Acórdão do Tribunal de 20 de Março de 1997. - República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias. - Comunicação da Comissão - Mercado interno - Fundos de pensões. - Processo C-57/95.
Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-01627
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Recurso de anulação - Actos susceptíveis de recurso - Actos destinados a produzir efeitos jurídicos - Comunicação da Comissão que visa explicitar as consequências, em determinado domínio, das disposições do Tratado, mas que cria novas obrigações para os Estados-Membros
(Tratado CE, artigo 173._; comunicação 94/C 360/08 da Comissão)
2 Livre prestação de serviços - Liberdade de estabelecimento - Livre circulação de capitais - Medidas com o objectivo de favorecer o exercício efectivo dos direitos daí decorrentes - Competência exclusiva do Conselho - Comunicação da Comissão sobre um mercado interno para os fundos de pensões e que visa produzir efeitos jurídicos próprios - Acto tomado por uma autoridade incompetente
(Tratado CE, artigos 57._, n._ 2, e 66._; comunicação 94/C 360/08 da Comissão)
3 É possível o recurso de anulação de todas as disposições tomadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos. Tal é o caso de uma comunicação da Comissão publicada na série C do Jornal Oficial sobre um mercado interior para os fundos de pensões, que não se contenta em explicitar as condições do Tratado sobre a livre prestação de serviços, a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais aplicáveis aos organismos de pensões, mas enuncia obrigações para os Estados-Membros que não podem ser consideradas inerentes àquelas disposições e, por isso, visa produzir efeitos jurídicos próprios, distintos dos já previstos no Tratado. O facto de a comunicação não ter sido notificada aos Estados-Membros é irrelevante para este efeito.
4 Na ausência de qualquer disposição do Tratado que confira um tal poder e tendo em conta que, de qualquer modo, apenas o Conselho, por força dos artigos 57._, n._ 2, e 66._ do Tratado, tem competência para adoptar directivas destinadas à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros quanto ao acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício, a Comissão não tem competência para praticar um acto que imponha aos Estados-Membros obrigações não previstas nas disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais.
Deve, por conseguinte, ser anulada a comunicação 94/C 360/08 da Comissão, relativa à criação de um mercado interno para os fundos de pensões, que não se limita a clarificar a aplicação correcta das disposições do Tratado, mas é destinada a produzir efeitos jurídicos próprios, distintos dos já previstos naquelas disposições.
No processo C-57/95,
República Francesa, representada por Edwige Belliard, director adjunto na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Claude Chavance, secretário na mesma direcção, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da França, 9, boulevard Prince Henri,
recorrente,
apoiada por
Reino de Espanha, representado por Alberto José Navarro González, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária, e Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado, do Serviço do Contencioso Comunitário, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard E. Servais,
interveniente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
que tem por finalidade a anulação da comunicação 94/C 360/08 da Comissão, relativa à criação de um mercado interno para os fundos de pensões (JO 1994, C 360, p. 7),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J. G. Kapteyn (relator), C. Gulmann, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,
advogado-geral: G. Tesauro,
secretário: L. Hewlett, administradora,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 5 de Novembro de 1996, no decurso da qual a República Francesa foi representada por Claude Chavance, o Reino de Espanha por Gloria Calvo Díaz, abogado del Estado, na qualidade de agente, e a Comissão por Dimitrios Gouloussis,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Janeiro de 1997,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de Março de 1995, a República Francesa, nos termos do artigo 173._, primeiro parágrafo, do Tratado CE, pediu a anulação de um acto adoptado pela Comissão intitulado «Comunicação da Comissão relativa à criação de um mercado interno para os fundos de pensões» (94/C 360/08) (JO 1994, C 360, p. 7, a seguir «comunicação»).
2 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1995, o Reino de Espanha foi autorizado a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.
