61995J0351

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 17 de Abril de 1997. - Selma Kadiman contra Freistaat Bayern. - Pedido de decisão prejudicial: Bayerisches Verwaltungsgericht München - Alemanha. - Acordo de associação CEE-Turquia - Decisão do Conselho de Associação - Livre circulação dos trabalhadores - Membro da família de um trabalhador - Prorrogação da autorização de residência - Condições - Comunhão de vida familiar - Residência regular de três anos - Cálculo em caso de interrupções. - Processo C-351/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-02133


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Acordos internacionais - Acordo de Associação CEE-Turquia - Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação CEE-Turquia - Decisão relativa à livre circulação dos trabalhadores - Reagrupamento familiar - Direito de residência dos membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro - Exigência de comunhão de vida comum efectiva com o trabalhador migrante - Admissibilidade

(Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, artigo 7._, primeiro parágrafo)

2 Acordos internacionais - Acordo de Associação CEE-Turquia - Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação CEE-Turquia - Decisão relativa à livre circulação dos trabalhadores - Reagrupamento familiar - Direito de os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro responderem a qualquer oferta de emprego nesse Estado-Membro - Condição - Residência efectiva com o trabalhador migrante durante um período ininterrupto de três anos - Períodos a ter em consideração para o cálculo do referido período - Ausências de duração limitada sem intenção de pôr em causa a coabitação - Períodos não abrangidos por uma autorização de residência mas não tendo sido considerados pelas autoridades nacionais como de residência irregular - Inclusão

(Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, artigo 7._, primeiro parágrafo)

Sumário


3 O artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80, do Conselho de Associação CEE-Turquia não se opõe, em princípio, a que as autoridades competentes de um Estado-Membro exijam que os membros da família de um trabalhador turco, visados por essa disposição, residam com ele durante o período de três anos previsto pelo primeiro travessão do mesmo artigo para serem titulares de um direito de residência nesse Estado-Membro.

Com efeito, essa disposição, embora esteja redigida em termos tais que, para os períodos a que faz referência, cria a favor dos membros da família de um trabalhador turco, ele próprio beneficiário de um direito de residência num Estado-Membro, tendo sido autorizados a reunir-se-lhe, um direito de residência, que eles podem invocar directamente, deixa intacto o direito dos Estados-Membros de autorizarem ou não a entrada desses membros da família e de submeterem o direito de residência destes últimos a condições susceptíveis de garantir que a sua presença seja compatível com o seu espírito e a sua finalidade, isto é, recaia no âmbito do reagrupamento familiar que permite reforçar a inserção duradoura da célula familiar do trabalhador migrante turco no Estado-Membro de acolhimento.

Assim, e para evitar que nacionais turcos, invocando uma situação matrimonial fictícia, possam contornar as exigências mais rigorosas do artigo 6._ da mesma decisão quando é sob o estatuto de trabalhador que se efectua a imigração, um Estado-Membro, para que os membros da família possam reivindicar os direitos que o artigo 7._, primeiro parágrafo, lhes confere, tem o direito de exigir que o reagrupamento familiar que motivou a entrada destes no seu território se manifeste através de uma coabitação efectiva em comunhão doméstica com o trabalhador.

No entanto, razões objectivas, como a distância entre o local de trabalho ou de formação e a residência do trabalhador, podem justificar que o membro da família em questão viva separado do trabalhador migrante turco.

4 O artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia deve ser interpretado no sentido de que o membro da família de um trabalhador turco, que se lhe reuniu num Estado-Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, para poder responder a qualquer oferta de emprego nesse Estado, deve em princípio ter aí residido de modo ininterrupto, debaixo do mesmo tecto que o trabalhador, durante um período de três anos.

No entanto, interrupções de curta duração da vida em comum, efectuadas sem intenção de pôr em causa a residência comum no Estado-Membro de acolhimento, devem ser equiparadas a períodos durante os quais o membro da família em questão viveu efectivamente com o trabalhador turco. É o que acontece em caso de férias ou de visitas à família no país de origem ou de estadia involuntária inferior a seis meses nesse país.

Da mesma maneira, tendo em conta que os direitos conferidos pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, são reconhecidos, por esta disposição, aos seus beneficiários independentemente da emissão, pelas autoridades do Estado-Membro de acolhimento, de um documento administrativo específico, deve ser tido em consideração, para efeitos do cálculo do referido período de três anos, um período durante o qual a pessoa em questão não possuía uma autorização de residência válida, quando as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento não tenham posto em causa, por esse motivo, a legalidade da residência do interessado no território nacional, tendo-lhe, pelo contrário, concedido uma nova autorização de residência.

