ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2 de Julho de 1996 ( *1 )

No processo C-290/94,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Helénica, representada por Aikaterini Samoni-Rantou, consultora jurídica especial adjunta no serviço especial do contencioso comunitário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Stamatina Vodina, advogada no foro de Atenas, colaboradora científica especializada no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da Grécia, 117, Val Sainte-Croix,

demandada,

que tem por objecto fazer declarar que a República Helénica, ao impor a condição de nacionalidade relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros para o acesso aos lugares existentes nas empresas e sociedades públicas, semipúblicas ou municipais que gerem os serviços de distribuição de água, gás e electricidade e nos serviços operacionais de saúde pública, no ensino, no sector do ensino público pré-primário, primário e secundário, superior e universitário dependente do Ministério da Educação Nacional, aos lugares dependentes dos serviços, sociedades ou outros organismos que gerem os meios de transporte marítimos e aéreos, aos lugares existentes no Serviço dos Caminhos-de-Ferro da Grécia (OSE) e nos organismos, sociedades ou empresas públicos ou municipais que gerem os serviços de transportes públicos urbanos e interurbanos, aos lugares de pessoal científico e não científico dos centros públicos de investigação para fins civis, aos lugares dependentes dos organismos ou empresas públicos ou semipúblicos que gerem os serviços de correios (ELTA), de telecomunicações (OTE) e de radiotelevisão (ET), bem como aos lugares de músicos no «Teatro Lírico Nacional» e nas orquestras municipais e de freguesia, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 48.° do Tratado CE e dos artigos 1.° e 7° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade QO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77).

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. N. Kakouris, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet e G. Hirsch, presidentes de secção, G. F. Mancini, F. Α. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J. L. Murray, P. Jann (relator), H. Ragnemalm, L. Sevón e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 23 de Janeiro de 1996, na qual a Comissão se fez representar por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e a República Helénica, por Aikaterini Samoni-Rantou,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Março de 1996,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Outubro de 1994, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que a República Helénica, ao impor a condição de nacionalidade relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros para o acesso aos lugares existentes nas empresas e sociedades públicas, semipúblicas ou municipais que gerem os serviços de distribuição de água, gás e electricidade e nos serviços operacionais de saúde pública, no ensino, no sector do ensino público pré-primário, primário e secundário, superior e universitário dependente do Ministério da Educação Nacional, aos lugares dependentes dos serviços, sociedades ou outros organismos que gerem os meios de transporte marítimos e aéreos, aos lugares existentes no Serviço dos Caminhos-de-Ferro da Grécia (OSE) e nos organismos, sociedades ou empresas públicos ou municipais que gerem os serviços públicos de transporte urbano ou interurbano, aos lugares de pessoal científico e não científico dos centros públicos de investigação para fins civis, aos lugares dependentes dos organismos ou empresas públicos ou semipúblicos que gerem os serviços de correios (ELTA), de telecomunicações (OTE) e de radiotelevisão (ET), bem como aos lugares de músicos no «Teatro Lírico Nacional» e nas orquestras municipais e de freguesia, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 48.° do Tratado CE e dos artigos 1.° e 7.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77).

2

O artigo 48.°, n.os 1 a 3, do Tratado CEE, actual Tratado CE, consagra o principio da livre circulação dos trabalhadores e a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados-Membros. O artigo 48.°, n.° 4, do Tratado estabelece que o disposto neste artigo não é aplicável aos empregos na administração pública. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta última disposição aplica-se aos empregos que envolvem uma participação, directa ou indirecta, no exercício da autoridade pública e nas funções que têm por objecto a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, que pressupõem, portanto, a existência de uma particular relação de solidariedade com o Estado por parte dos seus titulares, bem como a reciprocidade de direitos e deveres que são o fundamento do vínculo da nacionalidade. Mas a excepção prevista no artigo 48.°, n.° 4, não se aplica a empregos que, mesmo dependendo do Estado ou de outros organismos de direito público, não implicam contudo nenhum concurso em tarefas dependentes da administração pública propriamente dita (acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, 149/79, Recueil, p. 3881, n.os 10 e 11).

3

Os artigos 1.° a 7.° do Regulamento n.° 1612/68 enunciam a regra da igualdade de tratamento no acesso ao emprego, por um lado, e no exercício deste, por outro.

