61995J0004

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 30 de Janeiro de 1997. - Fritz Stöber (C-4/95) e José Manuel Piosa Pereira (C-5/95) contra Bundesanstalt für Arbeit. - Pedido de decisão prejudicial: Landessozialgericht Nordrhein-Westfalen - Alemanha. - Segurança social - Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho - Âmbito de aplicação pessoal. - Processos apensos C-4/95 e C-5/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-00511


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Segurança social dos trabalhadores migrantes - Prestações familiares - Trabalhadores sujeitos à legislação alemã - Trabalhadores não assalariados - Conceito na acepção do artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71 - Trabalhadores não assalariados sujeitos a uma obrigação de seguro a título de risco de velhice

[Regulamentos do Conselho n._ 1408/71, artigos 1._, alínea a), ii) e 73._ e Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), e n._ 3427/89]

2 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Regulamentação de um Estado-Membro que faz depender a tomada em consideração dos filhos a cargo para o cálculo das prestações familiares da residência destes no território nacional - Discriminação contra trabalhadores migrantes não assalariados - Inadmissibilidade

(Tratado CE, artigo 52._)

Sumário


3 O artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento n._ 2001/83, na redacção dada pelo Regulamento n._ 3427/89, que prevê que o trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado-Membro tem direito, relativamente aos membros da sua família que residem no território de outro Estado-Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se aí residissem, deve, para efeitos do pagamento de prestações familiares a título da legislação alemã, ser interpretado no sentido de que abrange apenas os trabalhadores não assalariados que correspondam à definição específica resultante da leitura conjugada do artigo 1._, alínea a), ii), e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), do mesmo regulamento, quer dizer são obrigados a segurar-se ou a cotizar-se para o risco de velhice no regime de trabalhadores não assalariados ou segurar-se no âmbito do seguro de pensão obrigatória.

Com efeito, a interpretação ampla, relativamente ao objectivo da livre circulação prosseguido pela Comunidade, que deve ter o conceito de trabalhador não assalariado na acepção do referido regulamento não pode conduzir a privar de qualquer efeito útil as disposições que figuram no referido Anexo I, pelas quais o legislador comunitário, competente para isso, definiu os trabalhadores não assalariados que beneficiariam de futuro do referido artigo 73._, anteriormente aplicável apenas aos trabalhadores assalariados.

4 O artigo 52._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que faz depender a tomada em consideração dos filhos de um trabalhador não assalariado, quando do calculo das prestações familiares, da sua residência nesse Estado-Membro.

Com efeito, essa regulamentação, por não poder apoiar-se em elementos objectivos susceptíveis de a justificar, é discriminatória em relação aos trabalhadores migrantes, visto que são sobretudo os seus filhos que residem no estrangeiro.

Os problema que poderia criar a supressão desta condição de residência em relação à necessidade de assegurar que as prestações servem efectivamente para a educação dos filhos e evitar os cúmulos de prestações devem ser resolvidos aplicando por analogia as disposições inseridas no Regulamento n._ 1408/71 para os trabalhadores não assalariados que são abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

Partes


Nos processos apensos C-4/95 e C-5/95,

que têm por objecto dois pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Landessozialgericht Nordrhein-Westfalen (Alemanha), destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

Fritz Stoeber (C-4/95),

José Manuel Piosa Pereira (C-5/95)

e

Bundesanstalt fuer Arbeit,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n._ 3427/89 do Conselho, de 30 de Outubro de 1989 (JO L 331, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: J. C. Moitinho de Almeida (relator), presidente de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet e P. Jann, juízes,

advogado-geral: A. La Pergola,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

