61994J0007

ACORDAO DO TRIBUNAL (SEXTA SECCAO) DE 4 DE MAIO DE 1995. - LANDESAMT FUER AUSBILDUNGSFOERDERUNG NORDRHEIN-WESTFALEN CONTRA LUBOR GAAL. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: BUNDESVERWALTUNGSGERICHT - ALEMANHA. - REGULAMENTO (CEE) N. 1612/68 - ARTIGO 12. - CONCEITO DE FILHO. - PROCESSO C-7/94.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-01031


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Tribunal de Justiça ° Organização ° Composição das secções ° Artigo 165. , segundo parágrafo, do Tratado que permite a criação de secções de três ou cinco juízes ° Disposição que não exclui a criação pelo Tribunal de Justiça de secções compostas por um maior número de juízes

(Tratado CE, artigo 165. , segundo parágrafo)

2. Livre circulação de pessoas ° Trabalhadores ° Igualdade de tratamento ° Acesso ao ensino dos filhos de um trabalhador ° Filho ° Conceito ° Exclusão dos filhos com mais de 21 anos que não estejam a cargo de seus pais ° Inadmissibilidade

(Regulamento do Conselho n. 1612/68, artigo 12. )

Sumário


1. O artigo 165. , segundo parágrafo, do Tratado, que permite a criação de secções, para julgar determinadas causas, com três ou cinco juízes, não se opõe a que, por razões atinentes à organização jurisdicional do Tribunal de Justiça, os três ou cinco juízes chamados a decidir determinada causa façam parte de uma secção composta por um maior número de juízes.

2. O conceito de filho, na acepção do artigo 12. , relativo à admissão ao ensino dos filhos dos trabalhadores migrantes, do Regulamento n. 1612/68, não está sujeito às mesmas condições de idade ou de prestação de alimentos que estão previstas para os direitos regulamentados nos artigos 10. , n. 1, e 11. do referido regulamento, pelo que não abrange um filho com mais de 21 anos que não esteja a cargo de seus pais.

Com efeito, seria contrário tanto à letra como ao espírito da referida disposição, que enuncia um princípio de igualdade de tratamento aplicável a qualquer modalidade de ensino, interpretá-la por forma a excluir do benefício dos auxílios financeiros existentes no Estado-membro de acolhimento os estudantes em fase avançada dos estudos, a partir do momento em que atinjam a idade de 21 anos ou deixem de estar a cargo de seus pais.

Partes


No processo C-7/94,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Bundesverwaltungsgericht, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Landesamt fuer Ausbildungsfoerderung Nordrhein-Westfalen

e

Lubor Gaal,

e

Oberbundesanwalt beim Bundesverwaltungsgericht,

interveniente,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 12. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: F. A. Schockweiler, presidente de secção, P. J. G. Kapteyn (relator), G. F. Mancini, C. N. Kakouris e G. Hirsch, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Christopher Docksey, membro do Serviço Jurídico, e Horstpeter Kreppel, funcionário alemão do Serviço Jurídico, destacado na Comissão no âmbito do intercâmbio com funcionários nacionais, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Lubor Gaal, representado por Ruediger Diez, advogado em Tuebingen, do Governo alemão, representado por Ernst Roeder, e da Comissão, representada por Horstpeter Kreppel, na audiência de 8 de Dezembro de 1994,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 9 de Fevereiro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 20 de Outubro de 1993, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Janeiro de 1994, o Bundesverwaltungsgericht colocou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 12. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77, a seguir "regulamento").

2 Essa questão foi suscitada no âmbito de um processo de recurso entre o Landesamt fuer Ausbildungsfoerderung Nordrhein-Westfalen (Serviço de apoio à formação do Land Nordrhein-Westfalen, a seguir "Landesamt") e Lubor Gaal, com a intervenção do Oberbundesanwalt beim Bundesverwaltungsgericht (procurador-geral adjunto no Bundesverwaltungsgericht).

3 L. Gaal, nascido em 1967 e de nacionalidade belga, reside desde 1969 na Alemanha. Apenas recebe uma pensão de órfão em virtude do falecimento de seu pai, não estando a cargo de sua mãe. Após obter, em 1986, o diploma de fim de estudos secundários na Alemanha, L. Gaal iniciou neste país estudos de biologia. Para poder continuar a sua formação universitária no Reino Unido durante o ano de 1989/1990, solicitou a concessão de um subsídio de formação.

4 Esse pedido foi indeferido pelo Landesamt, por decisão de 30 de Junho de 1989, com fundamento em o requerente já ter completado 21 anos de idade e não estar a cargo de seus pais.

5 A Bundesausbildungsfoerderungsgesetz (lei federal de incentivos à formação, a seguir "BAfoeG") determina, no n. 2 do § 5, que será concedido aos estudantes residentes no território nacional um subsídio de formação para prosseguirem esta num estabelecimento situado no estrangeiro. Nos termos do n. 1 do § 8 da mesma lei, esse subsídio será concedido, designadamente, aos "estudantes que, nos termos da lei relativa à estadia dos nacionais da CEE, gozem, na qualidade de filhos, da liberdade de circulação, ou beneficiem, na qualidade de filhos, do direito de estadia".

