CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GCRAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 29 de Abril de 1997 ( *1 )

1. 

No presente processo, o Bundesgerichtshof (Alemanha) coloca a questão da interpretação da noção de «confusão» entre marcas, na acepção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da primeira directiva do Conselho que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (a seguir «directiva sobre as marcas» ou simplesmente «directiva») ( 1 ).É a primeira vez que se pede ao Tribunal de Justiça que interprete essa noção na acepção da directiva ( 2 ), embora já tenha anteriormente examinado a questão da confusão de maneira limitada à luz dos artigos 30.o e 36.o do Tratado ( 3 ).

Matéria de facto e processo nacional

2.

O titular neerlandês da marca IR 540894, SABEL BV (a seguir «SABEL»), solicitou o seu registo na República Federal da Alemanha ( 4 ).

3.

A marca em causa compreende um felino malhado selvagem, aparentemente — a julgar pelo seu aspecto — um leopardo, a saltar (ou seja, a correr) para o lado direito, com o nome SABEL escrito por baixo:

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A SABEL pediu o registo desta marca para os produtos pertencentes às categorias seguintes:

«14

Artigos de joalharia, incluindo brincos, correntes, alfinetes de peito e alfinetes.

18

Cabedal e imitações de cabedal, produtos deles derivados não abrangidos em outras categorias; malas e malas de mão.

25

Vestuário, incluindo do tipo collants, peúgas e meias, cintos, lenços do pescoço, gravatas e suspensórios; calçado; chapéus.

26

Acessórios de moda não abrangidos em outras categorias, tais como passamanaria, travessões para o cabelo, pinças para o cabelo, ganchos do cabelo, e outros adornos para o cabelo.»

4.

A Puma Aktiengesellschaft Rudolf Dassler Sport (a seguir «Puma»), titular de duas marcas figurativas anteriores fez oposição à marca registada pela SABEL. A sua marca n.o1106066 é igualmente uma representação figurativa de um felino selvagem a saltar para a direita, mas, contrariamente à marca da SABEL, o animal é uma silhueta e é sem dúvida mais um puma do que um leopardo; referir-me-ei a ela como «marca do puma a saltar».

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Esta marca está registada, designadamente, para o cabedal e as imitações de cabedal, os produtos deles derivados (malas), bem como para o vestuário.

5.

A outra marca de Puma, n.o1093901, também é uma representação figurativa de um felino selvagem, mas que está a pular mais do que a saltar, para a esquerda e não para a direita. Trata-se igualmente de uma silhueta e sem dúvida de novo de um puma; referir-me-ei a ela como «marca do puma a pular». Está registada, designadamente, para os artigos de joalharia e para as jóias.

Image

6.

A secção de exame para os produtos da categoria 18 RI do Deutsches Patentamt considerou que não havia semelhança, para efeitos do direito das marcas, entre a marca da SABEL e as marcas da Puma e rejeitou a oposição da Puma. A Puma interpôs recurso para o Bundespatentgericht, o qual foi indeferido na parte que se referia à marca do puma a pular e parcialmente atendido no que toca à marca do puma a saltar. O Bundespatentgericht considerou que havia semelhança, para efeitos do direito das marcas, entre a marca da SABEL e a marca do puma a saltar no que diz respeito aos produtos reclamados das categorias 18 e 25, que considerou idênticos ou análogos aos produtos para os quais a marca do puma a saltar tinha sido registada. A SABEL interpôs recurso para o Bundesgerichtshof contra este indeferimento parcial da protecção da sua marca na República Federal da Alemanha.

7.

A directiva foi transposta na Alemanha pela Gesetz über den Schutz von Marken und sonstigen Kennzeichen (lei de protecção das marcas c de outros sinais distintivos), de 25 de Outubro de 1994, que entrou em vigor cm 1 de Janeiro de 1995 ( 5 ). O § 9, n.o 1, ponto 2, da lei alemã está formulado de maneira muito semelhante ao artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da directiva: determina que a protecção da marca pode ser recusada na Alemanha se, devido à semelhança com a marca anterior c devido à identidade ou semelhança dos produtos tidos em vista pelas duas marcas, existir um risco de confusão que compreenda um risco de associação com a marca anterior. [A lei alemã, tal como a versão alemã da directiva, fala de um «risco» de confusão, enquanto a versão inglesa da directiva fala de uma «probabilidade» («likelihood») de confusão].

8.

O Bundesgerichtshof considera que não há risco de confusão, para efeitos do direito das marcas, entre o sinal da SABEL c qualquer uma das marcas da Puma. Explica os princípios que aplicou para chegar a esta conclusão, os quais são essencialmente os seguintes.

Impressão geral de conjunto

9.

O Bundesgerichtshof considera que o órgão jurisdicional se deve basear na impressão geral de conjunto causada pelos sinais em questão; não é, por conseguinte, permitido isolar um elemento do sinal impugnado c declarar a sua semelhança com o sinal do requerente, embora se possa reconhecer a um elemento individual de um sinal um «carácter distintivo» especial, próprio do sinal no seu todo.

10.

Após ter analisado a fundamentação do Bundespatentgericht, o Bundesgerichtshof conclui que o Bundespatentgericht não pode ser criticado por ter salientado a importância do desenho na marca da SABEL e por ter atribuído um carácter assaz secundário ao elemento textual da marca SABEL.

Carácter distintivo

11.

Um segundo princípio adoptado pelo Bundesgerichtshof é o do «carácter distintivo» do sinal protegido. Um sinal pode ter um determinado «carácter distintivo» quer intrinsecamente (o que se tem cm vista presumivelmente é a originalidade das denominações inventadas), quer cm razão da sua reputação comercial. Segundo o Bundesgerichtshof, o risco de confusão ć tanto maior quanto mais importante for o carácter distintivo do sinal; não pode deduzir-se da notoriedade de um sinal que sinais diferentes possam distinguir-se entre si mais facilmente. No entanto, o Bundesgerichtshof salienta que a questão de saber se um sinal anterior tem um caracter distintivo especial se não coloca no presente caso, porque não foi aduzido qualquer argumento a este respeito. Com isto sugere presumivelmente que ninguém sustentou que a marca do puma a saltar beneficia de uma notoriedade especial ou que o puma a saltar é uma imagem inventada.

Sinais descritivos

12.

