61995C0180

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 14 de Janeiro de 1997. - Nils Draehmpaehl contra Urania Immobilienservice OHG. - Pedido de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Hamburg - Alemanha. - Política social - Igualdade de tratamento de trabalhadores masculinos e femininos - Directiva 76/207/CEE - Direito a reparação em caso de discriminação no acesso ao emprego - Escolha das sanções pelos Estados-Membros - Fixação de um limite máximo de indemnização - Fixação de um limite máximo das indemnizações cumuladas. - Processo C-180/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-02195


Conclusões do Advogado-Geral


1 Com as questões que submete ao Tribunal de Justiça, o Arbeitsgericht Hamburg pede, mais uma vez, a este Tribunal para se pronunciar quanto à aplicação da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (1) (a seguir «directiva» ou «Directiva 76/207»).

É pedido, em substância, ao Tribunal que declare se a Directiva 76/207 se opõe a que a reparação do prejuízo sofrido em resultado de discriminação em razão do sexo num processo de recrutamento está sujeita ao requisito da existência de culpa. Além disso, pergunta-se também se, na mesma hipótese, a Directiva 76/207 se opõe a que uma disposição nacional estatua o limite máximo de reparação da indemnização.

2 Como o órgão jurisdicional recorda (2), o Tribunal de Justiça foi já chamado a pronunciar-se sobre questões similares. Todavia, pretende obter confirmação de que o quadro factual que lhe foi submetido e as prescrições da sua lei nacional conduzem às mesmas respostas.

3 Abordaremos as questões apresentadas após termos brevemente exposto o enquadramento do presente processo.

Enquadramento legislativo

As disposições comunitárias pertinentes: a Directiva 76/207

4 A Directiva 76/207 tem em vista a realização, nos Estados-Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres assegurando, designadamente, aos trabalhadores de um e outro sexo uma igualdade de oportunidades efectivas no que se refere ao acesso ao emprego.

5 Para esse efeito, o seu artigo 2._ define o princípio da igualdade de tratamento e os seus limites. É assim que o n._ 1 dispõe que este princípio implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar. O seu n._ 2 especifica, no entanto, que a directiva não constitui obstáculo à faculdade que os Estados-Membros têm de excluir do seu âmbito de aplicação as actividades profissionais e, eventualmente, as formações que a elas conduzam, e para as quais, em razão da sua natureza ou das condições do seu exercício, o sexo constitua uma condição determinante.

6 O artigo 3._ da directiva especifica o alcance do princípio da igualdade de tratamento no que concerne, precisamente, ao acesso ao emprego. Nos termos do n._ 1, a aplicação deste princípio implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo nas condições de acesso, incluindo os critérios de selecção, a empregos ou a postos de trabalho, seja qual for o sector ou ramo de actividade e a todos os níveis de hierarquia profissional. O n._ 2, alínea a), do artigo 3._, prevê que os Estados-Membros adoptarão as medidas necessárias a fim de que sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

7 Em virtude do artigo 6._ da directiva, os Estados-Membros devem introduzir na respectiva ordem jurídica interna as medidas necessárias para permitir a qualquer pessoa que se considere lesada pela não aplicação do princípio da igualdade de tratamento, na acepção dos artigos 3._, 4._ e 5._, fazer valer judicialmente os seus direitos.

O direito nacional

8 As disposições legislativas nacionais relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres na vida profissional aplicáveis no caso do processo principal figuram no Buergerliches Gesetzbuch (código civil alemão, a seguir «BGB») e no Arbeitsgerichtsgesetz (lei da organização dos órgãos jurisdicionais do trabalho, a seguir «ArbGG»).

9 O § 611 a, n._ 1, do BGB preceitua que a entidade patronal não pode prejudicar um trabalhador em razão do sexo, no âmbito de uma convenção ou na adopção de disposições, em especial no que diz respeito à constituição de uma relação de trabalho, à promoção profissional, às instruções ou ao despedimento. Uma diferença de tratamento em razão do sexo é, no entanto, admitida se a convenção ou as disposições adoptadas se referem a uma actividade que, atenta a sua natureza específica, apenas pode ser exercida por trabalhadores de um ou de outro sexo. O n._ 2 da mesma disposição prevê que, se a entidade patronal se tornar responsável de violação da proibição enunciada no n._ 1, «o candidato lesado pode pedir uma indemnização pecuniária adequada cujo montante não pode ultrapassar três meses de salário». O salário mensal corresponde às prestações pecuniárias e em espécie a que o candidato teria direito durante o mês de constituição da relação de trabalho para um trabalho regular.