3 Em 21 de Outubro de 1991, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de directiva relativa à liberdade de gestão e de investimento dos fundos das instituições de realização de planos de pensões (JO 1991, C 312, p. 3, a seguir «proposta de directiva»), fundamentada nos artigos 57._, n._ 2, e 66._ do Tratado CEE. Em 6 de Dezembro de 1994, não havendo acordo do Conselho, a Comissão retirou essa proposta. Em 17 de Dezembro seguinte, a Comissão publicou a comunicação no Jornal Oficial.
4 A comunicação contém uma primeira parte intitulada «Introdução e considerações genéricas» na qual a Comissão sublinha a importância económica e social dos fundos de pensões na perspectiva do mercado interno, menciona as restrições que os Estados-Membros podem impor por motivos prudenciais e enuncia certos princípios em matéria de investimento prudente que todas as instituições que realizam planos de pensões deveriam aplicar. A segunda parte da comunicação, intitulada «Interpretação específica», contém, em primeiro lugar, a definição dos conceitos de «instituição que realiza planos de pensões», «benefícios pecuniários a título de reforma», «empresa contribuinte», «organismo contribuinte», «empresas filiais» e «empresas associadas» (ponto 2.1), e especifica seguidamente o âmbito de aplicação da comunicação (ponto 2.2).
5 Os pontos 2.3 e 2.4 da comunicação têm a seguinte redacção:
«2.3. Serviços de gestão de investimentos e de guarda de activos
2.3.1. O efectivo exercício do direito à livre prestação de serviços, previsto no Tratado, neste caso o serviço de gestão de investimentos, requer não apenas que os prestadores de serviços sejam livres de oferecer os seus serviços em toda a Comunidade, mas também que os potenciais clientes desses serviços sejam livres de escolher um prestador que não está estabelecido no seu próprio Estado-Membro. Enquanto a restante legislação comunitária diz respeito à autorização e à actividade dos prestadores do serviço de gestão de investimentos, é necessário estabelecer de modo claro a liberdade de as instituições que realizam planos de pensões optarem entre os prestadores de serviços que estão autorizados a exercer essa actividade.
Por conseguinte, as instituições que realizam planos de pensões e que estão autorizadas a recorrer aos serviços de um gestor externo para a gestão dos seus investimentos não deverão ser impedidas de escolher um gestor de investimentos, para uma parte ou para a totalidade dos seus activos, que esteja estabelecido noutro Estado-Membro e devidamente autorizado a exercer essa actividade, nos termos da Directiva 89/646/CEE do Conselho, da Directiva 92/96/CEE do Conselho ou da Directiva 93/22/CEE do Conselho.
2.3.2. Do mesmo modo, as instituições que realizam planos de pensões e que estão autorizadas a recorrer aos serviços de um organismo externo para a guarda e administração de valores mobiliários, tal como referido no ponto 12 do anexo à Directiva 89/646/CEE e na secção C, ponto 1, do anexo à Directiva 93/22/CEE, não deverão ser impedidas de escolher, para a prestação desses serviços, instituições de crédito ou empresas de investimento estabelecidas em outros Estados-Membros e devidamente autorizadas nos termos das directivas em questão.
2.3.3. É necessário que as autoridades de fiscalização responsáveis pela instituição que realiza planos de pensões tenham efectivamente a possibilidade de exercer os seus deveres de fiscalização, mesmo no caso de a própria instituição não ter a possibilidade de fornecer as informações exigidas em termos razoáveis ou de tomar medidas relativamente aos activos que se não incluem na jurisdição imediata da autoridade de fiscalização, ou se recusar a fazê-lo.
Por conseguinte, sem prejuízo do disposto na presente comunicação e para efeitos de fiscalização prudencial da instituição, é conveniente que os Estados-Membros exijam que qualquer contrato celebrado entre uma instituição que realiza planos de pensões e os prestadores de serviços referidos nos n.os 1 e 2 incluam cláusulas nos termos das quais os prestadores de serviços são obrigados a fornecer às autoridades competentes responsáveis pela fiscalização da instituição que realiza planos de pensões todas as informações necessárias para que essa autoridade tenha um conhecimento pleno dos activos da instituição; e a executar qualquer ordem dessa autoridade no sentido de proibir a livre disposição desses activos, caso esses objectivos não possam ser alcançados através de uma intervenção directa por parte dessa autoridade junto da instituição que realiza planos de pensões, na condição de essa informação ou proibição serem necessárias ao cumprimento dos deveres de fiscalização prudencial da autoridade competente.