Partes


No processo C-351/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Selma Kadiman

e

Freistaat Bayern,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação criado pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, J. L. Murray, P. J. G. Kapteyn, H. Ragnemalm e R. Schintgen (relator), juízes,

advogado-geral: M. B. Elmer,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de S. Kadiman, por R. Gutmann, advogado em Estugarda,

- em representação do Governo francês, por C. de Salins e C. Chavance, respectivamente subdirectora e secretário dos Negócios Estrangeiros da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de S. Kadiman, representada por R. Gutmann, do Governo alemão, representado por E. Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por C. Chavance, e da Comissão, representada por J. Sack, na audiência de 14 de Novembro de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Janeiro de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 14 de Junho de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de Novembro seguinte, o Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n._ 1/80»). O Conselho de Associação foi instituído pelo acordo que criou uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, que foi assinado, em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados-Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe S. Kadiman, nacional turca, ao Freistaat Bayern, a propósito da recusa de prorrogação da sua autorização de residência na Alemanha.

3 O artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 tem a seguinte redacção:

«1. Sem prejuízo do disposto do artigo 7._ relativamente ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro:

- tem direito, nesse Estado-Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

- tem direito, nesse Estado-Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, a responder, dentro da mesma profissão, a uma entidade patronal de sua escolha, a outra oferta de emprego, feita em condições normais e registada nos serviços de emprego desse Estado-Membro;

- beneficia, nesse Estado-Membro, após quatro anos de emprego regular, de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha.»

4 O artigo 7._ da Decisão n._ 1/80 prevê:

«Os membros da família de um trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro, que tenham sido autorizados a reunir-se-lhe:

- têm o direito de responder - sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade - a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado-Membro há pelo menos três anos;

- beneficiam, nesse Estado-Membro, de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.

Os filhos dos trabalhadores turcos que tenham obtido uma formação profissional no país de acolhimento poderão, independentemente da duração da sua residência nesse Estado-Membro, desde que um dos pais tenha legalmente trabalhado no Estado-Membro interessado há pelo menos três anos, responder, nesse Estado, a qualquer oferta de emprego.»

5 Estas duas disposições constam do capítulo II (Disposições sociais), secção 1 (Questões relativas ao emprego e à livre circulação de trabalhadores), da Decisão n._ 1/80.

6 Resulta do processo principal que S. Kadiman casou em 1985, com quinze anos, com um nacional turco que reside na Alemanha e aí tem um emprego regular desde 1977. Em 1988, o marido de S. Kadiman obteve uma autorização de residência ilimitada naquele Estado-Membro.

7 Em 17 de Março de 1990, S. Kadiman foi autorizada pelas autoridades alemãs a juntar-se ao marido, ao abrigo do reagrupamento familiar, tendo então passado a residir com o marido em Ruhpolding (Alemanha).

8 Em Julho de 1990, as autoridades alemãs concederam a S. Kadiman uma autorização de residência válida até 14 de Maio de 1991, que posteriormente foi prorrogada até 14 de Maio de 1993.

9 Além disso, obteve uma autorização de trabalho para ocupar um emprego em Ruhpolding, durante o período de 6 de Fevereiro de 1991 a 1 de Fevereiro de 1992.

10 Em Setembro de 1991, o Sr. Kadiman declarou às autoridades de Ruhpolding que vivia separado de sua mulher há cerca de cinco meses, que tinha intentado uma acção de divórcio na Turquia e que sua mulher regressara ao país de origem em 7 de Setembro de 1991.

11 Em 4 de Fevereiro de 1992, S. Kadiman inscreveu-se em Ruhpolding, com uma morada diferente da do marido. Em 1 de Abril seguinte, passou a residir em Bad Reichenhall (Alemanha), onde obteve uma nova autorização de trabalho, inicialmente válida para o período de 6 de Abril de 1992 a 5 de Abril de 1995, mas cujo prazo de validade foi modificado por duas vezes, primeiro de 30 de Outubro de 1992 a 29 de Outubro de 1995, e posteriormente de 1 de Julho de 1993 a 30 de Junho de 1994, por S. Kadiman ter mudado de empregador.

