61995J0389

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Maio de 1997. - Siegfried Klattner contra Elliniko Dimosio (Estado Helénico). - Pedido de decisão prejudicial: Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis - Grécia. - Isenções fiscais aplicáveis na importação temporária e definitiva de meios de transporte - Directiva 83/182/CEE. - Processo C-389/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-02719


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Isenções fiscais em matéria de importação temporária de meios de transporte - Directiva 83/182 - Limitação do número de veículos de turismo que podem ser importados com isenção de direitos por uma pessoa - Inexistência

(Directiva 83/182 do Conselho, artigo 3._)

2 Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Isenções fiscais em matéria de importação temporária de meios de transporte - Directiva 83/182 - Artigo 3._ - Efeito directo

(Directiva 83/182 do Conselho, artigo 3._)

3 Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Isenções fiscais em matéria de importação temporária de meios de transporte - Regulamentação nacional que sanciona a importação de um segundo veículo de turismo com isenção de direitos através da exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e dos encargos normalmente aplicáveis e do pagamento de uma taxa adicional de montante igual aos referidos direitos e encargos - Inadmissibilidade

(Directiva 83/182 do Conselho, artigo 3._)

Sumário


4 O artigo 3._ da Directiva 83/182, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte, deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista pode ser concedida para mais do que um veículo de turismo por pessoa.

Por um lado, com efeito, a directiva não limita expressamente o número de veículos de turismo susceptíveis de beneficiar da isenção, e essa limitação também não resulta da letra do seu artigo 3._

Por outro lado, essa limitação pode entravar a livre circulação dos residentes da Comunidade, quando o objectivo da directiva visa a supressão dos entraves à construção dum mercado interno que possam resultar dos regimes fiscais aplicáveis na importação temporária de certos meios de transporte para uso particular ou profissional.

5 O artigo 3._ da Directiva 83/182, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte, tem efeito directo e cria, a favor dos particulares, direitos que estes podem invocar contra um Estado-Membro que não transpôs no prazo previsto a directiva para o direito nacional ou que a transpôs de modo incorrecto, e que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a salvaguardar.

Com efeito, esta disposição, que enuncia a obrigação de os Estados-Membros concederem uma isenção de direitos aos particulares que importam temporariamente certos meios de transporte para uso particular, com as reservas previstas nesse artigo, mostra-se, no seu teor, incondicional, na medida em que não é acompanhada de qualquer condição nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto das instituições da Comunidade ou dos Estados-Membros, e inequívoca, ou seja, suficientemente precisa para ser invocada por um particular e aplicada pelo juiz.

6 O artigo 3._ da Directiva 83/182, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte, opõe-se a uma regulamentação nacional que prevê a exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e dos encargos aplicáveis bem como o pagamento de uma taxa adicional igual ao montante destes direitos e encargos quando a mesma pessoa importa temporariamente um segundo veículo de turismo com isenção de direitos. Com efeito, uma regulamentação nacional não pode sancionar essa importação temporária, que é autorizada pela referida disposição, sem comprometer os efeitos da directiva.

Partes


No processo C-389/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis (Grécia), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Siegfried Klattner

e

Elliniko Dimosio (Estado helénico),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet (relator) e P. Jann, juízes,

advogado-geral: A. La Pergola,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de S. Klattner, por Alexandros Tsamis e Aikatereni Sgouridou, advogados no foro de Salónica,

- em representação do Governo helénico, por Georgios Kanellopoulos, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico do Estado, e Ioanna Galani-Maragkoudaki, consultora jurídica especial adjunta no Serviço Jurídico Especial para as Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Patakia e Hélène Michard, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de S. Klattner, do Governo helénico e da Comissão na audiência de 23 de Janeiro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Março de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 28 de Fevereiro de 1995, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Janeiro de 1996, o Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 56, a seguir «directiva»).

2 Estas questões foram suscitadas num recurso de anulação interposto por S. Klattner de um acto de liquidação que lhe ordenava o pagamento de direitos aduaneiros, encargos e taxas adicionais por infracção ao regime nacional de importação temporária, com isenção, de certos meios de transporte.

3 Segundo o seu preâmbulo, a directiva destina-se e eliminar os entraves criados pelos regimes fiscais dos Estados-Membros aplicáveis à importação temporária de certos meios de transporte no que respeita à livre circulação das pessoas e à constituição do mercado interno (v. primeiro e segundo considerandos da directiva).