10 Por força do § 611 b, n._ 1, do BGB, a entidade patronal não pode oferecer um lugar unicamente a trabalhadores do sexo masculino ou do sexo feminino, excepto no caso visado no § 611 a, n._ 1.

11 O § 61 b, n._ 2, da ArbGG estabelece que, se vários candidatos lesados no âmbito da constituição de uma relação de trabalho invocam o seu direito à indemnização por aplicação do § 611 a, n._ 2, do BGB, o montante das indemnizações concedidas deve ser limitado, se a entidade patronal o requerer, a seis meses de salário, ou a doze meses, quando tenha sido organizado um processo de admissão único conducente à constituição de várias relações de trabalho. Quando a entidade patronal já satisfez pedidos de indemnização, esse montante máximo deve ser reduzido em conformidade; se as indemnizações a que têm direito os demandantes ultrapassarem globalmente esse montante máximo, cada indemnização é reduzida proporcionalmente.

Matéria de facto

12 Em 17 de Novembro de 1994, Nils Draehmpaehl, demandante no processo principal, respondeu por carta a uma proposta de emprego da Urania Immobilienservice OHG publicada na imprensa e redigida nos seguintes termos:

«Pretendemos uma assistente com experiência para a nossa direcção de vendas. Se é capaz de triunfar de espíritos confusos de uma empresa que centra a sua actividade nas vendas, se está disposta a preparar-lhes o café, se aceita receber poucos elogios apesar de trabalhar muito, tem lugar entre nós. Na nossa empresa, é necessário poder trabalhar no seu computador e em equipa. Se quer verdadeiramente aceitar este desafio, aguardamos a sua candidatura. Mas não diga que não a prevenimos...»

13 A demandada no processo principal não deu qualquer sequência à carta de N. Draehmpaehl. Alegando que era o candidato mais qualificado para o lugar proposto e que era mais adequado que o candidato finalmente admitido, considerando, por isso, ter sido vítima de discriminação em razão do sexo, N. Draehmpaehl intentou uma acção de responsabilidade civil no Arbeitsgericht Hamburg contra a Urania Immobilienservice. Pedia a reparação do prejuízo sofrido, solicitando o pagamento de uma indemnização de montante igual a três meses e meio de salário.

14 O tribunal a quo precisava que, no âmbito de um processo distinto noutra secção do órgão jurisdicional de reenvio, outro candidato tinha igualmente apresentado um pedido de indemnização contra a demandada por factos análogos.

15 A demandada não se apresentou na audiência de conciliação e não interveio na acção pendente. Nem o órgão jurisdicional nacional nem o demandante conseguiram contactá-la e conhecer o seu endereço actual.

16 No entender do órgão jurisdicional nacional, a proposta de emprego da demandada infringia o § 611 b, do BGB, uma vez que era, sem justificação (3), manifestamente reservada às mulheres. Presumindo que o demandante foi vítima de discriminação em razão do sexo, considerou que a demandada estava obrigada a indemnizá-lo.

17 Todavia, salientava que as pretensões do demandante brigavam com o § 611 a, n._ 2, primeiro período, do BGB, que exigia que fossem carreadas pelo demandante provas circunstanciadas da existência de culpa por parte da entidade patronal (4), quando o demandante invocava simples presunções.

