61995J0395

Acórdão do Tribunal de 22 de Abril de 1997. - Geotronics SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Programa PHARE - Concurso limitado - Recurso de anulação - Admissibilidade - Acordo EEE - Origem dos produtos - Discriminação - Pedido de indemnização. - Processo C-395/95 P.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-02271


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Orçamento das Comunidades Europeias - Regulamento Financeiro - Disposições aplicáveis às ajudas externas - Procedimento de adjudicação de concursos públicos financiados ao abrigo do programa PHARE - Funções respectivas do Estado beneficiário e da Comissão - Competência do Estado beneficiário em matéria de adjudicação dos concursos - Decisão da Comissão que rejeitou a proposta de uma empresa concorrente por não ser conforme com as condições de financiamento comunitário - Acto destacável do procedimento contratual que deveria culminar na celebração do contrato - Acto susceptível de recurso de anulação

(Tratado CE, artigo 173._, quarto parágrafo)

2 Acordos internacionais - Acordo que cria o Espaço Económico Europeu - Aplicação no tempo - Inaplicabilidade às situações jurídicas surgidas antes da entrada em vigor do acordo - Procedimento de adjudicação de um concurso público iniciado antes de 1 de Janeiro de 1994, mas concluído posteriormente a essa data - Inaplicabilidade

Sumário


3 O acto através do qual a Comissão, por ocasião de um procedimento de adjudicação de um concurso público financiado ao abrigo do programa PHARE, informa uma empresa concorrente de que rejeita a sua proposta porque esta não preenche as condições exigidas pelo anúncio de concurso para a obtenção do financiamento comunitário, apesar de se inscrever no âmbito de um procedimento de natureza contratual que deve culminar na celebração de um contrato nacional pelo Estado beneficiário, é destacável desse contexto porque, por um lado, é adoptado pela Comissão no exercício das suas competências próprias e, por outro, visa especificamente uma empresa determinada que perde assim, pela simples adopção do acto, toda e qualquer possibilidade efectiva de lhe ser adjudicado o concurso. Nestas condições, a decisão da Comissão de excluir a empresa em causa do benefício do financiamento comunitário produz, em si, efeitos jurídicos obrigatórios relativamente a esta última, e é portanto susceptível de recurso de anulação.

4 O quadro jurídico do procedimento de adjudicação dos concursos públicos financiados ao abrigo do programa PHARE é fixado pelas condições gerais definidas no concurso limitado. Depois de entregues as propostas e definitivamente encerrado o convite à apresentação de propostas em 1993, na vigência das referidas condições gerais, o acordo que criou o Espaço Económico Europeu, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, não era aplicável ratione temporis a esse procedimento. Com efeito, esse acordo não pode, sem violar o princípio da segurança jurídica, ter como efeito modificar as condições em que o concurso foi lançado e com base nas quais foram apresentadas as propostas, ou impor uma reabertura do procedimento de adjudicação.

Partes


No processo C-395/95 P,

Geotronics SA, sociedade de direito francês, com sede em Lognes (França), representada por Tommy Pettersson, advogado na Suécia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão (T-185/94, Colect., p. II-2795), Comissão das Comunidades Europeias, representada por John Forman, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 3 de Dezembro de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Janeiro de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 18 de Dezembro de 1995, a Geotronics SA (a seguir «Geotronics»), ao abrigo do artigo 49._ do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, interpôs recurso do acórdão de 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão (T-185/94, Colect., p. II-2795, a seguir «acórdão impugnado»), em que o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso em que pedia, por um lado, a anulação, nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado CE, da decisão da Comissão de 10 de Março de 1994 que rejeitou a proposta apresentada pela Geotronics, no âmbito do programa PHARE, para o fornecimento de taqueómetros electrónicos, e, por outro lado, a indemnização, nos termos dos artigos 178._ e 215._ do Tratado CE, do prejuízo pretensamente sofrido pela Geotronics devido à decisão controvertida.

