Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 1 de Fevereiro de 1996. - Y. M. Posthuma-van Damme contra Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen e N. Oztürk contra Bestuur van de Nieuwe Algemene Bedrijfsvereniging. - Pedido de decisão prejudicial: Centrale Raad van Beroep - Países Baixos. - Igualdade entre homens e mulheres - Segurança social - Directiva 79/7/CEE - Interpretação do acórdão de 24 de Fevereiro de 1994, Roks e o., C-343/92. - Processo C-280/94.
Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-00179
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Política social ° Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social ° Âmbito de aplicação pessoal da Directiva 79/7 ° População activa na acepção do artigo 2. da directiva ° Caso de uma pessoa que não beneficiou de rendimentos de uma actividade profissional antes de ocorrer uma incapacidade para o trabalho
(Directiva 79/7 do Conselho, artigo 2. )
2. Política social ° Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social ° Directiva 79/7 ° Legislação nacional que faz depender o benefício de uma prestação de incapacidade para o trabalho da obtenção de um rendimento relacionado com uma actividade profissional durante o ano que antecedeu a incapacidade para o trabalho ° Condição que afecta mais homens que mulheres ° Justificação objectiva ° Admissibilidade ° Legislação que põe termo a um regime anterior que aproveitava a um maior número de beneficiários ° Não incidência
(Directiva 79/7 do Conselho, artigo 4. , n. 1)
1. O conceito de população activa, na acepção do artigo 2. da Directiva 79/7, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, é muito amplo porque visa todos os trabalhadores, incluindo os que se encontram simplesmente à procura de emprego, de modo que uma pessoa que, durante o ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade para o trabalho, não tenha auferido, por uma actividade profissional ou em relação com ela, um determinado rendimento, não está necessariamente fora do âmbito de aplicação pessoal da directiva.
2. A Directiva 79/7, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deixa intacta a competência que os artigos 117. e 118. do Tratado reconhecem aos Estados-Membros para, com ampla margem de apreciação, no quadro de uma colaboração estreita promovida pela Comissão, definirem a sua política social, e, em consequência, a natureza e alcance das medidas de protecção social, inclusive em matéria de segurança social, bem como as modalidades concretas da sua execução.
Daqui decorre que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 não se opõe à aplicação de uma legislação nacional que faz depender o benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho da condição de se ter auferido um determinado rendimento pelo exercício de uma actividade profissional ou relacionado com essa actividade no ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade, mesmo que essa condição afecte mais mulheres do que homens. Efectivamente, por um lado, o facto de se garantir o benefício de um rendimento mínimo a quem obtinha um rendimento de uma actividade profissional, a cujo exercício teve de renunciar em consequência de uma incapacidade para o trabalho, corresponde a um objectivo legítimo de política social e, por outro, o facto de se fazer depender o benefício desse rendimento mínimo da referida condição constitui um meio que é apto para alcançar esse objectivo e que o legislador nacional, no exercício da sua competência, podia razoavelmente considerar como sendo necessário para esse efeito.
O facto de um regime dessa natureza substituir um regime de puro seguro popular e de reduzir o número de beneficiários relativamente a este último não é susceptível de afectar a sua compatibilidade com o direito comunitário. Com efeito, como o direito comunitário não se opõe a que um Estado-Membro adopte medidas que tenham como efeito retirar a determinadas categorias de pessoas o benefício de uma prestação de segurança social, na condição de essas medidas respeitarem o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, tal como se encontra definido no artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, os Estados-Membros também podem livremente definir, no âmbito da sua política social, novas modalidades que têm como efeito reduzir o número dos beneficiários de uma prestação de segurança social.