- em representação do Governo espanhol, por Alberto José Navarro González, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária, e Miguel Bravo-Ferrer Delgado, abogado del Estado, do Serviço Jurídico do Estado, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, e Horstpeter Kreppel, funcionário nacional destacado nesse serviço, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo alemão, representado por Sabine Maass, Regierungsraetin z. A. no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente, do Governo espanhol, representado por Miguel Bravo-Ferrer Delgado, e da Comissão, representada por Juergen Grunwald, consultor jurídico, e Maria Patakia, na qualidade de agentes, na audiência de 28 de Março de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 6 de Junho de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por dois despachos de 25 de Novembro de 1994, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 12 de Janeiro de 1995, o Landessozialgericht Nordrhein-Westfalen colocou questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 1._, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n._ 3427/89 do Conselho, de 30 de Outubro de 1989 (JO L 331, p. 1, a seguir «Regulamento n._ 1408/71»).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de litígios que opõem F. Stoeber (C-4/95), por um lado, e J. Piosa Pereira (C-5/95), por outro, ao Bundesanstalt fuer Arbeit, a propósito da recusa deste último tomar em consideração os seus filhos não residentes na Alemanha para efeitos do cálculo do montante dos abonos por filhos a cargo nos termos da legislação alemã.

3 Por força do artigo 2._, n._ 5, da Bundeskindergeldgesetz (a seguir «BKGG») de 25 de Junho de 1969, os filhos que não tenham o seu domicílio nem a sua residência habitual na Alemanha não são tomados em consideração para o cálculo das prestações familiares.

4 No processo C-4/95, F. Stoeber, nacional alemão, trabalhou na Irlanda até 1969, tendo-se em seguida instalado na Alemanha onde, até 1977, pagou quotizações, como trabalhador assalariado, para o regime de seguro obrigatório de doença e de velhice. Desde 1 de Fevereiro de 1977, exerce, nesse mesmo Estado, uma actividade independente e paga quotizações, a título voluntário, para o regime legal de seguro de velhice dos empregados bem como para um regime legal complementar de seguro de doença.

5 Em Novembro de 1988, F. Stoeber solicitou, quando do cálculo dos abonos de família para os seus dois filhos nascidos de um segundo casamento, a tomada em consideração da sua filha nascida do primeiro casamento, que vive com a mãe na Irlanda. Segundo as declarações de F. Stoeber, a interessada vive com ele durante as férias. Estaria, aliás, inscrita no registo da população na Alemanha.

6 Este pedido foi indeferido por decisão de 22 de Dezembro de 1988, confirmada em seguida por decisão de 13 de Fevereiro de 1989, porque a filha em causa não tinha o seu domicílio nem a sua residência habitual na Alemanha, na acepção da BKGG.

7 Após ter acedido perante o Sozialgericht Dortmund a reexaminar o pedido à luz do direito comunitário, o Bundesanstalt fuer Arbeit indeferiu-o novamente por decisão de 5 de Outubro de 1990, confirmada em 8 de Abril de 1991. Com efeito, a instituição alemã considerou que F. Stoeber não era um «trabalhador não assalariado» na acepção do Regulamento n._ 1408/71 e que, por conseguinte, não podia invocar o artigo 73._ do referido regulamento.

8 Por força do artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71, na redacção em vigor desde 15 de Janeiro de 1986, «O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado-Membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado-Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste, sem prejuízo do disposto no Anexo VI.»

9 O artigo 1._, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71 dispõe que, para efeitos de aplicação do regulamento, «as expressões `trabalhador assalariado' e `trabalhador não assalariado' designam, respectivamente, qualquer pessoa:

i) que estiver abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados,

ii) que estiver abrangida por um seguro obrigatório contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social aplicável a todos os residentes ou ao conjunto da população activa:

- quando os modos de gestão ou financiamento desse regime permitem identificá-la como trabalhador assalariado ou não assalariado,

ou

- na falta de tais critérios, quando estiver abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma outra eventualidade mencionada no Anexo I, no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados, ou por um dos regimes referidos na subalínea iii) ou, na ausência de um tal regime no Estado-Membro em causa, quando a pessoa corresponder à definição apresentada no Anexo I,

...

iv) que estiver abrangida por um seguro voluntário contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social de um Estado-Membro organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de todos os residentes ou de determinadas categorias de residentes:

- se a pessoa em causa exercer uma actividade assalariada ou não assalariada,

ou

- se a referida pessoa tiver sido abrangida anteriormente por um seguro obrigatório contra a mesma eventualidade, no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados do mesmo Estado-Membro;

...»

