61995C0310

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 14 de Janeiro de 1997. - Road Air BV contra Inspecteur der Invoerrechten en Accijnzen. - Pedido de decisão prejudicial: Tariefcommissie - Países Baixos. - Associação dos Países e Territórios Ultramarinos - Importação na Comunidade de produtos originários de um país terceiro mas que se encontram em livre prática num PTU - Artigo 227., n. 3, do Tratado CE - Parte IV do Tratado CE (artigos 131. a 136. -A) - Decisões 82/283/CEE, 91/110/CEE e 91/482/CEE do Conselho. - Processo C-310/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-02229


Conclusões do Advogado-Geral


1 Na presente questão prejudicial, a Tariefcommissie dos Países Baixos coloca um problema de princípio, ou seja, o que diz respeito ao regime aplicável às importações na Comunidade de mercadorias originárias de um país terceiro, mas provenientes dos países e territórios ultramarinos (a seguir «PTU»), onde tinham sido colocadas em livre prática.

2 A questão prejudicial foi suscitada no âmbito de um litígio iniciado por uma empresa contra a administração dos Países Baixos, impugnando a cobrança de direitos aduaneiros sobre uma mercadoria importada das Antilhas Neerlandesas e originária da Colômbia.

Os factos e o processo principal

3 Em 24 de Junho de 1991, a sociedade Road Air BV declarou às autoridades do aeroporto de Schiphol (Países Baixos) a importação de 7 kg de essência de café em pó, produto originário da Colômbia e colocado em livre prática nas Antilhas Neerlandesas.

4 Em 25 de Junho de 1991, a mercadoria foi classificada na subposição 2101 10 11 da pauta aduaneira comum, que era então onerada com um direito de 18% do valor aduaneiro. A liquidação atingiu um valor de 54,40 HFL de direitos aduaneiros.

5 A Road Air BV impugnou a liquidação, solicitando à Tariefcommissie a devolução do respectivo valor. Em sua opinião, os artigos 132._, 133._ e 134._ do Tratado CE não permitem onerar com direitos aduaneiros a importação na Comunidade de mercadorias destinadas ao consumo nos PTU, mesmo que sejam originárias de países terceiros.

6 As autoridades aduaneiras neerlandesas refutaram a alegação, argumentando que a livre circulação de mercadorias provenientes dos PTU beneficia os produtos originários destes países e territórios, mas não os produtos que, sendo originários de países terceiros, só transitaram pelos PTU.

7 Por ter dúvidas sobre a aplicação da norma comunitária, a Tariefcommissie colocou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A parte IV do Tratado CEE, e especialmente os artigos 132._, n._ 1, 133._, n._ 1, e 134._, deve ser interpretada - sem distinguir entre mercadorias originárias dos PTU e mercadorias de países terceiros e por conseguinte contrariamente às Decisões 86/283/CEE e 91/110/CEE - no sentido de que em 25 de Junho de 1991 não podiam ser cobrados, à importação na Comunidade, direitos aduaneiros sobre mercadorias que se encontravam em livre prática num país dos PTU?»

As normas aplicáveis

8 O artigo 227._ do Tratado CEE, ao fixar o seu âmbito de aplicação territorial, inclui no n._ 3 os PTU, cuja lista consta do anexo IV; a esses países e territórios é aplicável o «regime especial de associação definido na parte IV do presente Tratado». Entre eles encontram-se, desde 1964, as Antilhas Neerlandesas.

9 A alínea r) do artigo 3._ do Tratado CE (1) determina que a acção da Comunidade implica, nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no referido Tratado, «a associação dos países e territórios ultramarinos, tendo por objectivo incrementar as trocas comerciais e prosseguir em comum o esforço de desenvolvimento económico e social».

10 A parte IV do Tratado (artigos 131._ a 136._) tem por epígrafe «A associação dos países e territórios ultramarinos». A finalidade desta associação, segundo o artigo 131._, é promover o desenvolvimento económico e social dos PTU e estabelecer relações económicas estreitas entre eles e a Comunidade no seu conjunto.

11 O artigo 132._ do Tratado dispõe:

«A associação prosseguirá os seguintes objectivos:

1. Os Estados-Membros aplicarão às suas trocas comerciais com os países e territórios o mesmo regime que aplicam entre si por força do presente Tratado.

...»

12 O artigo 133._ do Tratado determina:

«1. As importações originárias dos países e territórios beneficiarão, ao entrarem nos Estados-Membros, da eliminação total dos direitos aduaneiros que, nos termos do presente Tratado, se deve progressivamente realizar entre os Estados-Membros.

2. Em cada país e território, os direitos aduaneiros que incidam sobre as importações provenientes dos Estados-Membros e dos outros países e territórios serão progressivamente suprimidos, nos termos dos artigos 12._, 13._, 14._, 15._ e 17._

...»

13 O artigo 134._ do Tratado estabelece:

«Se o nível dos direitos aplicáveis às mercadorias provenientes de um país terceiro, ao entrarem num país ou território, for, em consequência da aplicação do n._ 1 do artigo 133._, de ordem a provocar desvios de tráfego em prejuízo de qualquer Estado-Membro, este pode pedir à Comissão que proponha aos outros Estados-Membros as medidas necessárias para sanarem tal situação.»

14 Finalmente, o artigo 136._ do Tratado prevê:

«Durante um período inicial de cinco anos a contar da data da entrada em vigor do presente Tratado, uma convenção de aplicação, anexa a este Tratado, fixará as modalidades e o processo de associação entre os países e territórios e a Comunidade.

Antes do termo da vigência da Convenção prevista no parágrafo anterior, o Conselho, deliberando por unanimidade, aprovará as disposições a prever para um novo período, com base nos resultados conseguidos e nos princípios enunciados no presente Tratado.»