Matéria de facto

2 O Tribunal de Primeira Instância fez as seguintes constatações no acórdão impugnado:

«1 O programa PHARE, baseado no Regulamento (CEE) n._ 3906/89 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1989, relativo à ajuda económica a favor da República da Hungria e da República Popular da Polónia (JO L 375, p. 11, a seguir `Regulamento n._ 3906/89'), modificado pelos Regulamentos (CEE) n._ 2698/90 do Conselho, de 17 de Setembro de 1990 (JO L 257, p. 1), n._ 3800/91 do Conselho, de 23 de Dezembro de 1991 (JO L 357, p. 10), e n._ 2334/92 do Conselho, de 7 de Agosto de 1992 (JO L 227, p. 1), tendo em vista a extensão da ajuda económica a outros países da Europa Central e Oriental, constitui o quadro dentro do qual a Comunidade canaliza a ajuda económica aos países da Europa Central e Oriental para realizar as acções destinadas a apoiar o processo de reforma económica e social em curso nesses países.

2 Em 9 de Julho de 1993, a Comissão, `em nome do Governo romeno', e o Ministério da Agricultura e da Indústria Alimentar romeno lançaram conjuntamente um concurso limitado, por intermédio da `EC/PHARE Programme Management UNIT-Bucharest' (a seguir `PMU-Bucharest'), autoridade que representa o Estado romeno e a quem o programa foi confiado, para o fornecimento de taqueómetros electrónicos (`total stations') ao Ministério da Agricultura e da Indústria Alimentar romeno, para utilização no âmbito do programa de reforma agrária na Roménia. Por força do artigo 2._ das condições gerais do concurso limitado, o equipamento a fornecer devia ser originário dos Estados-Membros da Comunidade Europeia ou de um dos Estados beneficiários do programa PHARE.

3 Em 16 de Julho de 1993, a sociedade de direito francês Geotronics SA (a seguir `Geotronics' ou `recorrente'), que é uma filial a 100% da sociedade sueca Geotronics AB, apresentou uma proposta de fornecimento de 80 aparelhos de tipo Geodimeter 510N (`electronic total stations with inbuilt memory for data storage').

4 Por carta telecopiada de 18 de Outubro de 1993, a PMU-Bucharest informou a recorrente de que a sua proposta fora favoravelmente acolhida e de que seria apresentado um contrato à entidade adjudicante (`contracting authority') para aprovação.

5 Por ofício telecopiado de 19 de Novembro de 1993, a Comissão informou a recorrente de que o comité de avaliação (`evaluation committee') lhe recomendara que fosse adjudicado à recorrente o contrato em causa, mas tinha dúvidas quanto à origem dos produtos propostos pela Geotronics e pretendia obter esclarecimentos a esse respeito.

6 Por carta de 14 de Dezembro de 1993, a Geotronics forneceu à Comissão esclarecimentos a respeito da montagem dos taqueómetros e informou-a de que os mesmos seriam fabricados no Reino Unido.

7 Em 2 de Março de 1994, a recorrente informou a Comissão de que tivera conhecimento de que a sua proposta iria ser recusada por o equipamento proposto ser de origem sueca. Considerando que, após a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1994, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO L 1, p. 3, a seguir `acordo EEE'), a situação se modificara quanto aos critérios de origem das mercadorias, a recorrente sugeriu à Comissão que reabrisse o concurso limitado.

8 Por ofício telecopiado de 10 de Março de 1994 enviado à recorrente, a Comissão rejeitou a proposta desta pelo facto de, contrariamente às condições aplicáveis ao concurso limitado, o equipamento oferecido pela Geotronics não ser originário de um dos Estados-Membros da Comunidade ou de um Estado beneficiário do programa PHARE.