10 Nos termos do Anexo I, ponto I - [«Trabalhadores assalariados e/ou trabalhadores não assalariados (alínea a), subalíneas ii) e iii), do artigo 1._ do regulamento]» -, letra C («Alemanha»), do Regulamento n._ 1408/71,

«Se uma instituição alemã for a instituição competente para a concessão das prestações familiares, de acordo com o capítulo 7 do título III do regulamento, é considerada, na acepção da alínea a), subalínea ii), do artigo 1._ do regulamento:

a) trabalhador assalariado, qualquer pessoa abrangida por um seguro obrigatório contra o risco de desemprego ou qualquer pessoa que obtenha em consequência desse seguro, prestações pecuniárias do seguro de doença ou prestações análogas;

b) trabalhador não assalariado, qualquer pessoa que exerça uma actividade não assalariada e que deva:

- segurar-se ou contribuir para o risco de velhice num regime de trabalhadores não assalariados,

ou

- segurar-se no âmbito do seguro de pensão obrigatório.»

11 Seguidamente, o Sozialgericht Dortmund deu provimento ao recurso interposto por F. Stoeber contra a referida decisão de 8 de Abril de 1991, relativamente ao período compreendido entre 1 de Maio de 1988 e 31 de Dezembro de 1991, data em que terminou a escolaridade da interessada. Com efeito, segundo o Sozialgericht Dortmund, F. Stoeber é um «trabalhador não assalariado» na acepção do artigo 1._, alínea a), i), do Regulamento n._ 1408/71, na medida em que está segurado ao abrigo de um seguro de pensão facultativo. Deste modo, podia invocar as disposições do artigo 73._ do mesmo regulamento.

12 O recorrido no processo principal interpôs recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Nessa instância, sustenta que só são determinantes no caso concreto as disposições conjugadas do artigo 1._, alínea a), ii), e do Anexo I do Regulamento n._ 1408/71, que define a expressão «trabalhador não assalariado», na acepção do artigo 1._, alínea a), ii), do Regulamento n._ 1408/71, se uma instituição alemã for a instituição competente para a concessão das prestações familiares de acordo com o capítulo 7 do título III do regulamento. Ora, nos termos do ponto I, letra C, alínea b), desse anexo, F. Stoeber não é abrangido pelo Regulamento n._ 1408/71, uma vez que não está sujeito ao seguro obrigatório.

13 No processo C-5/95, J. Piosa Pereira, nacional espanhol, exerceu uma actividade assalariada na Alemanha e, por esse motivo, esteve sujeito aos regimes de seguro de doença e de velhice obrigatórios até 9 de Setembro de 1988. Desde 1 de Abril de 1989 exerce uma actividade não assalariada na Alemanha e paga, desde 23 de Abril seguinte, quotizações voluntárias para uma caixa local de seguro de doença.

14 Em 31 de Outubro de 1989, J. Piosa Pereira apresentou um pedido de pagamento de abonos de família para os seus três filhos residentes em Espanha com a sua mulher, da qual se encontra separado de facto. Em 7 de Agosto de 1990, esse pedido foi indeferido, porque o requerente não era abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n._ 1408/71 e, por conseguinte, não podia invocar o artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71. Esta decisão foi confirmada em 10 de Setembro de 1990.

15 J. Piosa Pereira interpôs então recurso no Sozialgericht Dortmund que, em 24 de Setembro de 1990, julgou procedente o seu pedido, considerando que ele podia invocar o artigo 73._ Com efeito, na medida em que J. Piosa Pereira tinha subscrito um seguro de doença facultativo continuado, caía no âmbito de aplicação pessoal do regulamento nos termos do artigo 1._, alínea a), i), do Regulamento n._ 1408/71. Por seu turno, o Anexo I não se aplicaria, na medida em que o seu alcance se limita aos regimes mencionados no artigo 1._, alínea a), ii), do mesmo regulamento.

16 Em 12 de Novembro de 1992, o recorrido no processo principal interpôs recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

17 O órgão jurisdicional de reenvio observa que nem F. Stoeber nem J. Piosa Pereira podem ter direito, nos termos da legislação alemã, a abonos de família para os seus filhos que residem no estrangeiro. Com efeito, o artigo 2._, n._ 5, primeiro período, da BKGG exclui, quando do cálculo das prestações familiares, a tomada em consideração dos filhos que não tenham o seu domicílio nem a sua residência habitual na Alemanha.