Finalmente, o Bundesgerichtshof entende que devem ser fixadas condições estritas no que toca ao risco de confusão, para efeitos relevantes do direito das marcas, quando os componentes de um sinal tiverem um caracter essencialmente descritivo e o seu conteúdo for pouco imaginativo. Faz notar que este princípio se aplica não só aos elementos textuais mas também às representações da natureza e que o Bundesgerichtshof salientou muitas vezes que o público, perante um sinal com um significado muito genérico, não está disposto, em geral, a tomar em conta esse significado como constituindo uma indicação da sua origem comercial.

13.

O Bundesgerichtshof faz notar que a representação gráfica do felino a saltar é um motivo extraído da natureza e que reproduz o movimento típico desses animais. Considera que as características específicas da representação do felino a saltar no sinal da Puma, por exemplo, a sua traça em forma de silhueta, cuja repetição poderia constituir semelhança, para efeitos do direito das marcas, não existem na marca SABEL. Conclui que a semelhança de significado entre a componente figurativa da marca SABEL e a da marca Puma, isto é, o «felino a saltar», não pode, por conseguinte, ser invocada como fundamento para haver risco de confusão, para efeitos do direito das marcas.

14.

Como, no entanto, o Bundesgerichtshof considera ser necessário estabelecer uma «interpretação uniforme dos conceitos de semelhança e de risco de confusão», na acepção da directiva, apresentou a seguinte questão «para interpretação do artigo 4o, n.o 1, alínea b)» da directiva:

«Para a existência de risco de confusão de uma marca, composta por palavras e imagens, com outra marca registada apenas como imagem, para mercadorias idênticas e semelhantes, que não é notoriamente conhecida pelo público, basta uma identidade de sentido das duas imagens (no presente caso, felinos selvagens a saltar)?

Que significado tem, para este efeito, o texto da directiva, segundo o qual o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior»?

15.

Foram apresentadas observações pela Puma, pelos Governos francês, neerlandês c do Reino Unido, bem como pela Comissão. Além disso, a SABEL, os Governos belga, francês, luxemburguês c do Reino Unido, bem como a Comissão, estiveram representados na audiência.

As disposições da directiva

16.

A directiva sobre as marcas foi adoptada com base no artigo 100.o-A do Tratado. O seu objectivo não era «proceder a uma aproximação total das legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas», mas simplesmente aproximar as «disposições nacionais que tenham uma incidência mais directa sobre o funcionamento do mercado interno» (terceiro considerando).

17.

Segundo o sexto considerando, a directiva «não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados-Membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à responsabilidade civil ou à defesa dos consumidores».

18.

O décimo considerando afirma:

«Considerando que a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca c o sinal c entre os produtos ou serviços; que a protecção é igualmente válida em caso de semelhança entre a marca c o sinal c entre os produtos ou serviços; que é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; que o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores c nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca c o sinal c entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção; que é do domínio das regras nacionais de processo que a presente directiva não prejudica a questão dos meios pelos quais o risco de confusão pode ser constatado, em especial o ónus da prova.»

19.

O último considerando conclui que «todos os Estados-Membros da Comunidade estão vinculados pela Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial» e «que é necessário que as disposições da presente directiva estejam cm harmonia completa com as da Convenção de Paris». Indica que «as obrigações dos Estados-Membros decorrentes dessa convenção não são afectadas pela presente directiva» e que, «se necessario, é aplicável o segundo parágrafo do artigo 234.o do Tratado».

20.

O artigo 1.o da directiva dispõe que a directiva «é aplicável a todas as marcas de produtos ou de serviços que tenham sido objecto de registo ou de pedido de registo, como marca individual, marca colectiva ou marca de garantia ou de certificação, num Estado-Membro ou no Instituto de Marcas do Benelux ou que tenham sido objecto de um registo internacional com efeitos num Estado-Membro».

21.

O artigo 2o da directiva determina que:

«Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.»

22.

O artigo 4.o, n.o 1, da directiva estabelece que:

«O pedido de registo de uma marca será recusado ou, tendo sido efectuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo:

a)

se a marca for idêntica a uma marca anterior e se os produtos ou serviços para os quais o registo da marca for pedido ou a marca tiver sido registada forem idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca anterior está protegida;

b)

se, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior, e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que as duas marcas se destinam, existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.»

23.

O que deve entender-se por «marcas anteriores» vem definido no artigo 4.o, n.o 2.

24.

O artigo 4.o, n.o 3, dispõe que:

«O pedido de registo de uma marca será igualmente recusado, ou tendo sido efectuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo se a marca for idêntica ou semelhante a uma marca comunitária anterior na acepção do n.o 2 e se se destinar a ser registada, ou tiver sido registada, para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca comunitária anterior foi registada, sempre que a marca comunitária anterior goze de prestígio na Comunidade e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do caracter distintivo ou do prestígio da marca comunitária anterior ou possa prejudicá-los.»

25.

O artigo 4.o, n.o 4, contém uma disposição semelhante relativa às marcas nacionais (por oposição às marcas comunitárias) que gozem de prestígio num Estado-Membro, sendo certo que os Estados-Membros têm a liberdade de apreciar se adoptam ou não tal disposição.

26.

O artigo 5.o especifica os direitos conferidos pela marca:

«1.   A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)

de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)

de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2.   Qualquer Estado-Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado-Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.

....

5.   Os n.os 1 a 4 não afectam as disposições aplicáveis num Estado-Membro relativas à protecção contra o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços, desde que a utilização desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

27.

Há disposições quase idênticas às dos artigos 4.o, n.o 1, e 5.o, n.o 1, no Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (a seguir «regulamento sobre a marca comunitária» ou simplesmente «regulamento») ( 6 ). O objectivo deste regulamento é permitir o registo de uma «marca comunitária» única, que seja válida para toda a Comunidade ( 7 ). Os pedidos devem ser apresentados ao Instituto da Marca Comunitária (a seguir «Instituto») ( 8 ).

28.

O artigo 8.o do regulamento determina que:

«1.   Após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado:

a)

sempre que esta seja idêntica à marca anterior e sempre que os produtos ou serviços para os quais a marca é pedida sejam idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca está protegida;

b)

quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida; o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

...

5.   Após oposição do titular de uma marca anterior na acepção do n.o 2, será igualmente recusado o pedido de registo de uma marca idêntica ou semelhante à marca anterior e, se essa marca se destinar a ser registada para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que, no caso de uma marca comunitária anterior, esta goze de prestígio na Comunidade e, no caso de uma marca nacional anterior, esta goze de prestígio no Estado-Membro cm questão, e sempre que a utilização injustificada e indevida da marca para a qual foi pedido o registo beneficie do caracter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá-los.»