No processo C-280/94,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos), destinado a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre, por um lado,
Y. M. Posthuma-van Damme
e
Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen,
e, por outro,
N. Oztuerk
e
Bestuur van de Nieuwe Algemene Bedrijfsvereniging,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: C. N. Kakouris, presidente de secção, G. Hirsch, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler (relator) e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: N. Fennelly,
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação do Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen, por J. R. van Es-de Vries e J. van Doorn, colaboradores jurídicos,
° em representação do Bestuur van de Nieuwe Algemene Bedrijfsvereniging, por C. R. J. A. M. Brent, chefe do Departamento de Administração e Assuntos Jurídicos da associação Gemeenschappelijk Administratiekantoor,
° em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,
° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Wolfcarius e B. J. Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações do Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen, representado por J. van Doorn, do Bestuur van de Nieuwe Algemene Bedrijfsvereniging, representado por F. W. M. Keunen, colaborador jurídico na associação Gemeenschappelijk Administratiekantoor, do Governo neerlandês, representado por J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por B. J. Drijber, na audiência de 9 de Novembro de 1995,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Dezembro de 1995,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 7 de Outubro de 1994, que deu entrada no Tribunal em 17 de Outubro seguinte, o Centrale Raad van Beroep submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174, a seguir "Directiva 79/7").
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, Y. Posthuma-van Damme ao Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen (direcção da associação profissional para o comércio retalhista, artesãos e donas de casa, a seguir "Detam") e, por outro, N. Oztuerk ao Bestuur van de Nieuwe Algemene Bedrijfsvereniging (direcção da nova associação profissional geral, a seguir "NAB"), a respeito da supressão (no caso de Y. Posthuma-van Damme) e da recusa (no caso de N. Oztuerk) de uma prestação por incapacidade para o trabalho nos termos da Algemene Arbeidsongeschiktheidswet (lei que institui o regime geral em matéria de incapacidade para o trabalho, a seguir "AAW") de 11 de Dezembro de 1975.
3 Há que recordar a legislação em causa, que já foi descrita no acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1994, Roks e o. (C-343/92, Colect., p. I-571, n.os 3 a 8).
4 Originariamente, a AAW, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1976, conferia aos homens, assim como às mulheres não casadas, depois de uma incapacidade para o trabalho de um ano, o direito a uma prestação por incapacidade para o trabalho cujo montante não dependia nem dos outros rendimentos eventuais do beneficiário nem de uma perda de rendimento sofrida por este.
5 O direito a uma prestação nos termos da AAW foi alargado às mulheres casadas pela Wet invoering gelijke uitkeringsrechten voor mannen en vrouwen (lei que institui a igualdade entre homens e mulheres em matéria de direito às prestações) de 20 de Dezembro de 1979. Ao mesmo tempo, esta lei fez depender o direito à prestação para todos os segurados, com excepção de determinadas categorias, da condição de, durante o ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade para o trabalho, o beneficiário ter recebido, devido ao seu trabalho ou em relação com este, um determinado rendimento, superior ou igual, inicialmente, a 3 423,81 HFL (a seguir "condição de rendimento"). Esta condição de rendimento era imposta a todas as pessoas cuja incapacidade para o trabalho tivesse ocorrido depois de 1 de Janeiro de 1979.
6 Por força das disposições transitórias da referida lei de 20 de Dezembro de 1979, os homens e as mulheres não casadas, cuja incapacidade para o trabalho tivesse ocorrido antes de 1 de Janeiro de 1979, continuavam a ter direito a uma prestação, sem terem de preencher a condição de rendimento. As mulheres casadas cuja incapacidade fosse anterior a 1 de Outubro de 1975 não tinham qualquer direito a prestações, mesmo que preenchessem a condição de rendimento. Quanto àquelas cuja incapacidade ocorrera entre 1 de Outubro de 1975 e 1 de Janeiro de 1979, só tinham direito a uma prestação se preenchessem a condição de rendimento.