18 Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os recorrentes nos processos principais não podem, enquanto trabalhadores não assalariados, basear as suas pretensões no artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71. Com efeito, os dois interessados preenchem, em sua opinião, as condições para serem considerados «trabalhadores não assalariados» na acepção do Regulamento n._ 1408/71. F. Stoeber preenche as condições do artigo 1._, alínea a), iv) do Regulamento n._ 1408/71 enquanto independente segurado a título voluntário contra os riscos de velhice e de doença no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados, ao qual estava anteriormente sujeito a título obrigatório. Quanto a J. Piosa Pereira, o mesmo preenche as condições referidas no artigo 1._, alínea a), i) e iv), do Regulamento n._ 1408/71 enquanto independente abrangido por um seguro facultativo continuado contra o risco de doença no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados com base em períodos anteriores de seguro obrigatório.

19 O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em contrapartida, os interessados não preenchem as condições previstas pelas disposições conjugadas do artigo 1._, alínea a), ii), segundo travessão, e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), do Regulamento n._ 1408/71. Com efeito, embora a legislação alemã sobre os abonos de família estabeleça um regime do ramo «prestações familiares» [artigo 4._, n._ 1, alínea h), do Regulamento n._ 1408/71] que se aplica a todos os residentes e cujos modos de gestão não permitem fazer a distinção entre trabalhadores assalariados e trabalhadores independentes, os recorrentes nos processos principais não satisfazem os critérios referidos no Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), para que remete a subalínea ii), segundo travessão, na medida em que só estão segurados a título voluntário.

20 O órgão jurisdicional a quo considera que, nestas condições, se o artigo 1._, alínea a), ii), já referido, deve ser considerado como definindo de modo limitativo face à regulamentação alemã relativa aos abonos de família a expressão «trabalhador não assalariado», os recorrente nos processos principais não podem invocar o artigo 73._, já referido.

21 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a jurisprudência e a doutrina alemãs consideram que só a subalínea ii) já referida é relevante, uma vez que a instituição competente para a concessão das prestações familiares é alemã. Em sua opinião, as condições especiais previstas no Anexo I são efectivamente a favor da aplicação desta disposição, enquanto lex specialis no âmbito da legislação alemã sobre os abonos de família. O órgão jurisdicional de reenvio observa que esta interpretação pressupõe que as subalíneas i) a iv) são aplicáveis, cada uma de modo específico, a riscos e a regimes determinados. Esta posição é apoiada pela estrutura do Regulamento n._ 1408/71, privando qualquer outra interpretação de utilidade a definição do Anexo I, ponto I, letra C.

22 O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, no acórdão de 3 de Maio de 1990, Kits van Heijningen (C-2/89, Colect., p. I-1755), o Tribunal de Justiça declarou todavia que a expressão «trabalhador assalariado» designa qualquer pessoa segurada no âmbito de um dos regimes de segurança social mencionados no artigo 1._, alínea a), contra as eventualidades e nas condições previstas nessa disposição. Segundo o órgão jurisdicional a quo, essa formulação deixa entender que a inscrição em qualquer um dos regimes referidos no artigo 1._, alínea a), faz do inscrito um trabalhador que pode invocar as diferentes disposições do Regulamento n._ 1408/71.

23 Hesitante entre estas duas teses, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

No processo C-4/95:

«Para efeitos do pagamento de abonos de família na República Federal da Alemanha, é `trabalhador não assalariado', na acepção do artigo 73._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71, quem exerce na República Federal da Alemanha uma actividade independente e que como tal se integra no conceito de `trabalhador não assalariado' do artigo 1._, alínea a), iv), mas não no resultante das disposições conjugadas do ponto ii), segundo travessão, primeira possibilidade da alternativa, e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b)?»