18 Questionando-se quanto à compatibilidade do n._ 2 do § 611 a do BGB com a interpretação que o Tribunal de Justiça forneceu do artigo 2._ da Directiva 76/207 no acórdão de 8 de Novembro de 1990, Dekker (5), por um lado, e, quanto à compatibilidade das disposições do direito alemão limitadoras da indemnização que pode reclamar a pessoa discriminada (6) com a interpretação dada pelo Tribunal do artigo 6._ da Directiva 76/207 no acórdão de 2 de Agosto de 1993, Marshall II (7), por outro, e considerando, por conseguinte, não estar em condições de decidir o litígio, o Arbeitsgericht Hamburg submeteu a este Tribunal as quatro questões prejudiciais seguintes:

«1) Uma disposição legal que exige como pressuposto do direito a indemnização por discriminação com base no sexo no recrutamento do trabalhador a culpa do empregador viola os artigos 2._, n._ 1, e 3._, n._ 1, da `directiva do Conselho de 9 de Fevereiro de 1976 relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (76/207/CEE)'?

2) Uma disposição legal que, contrariamente às restantes normas de direito civil e laboral internos, estabelece um limite máximo de três meses de retribuição para a indemnização por discriminação com base no sexo no recrutamento do trabalhador quando este, devido às melhores qualificações do candidato ou candidata recrutados, não teria sido admitido ainda que a escolha fosse isenta de discriminação, viola os artigos 2._, n._ 1, e 3._, n._ 1, da directiva acima referida?

3) Uma disposição legal que, contrariamente às restantes normas de direito civil e laboral internos, estabelece um limite máximo de três meses de retribuição para a indemnização por discriminação com base no sexo no recrutamento do trabalhador quando o candidato ou candidata teriam sido recrutados para o lugar a preencher se a selecção não tivesse sido discriminatória, viola os artigos 2._, n._ 1, e 3._, n._ 1, da directiva acima referida?

4) Uma disposição legal que, contrariamente às restantes normas de direito civil e laboral internos, estabelece um limite máximo cumulativo de seis meses para as indemnizações de todos os trabalhadores vítimas de discriminação no recrutamento viola os artigos 2._, n._ 1 e 3._ n._ 1 da directiva acima referida?»

Discussão

19 A título preliminar recordemos que, de acordo com uma jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não é competente, no âmbito de um processo interposto com base no artigo 177._ do Tratado CE, para decidir da compatibilidade de uma medida nacional com o direito comunitário. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação pertinentes do direito comunitário que lhe permitam julgar da compatibilidade das disposições nacionais com o direito comunitário (8).

20 Por conseguinte, as questões apresentadas devem ser reformuladas. Assim, com a primeira questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o n._ 1 do artigo 2._ e o n._ 1 do artigo 3._ da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a reparação do prejuízo sofrido por discriminação em razão do sexo no quadro do recrutamento esteja subordinada à prova de culpa por parte da entidade patronal. A segunda e terceira questões têm a ver com a compatibilidade com a Directiva 76/207 de um limite máximo de indemnização eventualmente exigível. Na quarta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o direito comunitário se opõe às disposições nacionais que prevêem o limite máximo de indemnização cumulada, tal como previsto no § 61 b, n._ 2, do ArbGG.

Quanto à primeira questão

21 O órgão jurisdicional nacional interroga-se quanto à pertinência da resposta que o Tribunal de Justiça deu no acórdão Dekker para o litígio que lhe foi submetido.

22 Lembremos que, nesse processo, se tratava do caso de recusa de contratação de uma candidata a um emprego por estar grávida. O órgão jurisdicional neerlandês interrogava-se designadamente quanto à compatibilidade com os artigos 2._ e 3._ da Directiva 76/207 de uma disposição legislativa nacional que subordinava a concessão de indemnização baseada na violação da igualdade de tratamento à prova da existência de culpa da entidade patronal.

23 O Tribunal de Justiça seguiu o advogado-geral M. Darmon nas suas conclusões (9) e, baseando-se numa jurisprudência já assente (10), confirmou que, se os Estados-Membros têm a liberdade de escolher entre as diferentes soluções para assegurar uma protecção jurisdicional efectiva e eficaz, na acepção do artigo 6._ da Directiva 76/207, uma vez que a sanção escolhida se insere no âmbito de um regime de responsabilidade civil do empregador, a violação da proibição de discriminação deve ser suficiente para desencadear, só por si, a responsabilidade total do seu autor, sem que se possa exigir a prova de culpa distinta por parte do empregador ou admitir causas de exclusão de responsabilidade previstas pelo direito nacional (11).