4 O seu artigo 1._ impõe, por consequência, aos Estados-Membros a obrigação de concederem, nas condições fixadas na directiva, uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos, bem como de qualquer outro imposto de consumo e ainda de outros impostos determinados (entre os quais o imposto de circulação previsto pela Lei grega n._ 2367/53), aquando da importação temporária, proveniente de outro Estado-Membro, de diversos meios de transporte, entre os quais os veículos rodoviários a motor. Para beneficiar da isenção, os meios de transporte mencionados na directiva devem ter sido adquiridos ou importados nas condições gerais de tributação do mercado de um dos Estados-Membros e não ter beneficiado, a título de exportação, de uma isenção ou de um reembolso dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos ou de outros impostos sobre o consumo.

5 O artigo 3._ da directiva, relativo à «Importação temporária de certos meios de transporte para uso particular», dispõe:

«É concedida uma isenção dos impostos referidos no artigo 1._ por uma duração, contínua ou não, que não exceda seis meses em cada período de doze meses, na importação temporária de veículos de turismo... nas seguintes condições:

a) o particular importador dos bens referidos deve:

aa) ter a sua residência normal num Estado-Membro que não seja o da importação temporária;

bb) utilizar os meios de transporte em causa para seu uso particular;

b) os meios de transporte não podem ser objecto de cessão ou locação no Estado-Membro de importação temporária, nem objecto de empréstimo a um residente neste Estado...»

E o seu artigo 9._, n._ 1, dispõe:

«Os Estados-Membros têm a faculdade de manter ou estabelecer regimes mais liberais do que os previstos na presente directiva. Têm designadamente a faculdade de autorizar, a pedido do importador, a importação temporária por um período mais longo do que os referidos no artigo 3._ e no n._ 2 do artigo 4._ Neste último caso, os Estados-Membros têm a faculdade de cobrar os impostos referidos no anexo relativamente aos períodos que excedam os previstos na presente directiva.

...»

6 A directiva foi transposta para o direito interno pela Decisão do ministro das Finanças n._ D-1254/141, de 1 de Novembro de 1984, alterada pela Decisão do ministro das Finanças n._ D-247/13, de 1 de Março de 1988 (a seguir «decisão»).

7 O artigo 1._, n._ 1, desta decisão autoriza a importação temporária para a Grécia, «sem pagamento de direitos aduaneiros nem de outros encargos, dos meios de transporte para uso particular... destinados a permanecer a título temporário no país e ser reexportados no termo do período previsto em cada caso».

8 A isenção é concedida por um período de seis meses, contínuos ou não, em cada período de doze meses. Essa duração pode ser prolongada por nove meses (artigo 4._, n._ 2).

9 Nos termos do artigo 8._, n._ 4, da decisão, é proibida a importação temporária, com isenção, dum segundo meio de transporte pela mesma pessoa.

10 Nos termos do artigo 10._, n._ 7, da decisão, a violação desta última disposição «implica a exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e de outros encargos aplicáveis aos meios de transporte e bens para uso particular no dia da verificação da infracção, acrescidos de uma taxa adicional igual a 100% dos direitos aduaneiros e dos outros encargos referidos».

11 S. Klattner, que reside na Alemanha, importou para a Grécia, onde permanece com frequência, um primeiro veículo de turismo, de 27 de Novembro de 1989 a 30 de Abril de 1990, e seguidamente um segundo veículo de turismo, de 14 de Abril de 1990 a 16 de Julho de 1991, para os quais beneficiou do regime de isenção previsto pela decisão.

12 A liquidação em litígio foi feita na sequência de um controlo efectuado em 16 de Julho de 1991 pelas autoridades aduaneiras de Doïrani no momento em que S. Klattner tentava reimportar com isenção o seu segundo veículo. A notificação da liquidação imputa a S. Klattner as seguintes infracções, qualificadas como infracções aduaneiras simples: por um lado, ter feito circular na Grécia dois veículos de turismo para uso particular durante o mesmo período de 16 dias (de 14 a 30 de Abril de 1990); por outro lado, ter feito circular, de forma repetida, um veículo de turismo durante um período que excede em 134 dias o período legal. Essa notificação ordena a S. Klattner o pagamento de 21 043 856 DR de direitos aduaneiros, de outros encargos e de taxas adicionais bem como 29 430 DR de imposto de circulação, nos termos das disposições do artigo 10._ da decisão.

13 S. Klattner pediu ao Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis a anulação dessa liquidação, com o fundamento de que a proibição constante do artigo 8._, n._ 4, da decisão era contrária às disposições da directiva.