4

Tendo verificado que nalguns Estados-Membros um grande número de empregos considerados como pertencentes à função pública não tinham relação com o exercício da autoridade pública e a salvaguarda dos interesses gerais do Estado, a Comissão empreendeu, em 1988, uma «acção sistemática» com base na Comunicação 88/C 72/02, A livre circulação dos trabalhadores e o acesso aos empregos na administração pública dos Estados-Membros — Acção da Comissão em matéria de aplicação do n.° 4 do artigo 48.° do Tratado CEE (JO 1988, C 72, p. 2). Nesta comunicação, a Comissão convidou os Estados-Membros a permitirem o acesso dos nacionais dos outros Estados-Membros aos empregos nos organismos encarregados de gerir um serviço comercial, tais como transportes públicos, distribuição de electricidade ou de gás, companhias de navegação aérea ou marítima, correios e telecomunicações, bem como nos organismos de radioteledifusão, nos serviços operacionais de saúde pública, no ensino nos estabelecimentos públicos e na investigação para fins civis nos estabelecimentos públicos. A Comissão considerou que as funções e responsabilidades que caracterizam os empregos que dependem destes sectores só excepcionalmente podiam caber no âmbito da isenção prevista pelo n.° 4 do artigo 48.° do Tratado.

5

No quadro desta acção, tendo sido informada da recusa do Teatro Lírico Nacional de recrutar um músico alemão por causa da nacionalidade deste, a Comissão, em 26 de Março de 1991, 2 de Abril de 1991 e 21 de Maio de 1992, enviou oito cartas de interpelação ao Governo helénico, relativamente aos sectores da distribuição de água, gás e electricidade, da saúde, do ensino, dos transportes marítimos e aéreos, dos caminhos-de-ferro, da investigação para fins civis, dos correios, telecomunicações e radiotelevisão, bem como das orquestras de música. Nestas cartas, a Comissão convidou o Governo helénico a adoptar as medidas necessárias para abolir a condição de nacionalidade à qual este Estado subordina o acesso ao emprego nestes sectores e a apresentar as suas observações no prazo de seis meses.

6

Na resposta às sete primeiras cartas de interpelação, o Governo helénico, em 18 de Outubro de 1991, comunicou que não contestava os princípios enunciados pela Comissão a propósito do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado e que tinha decidido inserir os critérios de aplicação no seu programa de modernização administrativa, que seria adoptado a breve trecho, bem como em leis futuras programadas.

7

Como os projectos anunciados não se concretizaram, e como a última carta de interpelação, datada de 21 de Maio de 1992, respeitante ao Teatro Lírico Nacional e às orquestras municipais e de freguesia, não obteve resposta, a Comissão emitiu, em 13 de Julho de 1992 e em 3 de Março de 1993, oito pareceres fundamentados, convidando a República Helénica a tomar as medidas necessárias num prazo de quatro meses nas sete primeiras cartas e de dois meses na última.

8

Em resposta aos sete pareceres fundamentados de 13 de Julho de 1992, a República Helénica transmitiu à Comissão, por carta de 1 de Fevereiro de 1993, o texto de um projecto de lei relativo ao acesso dos nacionais comunitários aos empregos do sector público, que deveria ser submetido a votação parlamentar em Fevereiro de 1993, mas que ainda o não foi. Quanto ao parecer fundamentado de 3 de Março de 1993, relativo ao Teatro Lírico Nacional e às orquestras municipais e de freguesia, as autoridades helénicas não lhe deram qualquer resposta.

9

Não tendo sido adoptada nenhuma medida nacional nos prazos concedidos pelos pareceres fundamentados, a Comissão intentou a presente acção.

10

Resulta dos autos que, na Grécia, os sectores a que se refere a petição pertencem à função pública. Em todos estes sectores, a nacionalidade helénica é, em princípio, exigida para aceder aos empregos.

11

Este princípio está inscrito, em primeiro lugar, no artigo 4.°, n.° 4, da Constituição helénica que prevê que «apenas os cidadãos gregos são admitidos em todas as funções públicas, salvo excepções previstas em leis especiais». A seguir, a lei n.° 1735/87 e o Decreto ministerial n.° DIPPP/F de 7 e 8 de Janeiro de 1988 sobre o acesso aos empregos no sector público, exigem a nacionalidade helénica para o acesso a todos os empregos do sector público, sector este que, por sua vez, está definido no artigo 1.°, n.° 6, da Lei n.° 1256/82 e delimitado pelo artigo 51.° da Lei n.° 1892/90. Por último, o artigo 18.° do código da função pública dispõe que «não pode ser nomeado ninguém que não tenha a nacionalidade helénica».