12 Por decisão de 4 de Maio de 1992, o Landratsamt Traunstein reduziu o prazo de validade da autorização de residência de S. Kadiman e exigiu-lhe que abandonasse o território alemão, por inexistência de vida em comum com o marido. No entanto, em 21 de Maio seguinte, esta decisão foi adiada por o órgão jurisdicional competente ser o Landratsamt Berchtesgadener Land, em consequência da mudança de residência de S. Kadiman para Bad Reichenhall.

13 Em Julho de 1992, S. Kadiman explicou a esta autoridade que estava separada do marido, porque ele a maltratava e enganava. Teriam fracassado várias tentativas de retoma da vida em comum, tendo sido agredida e expulsa do domicílio conjugal pelo marido. Por outro lado, S. Kadiman teria estado na Turquia a partir de 7 de Setembro de 1991 para aí passar férias com o marido, mas a estadia ter-se-ia prolongado involuntariamente até 1 de Fevereiro de 1992, por o marido lhe ter tirado o passaporte antes de regressar sozinho à Alemanha e ela só ter podido regressar ao território alemão depois de ter obtido um visto em 22 de Janeiro de 1992.

14 Por decisão de 5 de Janeiro de 1993, o Landratsamt Berchtesgadener Land limitou a 26 de Janeiro seguinte o prazo de validade da autorização de residência de S. Kadiman e, com fundamento no facto de os cônjuges Kadiman já não viverem em comum, ameaçou expulsá-la se não abandonasse a Alemanha no prazo de dois meses.

15 Dado que, posteriormente, o Sr. Kadiman se declarou disposto a retomar a vida em comum, esta decisão foi revogada, e em 13 de Maio de 1993 S. Kadiman obteve uma nova autorização de residência válida até 14 de Maio de 1994.

16 No entanto, como o casal continuava a viver separado, em 13 de Outubro de 1993 o Landratsamt Berchtesgadener Land limitou a 19 de Outubro seguinte o prazo de validade da autorização de residência de S. Kadiman e exigiu-lhe que abandonasse a Alemanha no mês seguinte à data em que a decisão se tornasse definitiva. Fundamentou esta decisão com o facto de, desde Setembro de 1991, S. Kadiman ter deixado de coabitar com o marido e, em consequência, ter deixado de ter direito a uma autorização de residência concedida para o reagrupamento familiar.

17 S. Kadiman interpôs recurso dessa decisão, recurso esse que está actualmente pendente no Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen. Posteriormente, modificou o pedido inicial, solicitando que este órgão jurisdicional ordenasse ao Landratsamt Berchtesgadener Land que prorrogasse a sua autorização de residência na Alemanha.

18 Em apoio do seu recurso, S. Kadiman argumenta que residiu legalmente na Alemanha desde 17 de Março de 1990, que aí ocupou um emprego regular de modo continuado e que as decisões recorridas são incompatíveis com o artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80.

19 O Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen considerou que S. Kadiman não podia invocar a legislação alemã para obter a prorrogação da autorização de residência. Além disso, o artigo 6._ da Decisão n._ 1/80, que concede certos direitos autónomos em matéria de emprego aos trabalhadores turcos integrados no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro, não seria aplicável no presente caso, visto que S. Kadiman não teria ocupado um emprego regular no mesmo empregador durante pelo menos um ano, como este artigo exige. Assim sendo, o recurso de S. Kadiman só poderia proceder com fundamento no artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80.

20 A este propósito, o Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen considera que, em primeiro lugar, se deve apreciar se esta disposição exige que o membro da família de um trabalhador turco empregado num Estado-Membro, autorizado a reunir-se-lhe, mantenha de modo continuado uma vida familiar em comum com esse trabalhador, tendo em conta que, no presente caso, os cônjuges Kadiman deixaram de ter domicílio comum desde Setembro de 1991.

21 Em segundo lugar, este órgão jurisdicional interroga-se sobre a incidência das interrupções da residência de S. Kadiman na Alemanha para efeitos do cálculo do período de três anos de residência regular no Estado-Membro de acolhimento, previsto no artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80: com efeito, no caso em apreço, para se obter um período de três anos, dever-se-ia, por um lado, adicionar os períodos durante os quais S. Kadiman residiu regularmente na Alemanha antes e depois da suspensão da validade da sua autorização de residência de 26 de Janeiro a 13 de Maio de 1993 e, por outro, determinar se os quatro meses durante os quais S. Kadiman residiu involuntariamente na Turquia, devido ao facto de o marido lhe ter tirado o passaporte, podem ser tomados em conta para efeitos desse cálculo.