24 A Comissão e o demandante no processo principal (12) sustentam que este acórdão responde desde já a esta primeira questão que é presentemente submetida ao Tribunal.

25 Em contrapartida, o Governo alemão refere que o acórdão Dekker não permite concluir automaticamente pela incompatibilidade da disposição nacional controvertida com as disposições da directiva. Em seu entender, este acórdão apenas tem a ver com a exigência de culpa no direito neerlandês. Ora, contrariamente a esta última legislação, a culpa em direito alemão não põe em causa o efeito útil das disposições comunitárias. Assim, em direito alemão, se a exigência de culpa é sistematicamente necessária para desencadear a responsabilidade da entidade patronal, a prova desta é fácil de produzir uma vez que os actos deliberados cometidos por negligência, como uma falta ligeira, são suficientes para implicar essa responsabilidade. Além disso, as causas de exclusão da responsabilidade da entidade patronal são particularmente estritas (13).

26 Não compartilhamos o ponto de vista do Governo alemão. Em nosso entender, o acórdão Dekker é clara e perfeitamente transponível para o caso vertente. Com efeito, à parte a diferença dos sexos, os litígios na origem dos dois processos de reenvio é idêntica. Em ambos, não foi constituída (14) ou mesmo projectada (15) uma relação de trabalho, por razões exclusivamente ligadas ao sexo do candidato. Nos dois casos, pelo seu enunciado, a legislação nacional em questão sujeita a imputação da responsabilidade da entidade patronal à prova de culpa distinta do acto ou do comportamento discriminatório. Tal disposição legislativa nacional permite, assim, à entidade patronal escapar à invocação da sua responsabilidade por motivo estranho à discriminação sexual e, de modo manifesto, compromete o efeito útil das disposições da directiva. Remetemos, a esse propósito, para a exposição do advogado-geral M. Darmon (16).

27 Em consequência, propomos que se responda do seguinte modo à primeira questão: uma vez que a sanção escolhida por um Estado-Membro se inscreve no âmbito de um regime da responsabilidade civil da entidade patronal, o n._ 1 do artigo 2._ e o n._ 1 do artigo 3._ da Directiva 76/207 opõem-se a que a reparação do prejuízo sofrido por discriminação em razão do sexo num processo de recrutamento de um trabalhador seja subordinada ao requisito da existência de culpa, por ligeira que seja.

Quanto às segunda e terceira questões

28 Com estas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a interpretação que o Tribunal de Justiça deu do artigo 6._ da Directiva 76/207 no acórdão Marshall II se opõe a medidas como as previstas pelo direito alemão que estabelecem um limite máximo de indemnizações eventualmente exigíveis (17). Especificava-se no despacho de reenvio que outras disposições nacionais do direito civil e do direito do trabalho não previam este tipo de limite máximo. Tal ponto foi objecto de longo debate na audiência, sobre cujo resultado não nos cabe pronunciar. Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 177._ do Tratado se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça (18) e que, por esse facto, não pode levar o Tribunal de Justiça a interpretar ou a aplicar o direito nacional (19). Devemos, portanto, determinar-nos em função dos dados jurídicos e fácticos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional.

É pedido ao Tribunal, além disso, para especificar se a resposta depende das qualificações profissionais do candidato vítima de discriminação em razão do sexo.

29 Examinemos, em primeiro lugar, se a resposta a dar ao problema colocado pelo tribunal a quo depende do grau de qualificação profissional do candidato vítima de discriminação sexual.

30 Não o pensamos por três razões, pelo menos.

31 Em primeiro lugar, é de constatar que, como no processo Dekker, a entidade patronal só recusou a hipótese de constituição de uma relação de trabalho com o candidato a admitir em razão do seu sexo e não por motivos atinentes às qualificações profissionais deste último. O órgão jurisdicional nacional faz confusão entre duas noções completamente distintas: a de perda de uma oportunidade em razão do seu sexo e a de apreciação objectivamente errada que a entidade patronal faz do processo profissional do candidato.