7 Em vários acórdãos de 5 de Janeiro de 1988, o Centrale Raad van Beroep decidiu que estas disposições transitórias constituíam uma discriminação em razão do sexo, incompatível com o artigo 26. do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 19 de Dezembro de 1966 (Recueil des traités, volume 999, p. 171), e que as mulheres casadas cuja incapacidade para o trabalho fosse anterior a 1 de Janeiro de 1979 tinham direito, com efeitos a 1 de Janeiro de 1980, data de entrada em vigor da lei de 20 de Dezembro de 1979, a uma prestação nos termos da AAW nas mesmas condições que os homens, isto é, sem condição de rendimento, mesmo quando a ocorrência da sua incapacidade fosse anterior a 1 de Outubro de 1975.
8 As disposições transitórias consideradas discriminatórias para as mulheres casadas foram revogadas por uma lei de 3 de Maio de 1989. Contudo, esta prevê no artigo III que as pessoas cuja incapacidade para o trabalho seja anterior a 1 de Janeiro de 1979 e que apresentem um pedido de prestação ao abrigo da AAW depois de 3 de Maio de 1989 devem satisfazer a condição de rendimento e, no artigo IV, que a prestação ao abrigo da AAW é suprimida para as pessoas cuja incapacidade para o trabalho seja anterior a 1 de Janeiro de 1979, se não preencherem a condição de rendimento. Esta supressão, que inicialmente estava prevista para 1 de Junho de 1990, foi adiada para 1 de Julho de 1991 por uma lei posterior.
9 Por acórdão de 23 de Junho de 1992, o Centrale Raad van Beroep entendeu que o montante da condição de rendimento, que em 1988 era de 4 403,53 HFL por ano, constituía uma discriminação indirecta para com as mulheres, contrária ao artigo 26. do já referido pacto internacional e ao artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, e que a condição de rendimento devia considerar-se preenchida se o beneficiário, durante o ano que antecedeu o início da sua incapacidade para o trabalho, tivesse recebido um "determinado rendimento".
10 Y. Posthuma-van Damme, que trabalhou como independente com o marido numa estação de serviço, cessou a sua actividade em finais de 1974 por razões de saúde e foi reconhecida como estando afectada por incapacidade para o trabalho desde 1 de Outubro de 1976. Na sequência dos referidos acórdãos do Centrale Raad van Beroep de 5 de Janeiro de 1988, a Detam decidiu, em 25 de Julho de 1989, atribuir-lhe uma prestação por incapacidade para o trabalho nos termos da AAW, com efeitos a 14 de Abril de 1985. Contudo, por decisão de 26 de Março de 1991, a Detam suprimiu essa prestação, com efeito a 1 de Julho de 1991, em aplicação do artigo IV da lei de 3 de Maio de 1989, com as modificações posteriores, com o fundamento de que, durante o ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade para o trabalho, ela não preenchia a condição de rendimento.
11 N. Oztuerk exerceu diversas actividades para várias entidades patronais até 1988. Seguidamente recebeu um subsídio até 17 de Abril de 1990, nos termos do Rijksgroepsregeling Werkloze Werknemmers (regulamento nacional a favor dos trabalhadores desempregados). Posteriormente foi reconhecido que estava afectado por incapacidade para o trabalho desde 1 de Abril de 1989. Em aplicação do artigo 6. da AAW, modificado pela lei de 20 de Dezembro de 1979, a NAB, por decisão de 23 de Outubro de 1992, recusou-lhe o benefício de uma prestação nos termos da AAW, com o fundamento de que, durante o ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade para o trabalho, não preenchia a condição de rendimento.