22 Considerando que a solução do litígio exigia, em consequência, uma interpretação do artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80, o Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen submeteu ao Tribunal de Justiça as três questões prejudiciais seguintes:

«1) A aplicabilidade do primeiro período do artigo 7._ da Decisão n._ 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, relativa ao desenvolvimento da associação, pressupõe que a comunhão de vida familiar subsista ainda no momento em que se encontram reunidos os restantes pressupostos?

2) A aplicabilidade do primeiro período, primeiro travessão, do artigo 7._ da Decisão n._ 1/80 pressupõe a existência regular de residência habitual ininterrupta de três anos num Estado-Membro da Comunidade?

3) Deve ser incluída no período ininterrupto de três anos de residência habitual regular do primeiro período, primeiro travessão, do artigo 7._ da Decisão n._ 1/80 uma permanência de cinco meses na Turquia, voluntária ou forçada?»

23 A título preliminar, deve notar-se que as três questões prejudiciais são relativas à situação de uma nacional turca que, enquanto cônjuge e, consequentemente, membro da família de um trabalhador migrante turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro, foi autorizada a reunir-se-lhe nesse Estado e solicita aí a prorrogação da sua autorização de residência invocando o artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio observou que a interessada, embora tenha tido um emprego regular durante um certo período no Estado-Membro em questão, não pode invocar direitos que o artigo 6._ da decisão confere ao trabalhador turco integrado no mercado de trabalho de um Estado-Membro, uma vez que não preenche as condições exigidas por essa disposição.

Quanto à primeira questão

24 No que diz respeito à primeira questão, resulta do despacho de reenvio que os cônjuges Kadiman, que estão casados desde 1985 e tiveram domicílio comum na Alemanha desde 17 de Março de 1990, deixaram de coabitar o mais tardar em 4 de Fevereiro de 1992, data em que S. Kadiman se inscreveu com uma morada diferente da do marido.

25 Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há pois que averiguar se o conceito de residência regular durante pelo menos três anos, referido no artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80, pressupõe a existência de comunhão de vida entre o trabalhador turco e o seu cônjuge durante todo o período mencionado e se as autoridades nacionais têm o direito de retirar a autorização de residência a este último quando a referida comunhão deixe de existir.

26 Nestas condições, deve entender-se a primeira questão prejudicial como pretendendo em substância saber se o artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80 se opõe a que as autoridades competentes de um Estado-Membro exijam que os membros da família de um trabalhador turco, visados por essa disposição, residam com ele durante o período de três anos previsto pelo primeiro travessão do mesmo artigo para serem titulares de um direito de residência nesse Estado-Membro.

27 Para responder a esta questão, há que observar em primeiro lugar que o disposto no artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80, à semelhança do artigos 6._, n._ 1, e 7._, segundo parágrafo, da mesma decisão, consagram, em termos claros, precisos e incondicionais, o direito de os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho no Estado-Membro de acolhimento aí responderem, sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros, a qualquer oferta de trabalho quando tenham residido regularmente nesse Estado-Membro desde há pelo menos três anos, bem como o direito de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha no Estado-Membro em cujo território tenham residido regularmente há pelo menos cinco anos.

28 Tal como os artigos 6._, n._ 1 (v., em primeiro lugar, acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince, C-192/89, Colect., p. I-3461, n._ 26), e 7._, segundo parágrafo (v. acórdão de 5 de Outubro de 1994, Eroglu, C-355/93, Colect., p. I-5113, n._ 17), o artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80 tem, pois, efeito directo nos Estados-Membros, de modo que os nacionais turcos que preencham as condições nele estabelecidas podem invocar directamente direitos que esta disposição lhes confere.

29 Em seguida, importa observar que os períodos de residência regular de uma certa duração, referidos pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, implicam necessariamente a existência de um direito de residência, durante esses períodos, dos membros da família de um trabalhador turco autorizados a reunir-se-lhe no Estado-Membro de acolhimento, visto que a recusa desse direito seria a própria negação da possibilidade dada aos interessados de residirem no território do Estado-Membro. De resto, sem direito de residência, a própria concessão aos membros da família em questão da autorização de se reunirem ao trabalhador turco no território do Estado-Membro de acolhimento seria desprovida de qualquer efeito.