32 Sendo distinto o prejuízo sofrido na admissão em razão da discriminação sexual, este deve ser reparado independentemente de qualquer outro prejuízo eventualmente sofrido pelo candidato lesado e sem que a reparação desse outro eventual prejuízo possa ter qualquer incidência quer sobre o princípio quer sobre o alcance da reparação dessa discriminação.

33 Além disso, de acordo com jurisprudência constante, no caso de violação da proibição de discriminação, o artigo 6._ da directiva impõe aos Estados-Membros a aplicação de uma sanção que deve assegurar uma protecção jurisdicional efectiva e eficaz (20) e produzir perante o empregador um efeito dissuasivo real (21). Ora, parece-nos que seria contrariar o efeito útil das disposições da directiva se a reparação do prejuízo sofrido devido a essa discriminação estivesse subordinada à prova, produzida pelo candidato lesado, de qualificações profissionais superiores ou iguais às apresentadas pelo candidato admitido pela entidade patronal.

34 Por último, a reparação do prejuízo sofrido devido à não tomada em conta dos méritos e qualificações profissionais do indivíduo, homem ou mulher - a menos que, naturalmente, dissimule uma discriminação sexual -, não cai na alçada da Directiva 76/207. Apenas podemos, por isso, remeter o tribunal a quem foi submetido o litígio no processo principal para a aplicação do seu direito nacional.

35 Por conseguinte, a precisão solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, expressamente na segunda questão, tacitamente na terceira, relativa à qualificação profissional do candidato discriminado em razão do sexo não é pertinente para a solução do litígio.

36 No quadro destas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional nacional convida, portanto, o Tribunal de Justiça a pronunciar-se quanto à aplicação ao caso vertente da solução adoptada no acórdão Marshall II (22). Especifica que, no seu direito interno, contrariamente às disposições nacionais habituais do direito civil e do direito do trabalho (23), a sanção do princípio da não discriminação em razão do sexo nas condições de acesso a um emprego consiste numa reparação pecuniária, no âmbito de um regime de responsabilidade civil da entidade patronal, circunscrito a um montante correspondente a três meses de salário. O salário corresponde àquele a que teria direito o candidato recrutado.

37 Recordemos que, na altura da prolação deste acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a responder a uma questão similar colocada por um órgão jurisdicional britânico.

38 A Sr.a Marshall, vítima de despedimento discriminatório, solicitava o pagamento de uma indemnização. O Industrial Tribunal avaliou a perda financeira sofrida por esta devido ao despedimento discriminatório num montante superior ao limite concedido para este tipo de prejuízo pela Section 65 (1), alínea b), do Sex Discrimination Act 1975. O órgão jurisdicional de reenvio questionou-se designadamente quanto à compatibilidade com o artigo 6._ da Directiva 76/207 desta disposição nacional.

39 A Comissão e o demandante no processo principal sustentam que este acórdão é, em parte, transponível para o caso vertente.

40 O Governo alemão contesta-o. No seu entendimento, o acórdão Marshall II não é pertinente, dado que ocorre numa hipótese especial de um despedimento discriminatório não transponível para a hipótese actual de recusa de admissão discriminatória. Acrescenta que o acórdão Von Colson e Kamann, já referido, é transponível, e que as disposições legislativas alemãs em questão respeitam os princípios declarados pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão. Assim, prevêem a concessão de uma indemnização adequada em relação ao prejuízo sofrido e suficientemente dissuasiva relativamente ao autor da discriminação.

41 Não pensamos que os princípios que dimanam desses dois acórdãos não possam ser conciliados. Em nosso entender, o acórdão Marshall II especifica e desenvolve os princípios que estão subjacentes ao acórdão Von Colson e Kamann. Recordemos precisamente os princípios decorrentes desses dois acórdãos.

42 No acórdão Von Colson e Kamann, o Tribunal de Justiça recordou, desde logo, que, em conformidade com os artigos 5._ e 189._, terceiro parágrafo, do Tratado, compete aos Estados-Membros adoptar as medidas gerais ou especiais destinadas a assegurar a execução dos objectivos prosseguidos pela Directiva 76/207 e aos órgãos jurisdicionais nacionais interpretar o direito nacional à luz do texto e da finalidade da directiva (24). Relativamente a esta directiva, o Tribunal de Justiça recordou igualmente que o objectivo prosseguido pelo legislador comunitário é o de assegurar a efectividade do princípio da não discriminação dos trabalhadores em razão do sexo.