12 Tendo sido negado provimento aos recursos de Y. Posthuma-van Damme e N. Oztuerk interpostos no Arrondissementsrechtbank te Rotterdam das decisões que, respectivamente, suprimiram e recusaram uma prestação nos termos da AAW, os recorrentes interpuseram recurso para o Centrale Raad van Beroep, que decidiu submeter ao Tribunal as questões prejudiciais seguintes:
"Tendo em conta que uma condição de rendimento contida num regime legal sobre a incapacidade para o trabalho abrange mais mulheres do que homens:
1) (relativamente ao primeiro processo) O direito comunitário aplicável deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, com base no artigo IV da lei de 3 de Maio de 1989, uma prestação por incapacidade para o trabalho ao abrigo da AAW, adquirida por incapacidade para o trabalho ocorrida antes de 1 de Janeiro de 1979, deixe de ser paga com o fundamento de que, a partir de 1 de Julho de 1991, aquela disposição faz depender a manutenção do direito à prestação da condição de, antes da ocorrência da incapacidade para o trabalho, terem sido auferidos rendimentos do trabalho ou com ele relacionados?
2) (relativamente ao segundo processo) O direito comunitário aplicável deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma prestação por incapacidade para o trabalho ao abrigo da AAW seja recusada em aplicação do artigo 6. da mesma lei (na redacção dada pela lei de 20 de Dezembro de 1979 e tendo em conta o acórdão do Centrale Raad van Beroep de 23 de Junho de 1992) que faz depender a concessão de uma prestação da condição de o beneficiário ter auferido rendimentos do trabalho ou com ele relacionados durante o ano que precedeu o dia em que ocorreu a incapacidade para o trabalho, ou seja, no caso vertente, 1 de Abril de 1989?"
13 No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional nacional esclarece que, com estas questões, pretende saber se uma condição de rendimento prevista numa legislação de seguro contra a incapacidade para o trabalho é compatível com o direito comunitário e conhecer, a este respeito, o alcance exacto das respostas que o Tribunal deu no acórdão Roks e o., já referido. Considera que, atendendo a algumas das suas formulações, aquele acórdão pode dar lugar a várias interpretações e pergunta, em especial, se a resposta à terceira questão não extravasa do âmbito da questão submetida, que visava saber se uma disposição como o artigo IV da lei de 3 de Maio de 1989, que faz depender a manutenção do direito à prestação de uma condição suplementar relativa à perda de um rendimento do trabalho no ano que precedeu a ocorrência da incapacidade, pode ser justificada por considerações de ordem orçamental.
14 Perante estas interrogações, há que recordar antes de mais que, no acórdão Roks e o., já referido, o Tribunal declarou, em resposta a questões prejudiciais submetidas pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch, que o direito comunitário não se opõe à adopção de uma legislação nacional que, subordinando a manutenção do benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho a uma condição aplicável a partir de então tanto aos homens como às mulheres, tenha por efeito retirar a estas, no futuro, direitos de que gozavam por força do efeito directo do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 (n. 2 do dispositivo).
15 O Tribunal declarou igualmente que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 se opõe à aplicação de uma legislação nacional que faça depender a concessão de uma prestação por incapacidade para o trabalho da condição de se ter auferido determinado rendimento no ano anterior à ocorrência da incapacidade, condição essa que, apesar de não estabelecer uma distinção em razão do sexo, afecta um número muito mais elevado de mulheres do que de homens, ainda que a adopção dessa legislação nacional se justifique por considerações de ordem orçamental (n. 3 do dispositivo).
16 Em seguida, há que observar que, quando o Tribunal examinou se o direito comunitário se opunha à adopção de uma legislação nacional que, ao fazer depender a manutenção do benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho de uma condição aplicável a partir de então tanto aos homens como às mulheres, tinha como efeito retirar a estas, para o futuro, direitos que elas tinham devido ao efeito directo do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, reservou expressamente a apreciação da questão de saber se, enquanto tal, uma condição de rendimento, como a que está em causa no processo principal, respeita o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres (acórdão Roks e o., já referido, n. 29, in fine).
17 Deve esclarecer-se, por fim, que a terceira questão no processo Roks e o., já referido, incidia exclusivamente sobre a questão de saber se uma discriminação indirecta em razão do sexo, decorrente da aplicação de uma condição de rendimento como a que está em causa no processo principal, e que o órgão jurisdicional nacional apresentava como estando assente, podia justificar-se por considerações de ordem orçamental, de modo que a resposta negativa que o Tribunal deu a esse respeito não prejudica o destino a dar a outras justificações eventuais.