9 Em 11 de Março de 1994, a Comissão informou a PMU-Bucharest de que, após exame das duas propostas recebidas no concurso limitado para os taqueómetros electrónicos, considerara que só a proposta de uma empresa alemã preenchia as condições exigidas no concurso, e que era aceitável. Por conseguinte, a Comissão pediu à PMU-Bucharest que entrasse em contacto com essa empresa alemã, para ser ultimado o contrato.

10 Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 29 de Abril de 1994, a recorrente interpôs o presente recurso.

11 Por requerimento separado entrado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a recorrente apresentou, nos termos do artigo 185._ do Tratado, um pedido de medidas provisórias para obter a suspensão da execução da decisão impugnada.

12 Em 17 de Maio de 1994, a PMU-Bucharest informou a Comissão de que o Ministério da Agricultura e da Indústria Alimentar romeno, entidade adjudicante, decidira em 15 de Abril de 1994 adjudicar o contrato à empresa alemã.

13 No mesmo dia, a PMU-Bucharest informou a recorrente de que, como a sua proposta não preenchia os requisitos relativos aos critérios de origem fixados pelo concurso limitado, as autoridades romenas não podiam adjudicar-lhe o contrato em questão.»

3 Por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Geotronics/Comissão (T-185/94 R, Colect., p. II-519), foi indeferido o pedido de medidas provisórias apresentado pela Geotronics simultaneamente com a interposição do recurso.

O acórdão do Tribunal de Primeira Instância

4 Resulta do acórdão impugnado que a Geotronics pedia, a título principal, a anulação da decisão tomada pela Comissão de rejeitar a sua proposta, decisão essa que lhe foi notificada por ofício enviado através de telecópia em 10 de Março de 1994, e, a título subsidiário, a condenação da Comissão na reparação do prejuízo que lhe teria causado com a referida decisão.

Quanto à admissibilidade do recurso de anulação

5 O Tribunal de Primeira Instância julgou inadmissível o recurso de anulação da decisão contida no ofício de 10 de Março de 1994, pelos seguintes fundamentos:

«27 Deve recordar-se, a título liminar, que, nos termos do regulamento de base do programa PHARE, as ajudas são concedidas pela Comunidade, quer de modo autónomo, quer em co-financiamento com Estados-Membros, o Banco Europeu de Investimento, países terceiros ou organismos multilaterais, ou com os próprios países beneficiários.

28 Deve observar-se em seguida que as ajudas concedidas no âmbito do programa PHARE são financiadas pelo orçamento geral, em conformidade com o Regulamento Financeiro, com as modificações neste introduzidas designadamente pelo Regulamento n._ 610/90, cujas disposições do título IX são aplicáveis às ajudas externas.

29 Por força dos artigos 107._ e 108._, n._ 2, do Regulamento n._ 610/90, a execução das acções e projectos financiados no quadro da política de cooperação da Comunidade é feita pelo Estado beneficiário, em colaboração estreita com a Comissão, que, na qualidade de gestora da ajuda, atribui os créditos e vela por que sejam garantidas a igualdade de condições na participação nos concursos, a eliminação das discriminações e a escolha da proposta economicamente mais vantajosa.

30 Por força do artigo 109._, n._ 2, do mesmo regulamento, compete no entanto ao Estado beneficiário lançar os concursos, receber as propostas, presidir à sessão de abertura das mesmas e adoptar os resultados dos concursos. Compete também ao Estado beneficiário assinar os contratos, adendas e orçamentos e notificá-los em seguida à Comissão. Daqui resulta que o poder de adjudicar um contrato pertence ao Estado beneficiário do programa PHARE. Na audiência, o representante da recorrente admitiu a este respeito que, no caso vertente, o Governo romeno tinha a liberdade de adjudicar o contrato à Geotronics, apesar da recusa da Comissão de lhe conceder o benefício da ajuda da Comunidade.

31 Decorre desta repartição de competências que os contratos financiados pelo programa PHARE devem ser considerados contratos nacionais que vinculam exclusivamente o Estado beneficiário e o operador económico. Com efeito, a preparação, a negociação e a celebração dos contratos apenas se fazem entre estes dois parceiros.