15 O Conselho, no exercício desta autorização normativa, adoptou quatro decisões consecutivas sobre o regime de associação dos PTU, cada uma das quais com um período de vigência de cinco anos (2).

16 Na data em que se verificou a importação que é objecto do presente processo, era aplicável, ratione temporis, a Decisão 86/283/CEE do Conselho, de 30 de Junho de 1986, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia (3) (a seguir «Decisão 86/283» ou «quinta decisão»).

17 Com efeito, o âmbito temporal de vigência da Decisão 86/283, que terminava, em princípio, em 28 de Fevereiro de 1990, foi prorrogado por três vezes consecutivas, mediante outras tantas decisões do Conselho (4). Concretamente, a segunda destas decisões prorrogou a sua vigência até ao dia 30 de Junho de 1991.

18 Todavia, a nova Decisão 91/482/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1991, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia (5) (a seguir «Decisão 91/482» ou «sexta decisão»), cuja entrada em vigor ocorreu, nos termos do seu artigo 241._, no dia 20 de Setembro de 1991, determinou, no n._ 1 do artigo 240._, que seria aplicável durante um período de dez anos «a partir de 1 de Março de 1990» (6).

19 O n._ 1 do artigo 70._ da Decisão 86/283 limitou o regime preferencial aos produtos originários dos PTU: «Os produtos originários dos países e territórios são admitidos à importação na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente» (7). Havia cláusulas análogas nas decisões anteriores.

20 Nos termos do n._ 1 do artigo 77._ da Decisão 86/283, «a noção de produtos originários, para efeitos de aplicação do presente capítulo, bem como os métodos de cooperação administrativa a ela relativos são definidos no anexo II».

21 O anexo II da Decisão 86/283 dedica o seu título I (artigos 1._ a 5._) à «definição da noção de produtos originários». A alínea b) do artigo 1._ do referido anexo considera «produtos originários dos PTU» os seguintes:

1) Os produtos inteiramente obtidos num ou mais países ou territórios;

2) Os produtos obtidos num ou mais países ou territórios, no fabrico dos quais tenham entrado outros produtos que não sejam aqueles inteiramente obtidos nos países ou territórios, com a condição de os ditos produtos terem sido objecto de complementos de fabrico ou de transformações suficientes.

22 O artigo 3._ do anexo II determina os requisitos que os produtos devem respeitar para se poder considerar que foram objecto de complementos de fabrico ou de transformações suficientes nos PTU.

23 Por seu lado, a Decisão 91/482 introduziu uma nova regra sobre a importação na Comunidade de produtos provenientes dos PTU, mas originários de países terceiros. Para este efeito, o artigo 101._ da referida decisão determinou:

«1. Os produtos originários dos PTU podem ser importados na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente.

2. Os produtos não originários dos PTU que aí se encontrem em livre prática e reexportados em natureza para a Comunidade serão admitidos à importação na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente, desde que:

- tenham pago, no PTU em causa, direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente de nível igual ou superior aos direitos aduaneiros aplicáveis na Comunidade à importação dos mesmos produtos originários de países terceiros que beneficiem da cláusula da nação mais favorecida,

- não tenham sido objecto de isenção ou de restituição, total ou parcial, de direitos aduaneiros ou de encargos de efeito equivalente,

- sejam acompanhados de um certificado de exportação.

3. O disposto no número anterior não se aplica:

- aos produtos enumerados na lista constante do anexo II do Tratado, bem como aos produtos sujeitos ao Regulamento (CEE) n._ 3033/80 do Conselho, de 11 de Novembro de 1980, que determina o regime de trocas aplicável a certas mercadorias resultantes de transformação de produtos agrícolas, com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n._ 1436/90...

- aos produtos sujeitos, à importação na Comunidade, a restrições ou limitações quantitativas,

- aos produtos sujeitos, à importação na Comunidade, a direitos antidumping.

...»

A aplicação retroactiva da Decisão 91/482

24 O órgão jurisdicional de reenvio formula a sua questão tão-só com referência à Decisão 86/283. Na causa principal não se suscitou a possibilidade de a sua resolução depender não dela, mas sim da Decisão 91/482.

25 O mecanismo de cooperação instituído pelo artigo 177._ do Tratado CEE permite, no entanto, que o Tribunal de Justiça faculte ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação das normas de direito comunitário que considere aplicáveis ao caso, ainda que o juiz nacional não se tenha referido expressamente a nenhuma delas.

26 A Comissão e o Conselho, bem como os Governos francês e neerlandês, consideram que a sexta decisão é aplicável ao caso vertente. Se assim fosse, e a importação na Comunidade do café originário da Colômbia e em livre prática nas Antilhas Neerlandesas reunisse as condições, positivas e negativas, exigidas pelo seu artigo 101._, é possível que a empresa importadora autora não tivesse obrigação de pagar os direitos aduaneiros que a seu tempo desembolsou e que agora vem reclamar.

27 Isso exigiria que se confirmassem, pelo menos, três premissas:

a) que a sexta decisão é aplicável retroactivamente a factos ocorridos antes da sua publicação;

b) que essa retroactividade, na medida em que favorece a autora, não é contrária ao direito comunitário;

c) que a Road Air BV é favorecida com a aplicação retroactiva da nova decisão e pode, na prática, beneficiar do seu conteúdo.

28 A aplicação retroactiva da sexta decisão, como já indiquei anteriormente, resulta do n._ 1 do artigo 240._ Tal preceito - cuja dupla finalidade era fazer coincidir a data de entrada em vigor da nova decisão com a data em que teoricamente a decisão anterior deixaria de vigorar, e alinhar a duração da sua vigência com a da nova decisão relativa aos Estados ACP - determinava que a decisão entraria em vigor em 1 de Março de 1990, data muito anterior à da sua publicação.