43 Seguidamente, o Tribunal de Justiça especificou que esta igualdade efectiva de oportunidades não pode ser estabelecida fora de um sistema de sanções adequado (25). No que concerne ao artigo 6._, o Tribunal declarou que «Decorre desta disposição que os Estados-Membros estão obrigados a adoptar as medidas que sejam suficientemente eficazes para alcançar o objectivo da directiva e de molde que essas medidas possam ser efectivamente invocadas nos órgãos jurisdicionais nacionais pelas pessoas interessadas. Tais medidas podem, por exemplo, compreender disposições que imponham à entidade patronal a obrigação de recrutar o candidato discriminado ou assegurem uma indemnização pecuniária adequada, reforçadas, sendo caso disso, por um sistema de multas. Cabe, entretanto, constatar que a directiva não impõe uma determinada sanção, mas deixa aos Estados-Membros a liberdade de escolher entre as diferentes soluções que sejam adequados para a realização do seu objectivo» (26). Além disso, as medidas adoptadas pelos Estados-Membros devem «... produzir em relação ao empregador um efeito dissuasivo real» (27).

44 No acórdão Marshall II, após ter recordado esses princípios (28), o Tribunal decidiu que deviam ser tomadas em conta as características próprias de cada caso de violação do princípio da igualdade (29) e pronunciou-se quanto ao carácter «adequado» da sanção susceptível de assegurar o restabelecimento da igualdade de tratamento após um despedimento discriminatório.

45 O advogado-geral Van Gerven, nas conclusões apresentadas no processo Marshall II, definia a «reparação adequada» como a que é suficiente elevada para ter carácter efectivo, proporcionado e dissuasivo (30). Assim, este conceito deve ser distinguido do de reparação integral (31).

46 O Tribunal de Justiça, demarcando-se desta análise, declarou que, na hipótese de um despedimento discriminatório, apenas a reintegração da pessoa discriminada, ou, em alternativa, a reparação pecuniária integral do prejuízo sofrido é susceptível de restabelecer a situação de igualdade (32) e de responder às exigências subjacentes ao conceito de «reparação adequada». Por conseguinte, o Tribunal considerou que o artigo 6._ da directiva não permite admitir a limitação da reparação devida no caso de despedimento discriminatório «... dado que limita a priori o montante da indemnização, fixando-o num nível que não é necessariamente conforme à exigência de se assegurar uma igualdade de oportunidades efectiva através de uma reparação adequada do prejuízo sofrido em virtude de um despedimento discriminatório» (33). Nesse ponto, o Tribunal de Justiça precisou o acórdão Von Colson e Kamann.

47 A margem de apreciação deixada aos Estados-Membros para aplicação da solução escolhida para assegurar o restabelecimento do princípio da igualdade na hipótese de um despedimento discriminatório é, portanto, reduzida: ou a reintegração, ou a reparação integral do prejuízo de acordo com as disposições nacionais em vigor (34).

48 Retiramos desses acórdãos que o Tribunal de Justiça consagrou o princípio segundo o qual, sempre que os Estados-Membros escolhem a solução de reparação dos danos resultantes de uma situação discriminatória proibida pela Directiva 76/207 no âmbito de um regime de responsabilidade civil da entidade patronal, essa reparação deve ser integral.

49 No caso em análise, a medida escolhida pela legislação alemã para assegurar o respeito dos direitos de um candidato discriminado num processo de recrutamento em razão do sexo é a reparação limitada a três meses de salário e, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, contrariamente às outras normas do direito civil e do direito do trabalho. Duas razões nos parecem proibir semelhantes disposições.

50 Em primeiro lugar, a solução que decorre dos acórdãos Van Colson e Kamann, bem como Marshall II, a tal se opõe uma vez que havíamos retido desses acórdãos a consagração do princípio da reparação integral dos prejuízos resultantes da discriminação proibida pela Directiva 76/207 (35).