30 Finalmente, saliente-se que, se as disposições sociais da Decisão n._ 1/80, de que faz parte do artigo 7._, primeiro parágrafo, constituem uma etapa suplementar para a realização da livre circulação dos trabalhadores, inspirando-se nos artigos 48._, 49._ e 50._ do Tratado, e se, consequentemente, o Tribunal de Justiça considerou que era indispensável transpor, na medida do possível, para os trabalhadores turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos por esta decisão, os princípios admitidos no quadro dos referidos artigos do Tratado (v. acórdãos de 6 de Junho de 1995, Bozkurt, C-434/93, Colect., p. I-1475, n.os 14, 19 e 20, e de 23 de Janeiro de 1997, Tetik, C-171/95, Colect., p. I-0000, n._ 20), não é menos certo que, no estado actual do direito, os nacionais turcos não têm o direito de circular livremente no interior da Comunidade, apenas beneficiando de certos direitos no Estado-Membro de acolhimento em cujo território tenham entrado legalmente e exercido um emprego regular durante um período determinado (acórdão Tetik, já referido, n._ 29) ou, quanto aos membros da família de um trabalhador turco, tenham sido autorizados a reunir-se a este último e tenham residido regularmente durante o prazo previsto nos dois travessões do artigo 7._, primeiro parágrafo.

31 Resulta também de jurisprudência constante (v., designadamente, acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Kus, C-237/91, Colect., p. I-6781, n._ 25) que a Decisão n._ 1/80 não invade a competência dos Estados-Membros para regulamentarem tanto a entrada no seu território de nacionais turcos como as condições do seu primeiro emprego, limitando-se a regular, no artigo 6._, a situação dos trabalhadores turcos já regularmente integrados no mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento.

32 Do mesmo modo, no que respeita ao artigo 7._, primeiro parágrafo, esta decisão prevê o direito de os membros da família de um trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro aí exercerem um emprego depois de terem residido regularmente nesse Estado-Membro durante um certo tempo, sem com isso afectar a competência do Estado-Membro em questão para autorizar os interessados a reunirem-se ao trabalhador turco que aí exerça um emprego regular, para regulamentar a sua estadia até ao momento em que tenham o direito de responder a qualquer oferta de trabalho e, se for caso disso, para lhes permitir que, nas condições que estabelecer, exerçam um emprego antes de ter expirado o período inicial de três anos previsto no primeiro travessão.

33 Mais concretamente, quanto à permanência de um membro da família durante esse período inicial de três anos, em causa no processo principal, há que especificar que, apesar de, como resulta do n._ 29 do presente acórdão, o Estado-Membro que autorizou o interessado a entrar no seu território para se reunir ao trabalhador turco não poder recusar-lhe depois o direito de aí residir com vista ao reagrupamento familiar, esse Estado-Membro conserva, no entanto, o poder de sujeitar o referido direito de residência a condições susceptíveis de garantir que a presença do membro da família no seu território é compatível com o espírito e a finalidade do artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80.

34 A este propósito, sublinhe-se que esta disposição tem por objectivo favorecer o emprego e a permanência do trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro, garantindo-lhe aí a manutenção dos seus laços familiares.

35 Nesta perspectiva, prevê, num primeiro momento, a possibilidade de os membros da família de um trabalhador turco já integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro serem autorizados a reunir-se-lhe para estabelecerem nesse Estado a sua residência, tendo em vista o reagrupamento familiar. Além disso, para reforçar a inserção duradoura da célula familiar do trabalhador migrante turco no Estado-Membro de acolhimento, confere a estes membros da família o direito de, após um certo tempo, exercerem um emprego nesse Estado.

36 Assim, o sistema instituído pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, pretende criar condições favoráveis para o reagrupamento familiar no Estado-Membro de acolhimento, permitindo, em primeiro lugar, a presença dos membros da família junto do trabalhador migrante e consolidando depois aí a sua posição através do direito que lhes é concedido de acederem a um emprego nesse Estado.

37 Tendo em conta o seu espírito e a sua finalidade, esta disposição não pode, pois, ser interpretada no sentido de que se limita a exigir que o Estado-Membro de acolhimento tenha autorizado o membro da família a entrar no seu território para se reunir ao trabalhador turco, sem que o interessado deva continuar a aí residir efectivamente com o trabalhador migrante enquanto ele próprio não tiver o direito de acesso ao mercado de trabalho.