29.

O que deve entender-se por «marcas anteriores» vem definido no artigo 8.o, n.o 2.

30.

O artigo 52.o, n.o 1, determina que uma marca comunitária é declarada nula na sequencia de pedido apresentado ao Instituto ou de um pedido reconvencional numa acção de contrafacção «sempre que exista uma marca anterior, referida no n.o 2 do artigo 8.o, e que se encontrem preenchidas as condições enunciadas no n.o 1 ou no n.o 5 do mesmo artigo».

Jurisprudência anterior

31.

Como indiquei na introdução, o Tribunal de Justiça já examinou previamente a questão da confusão, para efeitos do direito das marcas, à luz dos artigos 30.o e 36.o do Tratado, antes de a directiva sobre as marcas ter entrado cm vigor. Que a confusão entre marcas constitui, cm princípio, um justo motivo de oposição à importação de produtos, foi primeiramente salientado no processo Terrapin ( 9 ) e foi a seguir confirmado nos processos «Hag II» ( 10 ), Deutsche Renault ( 11 ) c IHT Internationale Heiztechnik e Danziger ( 12 ). No processo Deutsche Renault (n.o 30), o Tribunal de Justiça recordou que o objectivo específico do direito das marcas consiste cm proteger o titular da marca contra riscos de confusão susceptíveis de permitir a terceiros que tirem indevidamente partido da reputação dos produtos daquele titular. O Tribunal de Justiça considerou que a determinação dos critérios que permitam concluir pela existência de risco de confusão faz parte das regras de protecção do direito à marca que, na altura dos factos, eram estabelecidas pelo direito nacional, nos termos do segundo período do artigo 36.o, e que o direito comunitário não impõe um critério de interpretação estrita do risco de confusão. Essas observações foram posteriormente reproduzidas no processo IHT Internationale Heiztechnik e Danziger, no qual o Tribunal de Justiça pôs o acento tónico (no n.o 19) no segundo período do artigo 36.o, cm especial na medida em que proíbe que os órgãos jurisdicionais nacionais apreciem a similaridade dos produtos, de modo que haverá uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada no comércio entre os Estados-Membros. Se bem que esses processos tenham sido decididos com base na posição anterior à entrada em vigor da directiva sobre as marcas, podem, como se verá mais adiante, ser úteis para a apreciação do presente processo.

32.

Também foi feita referência às afirmações do Tribunal de Justiça em processos anteriores, no sentido de que a marca serve para garantir a função de origem. A SABEL e o Reino Unido invocam essas afirmações para apoiarem o seu argumento de que a protecção conferida pela marca não pode ir além do necessário para proteger essa função. Parece-me que este argumento tem algum peso. E verdade que o Tribunal de Justiça salientou, de um modo geral, que não pretendia definir o objectivo da protecção concedida pela marca de modo exaustivo. No processo Hoffmann-La Roche ( 13 ), por exemplo, o Tribunal de Justiça esclareceu que a garantia da identidade de origem do produto que é objecto da marca era a função «essencial» da marca. (Este teor reflecte-se no décimo considerando da directiva, que esclarece que o objectivo da protecção conferida pela marca registada consiste «nomeadamente» em garantir a função de origem da marca ( 14 ).) O Tribunal de Justiça, como já indiquei, também acentuou que o «objecto específico» de uma marca consiste, «nomeadamente, em assegurar ao seu titular o direito exclusivo de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado, protegendo-o, assim, contra os concorrentes que pretendessem abusar da posição e da reputação da marca, vendendo produtos que a utilizassem indevidamente» ( 15 ). Além disso, ao reconhecer, no processo Bristol Myers-Squibb e o. ( 16 ), o direito que o titular da marca tem de se opor à reembalagem defeituosa, de má qualidade ou não cuidada, susceptível de prejudicar a sua reputação, o Tribunal de Justiça parece ter admitido que o direito das marcas pode proteger interesses que não sejam o simples direito de garantir que não há confusão quanto à origem de um produto. (Este aspecto vem examinado nas minhas conclusões apresentadas no processo Dior ( 17 ).) Não obstante isso, o acento tónico que é, em geral, colocado pelo Tribunal de Justiça na confusão pode ter a sua importância, mesmo no que toca à interpretação da directiva.

A questão apresentada

33.

O Bundesgerichtshof considera que a dificuldade com que depara neste caso é de saber se a simples associação estabelecida pelo público entre os dois sinais, através da imagem do «felino a saltar», é suficiente para recusar à marca IR 540894 a protecção na República Federal da Alemanha para os produtos idênticos da categoria 18 e os produtos da categoria 25 que o Bundespatentgericht considera semelhantes. Segundo o Bundesgerichtshof, este problema resulta, cm especial, da ambiguidade da terminologia empregada no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da directiva sobre as marcas, por força do qual o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

34.

Começarei, por conseguinte, por tratar da segunda parte da questão do Bundesgerichtshof, que suscita o problema geral da interpretação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da directiva sobre as marcas, na medida em que este artigo se refere à existência, «no espírito do público, de um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior». Isto ajudará a analisar a primeira parte da questão, que consiste, cm suma, cm saber se a existência de uma confusão se pode basear na circunstância de a mesma ideia ser veiculada através de duas marcas figurativas (uma das quais também inclui um texto).

A noção de «associação» segundo o direito do Benelux

35.

Para entender as razões pelas quais esta noção suscitou problemas, é necessário compreender as diferentes posições quanto à protecção das marcas adoptadas pelos países do Benelux, por um lado, c pela maior parte dos outros Estados-Membros, por outro. É cm geral aceite que as referências na directiva ao «risco de associação» se baseiam no direito Benelux. Segundo a lei uniforme do Benelux sobre as marcas ( 18 ) (a seguir «Lei Benelux»), em todos os casos anteriores à aplicação da directiva, o titular de uma marca podia opor-sc a qualquer utilização de uma marca idêntica ou semelhante à sua própria marca registada em relação aos mesmos produtos ou a produtos semelhantes ( 19 ). A semelhança das marcas era portanto suficiente; contrariamente à posição adoptada por outros Estados-Membros, a lei Benelux não exigia um risco de confusão. Também não se referia expressamente a um risco de associação. Esta noção foi introduzida pela Cour Benelux no processo «Union/Union Solcurc» cm 1983 ( 20 ). A Cour Benelux decidiu que havia semelhança entre uma marca e um sinal quando, tendo cm conta as particularidades do caso concreto, nomeadamente o poder distintivo da marca, a marca e o sinal, considerados cm si mesmos c nas suas relações mútuas, apresentarem, no plano auditivo, visual ou conceptual, uma semelhança de molde a estabelecer uma associação entre o sinal c a marca. A Cour Benelux não perfilhou as conclusões apresentadas pelo seu advogado-geral, o qual entendia que devia haver confusão quanto à origem do produto.