32 Em contrapartida, não se cria nenhuma relação jurídica entre os concorrentes e a Comissão, uma vez que esta última se limita a tomar as decisões de financiamento em nome da Comunidade e os seus actos não podem ter como efeito substituir, em relação a eles, a decisão do Estado beneficiário do programa PHARE por uma decisão comunitária. Por conseguinte, não existe, nesta matéria, um acto relativo aos concorrentes, emanado da Comissão e susceptível de ser objecto de recurso nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado CE (a seguir `Tratado'; v. por analogia os acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1984, STS/Comissão, 126/83, Recueil, p. 2769, n.os 18 e 19; de 10 de Julho de 1985, CMC e o./Comissão, 118/83, Recueil, p. 2325, n.os 28 e 29; Italsolar/Comissão, já referido, n.os 22 e 26, e Forafrique Burkinabe/Comissão, já referido, n._ 23).

33 Assim sendo, o ofício de 10 de Março de 1994, pelo qual a Comissão informou a recorrente de que se via obrigada a rejeitar a sua proposta devido à origem não comunitária do equipamento oferecido, não pode, apesar dos termos utilizados pela Comissão, ser considerado um acto da Comissão que tenha produzido efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afectar a situação jurídica da recorrente.

34 Além disso, será útil acrescentar que, de qualquer modo, uma eventual anulação do ofício da Comissão de 10 de Março de 1994 não poderia aproveitar à recorrente, uma vez que não seria susceptível, enquanto tal, de pôr em causa o contrato entre o Governo romeno e a empresa alemã a quem o mesmo foi adjudicado.

35 Daqui resulta que os pedidos de anulação dirigidos contra o ofício da Comissão de 10 de Março de 1994 devem ser julgados inadmissíveis.»

Quanto ao pedido de indemnização

6 Após ter recordado que

«o facto de o recurso de anulação ser inadmissível não implica a inadmissibilidade do pedido de indemnização, uma vez que este último constitui uma via processual autónoma (v. acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n._ 32)» (n._ 38),

o Tribunal de Primeira Instância considerou que se devia verificar se a Comissão, a quem está confiada a responsabilidade do financiamento dos projectos no âmbito do programa PHARE, cometera um ilícito susceptível de implicar a sua responsabilidade, na acepção do artigo 215._, segundo parágrafo, do Tratado, e examinar, a esse respeito, se ela actuou com violação do acordo EEE (n.os 39 e 40).

7 Depois de feita essa análise, o Tribunal de Primeira Instância declarou que se devia negar provimento ao pedido de indemnização, pelas seguintes razões:

«48 O Tribunal observa antes de mais que, na falta de disposições transitórias, o acordo EEE produz todos os seus efeitos a partir da sua entrada em vigor, isto é, 1 de Janeiro de 1994, e que portanto só se destina a aplicar-se a situações jurídicas surgidas após a sua entrada em vigor.

49 O Tribunal constata em seguida que, no caso presente, foi o concurso limitado lançado pela Comissão em nome do Governo romeno, em 9 de Julho de 1993, que fixou o quadro jurídico do procedimento de adjudicação do contrato, designadamente no que respeita à condição relativa à origem dos produtos em causa.

50 Ora, tanto a Comissão, ao definir as condições gerais do concurso de 9 de Julho de 1993, como a recorrente, ao apresentar a sua proposta de fornecimentos em 16 de Julho de 1993, deviam razoavelmente esperar que a decisão de atribuição da ajuda concedida pela Comunidade com base nestas condições ocorresse antes de 1 de Janeiro de 1994, data de entrada em vigor do acordo EEE.

