das vantagens das disposições do n._ 1 desse mesmo artigo, o que seria contrário ao objectivo desta disposição.

41 No acórdão Sevince, o Tribunal de Justiça declarou:

«A conclusão de que... [da Decisão] n._ 1/80... são susceptíveis de ter efeito directo não poderá ser infirmada pela circunstância de... o artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80 [prever] que as modalidades de aplicação dos direitos conferidos aos trabalhadores turcos são fixadas pelas regulamentações nacionais. Com efeito, estas disposições mais não fazem do que definir com precisão a obrigação que incumbe aos Estados-Membros de adoptarem as medidas de ordem administrativa eventualmente necessárias para a aplicação destas disposições, sem conferir aos Estados-Membros a faculdade de condicionarem ou restringirem a aplicação do direito preciso e incondicional que as disposições das decisões do Conselho de Associação reconhecem aos trabalhadores turcos» (12).

42 Daí resulta que o artigo 6._, n._ 3, apenas visa a adopção de disposições de aplicação nacional e nada mais. Não dá assim aos Estados-Membros o poder de aplicar disposições nacionais que excluam dos direitos baseados no artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 determinadas categorias de nacionais turcos que reúnem objectivamente as condições para poder exigir a renovação das suas autorizações de residência e de trabalho nos termos dessas disposições.

43 Cabe assim responder a esta questão que o artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80, de acordo com o qual as modalidades de aplicação do artigo 6._, n._ 1, são fixados pelas legislações nacionais, deve ser interpretado no sentido de que não autoriza os Estados-Membros a afastar a aplicação do artigo 6._, n._ 1.

Conclusão

44 Proponho, portanto, ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

«1) O artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do Conselho de Associação instituído pelo acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em Ancara em 12 de Setembro de 1963 e celebrado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963, deve ser interpretado no sentido de que, para calcular o período de emprego regular na acepção desta disposição, importa ter em consideração um período durante o qual o referido trabalhador não tinha autorização de residência ou de trabalho válida, quando as autoridades competentes do país de acolhimento não contestaram, nessa base, a regularidade da estada e do trabalho do interessado no território do Estado, mas, pelo contrário, a regularizaram a posteriori concedendo nova autorização de residência e de trabalho.

2) Importa, além disso, interpretar a disposição em causa no sentido de que um trabalhador turco que exerce uma actividade remunerada como cozinheiro especializado num Estado-Membro deve ser considerado ligado ao mercado regular de emprego e que os Estados-Membros não podem limitar os direitos desse nacional turco nos termos dessa disposição, ao inserir nas suas autorizações de residência ou de trabalho restrições de duração ou outras.

3) O artigo 6._, n._ 3, da Decisão n._ 1/80, de acordo com o qual as modalidades de aplicação do artigo 6._, n._ 1, são fixadas pela legislação nacional, deve ser interpretado no sentido que não autoriza os Estados-Membros a afastar a aplicação do artigo 6._, n._ 1.»

(1) - Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, e celebrado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18).

(2) - JO 1973, C 113.

(3) - Decisão não publicada.

(4) - Kadiman (C-351/95, Colect., p. I-2133).

(5) - V. acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C-192/89, Colect., p. I-3461).

(6) - V. acórdão referido na nota 4.

(7) - Kus (C-237/91, Colect., p. I-6781).

(8) - Acórdão de 6 de Junho de 1995 (C-434/93, Colect., p. I-1475).

(9) - V. nota 5.

(10) - N._ 30.

(11) - N._ 32.

(12) - N._ 22.