12

Além disso, os artigos 7.° e 66.° do Decreto presidencial de codificação n.° 410/88 relativo ao recrutamento por contrato de direito privado do pessoal científico especializado, do pessoal técnico e auxiliar no sector público remetem para o artigo 18.° do código da função pública, para o recrutamento, por contrato de direito privado, do pessoal sazonal ou do recrutado para satisfazer necessidades temporárias nos diversos serviços do conjunto do sector público.

13

A condição de nacionalidade helénica está, além disso, prevista noutros textos legislativos ou regulamentares específicos aos sectores de actividade em causa.

14

Assim, os serviços de distribuição de água, gás e electricidade, embora não pertençam já ao sector público propriamente dito, são assegurados ou por autarquias locais, ou por empresas controladas pelo Estado e sujeitas a diplomas legais ou regulamentares especiais, como o artigo 5.°, n.° 5, do estatuto geral do pessoal da empresa pública de electricidade, ou ainda por empresas municipais às quais se aplicam diplomas legais e regulamentares que regem o estatuto do pessoal contratado das autarquias locais, como o artigo 260.° da Lei n.° 1188/81 e os artigos 7.° e 66.° do Decreto presidencial n.° 410/88, bem como os regulamentos internos das empresas ou sociedades em causa.

15

Os serviços operacionais de saúde pública dependem inteiramente do sector público, tanto no que diz respeito aos funcionários como ao pessoal que não tem essa qualidade, de modo que está sujeito às regras gerais acima mencionadas. No entanto, os nacionais comunitários que conheçam a língua grega podem ser admitidos como médicos e enfermeiros nos hospitais públicos.

16

O sector do ensino também está totalmente integrado no sector público, incluindo o ensino técnico e superior (Lei n.° 1404/93) e o ensino universitário (lei n.° 1268/82 e artigo 16.°, n.° 6, da Constituição). São, porém, previstas algumas excepções à condição da nacionalidade helénica para determinados lugares, na falta de candidatos gregos (artigo 79.°, n.° 7, da Lei n.° 1566/85), ou para professores de línguas e literaturas estrangeiras ensinadas nas universidades (artigos 4.° e 5.° da Lei n.° 5139/31).

17

No sector dos transportes marítimos e aéreos, o artigo 4.°, n.° 1, do Decreto-lei n.° 2651/53 relativo à composição da tripulação dos navios helénicos, exige a nacionalidade helénica para qualquer recrutamento, salvo raras excepções previstas no n.° 2 do mesmo artigo. Por outro lado, o artigo 5.° do Decreto real n.° 1 (14) de 3 de Novembro de 1836 relativo à marinha mercante determina que três quartos, pelo menos, da tripulação do navio deve ter a nacionalidade helénica. A mesma condição é imposta pelo artigo 57.° do código marítimo para a inscrição de marinheiros nos registos respectivos, salvo cm relação aos trabalhadores marítimos. As companhias de transporte aéreo pertencem ao sector público e estão, portanto, sujeitas às disposições gerais acima evocadas.

18

Os caminhos-dc-ferro, bem como os organismos, sociedades ou empresas que gerem os serviços públicos de transporte urbano ou interurbano estão, em princípio, dependentes do sector público c estão, por conseguinte, sujeitos à condição geral de nacionalidade helénica. Além disso, o artigo 19.°, n.° 1, do estatuto geral do pessoal dos caminhos-de-ferro helénicos dispõe: «ninguém pode ser recrutado se não possuir a nacionalidade helénica», prevendo, porém, algumas excepções no n.° 3 do mesmo artigo. Outros diplomas legislativos e regulamentares específicos impõem igualmente a condição de nacionalidade relativamente aos empregos que não fazem parte do sector público. E o caso do artigo 8.° do regulamento de pessoal dos serviços internos dos caminhos-de-ferro helénicos, do artigo 15.° do regulamento do pessoal dos serviços externos dos caminhos-de-ferro eléctricos helénicos, bem como do artigo 11.° do estatuto geral do pessoal dos autocarros eléctricos de Atenas.