6 A estadia dos nacionais dos Estados-Membros da Comunidade rege-se pela Aufenthaltsgesetz/EWG (a seguir "AufenthG/EWG"), que, no n. 2 do § 1, define como membros da família: "1) o cônjuge e os descendentes que não tenham ainda completado a idade de 21 anos; 2) os ascendentes e descendentes das pessoas referidas no n. 1 ou do seu cônjuge, que estejam a cargo dessas pessoas ou do respectivo cônjuge".

7 A decisão de indeferimento do Landesamt foi anulada por decisão de 18 de Fevereiro de 1991 do Verwaltungsgericht, confirmada, em 8 de Novembro de 1991, pelo Verwaltungsgerichtshof. Este último órgão jurisdicional salientou que L. Gaal não tinha direito ao subsídio nos termos do n. 2 do § 5 e do n. 1 do § 8 do BAfoeG, conjugados com o § 1 da AufenthG/EWG, decidindo, porém, que gozava desse direito com base no n. 2 do § 5 do BAfoeG, conjugado com o artigo 12. do regulamento.

8 No processo de recurso perante o Bundesverwaltungsgericht, o desacordo entre as partes limita-se, como resulta da decisão de reenvio, à questão de saber se, à luz do contexto e do objectivo do artigo 12. do regulamento, se deve restringir o respectivo âmbito de aplicação, no que se refere às pessoas abrangidas, em função de condições de idade ou de prestação de alimentos.

9 Tendo constatado que tal questão pressupunha a interpretação do direito comunitário, o órgão jurisdicional de reenvio colocou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"O conceito de 'filho' , a que se refere o artigo 12. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968 (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), deve ser sujeito às mesmas condições de idade ou de prestação de alimentos que estão previstas relativamente aos direitos mencionados nos artigos 10. , n. 1, e 11. do referido regulamento?"

Quanto à questão prévia de ordem processual

10 Antes de abordar esta questão, cabe responder a uma questão prévia de ordem processual suscitada pelo Governo alemão na audiência.

11 O agente do Governo alemão impugnou a regularidade da composição da Sexta Secção, com fundamento no facto de a segunda frase do segundo parágrafo do artigo 165. do Tratado CE prever a existência de secções constituídas por cinco juízes, sendo que resulta da Decisão 94/C 304/03 do Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro de 1994 (JO C 304, p. 1), que a Sexta Secção compreende seis juízes, constituição esta que não encontra qualquer fundamento no Tratado.

12 Tal impugnação não procede.

13 A disposição invocada pelo Governo alemão, constante do Tratado numa altura em que o Tribunal de Justiça era constituído por treze juízes, visa permitir que este julgue "certas categorias de causas" não em sessão plenária, que exige um quorum de sete juízes (artigo 15. do Estatuto CEE do Tribunal de Justiça), mas em secções constituídas por três ou cinco juízes. Tal como resulta da respectiva redacção, a disposição da segunda frase do segundo parágrafo do artigo 165. permite a criação de secções, para julgar determinadas causas, com três ou cinco juízes. Pelo contrário, essa disposição não se opõe a que, por razões atinentes à organização jurisdicional do Tribunal de Justiça, os três ou cinco juízes chamados a decidir determinada causa façam parte de uma secção composta por um maior número de juízes.

14 O Governo alemão sustenta, também, que o facto de a Sexta Secção se ter apresentado para julgar esta causa, constituída por cinco juízes, não vem modificar a sua irregular composição, sendo que ignora os critérios que conduziram à constituição dessa formação.

15 Há que reconhecer que o Governo alemão não contestou no presente processo a composição concreta da secção. A secção também não conseguiu determinar em que medida a sua composição no presente processo é susceptível de afectar os direitos dos interessados.

Quanto à questão prejudicial

16 Através da questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o conceito de filho, na acepção do artigo 12. do regulamento, se limita, como sucede no n. 1 do artigo 10. e no artigo 11. do mesmo regulamento, aos filhos com idade inferior a 21 anos ou a cargo.

17 O n. 1 do artigo 10. do regulamento confere ao cônjuge e aos descendentes menores de 21 anos ou a cargo de um trabalhador nacional de um Estado-Membro empregado no território de outro Estado-Membro o direito de com ele se instalarem. Nos termos do artigo 11. do regulamento, as mesmas pessoas têm o direito de aceder a qualquer actividade assalariada em todo o território desse outro Estado-Membro.

18 De acordo com o primeiro parágrafo do artigo 12. do regulamento, disposição em causa no processo principal, "os filhos de um nacional de um Estado-Membro que esteja ou tenha estado empregado no território de outro Estado-Membro, são admitidos nos cursos de ensino geral, de aprendizagem e de formação profissional nas mesmas condições que os nacionais desse Estado, desde que residam no seu território".