18 Atendendo ao que precede, devem entender-se as questões prejudiciais submetidas pelo Centrale Raad van Beroep como pretendendo saber se o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 se opõe à aplicação de uma legislação nacional que faz depender o benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho da condição de se ter auferido um determinado rendimento pelo exercício de uma actividade profissional ou relacionado com essa actividade no ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade, quando é pacífico que essa condição afecta mais mulheres do que homens.
19 Tendo a Comissão posto em dúvida, na audiência, que pessoas que não preencham essa condição de rendimento, isto é, que não tenham auferido no ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade para o trabalho, por uma actividade profissional ou em relação com essa actividade, um determinado rendimento, sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 79/7, há que recordar liminarmente que, nos termos do seu artigo 2. , esta se aplica "à população activa, incluindo os trabalhadores independentes, os trabalhadores cuja actividade seja interrompida por doença, acidente ou desemprego involuntário e às pessoas à procura de emprego, bem como aos trabalhadores reformados e aos trabalhadores inválidos".
20 Como o Tribunal também declarou nos seus acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Nolte (C-317/93, Colect., p. I-4625, n. 17), e Megner e Scheffel (C-444/93, Colect., p. I-4741, n. 16), resulta daquela disposição que o conceito de população activa é muito amplo porque visa todos os trabalhadores, incluindo os que se encontram simplesmente à procura de emprego, mas não se aplica a pessoas que nunca estiveram disponíveis no mercado de trabalho ou que deixaram de o estar sem que a causa fosse a ocorrência de um dos riscos previstos na directiva (v. também, neste sentido, acórdão de 27 de Junho de 1989, Achterberg-te Riele e o., 48/88, 106/88 e 107/88, Colect., p. 1963, n. 11).
21 Resulta do que antecede que uma pessoa que, durante o ano que antecedeu a ocorrência da sua incapacidade para o trabalho, não tenha auferido, por uma actividade profissional ou em relação com ela, um determinado rendimento, não está necessariamente fora do âmbito de aplicação pessoal da Directiva 79/7.
22 Além disso, deve observar-se que, no despacho de reenvio, o órgão jurisdicional nacional, único competente para apreciar os factos do processo principal e apurar, com base nesses factos, se os recorrentes no processo principal são abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 79/7, constatou expressamente, por um lado, que Y. Posthuma-van Damme devia ser considerada como tendo cessado as suas actividades por incapacidade para o trabalho ou por desemprego e, por outro, que N. Oztuerk tinha deixado de trabalhar antes de Abril de 1989, data da ocorrência da sua incapacidade para o trabalho, por se encontrar desempregado.
23 Para responder às questões submetidas, tal como foram reformuladas no n. 18, deve recordar-se que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 proíbe, em matéria de segurança social, qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa quer indirectamente, por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar, especialmente no que respeita ao âmbito de aplicação dos regimes de segurança social e às condições de acesso a esses regimes.
24 Segundo jurisprudência constante, aquela disposição opõe-se à aplicação de uma medida nacional que, embora formulada de modo neutro, prejudica de facto uma percentagem muito mais elevada de mulheres do que de homens, a menos que essa medida se justifique por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo. É esse o caso se os meios escolhidos correspondem a um objectivo legítimo da política social do Estado-Membro cuja legislação está em causa, se forem aptos a alcançar o objectivo prosseguido por esta e se forem necessários para esse efeito (v., em último lugar, acórdãos Nolte, já referido, n. 28, e Megner e Scheffel, já referido, n. 24).