2.3.4. Tendo em vista a prossecução dos objectivos previstos no ponto 2.3.3, é conveniente que cada Estado-Membro designe uma única autoridade competente responsável pela cooperação com a sua homóloga em cada outro Estado-Membro.
A Comissão enviará aos Estados-Membros uma lista das autoridades designadas nos termos do presente número, notificada pelos Estados-Membros.
2.4. Liberdade de investimento dos activos
2.4.1. É conveniente que as instituições que realizam planos de pensões, estabelecidas num Estado-Membros, invistam a totalidade dos activos que detêm como cobertura para os futuros pagamentos (esperados) de benefícios de reforma de acordo com os seguintes princípios:
a) Os activos deverão ser investidos de acordo com o interesse dos participantes e beneficiários do plano, de modo adequado à natureza e à duração dos correspondentes passivos, bem como ao nível do seu financiamento, tendo em conta os critérios de segurança, qualidade, liquidez e rentabilidade da carteira da instituição no seu conjunto.
b) Os activos serão suficientemente diversificados para evitar a acumulação de riscos importantes no conjunto da carteira.
c) O investimento efectuado numa empresa ou empresas contribuintes, em empresas filiais ou associadas, ou num organismo ou organismos participantes, deverá ser limitado a um nível prudente.
Na aplicação destes princípios dever-se-á tomar em consideração a eventual existência de seguros de insolvência ou de garantias prestadas pelo Estado.
2.4.2. Os Estados-Membros podem excluir do âmbito de aplicação do ponto 2.4.1 os activos investidos numa empresa ou empresas contribuintes ou associadas, desde que:
a) Todos os membros que efectuem ou que tenham efectuado contribuições, ou relativamente a quem sejam ou tenham sido efectuadas contribuições junto da instituição sejam, ou tenham sido:
- gestores, administradores ou accionistas, sem exceder o número de onze, os quais tenham concordado de modo individual com esse investimento, ou
- trabalhadores por conta própria que dirijam a empresa ou empresas em sociedade, ou
b) Esses investimentos tenham sido efectuados previamente à adopção da presente comunicação.
Os Estados-Membros deverão analisar periodicamente os elementos excluídos neste número, para avaliar se se justifica a manutenção da respectiva exclusão.
2.4.3. É importante que exista uma adequada diversificação de activos, incluindo activos em moedas diferentes daquelas em que estão expressos os passivos da instituição, para que a respectiva gestão consiga maximizar a rentabilidade dos activos com um nível de risco adequado. Nos termos do previsto no Tratado, os Estados-Membros não exigirão às instituições que realizam planos de pensões que invistam ou que limitem o seu investimento em categorias específicas de activos, ou que localizem os seus activos num determinado Estado-Membro, a não ser por motivos prudenciais devidamente justificados. Em especial, não deverão especificar requisitos de investimento mínimo ou máximo em determinadas categorias de activos, se esses requisitos não forem justificáveis por motivos prudenciais, nem deverão estabelecer regras sobre a localização dos activos ou sobre a congruência cambial, que poderiam ter como efeito limitar as possibilidades de investimento transfronteiras. As eventuais restrições que sejam impostas por motivos prudenciais devem também ser proporcionais aos objectivos que possam legitimamente prosseguir.
Como primeiro passo, os Estados-Membros não poderão exigir às instituições que realizam planos de pensões que detenham mais de 60% dos seus activos em moedas congruentes, após terem tomado em consideração o efeito de quaisquer instrumentos de compensação de riscos cambiais detidos pela instituição, uma vez que tal não se justifica por motivos prudenciais, em geral.