51 A hipótese de tal interpretação não vir a ser acolhida redundaria em considerar que a reparação do prejuízo resultante dessa discriminação nem sempre é integral e que se deveria, portanto, adaptar essa regra em função das diferentes hipóteses de discriminação. Por esse facto, casuisticamente, o Tribunal de Justiça seria chamado a decidir da regra a aplicar; por exemplo, declarar que na situação de uma recusa de admissão a reparação não será integral, e bem assim na altura de uma recusa de formação profissional... é possível multiplicar as hipóteses em que os trabalhadores são vítimas de discriminação em razão do sexo e, por conseguinte, aqueles em que o Tribunal de Justiça seria chamado a pronunciar-se e, eventualmente, a modificar a sua jurisprudência.

52 Esta interpretação não nos parece nem justificável nem razoável. Com efeito, nas diferentes hipóteses (despedimento, recusa de contratação...), o trabalhador ou o candidato ao emprego foi colocado na mesma situação: foi vítima de discriminação em razão do sexo uma vez que a entidade patronal teve o mesmo comportamento censurável. Ora, o princípio geral da igualdade em direito comunitário exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo idêntico, a menos que tal tratamento seja objectivamente justificado (36). Por esse facto, perante situações similares vividas pelos trabalhadores, deve ser aplicada a mesma regra de direito e os seus prejuízos devem ser reparados integralmente (37).

53 É verdade, todavia, que os prejuízos sofridos pelos trabalhadores discriminados podem ter diferente dimensão. O órgão jurisdicional nacional deve considerar não apenas os diferentes casos de violação do princípio da igualdade que se lhe deparam, mas igualmente diferentes circunstâncias do caso concreto perante uma mesma hipótese de violação do princípio da igualdade. De qualquer modo, compete apenas ao tribunal da causa avaliar, de acordo com as disposições nacionais em vigor, os prejuízos sofridos, tendo em conta todos os elementos que habitualmente toma em consideração.

54 Em segundo lugar e subsidiariamente, o princípio da autonomia processual dos direitos nacionais opõe-se igualmente a idênticas disposições da lei alemã. O respeito desse princípio pressupõe que, na ausência de harmonização operada pelo direito comunitário, os Estados-Membros são livres de escolher a solução adequada para garantir essa protecção jurisdicional, mas a sanção escolhida deve aplicar-se em condições análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes (38). Ora, o órgão jurisdicional de reenvio refere-nos que não é esse o caso.

55 Em conclusão, para a segunda e terceira questões, propomos que seja declarado que a limitação a priori do prejuízo reparável por recusa de contratação discriminatória é contrária ao n._ 1 do artigo 2._ e ao n._ 1 do artigo 3._, bem como ao artigo 6._ da Directiva 76/207.

Quanto à quarta questão

56 Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições da Directiva 76/207 se opõem a medidas como as constantes do direito alemão que permitem à entidade patronal obter a limitação do montante da indemnização que poderá reclamar a pessoa discriminada em razão do sexo quando foram apresentados vários pedidos de reparação baseados nessa discriminação. Essa disposição legislativa nacional, diferentemente de outras disposições do direito civil e do direito do trabalho (39), permite, por outras palavras, modular o montante da indemnização a pagar em função do número de candidatos. Por esse facto, a indemnização que podem reclamar estes últimos é susceptível de sofrer clara redução devido ao limite fixado.

57 Pedimos que o Tribunal de Justiça tome em consideração o raciocínio por nós desenvolvido precedentemente, dado que não existe qualquer diferença entre as duas questões. Ainda nesse caso, estamos perante regras que têm como consequência limitar o montante da reparação do prejuízo efectivamente sofrido pelo candidato discriminado em razão do sexo num processo de recrutamento.

58 Por conseguinte, propomos que se responda afirmativamente à quarta questão prejudicial.

Conclusão

59 Pelas considerações precedentes, propomos que o Tribunal responda do seguinte modo às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio:

«1) Sempre que a sanção do princípio da não discriminação em matéria de recrutamento escolhida pelo Estado-Membro se inscreve no âmbito do regime da responsabilidade civil, o n._ 1 do artigo 2._ e o n._ 1 do artigo 3._ da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma disposição legislativa nacional subordine à condição de existência de culpa da entidade patronal a reparação do prejuízo sofrido por discriminação em razão do sexo num processo de recrutamento dum trabalhador.