29 A retroactividade da sexta decisão é, portanto, incontestável. Muito diferente é a questão de saber se a coexistência dos artigos 240._ e 241._, nos termos em que estão redigidos, constituirá um exemplo de boa técnica legislativa e não suscitará problemas evidentes de direito transitório. Mas a qualidade ou a boa técnica legislativa não são condições de validade das normas.

30 Como a importação que é objecto do processo principal se realizou em Junho de 1991, fica abrangida pela aplicação retroactiva da sexta decisão. Se esta aplicação retroactiva tivesse consequências prejudiciais para os operadores económicos, no que se refere às suas relações tributárias já liquidadas nas administrações respectivas, não tenho dúvidas de que seria contrária ao direito comunitário. Esses operadores poderiam alegar, com êxito, a violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça fixa como limites tradicionais à retroactividade das normas.

31 Todavia, na medida em que a nova decisão favoreça os seus destinatários, melhorando a sua posição jurídica, não vejo razões suficientes para invalidar a aplicação retroactiva estabelecida pelo legislador comunitário.

32 Em suma, os argumentos da Road Air BV contra a retroactividade da sexta decisão não me convencem, já que se inspiram mais em considerações de ordem geral (falta de fundamentação, violação da confiança legítima e da segurança jurídica) do que na sua efectiva incidência no presente caso.

33 Em primeiro lugar, embora a exposição de motivos da sexta decisão seja muito sucinta sobre a sua entrada em vigor (8), considero que é suficiente para se conhecer qual foi a intenção do Conselho ao dotá-la de efeitos retroactivos.

34 Em meu entender, a referida exposição de motivos respeita a exigência de fundamentação constante do artigo 190._ do Tratado, salientada de modo especial pelo Tribunal de Justiça ao decidir sobre a validade de actos ou de normas comunitárias que tenham efeitos retroactivos (9).

35 Em segundo lugar, no que toca aos princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, é certo que poderiam ser postos em causa se a nova norma se aplicasse retroativamente em detrimento dos seus destinatários. Mas quando, pelo contrário, a sua aplicação determina um efeito favorável para estes, como acontece com o reembolso de uma contribuição fiscal anteriormente paga, não vejo de que modo é que seriam postas em causa a confiança legítima ou a segurança jurídica dos sujeitos passivos do imposto.

36 A jurisprudência do Tribunal de Justiça afirmou, a este propósito, que, «embora, em regra geral, o princípio da segurança das situações jurídicas se oponha a que o alcance temporal de um acto comunitário tenha o seu início em data anterior à sua publicação, pode assim não ser, a título excepcional, quando a finalidade a atingir o exigir e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., por último, o acórdão de 11 de Julho de 1991, Crispoltoni, C-368/89, Colect., p. I-3695, n._ 17)» (10).

37 O respeito da confiança legítima dos interessados constitui, na realidade, um meio de protecção das situações jurídicas por eles consolidadas, que impede que eles sejam surpreendidos a posteriori por medidas administrativas cujos efeitos negativos piorem a sua situação anterior, constituída em conformidade com a norma então vigente.

38 O problema que a aplicação retroactiva da sexta decisão suscita não é, portanto, de princípio, mas sim de possibilidades práticas: a Road Air BV pode confirmar, a posteriori, que, em Junho de 1991, reunia os requisitos, materiais e formais, exigidos pelo n._ 2 do artigo 101._ da sexta decisão, para beneficiar da importação com isenção de direitos aduaneiros?

39 Quanto aos requisitos substanciais previstos naquela disposição, não creio que a questão levante dificuldades: bastaria provar que a essência de café proveniente da Colômbia tinha pago, à entrada nas Antilhas Neerlandesas, direitos aduaneiros de montante igual ou superior aos que são aplicáveis na Comunidade (11).

40 Na audiência, a Road Air BV afirmou, no entanto, que os direitos aduaneiros pagos quando importou a essência de café nas Antilhas Neerlandesas eram inferiores aos que resultariam da aplicação da pauta aduaneira comum. Se assim for - e cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificá-lo -, a aplicação retroactiva da sexta decisão não resolve totalmente o problema, visto que uma parte da dívida aduaneira já paga continuaria a ser exigível.

41 Pelo contrário, se se conseguisse demonstrar que os direitos aduaneiros pagos nas Antilhas Neerlandesas equivalem aos - ou ultrapassam os - que resultam da pauta aduaneira comum, a aplicação da sexta decisão resolve o problema, tornando desnecessárias considerações suplementares sobre a interpretação do Tratado.

42 Quanto ao requisito formal de os produtos serem acompanhados de um «certificado de exportação» (último travessão do n._ 2 do artigo 101._ da sexta decisão), a Road Air BV afirma que, agora, dificilmente o poderia obter das autoridades das Antilhas Neerlandesas, dado o tempo que entretanto decorreu. Ainda que o conseguisse, tendo em conta a natureza meramente acessória deste requisito e o facto de as autoridades neerlandesas terem aceite, sem reservas, que se tratava de café exportado daquele território, a omissão do certificado de exportação não poderia, no presente caso, constituir um obstáculo ao reembolso dos direitos aduaneiros já cobrados (12).

43 Em resumo, considero que a resposta do Tribunal de Justiça ao órgão jurisdicional de reenvio deveria indicar-lhe que a Decisão 91/482 é aplicável retroactivamente à importação que é objecto do litígio no processo principal, na medida em que favorece a empresa autora, permitindo-lhe obter a restituição de todos os direitos aduaneiros já pagos ou de parte deles.

44 Se, pelo contrário, o Tribunal de Justiça não admitisse a validade do n._ 1 do artigo 240._ da Decisão 91/482, negasse a sua aplicação aos factos que são objecto da causa principal, ou o resultado dessa aplicação não permitisse a devolução integral dos direitos aduaneiros pagos à entrada do produto na Comunidade, seria necessário analisar a questão prejudicial nos termos em que foi apresentada. É o que farei a seguir.