Os activos expressos em ecus serão considerados como congruentes com qualquer das moedas comunitárias.
2.4.4. Os Estados-Membros não sujeitarão as decisões de investimento das instituições que realizam planos de pensões, ou dos seus gestores de investimento, a quaisquer requisitos de aprovação prévia ou de notificação sistemática.»
Quanto à admissibilidade do recurso
6 A Comissão levantou uma questão prévia de inadmissibilidade porque a comunicação não constitui um acto impugnável na acepção do artigo 173._ do Tratado. Sustenta que a comunicação não é destinada a produzir efeitos jurídicos e que não teve a intenção de impor, através desta comunicação, obrigações aos Estados-Membros. A Comissão precisa que, por razões de coerência com a sua proposta de directiva, teve de repetir na comunicação as principais linhas da sua proposta de directiva que foi obrigada a retirar, a fim de não dar a impressão de que a retirada de proposta da directiva equivalia a um abandono dos princípios nela contidos.
7 Convém recordar que, segundo jurisprudência constante, é possível o recurso de anulação de todas as disposições tomadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos, quaisquer que sejam a respectiva natureza ou forma (v. acórdãos de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69, n._ 42, e de 16 de Junho de 1993, França/Comissão, C-325/91, Colect., p. I-3283, n._ 9).
8 No caso em apreço, trata-se de uma comunicação adoptada pela Comissão e integralmente publicada na série C do Jornal Oficial. Como resulta dos autos, este acto tem por objectivo dar a conhecer a tese geral da Comissão quanto à aplicação dos princípios fundamentais do Tratado às instituições que realizam planos de pensões.
9 Para apreciar se a comunicação tem por objectivo produzir efeitos jurídicos novos relativamente aos que envolve a aplicação dos princípios fundamentais do Tratado, há que examinar o seu conteúdo.
10 Conclui-se que a apreciação da questão prévia de inadmissibilidade deve ser efectuada com as questões de fundo colocadas pelo litígio.
Quanto ao mérito
11 Em apoio do seu recurso, a República Francesa, apoiada pelo Reino de Espanha, invoca em primeiro lugar fundamentos relativos à incompetência da Comissão, à violação do artigo 190._ do Tratado CE e do princípio da segurança jurídica. Seguidamente alega que a comunicação não é válida devido à desigualdade de tratamento que daí resultaria entre os titulares de fundos de pensões e os titulares de apólices de seguro ramo vida.
12 No que diz respeito à competência da Comissão, a República Francesa sustenta, essencialmente, que a comunicação é um acto vinculativo, uma vez que resulta dos termos do seu texto que impõe obrigações novas aos Estados-Membros e, deste modo, deveria ser fundamentada numa base jurídica precisa a fim de permitir a fiscalização da sua legalidade. A comparação entre o texto da proposta de directiva e da comunicação demonstra um paralelismo, nomeadamente no que diz respeito às definições, ao âmbito de aplicação e ao conteúdo desses textos. A publicação da comunicação, depois da retirada da proposta de directiva, aponta no sentido de que a Comissão tenta, através da comunicação, obter a aplicação de regras idênticas ou similares às da proposta de directiva.
13 Assim, há que examinar se a comunicação se limita a explicitar as disposições relativas à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais aplicáveis às instituições que realizam planos de pensões, ou se estabelece obrigações específicas em relação a essas disposições.
14 A este respeito, a Comissão sustenta, em primeiro lugar, que a comunicação não tem natureza vinculativa dado que as palavras «deverá» ou «deverão» são sempre precedidas de um contexto verbal que exprime apenas uma opinião. Em seguida, alega que a análise do conteúdo da comunicação demonstra que se trata de uma comunicação interpretativa que se limita a chamar a atenção para as consequências da aplicação directa dos princípios do Tratado às instituições que realizam planos de pensões e que não acrescenta novas obrigações às que resultam directamente das disposições do Tratado. Por último, a comunicação não foi oficialmente dirigida aos Estados-Membros e não lhes foi notificada.