2) Os artigos 2._, n._ 1, 3._, n._ 1, e 6._ da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido que se opõem a que disposições legislativas nacionais - diferentemente de outras disposições nacionais de direito civil e do direito do trabalho - fixem a priori um limite máximo de três meses de salário como indemnização no caso de discriminação em razão do sexo aquando do recrutamento para os candidatos/candidatas vítimas de discriminação num processo de recrutamento.

3) Os artigos 2._, n._ 1, 3._, n._ 1, e 6._ da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido que se opõem a que disposições legislativas nacionais - diferentemente de outras disposições do direito civil e do direito do trabalho - fixem a priori um limite máximo de seis meses de salário como indemnização cumulada da totalidade das pessoas lesadas por discriminação em razão do sexo num processo de recrutamento, quando várias pessoas reclamam essa indemnização.»

(1) - JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70.

(2) - Pp. 6 e 7 do despacho de reenvio, na tradução portuguesa.

(3) - Na acepção do § 611 a, n._ 1, do BGB.

(4) - Despacho de reenvio, tradução portuguesa, p. 5.

(5) - C-177/88, Colect., p. I-3941.

(6) - §§ 611 a, n._ 2, do BGB e 61 b, n._ 2, do ArbGG, já referidos.

(7) - C-271/91, Colect., p. I-4367.

(8) - Designadamente, acórdão de 1 de Fevereiro de 1996, Perfili (C-177/94, Colect., p. I-161, n._ 9).

(9) - Conclusões relativas ao acórdão Dekker, n.os 34 a 37.

(10) - Acórdão de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891).

(11) - Acórdão Dekker, n.os 22 a 26.

(12) - Observações da Comissão, n.os 19 a 22, e do demandante no processo principal, n.os 39 a 43.

(13) - Observações do Governo alemão, n.os 4 e 5.

(14) - Processo Dekker.

(15) - Caso vertente.

(16) - N._ 35 das suas conclusões relativas ao acórdão Dekker.

(17) - § 611 a, n._ 1, da BGB e § 61 b, n._ 2, da ArbGG.

(18) - V., designadamente, acórdãos de 5 de Fevereiro de 1963, Van Gend e Loos (26/62, Colect. 1962-1964, p. 205); de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi (5/77, Recueil, p. 1555, n.os 17 a 19, Colect., p. 555), e de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361, n._ 10).

(19) - V. designadamente os acórdãos de 6 de Abril de 1962, De Geus (13/61, Colect. 1962-1964, p. 11), e de 20 de Outubro de 1993, Balocchi (C-10/92, Colect., p. I-5105, n.os 16 e 17).

(20) - Acórdãos Von Colson e Kamann, n._ 23, e Dekker, n._ 23.

(21) - V., designadamente, acórdão Marshall II, n._ 24.

(22) - Despacho do tribunal de reenvio, tradução portuguesa, p. 8, alínea b).

(23) - V. n._ 28 das nossas conclusões.

(24) - N.os 15 e 26.

(25) - N._ 22.

(26) - N._ 18, sublinhado nosso.

(27) - N._ 23, sublinhado nosso.

(28) - N.os 23 e 24.

(29) - N._ 25.

(30) - N._ 18 das suas conclusões.

(31) - Ibidem, n._ 17.

(32) - Acórdão Marshall II, n.os 25 e 26.

(33) - Ibidem, n._ 30, sublinhado nosso.

(34) - Ibidem, n._ 36.

(35) - N._ 48 das nossas conclusões.

(36) - V., por último, acórdão de 12 de Dezembro de 1996, Accrington Beef e o. (C-241/95, Colect., p. I-6699).

(37) - Acórdão Marshall II, n._ 26.

(38) - V., designadamente, acórdão de 21 de Setembro de 1989, Comissão/Grécia (68/88, Colect., p. 2965, n.os 23 e 24).

(39) - V. n._ 28 das nossas conclusões.