19

Na investigação para fins civis, os artigos 16.°, n.° 2, 20.° e 21.° da Lei n.° 1514/85, bem como os decretos de execução do artigo 25.° desta lei exigem, em princípio, a nacionalidade helénica a todos os membros do pessoal científico de investigação. Prevêem-se, no entanto, algumas excepções para peritos de investigação convidados e para programas específicos. Quanto ao pessoal técnico, administrativo e auxiliar, a condição de nacionalidade helénica é exigida relativamente aos funcionários pelas disposições acima referidas e, relativamente aos membros do pessoal contratado, pelo artigo 24.° da Lei n.° 1514/85, pelo artigo 7.° da Lei n.° 1735/87, o Decreto ministerial n.° DIPPP/F de 7 e 8 de Janeiro de 1988 e pelos artigos 7.° e 66.° do Decreto n.° 410/88.

20

Nos serviços dos correios, das telecomunicações e da radiotelevisão, os organismos em causa estão integrados no sector público e estão, portanto, sujeitos à condição de nacionalidade prevista pelas disposições gerais. Além disso, os estatutos dos diferentes organismos retomam esta condição. E o caso, por exemplo, do artigo 7.° do estatuto geral do pessoal dos correios helénicos e do artigo 6.°, n.° 1, do estatuto geral da empresa de telecomunicações.

21

Finalmente, no Teatro Lírico Nacional e nas orquestras municipais e de freguesia, as autoridades helénicas reservam, por força do disposto no artigo 7° do Decreto presidencial n.° 410/88, já referido, o acesso aos empregos de músico aos nacionais gregos.

22

Em todos os casos em que é imposta, a exigência da nacionalidade helénica é enunciada em termos gerais e sem distinção em função da natureza das funções ou da posição hierárquica dos empregos em causa.

23

A Comissão sustenta que, em todos os sectores a que se refere a presente acção, as funções e responsabilidades que caracterizam os empregos sujeitos à condição de nacionalidade estão, regra geral, demasiado afastadas das actividades específicas da administração pública para beneficiarem quase sem excepção da isenção a que se refere o n.° 4 do artigo 48.° do Tratado. A República Helénica não pode, portanto, exigir a nacionalidade helénica para a totalidade dos empregos nesses sectores. Em determinados empregos em que essa relação com as actividades específicas da administração pública existe, é ao Governo demandado que incumbe o ónus de provar essa relação.

24

A República Helénica pede que a acção seja julgada improcedente. Não contesta que, de um modo geral, no seu território, os empregos nos sectores em causa são reservados aos seus próprios nacionais. Observa contudo, em primeiro lugar, que, em 31 de Dezembro de 1992, foi adoptado no sector da marinha, o Decreto presidencial n.° 12/1992, sobre o acesso aos empregos na marinha mercante helénica dos marinheiros nacionais dos Estados-Membros das Comunidades Europeias e o reconhecimento dos serviços marítimos prestados por marinheiros gregos em navios com pavilhão dos Estados-Membros das Comunidades Europeias, para efeitos de obtenção de certificados de marítimos. Este decreto entrou em vigor a 1 de Fevereiro de 1993 e foi notificado à Comissão em 18 de Março de 1993. Portanto, quanto a este aspecto, a acção ficou sem objecto.

25

Em segundo lugar, o Governo helénico, relativamente ao caso do músico alemão que originou o último parecer fundamentado da Comissão de 3 de Março de 1993, refere uma sentença do tribunal de primeira instância de Atenas, de 29 de Maio de 1992(Nomiko Vima 1993, pp. 328-332) que, tendo embora negado provimento ao recurso por razões formais, reconhece que as regras do direito comunitário nesta matéria prevalecem, como regras especiais, sobre as disposições nacionais em causa. Na tréplica, a República Helénica sublinha, ainda, que o caso do músico em questão foi entretanto resolvido, uma vez que em 23 de Fevereiro de 1995 foi recrutado por tempo indeterminado, como pretendia, por uma decisão do presidente da câmara de Atenas.