36.

Também se não fala de «confusão» na lei Benelux que transpõe a directiva. Um protocolo de2 de Dezembro de 1992 (que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1996) alterou o artigo 13.o-A, n.o 1, da lei Benelux, e prevê que o direito exclusivo à marca permite que o titular se oponha a qualquer utilização comercial da marca ou de um sinal semelhante relativamente aos produtos para os quais a marca está registada ou para produtos semelhantes, quando existir, no espírito do público, um «risco de associação» entre o sinal e a marca.

37.

A diferença entre a lei Benelux e as leis dos outros Estados-Membros talvez não seja, porém, tão grande como se poderia julgar. Com efeito, segundo o Governo do Reino Unido, não há, na prática, senão uma ligeira diferença entre a noção de «associação» Benelux e o conceito de «confusão» utilizado nos outros Estados-Membros, já que este último é interpretado de maneira muito ampla.

38.

É verdade que a noção de «confusão» em Estados-Membros como a Alemanha e a Áustria abrange não só a confusão em sentido estrito, isto é, a crença errónea de que os produtos em causa provêm da mesma empresa, mas também a confusão em sentido amplo, isto é, a crença errônea de que existe um vínculo organizativo ou económico entre as empresas que comercializam os dois produtos. No entanto, não aceito a afirmação do Governo do Reino Unido, segundo a qual há, na prática, uma diferença mínima entre a protecção conferida pela marca no direito Benelux e a que é concedida pelo direito de outros Estados-Membros. Mesmo a confusão em sentido amplo, tal como foi acima definida, implica uma confusão quanto à origem dos produtos. Aparentemente, o direito Benelux vai mais longe do que as legislações sobre as marcas de outros Estados-Membros, porque protege os titulares de uma marca contra a utilização de sinais idênticos ou semelhantes em circunstâncias em que não há absolutamente qualquer confusão, para o consumidor, quanto à origem do produto, fornecendo assim igualmente protecção contra o prejuízo resultante daquilo a que se chama a degradação e diluição da marca. Estas noções estão bem documentadas no processo Claeryn/Klarein submetido pelos Governos neerlandês, belga e luxemburguês à Cour Benelux ( 21 ). Por força do artigo 13.o-A, n.o 1, segundo parágrafo, da lei Benelux, na versão então em vigor, o titular de uma marca podia opor-se a qualquer utilização que, em matéria comercial e indevidamente, fosse dada à marca ou a um sinal semelhante, em condições susceptíveis de causar prejuízo ao titular da marca. O processo dizia respeito à marca «Claeryn», relativa a uma aguardente neerlandesa, e à marca «Klarein», referente a um produto de limpeza líquido, que, ao que parece, se pronunciam ambos da mesma maneira em neerlandês.

39.

Neste processo, a Cour Benelux afirmou que uma das vantagens da marca é a capacidade de estimular o desejo de comprar produtos para os quais a marca foi registada e que essa capacidade pode ser afectada negativamente pela utilização da marca ou de um sinal semelhante para produtos não semelhantes. A Cour Benelux considerou que tal poderia acontecer em duas situações diferentes: quando a diminuição do carácter distintivo da marca implica que ela já não está em condições de suscitar uma associação imediata com os produtos para os quais foi registada e utilizada (hipótese presumivelmente tida cm vista com a noção de «diluição» da marca); ou quando os produtos para os quais a marca contrafactora é utilizada apelam para os sentidos do público de uma maneira tal que a força de atracção da marca é diminuída (hipótese presumivelmente tida cm vista com a noção de «degradação» da marca). Considerando que a semelhança entre as duas marcas poderia levar os consumidores a pensar num produto de limpeza quando bebiam aguardente «Claeryn», o Tribunal julgou que a marca «Klarein» era uma contrafacção da marca «Claeryn», embora tivesse sido considerado que não havia qualquer risco de os consumidores acreditarem que os produtos provêm da mesma empresa ou de empresas aparentadas. Referir-me-ei doravante ao tipo de associação que não provoca qualquer confusão no que respeita à origem como «associação sem qualquer relação com a origem» ( 22 ).

40.

Outro exemplo, citado pelo Governo belga na audiência, ć o processo relativo às marcas «Monopoly» c «Anti-Monopoly» ( 23 ). Neste processo, o Hoge Raad dos Países Baixos permitiu que o titular da marca «Monopoly», jogo que desfruta de uma grande notoriedade, se opusesse à utilização do sinal «Anti-Monopoly» relativamente a um jogo que era, cm contraste deliberado com o Monopoly, anticapitalista. Este caso foi invocado para ilustrar uma situação em que não havia qualquer risco de confusão, já que uma marca era o contrário, ou até a negação, da outra — embora resulte do processo neerlandês que o Hoge Raad considerou, na realidade, com base nas provas disponíveis, que uma parte significativa do público poderia ser levada a confundir as duas marcas ( 24 ).

41.

Parece, por conseguinte, que, nos termos da noção de «associação» que é próprio do direito dos países do Benelux, o titular de uma marca se pode opor à utilização de sinais que «façam recordar» a sua marca, ainda que não exista o risco de o consumidor poder pensar que o produto que tem aposto o sinal concorrente tem qualquer conexão com o titular da marca.

Esboço histórico da negociação da directiva

42.