As trocas comerciais entre a Comunidade e os PTU

45 A tese da autora começa com uma consideração preliminar: as Antilhas Neerlandesas são parte do Reino dos Países Baixos, enquanto Estado-Membro, não podendo ser equiparadas a um país terceiro, visto que o seu regime de associação é de tipo constitucional e não meramente contratual, como acontece com os países terceiros.

46 Partindo desta premissa, a Road Air BV defende que o Tratado impede a cobrança de direitos aduaneiros sobre a importação, na Comunidade, das mercadorias que se encontrem em livre prática num PTU. As normas que regem as trocas comerciais intracomunitárias são plenamente aplicáveis às importações, na Comunidade, tanto de produtos originários do referido PTU como de um país terceiro, pois a sua origem é irrelevante.

47 O facto de as Antilhas Neerlandesas serem parte do Reino dos Países Baixos não implica que o Tratado lhes seja automaticamente e necessariamente aplicável. De facto, em virtude do Protocolo relativo à aplicação do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia às partes não europeias do Reino dos Países Baixos, o Governo neerlandês tinha a faculdade - que utilizou - de apenas ratificar o Tratado relativamente ao território dos Países Baixos situado na Europa e à Nova Guiné neerlandesa, com exclusão, portanto, das Antilhas Neerlandesas.

48 Esta situação durou até 1964, ano em que foi necessário aprovar uma Convenção específica que alterou o Tratado CEE, a fim de permitir a aplicação às Antilhas Neerlandesas do regime especial de associação definido na parte IV do referido Tratado (13).

49 Isto põe em evidência que a aplicação do Tratado às Antilhas Neerlandesas não deriva tanto da circunstância de pertencer ao Reino dos Países Baixos como da aplicação de uma convenção específica que, por sua vez, remete para a parte IV daquele Tratado. São, pois, as normas desta parte IV que determinam a situação jurídica que deve ser tomada em consideração.

50 Quanto à natureza da associação dos PTU à Comunidade, que é qualificada de constitucional pela Road Air BV, basta dizer que a autora aceita que se trata de um regime de associação sui generis, cujos contornos específicos não podem, por conseguinte, ser equiparados aos esquemas clássicos de uma união aduaneira nem de uma zona de comércio livre.

51 Em síntese, quer os PTU sejam parte integrante dos Estados-Membros, quer o seu regime de associação possa ser qualificado de uma maneira ou de outra, trata-se de premissas cuja incidência no caso vertente é mínima, pois a única coisa que é relevante, para este efeito, é saber em que medida cada uma das disposições do Tratado CEE se lhes pode aplicar, dado o conteúdo dos seus artigos 131._ a 136._

52 A resposta geral que foi dada a esta questão pelo Tribunal de Justiça encontra-se no acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, Leplat: «Esta associação [dos PTU à Comunidade] é objecto de um regime definido na parte IV do Tratado (artigos 131._ a 136._), de forma que as disposições gerais do Tratado não são aplicáveis aos PTU sem uma referência expressa» (14).

53 A associação dos PTU à Comunidade implica, portanto, que não se lhes aplica directa e automaticamente todo o direito comunitário (15), quer seja originário ou derivado: pelo contrário, deve analisar-se em cada caso, à luz dos artigos 131._ a 136._ do Tratado CE, quais as disposições comunitárias que lhes são aplicáveis e em que medida o são.

54 As trocas comerciais dos Estados-Membros com os PTU devem sujeitar-se, em princípio, ao mesmo regime geral que o Tratado prevê para o comércio intracomunitário (n._ 1 do artigo 132._).

55 O artigo 132._ enuncia uma série de «objectivos», entre os quais figura a referida equiparação das trocas comerciais. Em meu entender, a argumentação da Road Air BV não é convincente, quando defende que o termo «objectivos», aplicado no n._ 1 do artigo 132._, é fruto de um erro de redacção.

56 A Road Air BV tenta apoiar-se, para este efeito, na leitura do n._ 19 do acórdão Leplat, já referido, segundo o qual, «... para respeitar a obrigação enunciada no artigo 132._, n._ 1, a referência aos direitos aduaneiros contida no artigo 133._, n._ 1, tem de abranger os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros». Segundo a autora, ao utilizar o termo «obrigação», o Tribunal de Justiça negou que o n._ 1 do artigo 132._ constituísse um mero objectivo.

57 Este argumento não toma suficientemente em consideração que, no mesmo n._ 19 do acórdão Leplat, poucas linhas antes, o Tribunal de Justiça tinha afirmado expressamente: «Esta disposição [o n._ 1 do artigo 133._ do Tratado] constitui uma concretização do objectivo enunciado no artigo 132._, n._ 1, que estabelece que os Estados-Membros aplicarão às suas trocas comerciais com os PTU o mesmo regime que aplicam entre si por força do Tratado» (16).

58 Pela minha parte, não encontro qualquer dificuldade em conciliar ambas as afirmações: o objectivo final implica, para a Comunidade, uma certa obrigação de resultado. Esta, todavia, não tem carácter absoluto e incondicional, antes é modulável dos pontos de vista substantivo e temporal: assim o dispõe o próprio Tratado nos artigos 133._ e 136._

59 Do ponto de vista substantivo, o Tratado limita o desmantelamento pautal da Comunidade, isto é, a eliminação absoluta dos direitos aduaneiros comunitários, a determinadas importações de mercadorias exportadas dos PTU (n._ 1 do artigo 133._), sobre cujos contornos me deterei mais adiante.

60 Do ponto de vista temporal, as inflexões introduzidas pelo Tratado são de duas ordens:

a) as referidas importações beneficiam da eliminação de direitos aduaneiros entre os Estados-Membros, levada a cabo progressivamente, de acordo com as disposições do presente Tratado (n._ 1 do artigo 133._);

b) o Conselho deve decidir, após um primeiro período transitório, qual o conteúdo posterior do regime de associação dos PTU (artigo 136._).