38 Tal interpretação poria não apenas seriamente em causa o objectivo do reagrupamento familiar prosseguido por esta disposição, mas implicaria ainda o risco de os nacionais turcos contornarem as exigências mais rigorosas do artigo 6._, abusando, designadamente através da celebração de casamentos de conveniência, das condições favoráveis do artigo 7._, primeiro parágrafo.

39 Com efeito, enquanto o artigo 6._, n._ 1, da Decisão n._ 1/80 subordina o benefício dos direitos progressivos ao nível do emprego do trabalhador migrante turco à condição de o interessado estar já integrado no mercado regular de trabalho do Estado-Membro em questão, o artigo 7._, primeiro parágrafo, regulamenta os direitos em matéria de emprego dos membros da família do trabalhador turco exclusivamente em função da duração da sua residência no Estado-Membro de acolhimento. Em contrapartida, o artigo 7._, primeiro parágrafo, especifica expressamente que o membro da família deve ter sido autorizado pelo Estado-Membro em questão a aí se «reunir» ao trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho deste Estado, enquanto o artigo 6._ não faz depender o reconhecimento dos direitos que confere ao trabalhador das condições em que o direito de entrada e de permanência tenha sido obtido (v., designadamente, acórdão Kus, já referido, n._ 21).

40 Ora, num caso como o do processo principal, em que o nacional turco só pode invocar a sua qualidade de membro da família de um trabalhador migrante na acepção do artigo 7._, primeiro parágrafo, visto que não preenche as condições para invocar, de modo autónomo, os direitos previstos pelo artigo 6._, n._ 1, o efeito útil do referido artigo 7._ exige, como foi sublinhado no n._ 37 do presente acórdão, que o reagrupamento familiar, que motivou a entrada do interessado no território do Estado-Membro em causa, se manifeste durante um certo tempo através da sua coabitação efectiva em comunhão doméstica com o trabalhador.

41 Daqui resulta que a Decisão n._ 1/80 não se opõe, em princípio, a que as autoridades de um Estado-Membro subordinem a prorrogação da autorização de residência de um membro da família autorizado a residir com o trabalhador turco nesse Estado-Membro ao abrigo do reagrupamento familiar à condição de o interessado manter efectivamente vida em comum com o trabalhador durante o período de três anos previsto pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da mesma decisão.

42 Como a Comissão sustentou de forma convincente, só não seria assim se circunstâncias objectivas justificassem que o trabalhador migrante e o membro da sua família não tivessem domicílio comum no Estado-Membro de acolhimento. Seria designadamente esse o caso se a distância entre a residência do trabalhador e o local de trabalho do membro da sua família ou um estabelecimento de formação profissional frequentado por este último obrigasse o interessado a ter um alojamento separado.

43 Num caso como o da recorrente no processo principal, compete ao órgão jurisdicional nacional, único competente para apurar e apreciar os factos do litígio que lhe é submetido, decidir se existem tais circunstâncias objectivas susceptíveis de justificar que o membro da família e o trabalhador migrante turco vivam separadamente.

44 Tendo em conta todas as considerações que antecedem, há que responder à primeira questão que o artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80 não se opõe, em princípio, a que as autoridades competentes de um Estado-Membro exijam que os membros da família de um trabalhador turco, visados por essa disposição, residam com ele durante o período de três anos previsto pelo primeiro travessão do mesmo artigo para serem titulares de um direito de residência nesse Estado-Membro. No entanto, razões objectivas podem justificar que o membro da família em questão viva separado do trabalhador migrante turco.

Quanto às segunda e terceira questões

45 Com as segunda e terceira questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, substancialmente, se o artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80 deve ser interpretado no sentido de que o membro da família em questão está obrigado a residir de modo ininterrupto durante três anos no Estado-Membro de acolhimento. Procura além disso saber se, para efeitos do cálculo do período de residência regular de três anos, na acepção daquela disposição, se devem ter em conta, por um lado, uma estadia involuntária do interessado durante cerca de quatro meses no seu país de origem e, por outro, o período durante o qual a validade da sua autorização de residência foi suspensa no Estado-Membro de acolhimento.

46 A este respeito, deve recordar-se que o artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, tem por objectivo favorecer o reagrupamento efectivo, no Estado-Membro de acolhimento, do trabalhador turco e dos membros da sua família, de modo que as autoridades nacionais podem, em princípio, exigir que estes últimos tenham a mesma residência que o trabalhador migrante durante o período inicial de três anos (v., em especial, n.os 37, 38, 41 e 44 do presente acórdão).