Os países do Benelux defendem que o objectivo da directiva era o de incluir a sua noção de «associação» no direito comunitário da marca: é isto que eles pretenderam aquando das negociações que precederam a adopção da directiva. Remetem para o desenrolar da negociação da directiva c fundam-se numa declaração que, segundo eles, foi feita para uma das actas não publicadas do Conselho, nos termos da qual «o Conselho e a Comissão fazem notar que o “risco de associação” é uma noção que foi elaborada, em especial, pela jurisprudência dos países do Benelux». Um artigo de dois membros da delegação do Benelux que participaram nas negociações da directiva ( 25 ) descreve as discussões havidas acerca da utilização do termo «associação». Na parte final deste artigo, os autores afirmam:

«Inicialmente, os Países Baixos tinham tentado que o próprio texto do artigo 13.o-A, n.o 1, da Convenção Benelux sobre as Marcas constasse de uma disposição facultativa. Como tal não foi conseguido, houve tentativas para que a noção de “risco de associação”, tal como foi elaborada pela Cour Benelux, fosse aceite como noção alternativa ao “risco de confusão”. Como também não tivesse havido aceitação desta última posição, os países do Benelux, tendo em vista a versão final do preâmbulo e a declaração nas actas do Conselho... e tendo igualmente em vista os resultados já alcançados em outras rubricas, acabaram por aceitar a proposta final de compromisso apresentada pelos outros países relativa ao artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do projecto de directiva: ... “Se... existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior”.»

43.

Este resumo parece estar em conformidade com a explicação relativa à inserção desse termo que foi dada pelos Governos francês e do Reino Unido nas suas observações. Todavia, mesmo que se tome em consideração o desenrolar histórico das negociações e a declaração que consta pretensamente das actas do Conselho, parece-me que as informações assim reveladas têm, no melhor dos casos, carácter ambíguo. No que toca à pretensa declaração, não penso que seja possível fazer fé nela ( 26 ) mas, de qualquer maneira, o conteúdo desta declaração não suscita quaisquer dúvidas. O que está em discussão é saber qual é o alcance exacto da referência, na directiva, à noção de «risco de associação» e, quanto a este aspecto, a declaração não tem qualquer utilidade. No que diz respeito ao desenvolvimento histórico das negociações, é significativo que tenha sido invocado na argumentação apresentada perante o Tribunal de Justiça tanto pelos que são a favor de uma interpretação lata do conceito de «associação», para efeitos da directiva, como por aqueles que são a favor de uma interpretação restrita, por razões opostas. Concluo que tudo isto de nada serve para se proceder à interpretação da directiva.

O teor da directiva

44.

Pode defender-se que a resposta à segunda parte da questão do Bundesgerichtshof resulta claramente do próprio teor das disposições da directiva, sem que haja qualquer necessidade de fazer referência a outras fontes para efeitos da interpretação. Tanto o artigo 4.o, n.o 1, alinea b), como o artigo 5.o, n.o 1, alinea b), afirmam que o risco de confusão «compreende» o risco de associação, e não o inverso. E portanto claro que mesmo se, nos termos da lei Benelux, a noção de «associação» puder abranger hipóteses que não sejam tão-só os casos de confusão directa ou indirecta, não o pode fazer ao abrigo da directiva. Os países do Benelux não tentaram defender que a «associação sem qualquer relação com a origem» equivale à confusão, mas apenas que ela havia sido incluída na directiva. E, porém, difícil de compreender como é que uma associação que não implique qualquer confusão pode caber no âmbito de aplicação da directiva, sendo certo que a directiva exige um risco de confusão que «compreenda» o risco de associação. Como salientou, com toda a razão, o juiz Laddie no processo inglês Wagamama ( 27 ), que trata justamente desta questão, seria «adoptar uma forma linguística pouco convencional afirmar que o mais pequeno (isto é, o risco de confusão) abrange o maior (isto é, o risco de associação)».

45.

A formulação do preâmbulo vai no mesmo sentido. O décimo considerando, já citado ( 28 ), esclarece que o risco de confusão «constitui a condição específica» da protecção conferida pela marca c parece sugerir que a associação é um dos vários elementos que devem ser tomados cm consideração para determinar se há ou não risco de confusão. Além disso, como já foi anteriormente mencionado, esse mesmo considerando reflecte a jurisprudência do Tribunal de Justiça quando afirma que o objectivo da protecção conferida pela marca consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca. Não é indicado qualquer outro objectivo. Pode talvez inferir-se razoavelmente de tudo isto que a protecção contra o risco de confusão quanto à origem é um instrumento útil de interpretação das regras relativas à susceptibilidade de registo dc uma marca.

46.

Além disso, parece que foram só os países do Benelux que, antes da aprovação da directiva, adoptaram a noção de «associação sem qualquer relação com a origem», para efeitos do seu direito das marcas. A inclusão desta noção na directiva constitui, por conseguinte, um facto digno de realce. O juiz Laddie salientou este aspecto com veemência no processo Wagamama, fazendo notar que, como isso teria redundado numa extensão significativa dos direitos dos titulares das marcas e, por conseguinte, numa restrição significativa da liberdade de concorrência dos comerciantes, se deveria entender que uma tão grande alteração devia «ter sido formulada em termos claros c unívocos, de modo que os comerciantes cm toda a União Europeia pudessem comprovar que o seu legislador tinha criado um novo monopólio muito amplo». Como a maioria dos Estados-Membros não parecem ter adoptado a noção de «associação sem qualquer relação com a origem», para efeitos do seu direito das marcas, e como a adopção dessa noção iria militar contra a liberdade de comércio, concordo que, na falta de uma formulação clara nesse sentido, não se pode pensar que o legislador comunitário tivesse tido a intenção de adoptar essa noção. Ademais, isso teria constituído uma viragem significativa da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre os artigos 30.o c 36.o do Tratado, a qual, como já vimos, se baseia essencialmente na noção de «confusão». Mais uma vez se devia esperar que houvesse uma formulação mais clara, se o resultado pretendido tivesse sido esse.

47.

Mas — contrariamente àquilo que foi sugerido — isto não significa que os termos «compreende o risco de associação» sejam redundantes. Tal como já foi acima analisado, a noção de «confusão», para efeitos do direito das marcas, pode ser interpretada numa acepção restrita ou ampla. Assim, a referência à noção de «associação» pode, muito simplesmente, esclarecer que a noção de «confusão» se não limita à confusão, no sentido de que um consumidor confunde um produto com outro, mas se estende igualmente aos outros tipos de confusão descritos supra, n.o 38.

48.