51 Todavia, é forçoso constatar que a recorrente, perante as dúvidas manifestadas pela Comissão no ofício que lhe enviou em 19 de Novembro de 1993 a respeito da origem comunitária dos produtos oferecidos, alegou na sua resposta de 14 de Dezembro de 1993 que os produtos por ela propostos eram fabricados no Reino Unido. Só depois de contactos havidos entre a recorrente e a Comissão posteriormente a 1 de Janeiro de 1994 é que esta última pôde confirmar as suas dúvidas, determinando a origem principalmente sueca dos produtos oferecidos.

52 Aliás, o representante da recorrente admitiu na audiência que a recorrente está na origem do atraso ocorrido no procedimento, pelo facto de, sem má fé, ter induzido em erro a Comissão quanto à origem dos produtos. Também reconheceu que a recorrente não podia invocar a questão da aplicabilidade do acordo EEE ao processo de adjudicação do contrato visado no presente recurso, no caso de a Comissão ter decidido antes de 1 de Janeiro de 1994.

53 O Tribunal considera, pois, que foi com razão que a Comissão se baseou nas condições gerais por si definidas no concurso limitado e aceites pela recorrente antes da entrada em vigor do acordo EEE para, em 10 de Março de 1994, informar a recorrente de que a sua proposta tinha de ser rejeitada porque, contrariamente às condições aplicáveis ao concurso, o equipamento por ela oferecido não era originário dos Estados-Membros da Comunidade ou de um Estado beneficiário do programa PHARE.

54 Com efeito, o ofício de 10 de Março de 1994 apenas constitui a execução das condições fixadas pelo concurso limitado e não pode ser considerado como tendo criado uma situação jurídica nova relativamente à que resultava do concurso limitado. Assim, o facto de essa execução ter ocorrido num momento em que o contexto jurídico tinha mudado, devido à entrada em vigor do acordo EEE, não é susceptível de pôr em causa o quadro jurídico fixado pelo concurso e de conferir à recorrente direitos que ela não podia invocar no momento do lançamento do concurso.

55 Além disso, e de qualquer modo, o acordo EEE não pode aplicar-se a contratos regidos por relações jurídicas em que é parte um Estado não signatário do acordo EEE. De facto, contrariamente à tese da recorrente segundo a qual, no âmbito do programa PHARE, é na realidade a Comissão que compra os produtos propostos para depois os revender aos Estados beneficiários, resulta do que antecede que os contratos em causa são contratos nacionais, que relevam exclusivamente da esfera das relações jurídicas criadas entre o concorrente e o Estado beneficiário, neste caso a Roménia, que não é parte no acordo EEE.

56 Daqui resulta que não se pode acusar a Comissão de não ter aplicado o acordo EEE ao presente processo de adjudicação de contrato.

57 Por conseguinte, não existindo qualquer comportamento ilegal da Comissão, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes.

58 Resulta do que antecede que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.»

O presente recurso

Quanto à negação de provimento ao recurso de anulação

8 No entender da Geotronics, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar insusceptível de recurso ao abrigo do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado a decisão contida no ofício de 10 de Março de 1994. A Geotronics alega, a este respeito, que o concurso em causa lhe teria sido indiscutivelmente adjudicado se a Comissão não tivesse rejeitado a sua proposta e que a decisão controvertida, ao determinar assim o resultado do processo de concurso, produziu para ela efeitos jurídicos obrigatórios e afectou de modo claro a sua situação jurídica.

9 Deve recordar-se que, nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso de anulação das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

10 Além disso, segundo jurisprudência assente do Tribunal, só são actos ou decisões susceptíveis de ser objecto de recurso de anulação, na acepção do artigo 173._ do Tratado, as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses do recorrente (v., designadamente, acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, Recueil, p. 2639, n._ 9).

11 No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância, depois de descrever a repartição de competências entre o Estado beneficiário e a Comissão no procedimento de adjudicação dos concursos financiados no âmbito do programa PHARE, considerou no n._ 33 do acórdão impugnado que, apesar dos termos utilizados pela Comissão, o ofício de 10 de Março de 1994 não podia ser considerado um acto que tivesse produzido efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar a situação jurídica da Geotronics, de modo que o recurso de anulação desse ofício devia ser julgado inadmissível.