14 O órgão jurisdicional nacional, tendo dúvidas quanto à compatibilidade de algumas disposições da decisão com a directiva, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Na importação temporária de determinados meios de transporte para uso particular no interior da Comunidade, na acepção do artigo 3._ da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, a isenção é concedida apenas para um veículo de turismo ou para mais do que um? Esta directiva institui efectivamente uma diferença entre o número de veículos de turismo que é possível importar temporariamente com isenção, em função de estes se destinarem a uso particular ou a uso profissional?

2) A directiva em causa estabelece alguma obrigação concreta de as autoridades helénicas não limitarem legalmente a importação temporária paralela ou simultânea, com isenção, de mais do que um veículo de turismo para uso particular pela mesma pessoa? É possível a invocação pelo administrado das disposições dos artigos 3._ e 9._ da directiva face à administração no tribunal nacional, alegando a incompatibilidade com esses artigos de uma disposição constante da lei?

3) É conforme à finalidade e ao disposto na directiva em causa, a previsão, pelo legislador nacional, de que, em caso de infracção de determinadas disposições (como a do artigo 8._, n._ 4, que não autoriza a importação de um segundo meio de transporte pela mesma pessoa) da decisão ministerial que transpôs para o direito interno as disposições da directiva, são imediatamente devidos os direitos aduaneiros e restantes impostos, bem como um montante igual de taxa adicional, na medida em que se prove que se trata de importação temporária e não de importação definitiva de veículos de turismo?

4) É compatível com o princípio comunitário da proporcionalidade a imposição, referida na questão anterior, de uma taxa adicional igual a 100% do montante dos direitos aduaneiros e restantes impostos devidos no caso, independentemente do tempo de permanência do segundo veículo de turismo na Grécia?»

Quanto à primeira questão

15 Através da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se as disposições do artigo 3._ da directiva devem ser interpretadas no sentido de que a isenção que essa disposição prevê pode ser concedida relativamente a mais que um veículo de turismo por pessoa.

16 S. Klattner e a Comissão sustentam que o artigo 3._ da directiva não limita o número de veículos de turismo que podem beneficiar da isenção. Argumentam, por um lado, que a maior parte das versões linguísticas da directiva utilizam o plural para designar os meios de transporte que podem beneficiar da isenção. Argumentam, por outro lado, que a limitação do número de veículos de turismo susceptíveis de beneficiar da isenção pode entravar a livre circulação das pessoas no interior da Comunidade e favorecer as duplas tributações. A Comissão acrescenta que é possível limitar os riscos de fraude fiscal por medidas menos constrangedoras, nomeadamente pela colocação de carimbos nos passaportes das pessoas que requerem o benefício da isenção.

17 O Governo helénico sustenta, pelo contrário, que o artigo 3._ da directiva deve ser interpretado no sentido de que a isenção só pode ser concedida para um único veículo de turismo por pessoa. Na sua opinião, essa interpretação resulta, antes de mais, da própria redacção do artigo 3._, conjugado com os artigos 4._ e 5._ da directiva. Argumenta, em particular, que o uso do plural no artigo 3._ se justifica pelo facto de aí serem mencionadas várias categorias de meios de transporte. Na opinião deste governo, essa interpretação é justificada, seguidamente, pelo facto de que a directiva não criou as condições para a livre circulação de veículos no interior da Comunidade e limitou a isenção às importações de veículos destinados a uso particular. Finalmente, o Governo helénico argumenta que a limitação do número de veículos susceptíveis de beneficiar da isenção responde à preocupação de evitar a fraude fiscal e perturbações no mercado nacional de veículos novos ou usados.

18 Convém observar, antes de mais, que a directiva não limita expressamente o número de veículos de turismo nem mesmo o número de meios de transporte susceptíveis de beneficiar da isenção.

19 Essa limitação também não resulta da letra do artigo 3._ da directiva.

20 Com efeito, os bens susceptíveis de importação para uso particular com isenção de direitos são designados de forma não limitativa na maioria das versões linguísticas, nomeadamente na versão grega desse artigo («indførsel af private køretøjer», «Einfuhr von Personenfahrzeugen», «importación... de veículos de turismo», «importation... de véhicules de tourisme», «importazione... dei veicoli da turismo», «åéóáãùãÞ åðéâáôéêþí ï÷çìÜôùí», «invoer van personenvoertuigen», «importação... de veículos de turismo», «yksitysiajoneuvot on maahantuotaessa»).