Também foi alegado que há outras disposições da directiva que protegem a marca, sob certas condições, sem a exigência de confusão, mesmo quando os produtos não são semelhantes, e que, por conseguinte, não se pode exigir que haja confusão quando os produtos sejam semelhantes. Este argumento não é convincente, porque a situação abrangida pelas outras disposições é suficientemente diferente para explicar a diferença de um requisito expresso de confusão. Trata-se de uma situação em que uma marca anterior «goze de prestígio no Estado-Membro em questão ( 29 ) e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do caracter distintivo ou do prestígio da marca comunitária anterior ou possa prejudicá-los» [artigo 4.o, n.o 4, alínea a)]. Afirma-se que, se a confusão não for exigida na hipótese de produtos que não são semelhantes, então, a fortiori, não pode ser exigida para produtos semelhantes. Este modo de ver é incompatível com o teor da directiva, que exige expressamente a confusão quando se tratar de produtos semelhantes. Além disso, é óbvio que o artigo 4.o, n.o 4, alínea a), estabelece, muito simplesmente, um critério diferente do critério de confusão, ao exigir que se demonstre que o uso da marca posterior tiraria partido indevido, ou poderia prejudicar, a marca anterior, e que esse critério é apropriado para a finalidade específica das disposições, que consiste em proteger a marca que goze de reputação. E impossível concluir, com base na falta de uma referência ao requisito da confusão em tais casos, que a directiva — contrariamente à sua formulação expressa — não exige que haja confusão na situação muito diferente de marcas comuns que se referem a produtos semelhantes.

49.

É exacto que o artigo 4.o, n.o 4, alinea a), só se aplica quando os produtos não são semelhantes. Mas não se pode concluir daí que, se não é preciso que haja confusão em caso de produtos dissemelhantes, ela não poderá ser necessária se se tratar de produtos semelhantes, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea b). Como é salientado pelo Reino Unido, a razão pela qual o artigo 4.o, n.o 4, alínea a), só se aplica a produtos que não sejam semelhantes é, sem dúvida, que, quando os produtos forem semelhantes aos produtos abrangidos por uma marca de nomeada, é difícil imaginar uma situação em que não haja qualquer risco de confusão. Um exemplo possível que foi sugerido é o do caso «Anti-Monopoly», já mencionado: afirma-se aí que foi permitido ao titular da marca «Monopoly» opor-se ao uso do sinal «Anti-Monopoly», embora, tendo cm conta o contraste deliberado entre as duas marcas, não houvesse qualquer risco de confusão. Contudo, mesmo nesse caso, como já referi acima, havia provas de um risco de confusão.

O objectivo da directiva

50.

Ainda que se entendesse que os termos da directiva não confirmam de maneira conclusiva o ponto de vista que defendi, segundo o qual a directiva estabelece um requisito de confusão cm todos os casos que estão abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 4, alínea b), esse ponto de vista também encontraria apoio no objectivo da directiva. Seria dificilmente compatível com o objectivo de uma directiva adoptada com base no artigo 100.o-A do Tratado perfilhar uma interpretação que, ao estender o âmbito de protecção das marcas cm muitos Estados-Membros, tivesse por efeito restringir o comércio. Como a Comissão salienta, as directivas adoptadas com base no artigo 100.o-A destinam-se a prosseguir os objectivos fixados no artigo 7.o-A, cm especial a livre circulação das mercadorias e dos serviços no mercado interno. O primeiro considerando da directiva refere-se a esses objectivos, ao afirmar que «as legislações actualmente aplicáveis nos Estados-Membros cm matéria de marcas comportam disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação das mercadorias c a livre prestação de serviços» c que «importa, pois, aproximar as legislações dos Estados-Membros com vista ao estabelecimento c funcionamento do mercado interno». A Comissão conclui, cm meu entender com toda a razão, que esses objectivos militam contra uma interpretação extensiva da noção de «risco de confusão», que conduzisse a restrições injustificadas da livre circulação das mercadorias e dos serviços.

51.

Além disso, a directiva deve ser interpretada no sentido de estabelecer um padrão comum com base no qual as marcas dos diferentes Estados-Membros possam coexistir. Este padrão não deve, por conseguinte, ser colocado a um nível demasiado elevado. A este respeito, a directiva é talvez diferente das medidas de harmonização tomadas cm outros sectores, cm que um alto nível de protecção pode ser desejável para o interesse geral e cm que o que é essencial para garantir o comércio livre é tão-só que o mesmo padrão seja estabelecido para todos os Estados-Membros. Sc fosse interpretada de maneira demasiado estrita, a directiva sobre as marcas teria por efeito compartimentar os mercados nacionais. Na falta de uma intenção clara nessa direcção, a directiva não deve, por conseguinte, ser interpretada no sentido de impor o padrão mais restritivo que conste das leis dos Estados-Membros.

O contexto da directiva

52.

E igualmente relevante notar, neste momento, a criação da marca comunitária, por força do regulamento sobre a marca comunitária ( 30 ), que, como foi mencionado acima, contém disposições relativas à confusão entre marcas que são praticamente idênticas às da directiva. E inteiramente justificado que as disposições da directiva sejam interpretadas do mesmo modo que os preceitos correspondentes do regulamento. Uma marca comunitária só pode ser concedida para todo o território da Comunidade e, sendo assim, um conflito com uma única marca num país é suficiente para impedir o registo de uma marca como marca comunitária. Pode haver oposição ao pedido de registo de uma marca com base numa marca comunitária existente, numa marca registada em qualquer Estado-Membro, ou, em certas circunstâncias, num direito não registado que seja reconhecido num Estado-Membro ( 31 ). Uma protecção demasiado ampla das marcas com base no risco de «associação» com outras marcas tornaria, por conseguinte, muito difícil o registo de numerosas marcas a nível comunitário. Se se pretender que o regime comunitário das marcas funcione efectivamente e que os pedidos não sejam submergidos pelos procedimentos de oposição, parece essencial que as marcas sejam susceptíveis de registo se não houver um risco de confusão que seja verdadeiro e devidamente comprovado.

53.

Além disso, não se faz qualquer menção da noção de «associação» nas convenções internacionais de que a Comunidade e/ou os Estados-Membros são partes. Embora o considerando final da directiva exija que as suas disposições estejam «em harmonia completa com as da Convenção de Paris» ( 32 ), esta convenção só menciona expressamente a noção de «confusão». O artigo 10.o-A, n.o 3, ponto 1, relativo à concorrência desleal, impõe a obrigação de proibir, designadamente, «todos os actos susceptíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a actividade industrial ou comercial de um concorrente» ( 33 ). Finalmente, o artigo 6.o-A, relativo às marcas notoriamente conhecidas, determina que os países da União se comprometem «a recusar ou invalidar... o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é... notoriamente conhecida e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta» ( 34 ).

54.