12 É certo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de adjudicação de concursos públicos financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento que as intervenções dos representantes da Comissão, quer se trate de aprovações ou de recusa de aprovação, de vistos ou de recusa de vistos, visam unicamente verificar se as condições do financiamento comunitário estão ou não preenchidas, e não têm como objecto nem podem ter como efeito violar o princípio de que os concursos em questão continuam a ser concursos nacionais que apenas os Estados beneficiários têm a responsabilidade de preparar, negociar e concluir (v., designadamente, acórdão STS/Comissão, já referido, n._ 16). Efectivamente, nos termos dessa jurisprudência, as empresas concorrentes ou adjudicatárias dos concursos em causa só mantêm relações jurídicas com o Estado beneficiário responsável pelo concurso e os actos dos representantes da Comissão não podem ter como efeito, na parte que lhes toca, substituir por uma decisão comunitária a decisão do Estado ACP, único que é competente para adjudicar e assinar esse contrato (acórdão STS/Comissão, já referido, n._ 18; v. também os acórdãos já referidos CMC e o./Comissão, n._ 28; Italsolar/Comissão, n._ 22, e Forafrique Burkinabe/Comissão, n._ 23).

13 Contudo, o raciocínio que se encontra na base dessa jurisprudência não podia ser transposto sem mais para o caso submetido ao Tribunal de Primeira Instância para justificar a inadmissibilidade do recurso de anulação.

14 Com efeito, como resulta do n._ 8 do acórdão impugnado, através do ofício de 10 de Março de 1994 a Comissão informou a Geotronics de que rejeitava a proposta porque o equipamento proposto não era originário dos Estados-Membros da Comunidade ou de um Estado beneficiário do programa PHARE. O acto controvertido, formalmente dirigido à Geotronics, foi adoptado pela Comissão depois de ter verificado se a proposta daquela sociedade preenchia ou não as condições exigidas pelo anúncio de concurso para a obtenção do financiamento comunitário. Apesar de esse acto se inscrever no âmbito de um procedimento de natureza contratual, que deveria culminar na celebração de um contrato nacional, era destacável desse contexto porque, por um lado, fora adoptado pela Comissão no exercício das suas competências próprias e, por outro, visava especificamente uma empresa determinada, que perdia assim, pela simples adopção do acto, toda e qualquer possibilidade efectiva de lhe ser adjudicado o concurso.

15 Nestas condições, a decisão da Comissão de excluir a Geotronics do benefício do financiamento comunitário produziu, em si, efeitos jurídicos obrigatórios relativamente à recorrente, e era portanto susceptível de recurso de anulação.

16 Resulta do que antecede que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que o ofício de 10 de Março de 1994 não podia ser considerado um acto que produziu efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar a situação jurídica da Geotronics e ao julgar inadmissível, por esse motivo, o recurso de anulação interposto desse acto.

17 Atendendo ao que precede, o presente recurso é procedente na parte em que incide na rejeição do recurso de anulação, por inadmissível, pelo acórdão impugnado.

18 Antes de se retirarem as consequências desta conclusão, há que prosseguir a análise do presente recurso na parte respeitante ao pedido de indemnização, uma vez que os fundamentos aduzidos pela Geotronics a este respeito prendem-se com a apreciação, pelo Tribunal de Primeira Instância, da legalidade do comportamento censurado à Comissão. Com efeito, a análise desta questão, como um dos elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual nos termos do artigo 215._, segundo parágrafo, do Tratado, coincide, no presente caso, com a fiscalização da legalidade do acto impugnado, que deveria ser feita nos termos do artigo 173._ do Tratado.