15 Remetendo para uma análise mais pormenorizada das disposições pertinentes da comunicação nos n.os 17 a 19 das conclusões do advogado-geral, há que declarar em primeiro lugar que, nos termos do primeiro parágrafo do ponto 2.4.2 da comunicação, «Os Estados-Membros podem excluir do âmbito de aplicação do ponto 2.4.1 os activos investidos numa empresa ou empresas contribuintes ou associadas», desde que estejam preenchidas as condições nele enumeradas.
16 Seguidamente, nos termos do segundo parágrafo do ponto 2.4.3 da comunicação, os Estados-Membros, como primeiro passo, «não poderão exigir às instituições que realizam planos de pensões que detenham mais de 60% dos seus activos em moedas congruentes, após terem tomado em consideração o efeito de quaisquer instrumentos de compensação de riscos cambiais detidos pela instituição, uma vez que tal não se justifica por motivos prudenciais em geral».
17 Por último, o ponto 2.4.4 da comunicação prevê que «Os Estados-Membros não sujeitarão as decisões de investimento das instituições que realizam planos de pensões, ou dos seus gestores de investimento, a quaisquer requisitos de aprovação prévia ou de notificação sistemática.»
18 Nestas condições, em primeiro lugar, há que observar que estas disposições da comunicação se caracterizam pela sua formulação em termos imperativos.
19 Em segundo lugar, deve-se concluir que o próprio conteúdo das disposições dos pontos 2.4.2, 2.4.3 e 2.4.4 da comunicação demonstra que não podem ser consideradas como sendo já inerentes às disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais e que apenas se destinam a clarificar a sua aplicação correcta.
20 A este respeito, há que recordar que estas disposições, ao consagrarem, com efeito directo, a proibição de impor restrições injustificadas às liberdades em questão, não são suficientes, enquanto tais, para assegurar a eliminação de todos os obstáculos à livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais e que as directivas previstas pelo Tratado nesta matéria conservam um importante âmbito de aplicação no domínio das medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo dos direitos decorrentes dessas disposições (v., relativamente ao direito de livre estabelecimento, acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect., p. 325, n.os 29 a 31).
21 Ora, são precisamente essas medidas que são objecto da comunicação e que foram, por outro lado, objecto da proposta de directiva que foi retirada pela Comissão devido a um «bloqueio das negociações com os Estados-Membros no Conselho» (ponto 1.4 da comunicação).
22 Quanto ao argumento da Comissão de que a comunicação não foi notificada aos Estados-Membros, basta observar que tal circunstância não pode modificar a natureza vinculativa da comunicação.
23 Nestas condições, há que considerar que a comunicação constitui um acto destinado a produzir efeitos jurídicos próprios, distintos dos já previstos pelas disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais, de modo que pode ser objecto de um recurso de anulação.
24 No que diz respeito à competência da Comissão para adoptar um acto que impõe aos Estados-Membros obrigações não previstas nas disposições acima mencionadas do Tratado, há que sublinhar que tal poder não é de modo algum previsto pelo Tratado e que, de qualquer forma, apenas o Conselho tem competência, nos termos dos artigos 57._, n._ 2, e 66._ do Tratado, para adoptar directivas destinadas à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes ao acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício.
25 Resulta do conjunto das considerações precedentes, sem que haja necessidade de tomar posição quanto aos outros fundamentos invocados pela República Francesa, que a comunicação constitui um acto adoptado por uma autoridade que não tem competência para tal.
26 Por conseguinte, há que declarar que o recurso interposto pela República Francesa destinado à anulação da comunicação é simultaneamente admissível e fundamentado.
Quanto às despesas
27 Por força do disposto no artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
28 É anulada a comunicação (94/C 360/08) da Comissão relativa à criação de um mercado interno para os fundos de pensões.
29 A Comissão é condenada nas despesas.