O artigo 16, n.o 1, do acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio («TRIPS») ( 35 ) indica igualmente que o «titular de urna marca registada disporá do direito exclusivo de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, utilize no âmbito de operações comerciais sinais idênticos ou semelhantes para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles relativamente aos quais a marca foi registada, caso essa utilização possa dar origem a confusão. No caso de utilização de um sinal idêntico para produtos ou serviços idênticos, presumir-se-á da existência de um risco de confusão» ( 36 ). Não há assim qualquer incompatibilidade entre a directiva, tal como cu a interpreto, c esses instrumentos internacionais.

55.

Tendo em conta os termos, o objectivo c o contexto da directiva, considero, por conseguinte, que, enquanto o risco de associação com uma marca anterior č um factor que deve ser tomado cm linha de conta, não pode haver oposição ao registo de uma marca, a menos que se demonstre que há um risco de confusão verdadeiro c devidamente comprovado quanto à origem dos produtos ou dos serviços em causa.

56.

Em resposta à segunda parte da questão submetida pelo Bundesgerichtshof, concluo, por conseguinte, que a utilização do termo «associação» no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da directiva sobre as marcas, não significa que possa haver oposição ao registo de uma marca com o único fundamento de, como a ideia que está subjacente a esta marca c a outra é a mesma, haver um risco de o público associar as duas marcas, no sentido de uma delas fazer simplesmente recordar a outra, sem que haja qualquer risco de confusão no espírito do consumidor.

57.

Vou agora debruçar-me sobre a primeira parte da questão que foi colocada. O Bundesgerichtshof pretende saber se é suficiente para a existência de um risco de confusão que duas marcas, uma composta por palavras e imagens e outra que consiste apenas numa imagem, que são utilizadas ou registadas para produtos idênticos ou semelhantes, veiculem a mesma ideia (no presente caso, um felino selvagem a saltar). O Bundesgerichtshof esclarece que a marca registada não é «notoriamente conhecida» pelo público.

58.

Como já indiquei, o primeiro aspecto a salientar é que a directiva exige que exista um qualquer risco de confusão do consumidor quanto à origem dos produtos. Saber se tal risco existe ou não, numa dada situação, é essencialmente uma questão de facto a decidir pelo órgão jurisdicional nacional. No entanto, a pergunta do Bundesgerichtshof levanta duas questões de direito.

59.

Em primeiro lugar, a pergunta baseia-se no facto de uma marca compreender — e a outra não — palavras, além de uma imagem, e o Bundesgerichtshof explicou que, em seu entender, este facto em si mesmo não impede que haja semelhança entre as duas marcas, para efeitos do direito das marcas, já que é a impressão geral de conjunto veiculada por cada sinal que conta. A aplicação do princípio de que se deve tomar em linha de conta a impressão geral de conjunto veiculada pelas marcas parece ser corrente entre os Estados-Membros; na realidade, este princípio talvez seja evidente em si mesmo. Dado que o critério essencial é o do risco de confusão, o Bundesgerichtshof deve ter razão ao considerar que o que é importante é a impressão geral de conjunto veiculada pela marca. Daqui resulta que a inclusão de um elemento textual em uma das duas marcas figurativas não basta, por si só, para excluir que haja um risco de confusão resultante da semelhança das duas marcas. A questão de saber se, num determinado caso, a inclusão de palavras numa marca é suficiente ou não para impedir um risco de confusão resultante da semelhança dos elementos figurativos das duas marcas é essencialmente uma questão de facto a decidir pelo órgão jurisdicional nacional.

60.

Em segundo lugar, o Bundesgerichtshof pretende comprovar se, em princípio, a declaração de um risco de confusão se pode basear no simples facto de haver «uma identidade de sentido das duas imagens (no presente caso, felinos selvagens a saltar)».

61.

Parece-me que, se duas marcas figurativas veicularem a mesma ideia, pode haver circunstâncias em que, muito embora a marca registada não seja notoriamente conhecida e as duas imagens sejam desenhadas de maneira tão diferente quanto possível, o público possa, não obstante tudo isso, confundir as duas marcas. Por exemplo, uma marca pode consistir numa imagem inventada inabitual ou numa combinação inabitual de imagens naturais, tais como um puma tocando violino ou um puma junto com uma serpente e um pássaro, respectivamente. Não considero que seja desrazoável que tais marcas sejam protegidas por força do direito das marcas contra as reproduções do conceito que veiculam, por muito diferente que possa ser a maneira como as marcas concorrentes foram desenhadas.

62.

Pode defender-se que os casos em que a semelhança de duas marcas for puramente conceptual deveriam caber no âmbito da legislação dos Estados-Membros relativa à concorrência desleal. Não vejo, porém, qualquer razão para interpretar a directiva de modo a excluir a semelhança conceptual do âmbito de aplicação da protecção conferida pelo direito das marcas. A única coisa que a directiva exige é que haja um risco de confusão que resulte da semelhança das marcas. A directiva não pretende limitar os modos por que a confusão poderá surgir. Além disso, a protecção dada pelo direito das marcas no que toca à semelhança conceptual não parece ser inabitual entre os Estados-Membros. Parece-me, no entanto, que será difícil comprovar o risco de confusão com base tão-somente na semelhança conceptual em circunstâncias em que a marca anterior não é notoriamente conhecida, especialmente quando, como acontece no presente caso, a imagem cm causa não é especialmente criativa ou ¡riabituai.

63.

Concluo, por conseguinte, cm resposta à primeira parte da questão submetida ao Tribunal de Justiça, que a declaração de um risco de confusão se pode basear no facto de as ideias veiculadas pelos elementos figurativos de duas marcas serem semelhantes, desde que se demonstre que há um risco de confusão verdadeiro e devidamente comprovado quanto à origem dos produtos ou dos serviços em causa.

Conclusão

64.

Sou, por conseguinte, de opinião que a questão submetida pelo Bundesgerichtshof deve ser respondida da maneira seguinte:

«1)

O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que, se bem que o risco de associação com uma marca anterior seja um elemento a ter em conta, não pode haver oposição ao registo de uma marca, excepto se se demonstrar que há um risco de confusão verdadeiro e devidamente comprovado quanto à origem dos produtos ou dos serviços cm causa.

2)

Não pode haver oposição ao registo de uma marca unicamente com fundamento em que, como a ideia subjacente a esta c a outra marca é a mesma, há o risco de o público associar as duas marcas no sentido de que uma delas fará simplesmente recordar a outra sem que haja risco de confusão, tal como ficou descrito acima.