61 Tentarei analisar mais detidamente ambos estes aspectos.

i) Os aspectos substantivos

62 O n._ 1 do artigo 133._ apresenta um primeiro problema linguístico: refere-se a todo o tipo de importações realizadas dos PTU para a Comunidade (isto é, tanto de produtos originários dos PTU como de produtos que, sendo originários de países terceiros, se encontram em livre prática nos PTU), ou tão-só às importações de mercadorias originárias dos PTU?

63 As diferentes versões linguísticas do mesmo preceito podem dividir-se em três grupos:

a) as que não contêm nenhuma referência à origem das mercadorias, mas apenas às importações: assim, a versão francesa («importations originaires des pays et territoires»), a italiana («le importazioni originarie dei paesi e territori»), a portuguesa («as importações originárias dos países e territórios»);

b) as que se referem de modo expresso aos bens que são objecto das referidas importações, que devem ser «originários» dos PTU: entre elas, a versão inglesa («imports of goods originating in the countries and territories»), a espanhola («importaciones de mercancías originarias de los países y territorios»);

c) as outras versões que, como a neerlandesa («goederen van oorsprong uit de Landen en gebieden») ou a alemã («Einfuhr von Waren aus den Laendern und Hoheitsgebieten»), se referem aos produtos importados, mas não lhes acrescentam nenhum qualificativo.

64 A escolha de uma ou outra versão linguística tem consequências jurídicas bastante diferentes. Se se trata de «mercadorias originárias», o alcance do artigo 133._ do Tratado limitar-se-ia aos bens cuja produção, em sentido económico, teve lugar nos PTU. A expressão não incluiria, portanto, os produtos cujas conexões com os PTU são meramente acidentais, como acontece com os produtos comercializados nos PTU, mas que são originários de países terceiros (17).

65 Pelo contrário, se o artigo 133._ determinasse a eliminação dos direitos aduaneiros para todas as importações «originárias» dos PTU, o seu alcance abrangeria também os produtos que se encontrassem em livre prática nesses PTU. A expressão «importações originárias de...» seria equivalente à expressão «importações provenientes de...», utilizada no n._ 5 deste mesmo artigo 133._: ambas abrangem, indistintamente, toda e qualquer categoria de produtos importados.

66 Perante as divergências linguísticas, deve recorrer-se, como critérios de interpretação, ao contexto normativo em que se insere o artigo 133._, assim como ao sentido interno e à finalidade desse preceito.

67 Uma consideração inicial reforçaria, à primeira vista, a interpretação mais restritiva, que tem por efeito limitar a eliminação dos direitos aduaneiros comunitários unicamente às importações de produtos originários dos PTU. Admitir o contrário, isto é, que qualquer produto originário de qualquer país terceiro estaria isento do pagamento dos direitos aduaneiros fixados na pauta aduaneira comum, ao entrar na Comunidade, apenas pelo facto de o seu último ponto de comercialização ter sido num dos PTU, poderia favorecer a fraude à lei e ocasionar desvios artificiais das trocas comerciais.

68 Poucas dúvidas há, com efeito, de que a pauta aduaneira comum poderia ser facilmente iludida se se introduzissem, na Comunidade, as mercadorias dela constantes através dos PTU cujo nível de direitos aduaneiros fosse menos elevado ou até inexistente. As empresas exportadoras de países terceiros seriam tentadas a introduzir os seus produtos na Comunidade através dos PTU, sem necessidade de pagarem os direitos constantes da pauta aduaneira comum.

69 No entanto, a referência ao contexto normativo em que se situa o artigo 133._ revela que a referida hipótese é, precisamente, aquela que está contemplada no artigo 134._ e a cujos efeitos - se eles chegarem a produzir-se - este tenta dar remédio.

70 Com efeito, o artigo 134._ do Tratado prevê a situação de os direitos aduaneiros aplicáveis à importação num PTU de mercadorias provenientes de um país terceiro serem de um nível tal que, tendo em conta o disposto no n._ 1 do artigo 133._, possam provocar desvios de tráfego comercial em prejuízo de qualquer Estado-Membro. Em tal caso, este «pode pedir à Comissão que proponha aos outros Estados-Membros as medidas necessárias para sanarem tal situação».

71 A previsão do artigo 134._ não faria sentido se o n._ 1 do artigo 133._ - ao qual faz expressamente alusão - se referisse apenas aos produtos originários dos PTU: estes produtos, por definição, não estão sujeitos a direitos aduaneiros nos PTU e, por conseguinte, nunca poderiam ser afectados pela expressão condicional empregue na frase inicial do artigo 134._ («Se o nível dos direitos aplicáveis às mercadorias provenientes de um país terceiro, ao entrarem num país ou território...»).

72 Por outras palavras, como o Tratado estabeleceu no artigo 134._ uma cláusula de salvaguarda específica para o caso de a aplicação normal do n._ 1 do artigo 133._ provocar «desvios de tráfego em prejuízo de qualquer Estado-Membro», o argumento a contrario revela que o n._ 1 do artigo 133._ se deve aplicar também às importações comunitárias, provenientes dos PTU, dos produtos originários de países terceiros que já pagaram um determinado direito aduaneiro à entrada no PTU, do qual são reexportados para a Comunidade.

73 Na audiência, tanto o Conselho como a Comissão e o Governo neerlandês deram uma explicação alternativa para o artigo 134._: tratar-se-ia de um preceito aplicável unicamente à situação inicial surgida após a assinatura do Tratado CEE, mas que se tornou obsoleto - e, por conseguinte, supérfluo -, uma vez ultrapassado o período transitório, a partir do momento em que foram estabelecidas as regras comuns de origem das mercadorias e a pauta aduaneira comum.