26

Em terceiro lugar, o Governo helénico alega que foi elaborado um projecto de lei relativo ao acesso dos nacionais comunitários a empregos do sector público, que obteve um parecer positivo da Comissão. O procedimento parlamentar respeitante a este projecto, que deveria ter sido votado em Abril de 1993, não pôde, porém, concluir-se por causa da dissolução antecipada da assembleia nacional na perspectiva das eleições legislativas de 10 de Outubro de 1993.

27

Quanto aos dois primeiros argumentos, convém lembrar que, segundo jurisprudência constante (v., nomeadamente, o acórdão de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha, C-433/93, Colect., p. I-2303, n.° 15), as alterações introduzidas na legislação nacional são irrelevantes para decidir sobre o objecto de uma acção por incumprimento, quando não tenham sido adoptadas antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Também não podem ser tidas em conta, na decisão sobre o incumprimento, as soluções dadas a casos particulares depois dessa data.

28

No caso em apreço, no que se refere ao sector do transporte marítimo, o prazo indicado no parecer fundamentado era de quatro meses, com início em 13 de Julho de 1992. O Governo helénico não pode, assim, invocar alterações legislativas ocorridas, no que diz respeito aos empregos na marinha, em 1 de Fevereiro de 1993. Relativamente ao caso do músico alemão, o prazo indicado no parecer fundamentado era de dois meses, com início em 3 de Março de 1993. A solução dada a este caso depois da propositura da acção também não pode, assim, ser tida em consideração no quadro do incumprimento alegado.

29

No que se refere ao segundo argumento, faz-se notar que o Governo helénico não pode invocar o primado do direito comunitário, tal como foi reconhecido pelo tribunal de primeira instância de Atenas na sua sentença de 29 de Maio de 1992. Com efeito, segundo jurisprudência assente, o primado e o efeito directo das disposições do direito comunitário não dispensam os Estados-Membros da obrigação de eliminar da sua ordem jurídica interna as disposições incompatíveis com o direito comunitário; com efeito, a sua manutenção provoca uma situação de facto ambígua, deixando os interessados num estado de incerteza quanto às suas possibilidades de recorrer ao direito comunitário (v., nomeadamente, o acórdão de 24 de Março de 1988, Comissão/Itália, 104/86, Colect., p. 1799, n.° 12).

30

Quanto ao terceiro argumento, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações decorrentes do direito comunitário (v., nomeadamente, o acórdão de 6 de Julho de 1995, Comissão/Grécia, C-259/94, Colect., p. I-1947, n.° 5).

31

Além disso, a República Helénica contesta a visão dita «global» da Comissão, que consiste em excluir sectores inteiros da derrogação do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado, e isto quando não existe qualquer regulamentação comunitária e sem indicações pormenorizadas respeitantes aos lugares em causa. A Comissão tentaria, assim, arrogar-se uma competência que não tem, publicando comunicações cujo conteúdo só pode ser imposto por acórdãos do Tribunal de Justiça. Segundo a República Helénica, resulta de jurisprudência constante (v., nomeadamente, o acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, já referido) que a Comissão deve obrigatoriamente proceder a um exame caso a caso dos empregos em causa em vez de indicar um conjunto de sectores que estão apriori excluídos da derrogação prevista pelo artigo 48.°, n.° 4, do Tratado, fazendo recair sobre os Estados-Membros o ónus da prova em contrário em casos individuais concretos.

32

A Comissão alega a este propósito que, na sua Comunicação 88/C 72/02, examinou os empregos dos diferentes sectores em causa, à luz dos critérios de interpretação do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado tal como estes foram definidos pelo Tribunal. Esse exame levou-a a concluir que esses empregos estão demasiado afastados das actividades específicas da administração pública para poderem ficar abrangidos, em termos gerais, pela derrogação do n.° 4 do artigo 48.° Nestas condições, deve poder excluir a priori a aplicação dessa disposição em todos os sectores a que se refere a presente acção, sem necessidade de análise prévia para cada emprego.

33

A Comissão afirma ainda ter verificado que as actividades exercidas nos sectores em causa ou existem também no sector privado, ou poderiam ser exercidas no sector público sem estarem sujeitas à condição de nacionalidade.