No processo C-5/95:

«Para efeitos do pagamento de abonos de família na República Federal da Alemanha, é `trabalhador não assalariado', na acepção do artigo 73._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71, quem exerce na República Federal da Alemanha uma actividade independente e que como tal se integra no conceito de `trabalhador não assalariado' do artigo 1._, alínea a), i), e iv), mas não no resultante das disposições conjugadas do ponto ii), segundo travessão, primeira possibilidade da alternativa, e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b)?»

24 Através destas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71 deve, para efeitos do pagamento de abonos de família ao abrigo da legislação alemã, ser interpretado no sentido de que abrange unicamente os trabalhadores não assalariados que correspondam à definição resultante da leitura conjugada do artigo 1._, alínea a), ii), e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), do mesmo regulamento.

25 Em conformidade com o artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71, na redacção dada pelo Regulamento n._ 3427/89 com efeitos a partir de 15 de Janeiro de 1986, o «trabalhador não assalariado» sujeito à legislação de um Estado-Membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado-Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado como se residissem no território deste.

26 O âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n._ 1408/71 é definido pelo seu artigo 2._ Nos termos do n._ 1 desse artigo, o Regulamento n._ 1408/71 aplica-se, nomeadamente, aos «trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros».

27 A expressão «trabalhadores não assalariados» utilizada por essa disposição é definida pelo artigo 1._, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71. Designa qualquer pessoa segurada no âmbito de um dos regimes de segurança social mencionados no artigo 1._, alínea a), contra as eventualidades e nas condições previstas nessa disposição (acórdão Kits van Heijningen, já referido, n._ 9).

28 Verifica-se que as pessoas que se encontrem numa situação tal como a dos recorrentes nos processos principais são abrangidas pela definição do «trabalhador não assalariado», nomeadamente, na acepção do artigo 1._, alínea a), iv), do Regulamento n._ 1408/71, na medida em que estão segurados a título voluntário contra a doença ou a velhice, ramos da segurança social aos quais se aplica o Regulamento n._ 1408/71, no âmbito de um regime de segurança social organizado em benefício dos trabalhadores e na medida em que, nomeadamente, exercem uma actividade não assalariada.

29 Todavia, resulta dos próprios termos do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), para que remete o artigo 1._, alínea a), ii), do Regulamento n._ 1408/71, que só os trabalhadores abrangidos por um seguro obrigatório no âmbito de um dos regimes aí mencionados têm direito aos abonos de família alemães por força do título III, capítulo 7, do Regulamento n._ 1408/71.

30 Na verdade, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 23 de Outubro de 1986, Van Roosmalen, 300/84, Colect., p. 3097, n.os 18 e 20), o conceito de «trabalhador não assalariado» na acepção do Regulamento n._ 1408/71 deve ser interpretado de modo amplo, tendo em conta o seu objectivo que consiste em contribuir para o estabelecimento de uma liberdade tão completa quanto possível da livre circulação dos trabalhadores migrantes, princípio que constitui um dos fundamentos da Comunidade.

31 No entanto, como o Governo alemão observou justamente, ao incluir, através do Regulamento n._ 3427/89, os trabalhadores não assalariados no âmbito de aplicação do artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71, o próprio legislador comunitário pôde determinar quais de entre eles pretendia que beneficiassem destas disposições. Assim, no que diz respeito ao pagamento de prestações familiares alemãs, o legislador comunitário escolheu como critério o seguro obrigatório contra o risco de velhice num regime de trabalhadores não assalariados ou no âmbito do seguro de pensão obrigatório.

32 Permitir a um trabalhador que se encontre numa situação como as submetidas ao juiz de reenvio invocar uma das outras definições do «trabalhador não assalariado» previstas no artigo 1._, alínea a), para beneficiar das prestações sociais alemãs equivaleria a privar de todo e qualquer efeito útil a disposição do anexo.

33 Como o advogado-geral salientou no ponto 32 das suas conclusões, não se pode invocar contra esta conclusão o acórdão Kits van Heijningen, já referido, no qual o Tribunal de Justiça se limitou a precisar o âmbito de aplicação do Regulamento n._ 1408/71, tal como definido no seu artigo 2._, sem procurar resolver os problemas ligados às diferentes definições contidas no artigo 1._, alínea a), desse regulamento.