74 Tal argumentação não me parece convincente. Em meu entender, não há nada no artigo 134._ que faça supor que se trata de uma norma com uma vigência temporal limitada a um período transitório. Os redactores do Tratado CEE, sempre que quiseram sublinhar o carácter provisório de uma disposição, fizeram-no de modo expresso. Na falta desta referência, e se o próprio teor da disposição não contiver elementos temporais, não vejo motivos para limitar a sua aplicação a um determinado período.

75 A interpretação do artigo 134._ que ora advogo não implica, todavia, que o n._ 1 do artigo 133._ do Tratado tenha uma eficácia imediata e incondicional. Por um lado, o artigo 132._ do Tratado qualifica como «objectivo» a aplicação do regime comercial comunitário (isto é, daquele que os Estados-Membros se atribuem reciprocamente) às trocas comerciais entre a Comunidade e os PTU. Por outro lado, na prossecução desse objectivo, o Conselho goza de um certo poder de apreciação que lhe permite proceder à sua aplicação gradual. É a ele que me vou referir seguidamente.

ii) Os aspectos temporais

76 O artigo 136._ do Tratado determina que, após os cinco anos de vigência de uma primeira convenção de aplicação (que estabeleceu as modalidades e o procedimento a seguir para a associação dos PTU à Comunidade), o Conselho, «deliberando por unanimidade, aprovará as disposições a prever para um novo período, com base nos resultados conseguidos e nos princípios enunciados no presente Tratado».

77 Assim redigido, o preceito suscita, pelo menos, dois problemas com repercussões no presente caso:

a) o «novo período» para o qual o Conselho deve legislar é um período único ou, pelo contrário, é susceptível de desenvolvimentos graduais?

b) que grau de conexão com os «princípios enunciados no presente Tratado» terão as «disposições a prever» ulteriormente?

78 As várias decisões PTU, adoptadas sucessivamente pelo Conselho a partir de 1964, que declaram ter como base jurídica o artigo 136._ do Tratado (18), partem do pressuposto implícito de que este artigo permite uma aplicação temporal progressiva, de modo que o «novo período» tanto podia ser fixado de uma só vez como por meio de diversas decisões.

79 A tese da Road Air BV, porém, opõe-se a esta interpretação do Conselho: em seu entender, o período previsto no artigo 136._ é único, de modo que, no termo da primeira decisão, adoptada após o termo da vigência da convenção de aplicação anexa ao Tratado, o Conselho já não podia, juridicamente, adoptar nenhuma outra decisão semelhante.

80 Reconhecendo, embora, que a tese da Road Air BV tem um certo fundamento, considero que a lógica do sistema e o sentido interno do preceito apoiam, antes, a posição contrária. Esta última pode, à primeira vista, parecer forçada, tendo em conta o teor literal do segundo parágrafo do artigo 136._, mas uma análise mais atenta deste preceito leva, segundo creio, a advogá-la.

81 Com efeito, o artigo 136._ não fixa nenhum limite temporal à habilitação que confere ao Conselho. Diferentemente do período de cinco anos estabelecido para a convenção de aplicação inicial, as disposições posteriores não estão sujeitas a prazos. O Tratado, portanto, permite ao Conselho uma ampla margem de manobra, sem quaisquer restrições temporais.

82 Para o exercício de tais poderes, o Conselho tinha duas possibilidades: fixar um período único, muito prolongado no tempo, ou legislar por períodos mais reduzidos, mas consecutivos, cujos efeitos temporais, na realidade, viessem a coincidir com os efeitos do período único mais longo. Se o Conselho estivesse autorizado - como efectivamente estava - a adoptar a primeira alternativa, estava do mesmo modo habilitado a optar pela segunda.

83 A lógica do sistema conduz à mesma conclusão: o processo de associação dos PTU à Comunidade é forçosamente um processo dinâmico que exige, em cada momento, não só o impulso político mas também que se tomem em consideração as circunstâncias objectivas de todos os PTU. O Tratado não quis encerrar este processo no termo da primeira convenção de aplicação, antes autorizou o Conselho a introduzir as disposições adequadas, com base nos resultados conseguidos, e tudo isto sem lhe fixar quaisquer limites temporais de actuação.

84 Quanto ao resto, o Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos relativos às diversas decisões PTU, também não considerou que o Conselho, ao aprová-las, tivesse ultrapassado as atribuições que lhe confere o artigo 136._ do Tratado. Pelo contrário, reconheceu a conexão existente entre este artigo e aquelas decisões.

85 Assim, no n._ 11 do acórdão Leplat, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou: «O segundo parágrafo do mesmo artigo [136._] prevê que, antes do termo da vigência da convenção de aplicação, o Conselho aprovará as disposições a prever para um novo período, com base nos resultados conseguidos e nos princípios enunciados no Tratado. Com efeito, em execução desta disposição, o Conselho adoptou um determinado número de decisões, a primeira das quais foi a Decisão 64/349/CEE ..., sendo a que se encontrava em vigor na altura dos factos a Decisão 86/283...» (19).

86 Do mesmo modo, no acórdão de 26 de Outubro de 1994, Países Baixos/Comissão (20), ao referir-se a outra das decisões PTU, o Tribunal de Justiça afirmou: «Com base no artigo 136._ do Tratado CEE, o Conselho adoptou..., em 25 de Julho de 1991, a Decisão 91/482/CEE, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia...»

87 É certo que, nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça não se pronunciou directamente sobre o problema da validade das decisões PTU, que não lhe havia sido colocado, e considerou a validade um dado adquirido. Mas também é certo que o Tribunal de Justiça não teria deixado de assinalar uma anomalia tão grave como um excesso de poder do Conselho, mantida ao longo de mais de vinte anos em que foram adoptadas as sucessivas decisões PTU.