3)

Quando houver semelhança entre duas marcas figurativas, uma das quais contém palavras, a inclusão de um elemento textual numa das marcas não é suficiente em si mesma para excluir a existência de um risco de confusão, tal como ficou descrito acima.

4)

Pode haver oposição ao registo de uma marca com fundamento no facto dc as ideias veiculadas pelos elementos figurativos de duas marcas serem semelhantes, desde que se demonstre que há um risco de confusão, tal como ficou descrito acima.»


( *1 ) Língua original: inglês.

( 1 ) Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988 (JO L.40, p. 1).

( 2 ) Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, da directiva, os Estados-Membros deviam pôr cm vigor as suas disposições o mais tardar cm 28 de Dezembro de 1991. Todavia, pela sua Decisão 92/10/CUE (JO L 6, p. 35), o Conselho utilizou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 16.o, n.o 2, e adiou a data de execução da directiva para 31 de Dezembro de 1992.

( 3 ) V. infra, n.o31.

( 4 ) Uma marca R I é uma marca registada ao abrigo do acordo de Madrid relativo ao registo internacional das marcas. Este acordo permite que o requerente que registou a marca no país onuc reside ou onde exerce a sua actividade obtenha o registo nos outros Estados contratantes que designar, salvo se esses Estados formularem objecções por força da sua lei nacional dentro de um determinado prazo.

( 5 ) BGBl. I, p. 3082.

( 6 ) JO L 11, p. 1.

( 7 ) Artigo 1.o

( 8 ) Qualificado, com alguma ambiguidade, de «Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos c modelos)» (artigo 2.o do regulamento), mas geralmente designado como Instituto da Marca Comunitária.

( 9 ) Acórdão de 22 de Junho de 1976 (119/75, Colect., p. 419).

( 10 ) Acórdão de 10 de Outubro de 1990, HAG GF (C-10/89, Colect., p. I-3711).

( 11 ) Acórdão de 30 de Novembro de 1993 (C-317/91, Colect., p. I-6227).

( 12 ) Acórdão de 22 de Junho de 1994 (C-9/93, Colect., p. I-2789).

( 13 ) Acórdão de 23 de Maio de 1978 (102/77, Colect., p. 391).

( 14 ) V. supra, n.o 18. O texto inglês está redigido cm termos menos adequados do que os de outras versões linguísticas.

( 15 ) V., por exemplo, Hoffmann-La Roche, citado supra, nota 13, c os acórdãos dc 11 de Julho de 1996, Bristol Mycrs-Squibb c o. (C-427/93, C-429/93 c C-436/93, Colect., p. I-3457), Eurim-Pharm (C-71/94, C-72/94 e C-73/94, Colect., p. I-3603), e MPA Pharma (C-232/94, Colect., p. I-3671).

( 16 ) Processo citado na nota 15.

( 17 ) C-337/95, conclusões de 29 de Abril de 1997.

( 18 ) Anexa à Convenção Benelux cm Matéria de Marcas de Produtos, de 19 de Março de 1962.

( 19 ) Artigo 13.o-A da lei Benelux.

( 20 ) «II y a ressemblance entre une marque et un signe lorsque, compte tenu des particularités de 1 espèce, notamment du pouvoir distinctif de la marque, la marque et le signe, considérés en soi et dans leurs rapports mutuels, présentent sur le plan auditif, visuel ou conceptuel une similitude de nature à établir une association entre le signe et la marque»: acórdão da Cour Benelux de 20 dc Maio dc 1983, Jullien/Vcrscliucrc (igualmente conliccido sob o nome dc acórdão «Union/Union Solcurc»), A 82/5, ¡m. 1983, p. 36.

( 21 ) Acórdão de 1 de Março de 1975, A 74/1, Jur. 1975, p. 472.

( 22 ) Este termo foi utilizado pelo juiz Laddie, ila High Court inglesa, no processo Wagamama Ltd/City Centre Restaurants Pie and Another, 1995, FSK 713 (v. mais adiante).

( 23 ) Edor/General Mills Fun 1978 Ned. Jur. 83.

( 24 ) V. Cornish, W.R.: Intellectual Property, 3.o edição, p. 622.

( 25 ) Fustncr e Geuze: «Scope of Protection of the Trade Mark in the Benelux Countries and EEC-harmonization», ECTA Newsletter, Março de 1989, 215, citado por Cornish, op. cit., p. 620, nota 44.

( 26 ) V. acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Antonisscn (C-292/89, Colect., p. I-745, n.o 18), c acórdão dc 13 dc Fevereiro de 1996, Bautiaa c Société française maritime (C-197/94 c C-252/94, Colect., p. I-505, n.o51).

( 27 ) Processo citado na nota 22, p. 723.

( 28 ) V. sufra, n.o 18.

( 29 ) Ou, no caso de uma marca comunitária anterior, de prestígio na Comunidade (artigo 4.o, n.o 3).

( 30 ) Regulamento citado na nota 6.

( 31 ) V. artigo 8.o, n.os 1 c 2, do regulamento.

( 32 ) Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883, revista cm Estocolmo, cm 14 de Julho de 1967.

( 33 ) Todavia, o artigo 6.o, n.o 1, determina que as «condições de apresentação c de registo das marcas serão fixadas, cm cada país da União, pela respectiva legislação nacional» c o artigo 6.o quinquies B, n.o 1 esclarece que poderá ser recusado ou anulado o registo das marcas, designadamente, quando «forem susceptíveis de implicar lesão de direitos adquiridos por terceiros no país cm que a protecção ć requerida». O artigo 5.o, n.o 1, do acordo de Madrid relativo ao registo internacional das marcas (v. supra, nota 4) estabelece que uma recusa por uma parte contratante de conceder a protecção resultante do registo internacional só pode ser oposta nas condições que se aplicariam cm consequência da Convenção de Paris.

( 34 ) Em virtude do acordo TRIPS, este artigo aplica-se, mutatis mutandis, aos serviços c, sob certas condições, aos produtos c serviços que não sejam semelhantes: artigo 16.o, n.os 2 c 3.

( 35 ) JO 1994, L 336, p. 214.

( 36 ) No entanto, o artico 15.o, n.o 2, do acordo TRIPS esclarece que um membro pode recusar o registo de uma marca por outros motivos que não sejam os que vêm enumerados no acordo (artigo 15.o, n.o 1), desde que estes não constituam uma derrogação ao disposto na Convenção de Paris.