34 Deste modo, no caso de a instituição competente para o pagamento das prestações familiares ser uma instituição alemã, o conceito de «trabalhador não assalariado», na acepção do artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71, deve ser interpretado como abrangendo apenas as pessoas que preenchem as condições específicas constantes do artigo 1._, alínea a), ii), segundo travessão, e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), sendo as definições que figuram no artigo 1._, alínea a), i) e iv), se for caso disso, aplicáveis às outras eventualidades contra as quais o trabalhador se segurou a título voluntário.

35 Em conformidade com a referida disposição do Anexo I, a qualidade de trabalhador não assalariado depende nomeadamente da inscrição num regime de seguro de velhice. Tratando-se de trabalhadores não assalariados, o direito alemão permite-lhes a inscrição nesse regime num determinado prazo subsequente ao início da actividade independente.

36 A este respeito, há que salientar que nada impede os Estados-Membros de limitarem o benefício dos abonos de família às pessoas que pertencem a uma comunidade solidária constituída por um regime de seguro de velhice. Com efeito, os Estados-Membros são livres de determinar as condições que dão direito a prestações em matéria de segurança social, tendo o Regulamento n._ 1408/71 apenas uma função de coordenação.

37 Todavia, a BKGG prevê a concessão de abonos de família a qualquer pessoa que tenha o seu domicílio ou a sua residência habitual no território abrangido por essa lei desde que os filhos a cargo tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual no mesmo território.

38 Essa lei estabelece assim uma diferença de tratamento entre os nacionais que não utilizaram o seu direito à livre circulação e os trabalhadores migrantes em detrimento destes últimos, uma vez que são sobretudo os filhos destes que não residem no território do Estado-Membro que concede as prestações.

39 Na medida em que os autos dos presentes processos não contêm qualquer elemento susceptível de justificar objectivamente esta diferença de tratamento, a mesma deve ser qualificada de discriminatória e, assim, ser considerada incompatível com o artigo 52._ do Tratado.

40 Convém esclarecer a este respeito que, contrariamente ao que se verificava no litígio que deu origem ao acórdão de 4 de Outubro de 1991, Middleburgh (C-15/90, Colect., p. I-4655, n.os 14 e 15), as regras que, em matéria de liberdade de estabelecimento, eram indispensáveis, nomeadamente para assegurar que os abonos sejam efectivamente consagrados ao sustento dos filhos a cargo e para evitar o cúmulo desses abonos, foram, nesse caso, adoptadas pelo legislador comunitário no que diz respeito aos períodos em causa. Em situações como as que foram submetidas ao juiz de reenvio, compete assim às autoridades nacionais aplicar por analogia as referidas regras aplicáveis aos trabalhadores não assalariados abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n._ 1408/71.

41 Nestas condições, há que responder ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 73._ do Regulamento n._ 1408/71 deve, para efeitos do pagamento de abonos de família ao abrigo da legislação alemã, ser interpretado no sentido de que abrange apenas os trabalhadores não assalariados que correspondam à definição resultante da leitura conjugada do artigo 1._, alínea a), ii), e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), do mesmo regulamento. Todavia, o artigo 52._ do Tratado opõe-se a uma regulamentação nacional que faz depender a tomada em consideração dos filhos de um trabalhador não assalariado, quando do cálculo das prestações familiares, da sua residência nesse Estado-Membro.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

42 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e espanhol, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landessozialgericht Nordrhein-Westfalen, por despachos de 25 de Novembro de 1994, declara:

O artigo 73._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n._ 3427/89 do Conselho, de 30 de Outubro de 1989, deve, para efeitos do pagamento de abonos de família ao abrigo da legislação alemã, ser interpretado no sentido de que abrange apenas os trabalhadores não assalariados que correspondam à definição resultante da leitura conjugada do artigo 1._, alínea a), ii), e do Anexo I, ponto I, letra C, alínea b), do mesmo regulamento. Todavia, o artigo 52._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que faz depender a tomada em consideração dos filhos de um trabalhador não assalariado, quando do cálculo das prestações familiares, da sua residência nesse Estado-Membro.