88 Em resumo, mesmo admitindo que a tese da Road Air BV sobre este ponto tem um certo peso, não encontro motivos suficientes para negar ao Conselho a capacidade de fraccionar o «período» de tempo a que se refere o artigo 136._ do Tratado. A validade das sucessivas decisões adoptadas a este respeito pelo Conselho não é afectada, por conseguinte, pelo excesso de poder que a Road Air BV lhe imputa.

89 O segundo problema que a sequência temporal das decisões suscita é o do seu conteúdo: o Conselho dispunha de uma margem de discricionariedade bastante para fixar o ritmo e as modalidades de execução dos «princípios enunciados no presente Tratado»?

90 A resposta deve ser, em meu entender, afirmativa, visto que o artigo 136._ confia ao Conselho a avaliação dos «resultados conseguidos» como pressuposto das decisões PTU posteriores: estas devem ser adoptadas com base em tais resultados, cuja apreciação pelo Conselho deve incluir necessariamente uma grande dose de discricionariedade.

91 Concretamente, no que diz respeito ao objectivo fixado no n._ 1 do artigo 132._ - do qual decorre o princípio enunciado no n._ 1 do artigo 133._ -, a margem de apreciação do Conselho permitia-lhe, em meu entender, assegurar a sua aplicação gradual, até proceder, finalmente, à eliminação dos direitos aduaneiros sobre as importações, provenientes dos PTU, de produtos originários de países terceiros que já tivessem pago os respectivos direitos aduaneiros à entrada nos PTU.

92 A Road Air BV suscita, neste particular, uma objecção de certa monta: mesmo não tendo o Tratado estabelecido um prazo fixo para alcançar o objectivo fixado no n._ 1 do artigo 132._, o Conselho actuou ilegalmente ao manter, até à sexta decisão - isto é, trinta e três anos depois da instauração do regime previsto no Tratado e vinte e três anos depois da plena entrada em vigor das normas sobre a livre circulação de mercadorias -, um sistema que impõe determinadas exigências que se prendem com a origem dos produtos importados.

93 A crítica da Road Air BV, que nas suas alegações iniciais se dirigia fundamentalmente contra a quinta decisão, também se estendeu, na sua resposta a uma pergunta formulada pelo Tribunal de Justiça, às disposições constantes da sexta decisão. Em seu entender, também estas violam o Tratado (em concreto, o n._ 1 do artigo 132._ e o n._ 1 do artigo 133._) ao onerar determinadas importações provenientes dos PTU com direitos aduaneiros.

94 A objecção, todavia, não me parece convincente.

95 Deve tomar-se em consideração que cada uma das decisões PTU constitui um conjunto normativo homogéneo, cujas diversas partes não podem ser analisadas de modo isolado. Concretamente, a eliminação de direitos aduaneiros deve ser relacionada com outra série de medidas que favorecem, com tanta ou até maior intensidade, o desenvolvimento económico e social dos PTU (21).

96 O Conselho deve, portanto, ter em conta os «resultados conseguidos» no termo da vigência de cada uma das decisões PTU, a fim de que o novo regime permita aproximar-se cada vez mais dos objectivos constantes da parte IV do Tratado. Na medida em que a decisão subsequente, considerada no seu conjunto, constitua um progresso na realização de tais objectivos, ter-se-á alcançado a finalidade dos poderes conferidos ao Conselho no artigo 136._

97 O ritmo dessa realização é facilmente perceptível nas duas decisões eventualmente aplicáveis ao caso vertente: segundo a quinta decisão, só os produtos originários dos PTU podiam ser importados na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros, salvo no caso de certos produtos agrícolas. Pelo contrário, a partir da sexta decisão, a isenção é concedida em termos mais generosos, incluindo não só os referidos produtos agrícolas mas também as mercadorias não originárias dos PTU (com algumas excepções relativas a determinados produtos sensíveis) que aí se encontrem em livre prática e sejam reexportadas para a Comunidade.

98 O acesso das mercadorias provenientes dos PTU ao território aduaneiro comunitário (o qual, obviamente, não abrange as Antilhas Neerlandesas) foi, portanto, objecto de uma progressiva liberalização até se alcançar, em 1991, o objectivo definido no n._ 1 do artigo 133._ Este processo de desmantelamento pautal vai de par com o estabelecimento de outra série de medidas que também favorecem as trocas comerciais com os PTU e contribuem, desse modo, para o seu desenvolvimento económico e social.

99 Não encontro razões jurídicas bastantes para considerar contrário ao Tratado o ritmo de desmantelamento pautal adoptado pelo Conselho através das duas decisões em causa, as quais foram adoptadas no uso de um poder discricionário tão amplo como aquele que o artigo 136._ do Tratado lhe confere. A utilização de qualquer das técnicas jurídicas usuais para fiscalizar o exercício dos poderes discricionários de uma instituição não revela, neste caso, em meu entender, a existência de nenhum dos vícios que poderiam invalidar aquelas decisões.

100 Tudo isto aponta, portanto, para a aplicação, como tais, das normas constantes de uma ou da outra decisão, relativas aos direitos aduaneiros exigíveis à importação, na Comunidade, de mercadorias provenientes de um país terceiro que se encontravam em livre prática nas Antilhas Neerlandesas.

101 Na medida em que a sexta decisão seja aplicada retroactivamente e isso determine a restituição à Road Air BV dos direitos aduaneiros pagos à entrada do produto na Comunidade, a maior parte das suas alegações contra a exigência dos referidos direitos aduaneiros deixa de ter fundamento: desapareceria, pura e simplesmente, o pressuposto de facto do encargo, visto que se trataria de uma importação não onerada na Comunidade.