Quanto à negação de provimento ao pedido de indemnização

19 Em apoio do seu recurso, a Geotronics considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n._ 53 do acórdão impugnado, que a Comissão se baseara correctamente nas condições gerais do concurso, quando o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, e em especial os seus artigos 4._, 8._, 11._ e 65._, n._ 1, obrigava a Comissão a tomar também em conta os produtos originários de um país terceiro parte nesse acordo, neste caso a Suécia, nas mesmas condições que os produtos originários de um Estado-Membro.

20 Como o Tribunal de Primeira Instância observou com razão nos n.os 49 e 54 do acórdão impugnado, o quadro jurídico do procedimento de adjudicação do contrato, designadamente no que respeita à condição relativa à origem dos produtos, foi fixado pelo concurso limitado, lançado pela Comissão em nome do Governo romeno em 9 de Julho de 1993.

21 Como resulta das constatações sobre a matéria de facto feitas pelo Tribunal de Primeira Instância, foi na vigência das condições gerais desse concurso que foi apresentada, em 16 de Julho de 1993, a proposta da Geotronics e se encerrou definitivamente o convite à apresentação de propostas. O acordo EEE, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, de modo nenhum podia, sem violar o princípio da segurança jurídica, ter como efeito modificar as condições em que o concurso fora lançado e com base nas quais tinham sido apresentadas as propostas, ou impor uma reabertura do procedimento de adjudicação.

22 Portanto, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente que fora com razão que a Comissão, apesar da posterior entrada em vigor do acordo EEE, se baseara nas condições gerais definidas no concurso e, em especial, no artigo 2._ das mesmas condições, que exigia que o equipamento a fornecer fosse originário dos Estados-Membros da Comunidade Europeia ou de um dos Estados beneficiários do programa PHARE.

23 Nestas condições, é irrelevante que o Tribunal de Primeira Instância tenha, além disso, considerado no n._ 55 do acórdão que o acordo EEE não podia aplicar-se a concursos regidos por relações jurídicas em que é parte um Estado não signatário desse acordo. Sendo este fundamento superabundante, as críticas que de que é objecto não podem implicar a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, e são portanto inoperantes (acórdão de 22 de Dezembro de 1993, Pincherle/Comissão, C-244/91 P, Colect., p. I-6965, n._ 25).

24 Daqui resulta que deve ser negado provimento ao recurso na parte em que incide sobre o pedido de indemnização.

Quanto às consequências da anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

25 Nos termos do artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, quando o recurso seja procedente o Tribunal de Justiça anulará a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, julgar definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para julgamento.

26 Como o litígio está em condições de ser julgado, há que julgar definitivamente o recurso de anulação da decisão da Comissão notificada à Geotronics por ofício de 10 de Março de 1994 e erradamente julgado inadmissível pelo Tribunal de Primeira Instância.

27 Em apoio desse recurso, a Geotronics alegou que a Comissão tinha violado o acordo EEE, e especialmente o artigo 4._

28 A este respeito, basta declarar, pelos fundamentos contidos nos n.os 48 a 54 do acórdão impugnado e reproduzidos em substância nos n.os 19 a 22, supra, que o acordo EEE não era aplicável ratione temporis aos factos do presente processo.

29 Por conseguinte, deve negar-se provimento ao recurso de anulação, por improcedente.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

30 Nos termos do artigo 122._ do Regulamento de Processo, quando o recurso seja julgado procedente e o Tribunal de Justiça decida definitivamente o litígio, decide também quanto às despesas. Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118._, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a Geotronics sido vencida no essencial, deve ser condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efectuadas pela Comissão, tanto no processo no Tribunal de Primeira Instância como no Tribunal de Justiça.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

decide:

31 O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão (T-185/94), é anulado na parte em que julgou inadmissível o recurso de anulação do ofício da Comissão de 10 de Março de 1994.

32 É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

33 É negado provimento ao recurso de anulação.

34 A Geotronics SA suportará a totalidade das despesas efectuadas, tanto no processo no Tribunal de Primeira Instância como no processo no Tribunal de Justiça.