21 O Governo helénico não pode sustentar com êxito que essa limitação decorre, por analogia, da redacção usada nos artigos 4._ e 5._ da directiva, relativos, respectivamente, às importações temporárias de veículos de turismo para uso profissional ou para certos usos particulares.

22 Para além de essas disposições se aplicarem a casos de importação diferentes dos referidos no artigo 3._ da directiva, resulta quer da economia geral desses artigos quer dos termos usados nas diferentes versões linguísticas da directiva que a palavra «un», usada nas versões espanhola e francesa, bem como a palavra «um», usada na versão portuguesa, e a palavra «a», usada na versão inglesa, não podem ser interpretadas, como sustenta o Governo helénico, no sentido de que a isenção só pode ser concedida para um único veículo.

23 A limitação do número de veículos importados susceptíveis de beneficiar de isenção também não resulta dos objectivos que a directiva prossegue.

24 Com efeito, a directiva foi adoptada com base no artigo 99._ do Tratado CEE e visa a supressão dos entraves ao estabelecimento do mercado interno que resultam dos regimes fiscais aplicáveis na importação temporária de certos meios de transporte para uso particular ou profissional (acórdão de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Grécia, C-9/92, Colect., p. I-4467, n._ 6).

25 Tal como já decidiu o Tribunal de Justiça, as disposições da directiva devem ser interpretadas à luz dos objectivos fundamentais prosseguidos pelo esforço de harmonização em matéria de IVA, tais como, nomeadamente, a promoção da livre circulação de pessoas e de mercadorias e a prevenção dos casos de dupla tributação (acórdãos de 3 de Outubro de 1985, Profant, 249/84, Recueil, p. 3237, n._ 25; de 6 de Julho de 1988, Ledoux, 127/86, Colect., p. 3741, n._ 11, e de 23 de Abril de 1991, Ryborg, C-297/89, Colect., p. I-1943, n._ 13). Em particular, há que ter em conta o facto de, segundo os considerandos da directiva, a livre circulação dos residentes comunitários no interior da Comunidade ser perturbada pelos regimes fiscais aplicáveis à importação temporária de certos meios de transporte para uso particular ou profissional e de a eliminação dos entraves resultantes dos referidos regimes fiscais ser particularmente necessária para constituição de um mercado económico com características análogas às do mercado interno (acórdão Ryborg, já referido, n._ 14).

26 Ora, a limitação do número de veículos susceptíveis de beneficiar da isenção pode entravar a livre circulação dos residentes da Comunidade, que a directiva, pelo contrário, visa facilitar. A mesma pessoa pode, com efeito, ter necessidade de importar temporariamente outros veículos ou outros meios de transporte para fins particulares, nomeadamente, como observou o advogado-geral nos n.os 26 e 27 das suas conclusões, quando teve de utilizar outros meios de transporte para regressar ao seu Estado, por exemplo na sequência de uma doença, de uma avaria ou de um acidente, ou, mais geralmente, quando possui vários veículos destinados quer ao seu uso particular quer aos dos membros da sua família. O próprio Governo helénico admite, aliás, que, em certos casos, a isenção deve poder ser concedida para um segundo veículo.

27 Embora seja verdade, como sublinha este governo, que a possibilidade de importar com isenção de impostos mais que um veículo pode aumentar os riscos de fraude e, em certos Estados-Membros, como a República Helénica, em que o custo dos veículos usados é elevado, os riscos de perturbação do mercado nacional, não é menos verdade que, como observou a Comissão, existem vários meios de controlo para limitar estes riscos, designadamente pela aposição de carimbos nos documentos do proprietário do veículo.

28 Além disso, embora a possibilidade de importação com isenção não seja limitada a um número determinado de veículos por pessoa, a mesma deve, todavia, preencher diversas condições, relativas designadamente à natureza «temporária» da importação e ao uso «particular», ou seja, nos termos do artigo 2._, alínea d), da directiva, «que não seja de natureza profissional».

29 Nestas condições, deve responder-se à primeira questão que o artigo 3._ da directiva deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista pode ser concedida para mais do que um veículo de turismo por pessoa.

Quanto à segunda questão

30 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, a segunda questão deve ser entendida como destinada a saber se o artigo 3._ da directiva tem efeito directo e cria, a favor dos particulares, direitos que estes podem invocar contra um Estado-Membro que não transpôs a directiva para o direito nacional ou que a transpôs de forma incorrecta, e que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a salvaguardar.