102 Se, pelo contrário, isso não pudesse ser assim ou se o Tribunal de Justiça considerasse que a sexta decisão não se pode aplicar apesar da sua retroactividade, a resposta ao órgão jurisdicional de reenvio deveria, em meu entender, corroborar a validade das disposições da quinta decisão, em aplicação das quais foram cobrados os direitos aduaneiros sobre a importação que é objecto do processo principal.

Conclusão

103 Sugiro, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial colocada pela Tariefcommissie, nos seguintes termos:

«1) A Decisão 91/482/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1991, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia, é aplicável retroactivamente à importação que é objecto do processo principal, na medida em que favorece a empresa autora, permitindo-lhe obter a restituição da totalidade ou de parte dos direitos aduaneiros pagos.

2) Em todo o caso, os preceitos constantes da parte IV do Tratado CEE, em especial os artigos 132._, 133._, 134._ e 136._, não impediam, na data a que se refere o processo principal, a cobrança de direitos aduaneiros sobre a importação, na Comunidade, de mercadorias originárias de um país terceiro que se encontrassem em livre prática nas Antilhas Neerlandesas. O regime jurídico de tais direitos está regulado na Decisão 91/482 ou na Decisão 86/283/CEE do Conselho, de 30 de Junho de 1986, cuja aplicação correcta não viola os artigos supra-referidos do Tratado CE.»

(1) - Tal como foi alterado pelo n._ 2 do artigo G do Tratado da União Europeia.

(2) - Trata-se das Decisões do Conselho 64/349/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964 (JO 1964, 93, p. 1472); 70/549/CEE, de 29 de Setembro de 1970 (JO L 282, p. 83); 76/568/CEE, de 29 de Junho de 1976 (JO L 176, p. 8); e 80/1186/CEE, de 16 de Dezembro de 1980 (JO L 361, p. 1; EE 11 F14 p. 3). A seguir, referir-me-ei a elas como «decisões PTU».

(3) - JO L 175, p. 1.

(4) - Trata-se das Decisões do Conselho 90/146/CEE, de 5 de Março de 1990 (JO L 84, p. 108); 91/110/CEE, de 27 de Fevereiro de 1991 (JO L 58, p. 27), adoptada «enquanto se aguarda uma nova decisão do Conselho» sobre a associação dos PTU; e 91/312/CEE, de 28 de Junho de 1991 (JO L 170, p. 13).

(5) - JO L 263, p. 1. Errata no JO 1991, L 331, p. 23.

(6) - Os problemas de retroactividade que este preceito suscita serão analisados posteriormente.

(7) - Ainda assim, o n._ 2 do artigo 77._ prevê determinadas excepções para certos produtos.

(8) - Um dos considerandos da exposição de motivos afirma: «... é conveniente, tendo em conta as numerosas similitudes entre os PTU e numerosos Estados ACP e sem desrespeitar as diferenças de estatuto entre estes países, estabelecer as disposições relativas aos PTU para um período idêntico ao dos Estados ACP».

(9) - V. o acórdão de 1 de Abril de 1993, Diversinte e Iberlacta (C-260/91 e C-261/91, Colect., p. I-1885, n._ 10).

(10) - Acórdão Diversinte e Iberlacta (já referido, n._ 9).

(11) - A essência de café, segundo afirma a Comissão, não consta do elenco dos produtos excluídos da aplicação do n._ 2 do artigo 101._

(12) - O Tribunal de Justiça, no acórdão de 7 de Dezembro de 1993, Huygen e o. (C-12/92, Colect., p. I-6381), mostrou-se flexível no que se refere à apresentação, a posteriori, de certificados de importação, quando as autoridades do Estado a quem competia emiti-los não os tivessem passado em devido tempo. Segundo este acórdão (n.os 22 e 35), o facto de as autoridades aduaneiras do Estado de exportação não estarem em condições de comprovar a exactidão da origem de uma mercadoria constitui, em princípio, uma circunstância anormal, imprevisível e alheia ao importador: este tem a faculdade de invocar, conforme as circunstâncias, como motivo de força maior, o facto de as autoridades aduaneiras do Estado de exportação não poderem, em virtude da sua própria negligência, determinar a exactidão da origem de uma mercadoria no âmbito de um controlo a posteriori.

(13) - JO 1964, 150, p. 2414.

(14) - C-260/90, Colect., p. I-643, n._ 10.

(15) - O Tribunal de Justiça, no n._ 62 do Parecer 1/78, de 4 de Outubro de 1979 (Recueil, p. 2871), e no n._ 17 do Parecer 1/94, de 15 de Novembro de 1994 (Colect., p. I-5267), ao referir-se aos PTU, afirma que se trata de países e territórios que dependem dos Estados-Membros, mas que não fazem parte da área de aplicação do direito comunitário.

(16) - Sublinhado meu.

(17) - Esta interpretação do adjectivo «originárias» é aquela que as sucessivas decisões do Conselho, adoptadas em aplicação do artigo 136._ do Tratado, têm retomado de forma constante. É, por exemplo, a que prevalece na quinta decisão, cujo anexo II, ao qual se refere o artigo 77._, considera como produtos originários dos PTU os que forem inteiramente obtidos num ou mais PTU ou os que tenham sido objecto de complementos de fabrico ou de transformações suficientes nos PTU.

(18) - Assim, por exemplo, a Decisão 91/482 começa a sua exposição de motivos afirmando: «Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e, nomeadamente, o seu artigo 136._...»

(19) - Sublinhado meu.

(20) - C-430/92, Colect., p. I-5197, n._ 2.

(21) - Assim, por exemplo, a sexta decisão PTU melhora de maneira notável a cooperação financeira da Comunidade com os PTU (aumento de 40% dos fundos de desenvolvimento), permite que os PTU introduzam normas destinadas a promover ou apoiar o emprego local, instaura um sistema de cooperação descentralizado, acentua a promoção das empresas e o respeito do meio ambiente, além de introduzir inovações, no sentido antes referido, no regime das trocas comerciais.