47 Resulta, assim, do espírito e da finalidade desta disposição que o membro da família deve em princípio residir de modo ininterrupto, durante esses três anos, com o trabalhador turco.

48 No entanto, esta interpretação não impede o interessado de se ausentar da residência comum durante um período razoável e por razões legítimas, por exemplo para passar férias ou visitar a família no seu país de origem. Com efeito, tais interrupções de curta duração da vida em comum, efectuadas sem intenção de pôr em causa a residência comum no Estado-Membro de acolhimento, devem ser equiparadas a períodos durante os quais o membro da família em questão viveu efectivamente com o trabalhador turco.

49 O mesmo deverá passar-se, por maioria de razão, com uma estadia de menos de seis meses que o interessado tenha efectuado no seu país de origem, quando isso não dependeu da sua vontade.

50 Nestas condições, uma estadia desse tipo deve ser tida em consideração para efeitos do cálculo do período de residência regular de três anos, na acepção do artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80.

51 Quanto à limitação do prazo de validade da autorização de residência do membro da família do trabalhador turco no Estado-Membro de acolhimento, deve observar-se que, apesar de ser certo que os Estados-Membros continuam a ser competentes para estabelecer as condições em que esse membro da família pode entrar no seu território e aí residir até ao momento em que tem o direito de responder a qualquer oferta de emprego (v. n.os 32 e 33 do presente acórdão), também é certo que os direitos conferidos pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, aos membros da família de um trabalhador turco são reconhecidos, por esta disposição, aos seus beneficiários independentemente da emissão, pelas autoridades do Estado-Membro de acolhimento, de um documento administrativo específico, como uma autorização de residência (v., por analogia, quanto ao artigo 6._ da Decisão n._ 1/80, acórdão Bozkurt, já referido, n.os 29 e 39).

52 Deve acrescentar-se que, numa situação como a do processo principal, a validade da autorização de residência passada ao membro da família em questão só foi suspensa durante um breve período e que essa limitação terminou com a emissão de uma nova autorização de residência, sem que as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento contestem, por esse motivo, a legalidade da residência do interessado no território nacional.

53 Nestas circunstâncias, o período durante o qual o interessado não possuía uma autorização de residência não é susceptível de afectar o decurso do prazo de três anos previsto pelo artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80.

54 Face ao que antecede, há que responder às segunda e terceira questões prejudiciais que o artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80 deve ser interpretado no sentido de que o membro da família em questão está em princípio obrigado a residir de modo ininterrupto durante três anos no Estado-Membro de acolhimento. No entanto, para efeitos do cálculo do período de residência regular de três anos, na acepção daquela disposição, deve ter-se em conta uma estadia involuntária, inferior a seis meses, do interessado no seu país de origem. O mesmo se passa com o período durante o qual a pessoa em questão não possuía uma autorização de residência válida, quando as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento não tenham posto em causa, por esse motivo, a legalidade da residência do interessado no território nacional, tendo-lhe, pelo contrário, concedido uma nova autorização de residência.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

55 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, francês e neerlandês, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bayerisches Verwaltungsgericht Muenchen, por acórdão de 14 de Junho de 1995, declara:

56 O artigo 7._, primeiro parágrafo, da Decisão n._ 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação adoptada pelo Conselho de Associação criado pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, não se opõe, em princípio, a que as autoridades competentes de um Estado-Membro exijam que os membros da família de um trabalhador turco, visados por essa disposição, residam com ele durante o período de três anos previsto pelo primeiro travessão do mesmo artigo para serem titulares de um direito de residência nesse Estado-Membro. No entanto, razões objectivas podem justificar que o membro da família em questão viva separado do trabalhador migrante turco.

57 O artigo 7._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n._ 1/80 deve ser interpretado no sentido de que o membro da família em questão está em princípio obrigado a residir de modo ininterrupto durante três anos no Estado-Membro de acolhimento. No entanto, para efeitos do cálculo do período de residência regular de três anos, na acepção daquela disposição, deve ter-se em conta uma estadia involuntária, inferior a seis meses, do interessado no seu país de origem. O mesmo se passa com o período durante o qual a pessoa em questão não possuía uma autorização de residência válida, quando as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento não tenham posto em causa, por esse motivo, a legalidade da residência do interessado no território nacional, tendo-lhe, pelo contrário, concedido uma nova autorização de residência.