31 S. Klattner, o Governo helénico e a Comissão consideram que o artigo 3._ da directiva, que é incondicional e suficientemente preciso, é susceptível de ser invocado directamente contra um Estado-Membro.

32 Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., designadamente, os acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker, 8/81, Recueil, p. 53, n._ 25, e de 17 de Setembro de 1996, Cooperativa Agricola Zootecnica S. Antonio e o., C-246/94, C-247/94, C-248/94 e C-249/94, Colect., p. I-4373, n._ 17), em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, disposições de uma directiva se revelem como incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar contra o Estado nos tribunais nacionais, quer quando este não fez a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na directiva quer quando tenha feito uma transposição incorrecta.

33 Uma disposição comunitária é incondicional quando enuncia uma obrigação que não é acompanhada de qualquer condição nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto das instituições da Comunidade ou dos Estados-Membros (v., designadamente, acórdãos de 3 de Abril de 1968, Molkerei-Zentrale Westfalen Lippe, 28/67, Colect., pp. 787, 791, e Cooperativa Agricola Zootecnica S. Antonio e o., já referido, n._ 18). É suficientemente precisa para ser invocada por um particular e aplicada pelo juiz quando enuncia uma obrigação em termos inequívocos (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n._ 52, e Cooperativa Agricola Zootecnica S. Antonio e o., já referido, n._ 19).

34 O artigo 3._ da directiva apresenta precisamente estas características. Com efeito, enuncia a obrigação incondicional e não equívoca de os Estados-Membros concederem uma isenção de direitos aos particulares que importam temporariamente certos meios de transporte para uso particular nas condições previstas nesse artigo.

35 Nestas condições, deve responder-se à segunda questão que o artigo 3._ da directiva tem efeito directo e cria, a favor dos particulares, direitos que estes podem invocar contra um Estado-Membro que não transpôs da directiva para o direito nacional ou que a transpôs de modo incorrecto, e que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a salvaguardar.

Quanto às terceira e quarta questões

36 Através destas duas últimas questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta se as disposições da directiva ou o princípio da proporcionalidade se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e dos encargos aplicáveis bem como o pagamento de uma taxa adicional igual ao montante destes direitos e encargos quando se importa temporariamente um segundo veículo de turismo.

37 S. Klattner e a Comissão sustentam, antes de mais, que um Estado-Membro não pode sancionar a importação temporária de um segundo veículo, como faz a regulamentação helénica, sem violar as disposições da directiva. S. Klattner acrescenta que as sanções previstas pela legislação grega são desproporcionadas em relação à infracção que cometeu. A Comissão considera, por seu lado, que uma regulamentação nacional não pode impor o pagamento de direitos aduaneiros para a importação de veículos de origem comunitária, como é o caso no processo principal, e que não pode exigir o pagamento imediato dos impostos normalmente devidos a não ser por infracções cujo efeito é suprimir a natureza temporária da importação. Finalmente, a Comissão argumenta que as sanções aplicáveis aos veículos importados não devem ser muito mais severas do que as aplicáveis aos veículos nacionais.

38 A esse respeito, basta observar que uma regulamentação nacional não pode sancionar a importação temporária de um segundo veículo para uso particular, que é autorizada pelo artigo 3._ da directiva, sem comprometer os efeitos desta directiva.

39 Deve, pois, responder-se às terceira e quarta questões que o artigo 3._ da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e dos encargos aplicáveis bem como o pagamento de uma taxa adicional igual ao montante destes direitos e encargos quando se importa temporariamente um segundo veículo de turismo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

40 As despesas efectuadas pelo Governo helénico e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis, por acórdão de 28 de Fevereiro de 1995, declara:

41 O artigo 3._ da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte, deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista pode ser concedida para mais do que um veículo de turismo por pessoa.

42 O artigo 3._ da Directiva 83/182 tem efeito directo e cria, a favor dos particulares, direitos que estes podem invocar contra um Estado-Membro que não transpôs a directiva para o direito nacional ou que a transpôs de modo incorrecto, e que os órgão jurisdicionais nacionais são obrigados a salvaguardar.

43 O artigo 3._ da Directiva 83/182 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a exigibilidade imediata dos direitos aduaneiros e dos encargos aplicáveis e o pagamento de uma taxa adicional igual ao montante destes direitos e encargos quando se importa temporariamente um segundo veículo de turismo.