25 A Detam, a NAB e o Governo neerlandês alegam, em substância, que, ao introduzir a condição de rendimento na AAW, a lei de 20 de Dezembro de 1979 transformou o regime neerlandês em matéria de incapacidade para o trabalho de um puro seguro popular em seguro contra a perda de um rendimento que garante um rendimento mínimo às pessoas seguradas, e que, ao prever que a condição de rendimento passa a impor-se a todos os segurados, homens e mulheres, casados e não casados, afectados por incapacidade para o trabalho antes ou depois de 1 de Janeiro de 1979, a lei de 3 de Maio de 1989 acentuou a natureza de seguro contra a perda de rendimento desse regime. Consideram que, com isso, o legislador neerlandês prosseguiu um objectivo legítimo de política social, inerente a numerosos regimes de segurança social, que consiste em reservar o benefício de uma determinada prestação às pessoas que perderam rendimentos devido à ocorrência do risco que a prestação se destina a cobrir.
26 Como o Tribunal recordou no acórdão Roks e o., já referido, n. 28, a Directiva 79/7 deixa intacta a competência que os artigos 117. e 118. do Tratado CE reconhecem aos Estados-Membros para, no quadro de uma colaboração estreita promovida pela Comissão, definirem a sua política social e, em consequência, a natureza e alcance das medidas de protecção social, inclusive em matéria de segurança social, bem como as modalidades concretas da sua execução. No exercício dessa competência, os Estados-Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação (v. acórdãos Nolte, já referido, n. 33, e Megner e Scheffel, já referido, n. 29).
27 Ora, há que declarar que garantir o benefício de um rendimento mínimo a quem obtinha um rendimento de uma actividade profissional ou relacionado com essa actividade, a cujo exercício teve de renunciar em consequência de uma incapacidade para o trabalho, corresponde a um objectivo legítimo de política social, e que fazer depender o benefício desse rendimento mínimo da condição de o interessado ter beneficiado de tal rendimento durante o ano que antecedeu a ocorrência da sua incapacidade para o trabalho constitui um meio que é apto para alcançar esse objectivo e que o legislador nacional, no exercício da sua competência, podia razoavelmente considerar como sendo necessário para esse efeito.
28 O facto de um regime dessa natureza ter substituído um regime de puro seguro popular e de o número de pessoas susceptíveis de beneficiar dele se ter posteriormente reduzido àquelas que efectivamente perderam, no momento da ocorrência do risco, um rendimento de uma actividade profissional ou com ela relacionado não é susceptível de afectar esta constatação.
29 Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal, recordada no acórdão Roks e o., já referido, n. 29, e confirmada no acórdão de 19 de Outubro de 1995, Richardson (C-137/94, Colect., p. I-3407, n. 24), que o direito comunitário não se opõe a que um Estado-Membro adopte medidas que tenham como efeito retirar a determinadas categorias de pessoas o benefício de uma prestação de segurança social, na condição de essas medidas respeitarem o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, tal como se encontra definido no artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7. Com essa mesma condição, ele pode também livremente definir, no âmbito da sua política social, novas modalidades que têm como efeito reduzir o número dos beneficiários de uma prestação de segurança social.
30 À luz das considerações que antecedem, deve responder-se às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 não se opõe à aplicação de uma legislação nacional que faz depender o benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho da condição de se ter auferido um determinado rendimento pelo exercício de uma actividade profissional, ou relacionado com essa actividade, no ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade, mesmo que seja certo que essa condição afecta mais mulheres do que homens.
Quanto às despesas
31 As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Centrale Raad van Beroep, por despacho de 7 de Outubro de 1994, declara:
O artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1989, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, não se opõe à aplicação de uma legislação nacional que faz depender o benefício de uma prestação por incapacidade para o trabalho da condição de se ter auferido um determinado rendimento pelo exercício de uma actividade profissional ou relacionado com essa actividade no ano que antecedeu a ocorrência da incapacidade, mesmo que seja certo que essa condição afecta mais mulheres do que homens.