19 Recorde-se, antes de mais, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o referido artigo 12. é aplicável não só às regras relativas à admissão propriamente dita mas igualmente às medidas gerais destinadas a facilitar a frequência do ensino. A este propósito, o Tribunal de Justiça considerou, designadamente, que o estatuto de filho de trabalhador comunitário implica, em particular, o reconhecimento, pelo direito comunitário, de que ele deve beneficiar dos auxílios estatais para os estudos, com vista a uma integração desses filhos na vida social do país de acolhimento. Segundo o Tribunal, isso implica que os filhos dos trabalhadores comunitários tenham direito aos auxílios concedidos para cobrir as despesas de ensino e de sustento nas mesmas condições que as exigidas para a concessão de tais benefícios aos nacionais (acórdão de 13 de Novembro de 1990, Di Leo, C-308/89, Colect., p. I-4185, n. 9).

20 A questão prejudicial suscita o problema de saber se o direito à igualdade de tratamento enunciado no artigo 12. do regulamento pode também ser invocado pelo filho de um trabalhador migrante que tenha 21 anos ou mais e já não esteja a cargo desse trabalhador.

21 O Governo alemão argumenta que o estreito vínculo existente entre os artigos 10. e 11. , por um lado, e o artigo 12. do regulamento, por outro, implica que esta última disposição apenas concede esse direito aos filhos que preencham as condições estabelecidas nos artigos 10. e 11.

22 Este argumento não pode ser acolhido.

23 Em primeiro lugar, o artigo 12. não faz qualquer referência aos artigos 10. e 11. do regulamento.

24 Em seguida, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 15 de Março de 1989, Echternach e Moritz, 389/87 e 390/87, Colect., p. 723, n.os 29 e 30) que o princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 12. do regulamento é extensivo a qualquer modalidade de ensino, de natureza profissional ou geral, incluindo assim os cursos ministrados na Universidade. Esse mesmo princípio exige que o filho de um trabalhador migrante possa prosseguir os seus estudos para os concluir com aproveitamento.

25 Resulta destas constatações que o artigo 12. do regulamento abrange os auxílios financeiros de que podem beneficiar os estudantes que se encontrem numa fase avançada dos estudos, mesmo que tenham já 21 anos ou mais e não estejam a cargo de seus pais. Submeter a aplicação do artigo 12. a um limite de idade ou ao estatuto de filho a cargo não iria, em consequência, apenas contra a letra daquela disposição mas também contra o seu espírito.

26 Para o Governo alemão, esta solução teria, contudo, por consequência paradoxal que filhos sem direito de instalação derivado pudessem, apesar disso, beneficiar, com base no artigo 12. , de um subsídio de auxílio à formação.

27 Basta recordar, a este respeito, que, como o Tribunal de Justiça julgou já (acórdão de 21 de Junho de 1988, Brown, 197/86, Colect., p. 3205, n. 30), o artigo 12. do regulamento deve ser interpretado no sentido de que só concede direitos ao filho que tenha vivido com ambos os progenitores ou apenas com um deles num Estado-Membro, numa altura em que pelo menos um dos seus progenitores aí residia na qualidade de trabalhador.

28 Na audiência, o Governo alemão argumentou ainda que, nos termos do já referido acórdão Echternach e Moritz, os artigos 12. e 7. , n. 2, do regulamento devem ser objecto de interpretação uniforme. Dado que os benefícios sociais, na acepção desta última disposição, apenas são concedidos, de acordo com a jurisprudência, na condição de os beneficiários estarem a cargo caso sejam membros da família de um trabalhador migrante, essa mesma condição deverá também ser exigida quando couber aplicar o artigo 12.

29 Este argumento também não pode ser acolhido.

30 Com efeito, como resulta dos n.os 34 e 35 do acórdão Echternach e Moritz, bem como dos n.os 14 e 15 do já referido acórdão Di Leo, a referência ao n. 2 do artigo 7. do regulamento, enquanto elemento de interpretação do artigo 12. , não tem por objectivo colocar condições suplementares às previstas no artigo 12. Visa, pelo contrário, sublinhar que os benefícios concedidos nos termos do n. 2 do artigo 7. aos próprios trabalhadores migrantes não podem ser negados aos filhos desses trabalhadores quando invoquem o direito consagrado no artigo 12. do regulamento.

31 Nestas condições, cabe responder à questão prejudicial que o conceito de filho, na acepção do artigo 12. do regulamento, não está sujeito às mesmas condições de idade ou de prestação de alimentos que estão previstas para os direitos regulamentados nos artigos 10. , n. 1, e 11. do referido regulamento.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

32 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Bundesverwaltungsgericht, por decisão de 20 de Outubro de 1993, declara:

O conceito de filho, na acepção do artigo 12. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, não está sujeito às mesmas condições de idade ou de prestação de alimentos que estão previstas para os direitos regulamentados nos artigos 10. , n. 1, e 11. do referido regulamento.