34

Deve realçar-se a este propósito que a presente acção diz respeito aos sectores da investigação, do ensino, da saúde, dos transportes terrestres, marítimos e aéreos, dos correios, das telecomunicações c da radiotelevisão, bem como aos serviços de distribuição de água, gás, e electricidade e, por último, ao sector musical e lírico. Como o admite o próprio Governo helénico, a generalidade dos empregos nestes sectores estão afastados das actividades específicas da administração pública, porque não envolvem nenhuma participação directa ou indirecta no exercício da autoridade pública nem em funções que têm como objectivo a salvaguarda de interesses gerais do Estado ou das pessoas colectivas públicas (v., nomeadamente, os acórdãos de 3 de Junho de 1986, Comissão/França, 307/84, Colect., p. 1725, relativo ao sector da saúde; de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 225/85, Colect., p. 2625, relativo ao sector da investigação ligada a fins civis; de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121; de 30 de Maio de 1989, Allué e Coonan, 33/88, Colect., p. 1591; e de 27 de Novembro de 1991, Bleis, C-4/91, Colect., p. I-5627, relativos ao ensino).

35

Em consequência, o Estado-Membro não pode sujeitar, de modo geral, a totalidade dos empregos dos sectores em causa a uma condição de nacionalidade sem ir além da excepção prevista no artigo 48.°, n.° 4, do Tratado.

36

O facto de determinados empregos nestes sectores poderem eventualmente estar abrangidos pelo n.° 4 do artigo 48.° do Tratado não pode justificar essa proibição geral (v., igualmente, dois acórdãos proferidos nesta mesma data, Comissão/Luxemburgo, C-473/93 e Comissão/Bélgica, C-173/94).

37

Nestas circunstâncias, a República Helénica estava obrigada, para respeitar plenamente os princípios da livre circulação dos trabalhadores e da igualdade de tratamento no acesso ao emprego, a abrir os sectores em causa aos nacionais dos outros Estados-Membros, limitando a aplicação da condição de nacionalidade ao acesso aos empregos que implicam uma participação directa ou indirecta no exercício da autoridade pública e em funções que têm como objectivo a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas.

38

No que concerne ao fundamento da acção, dever-se-á precisar que o artigo 7° do Regulamento n.° 1612/68 diz respeito às condições de exercício de um emprego e não ao acesso ao emprego. Ora, no presente processo, só está em causa o acesso ao emprego dos nacionais de outros Estados-Membros. O incumprimento não pode, por conseguinte, ser declarado com base no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

39

Tendo em consideração quanto precede, deve decidir-se que a República Helénica, ao não limitar a exigência da nacionalidade helénica ao acesso a empregos que envolvem uma participação, directa ou indirecta, no exercício da autoridade pública e nas funções que têm por objectivo a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, nos sectores públicos da distribuição de água, gás, e electricidade, nos serviços operacionais de saúde pública, nos sectores do ensino público, dos transportes marítimos e aéreos, dos caminhos-de--ferro, dos transportes públicos urbanos ou interurbanos, da investigação para fins civis, dos correios, das telecomunicações e da radiotelevisão, bem como no Teatro Lírico Nacional e nas orquestras municipais e de freguesia, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 48.° do Tratado CEE e do artigo 1.° do Regulamento n.° 1612/68.

Quanto às despesas

40

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Helénica sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

decide:

 

1)

A República Helénica, ao não limitar a exigência da nacionalidade helénica ao acesso a empregos que envolvem uma participação, directa ou indirecta, no exercício da autoridade pública e nas funções que têm por objectivo a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, nos sectores públicos da distribuição de água, gás, e electricidade, nos serviços operacionais de saúde pública, nos sectores do ensino público, dos transportes marítimos e aéreos, dos caminhos-de-ferro, dos transportes públicos urbanos ou interurbanos, da investigação para fins civis, dos correios, das telecomunicações e da radiotelevisão, bem como no Teatro Lírico Nacional e nas orquestras municipais e de freguesia, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 48.° do Tratado CEE e do artigo 1.° do Regulamento n.° 1612/68.

 

2)

A República Helénica é condenada nas despesas.

 

Rodríguez Iglesias

Kakouris

Edward

Puissochet

Hirsch

Mancini

Schockweiler

Moitinho de Almeida

Kapteyn

Gulmann

Murray

Jann

Ragnemalm

Sevón

Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de Julho de 1996.

O secretário

R. Grass

O presidente

G. C. Rodríguez Iglesias


( *1 ) Língua do processo: grego.