CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

DÁMASO RUIZ-JARABO COLOMER

apresentadas em 25 de Abril de 1996 ( *1 )

1. 

A Comissão pretende que o Tribunal de Justiça declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem nos termos dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189/CEE, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas ( 1 ), por ter adoptado várias regulamentações internas que não comunicou à Comissão na fase de projecto. Concretamente, trata-se dos quatro seguintes decretos do Ministério da Saúde: os Decretos n.os 256 e 257, de 1 de Agosto de 1990, sobre os moluscos lamelibrânquios comestíveis ( 2 ); o decreto de 1 de Setembro de 1990 relativo aos moluscos bivalves ( 3 ), e o decreto de 7 de Junho de 1991 sobre as especialidades farmacêuticas provenientes de órgãos e tecidos bovinos ( 4 ).

2. 

Para caracterizar devidamente os termos do litígio, referir-me-ei, em primeiro lugar, ao mecanismo de informação prévia em matéria de regulamentações técnicas estabelecido pela Directiva 83/189. Examinarei, a seguir, a questão da admissibilidade do recurso e, finalmente, concentrar-me-ei na análise dos pedidos apresentados pelas partes.

O procedimento de informação da Directiva 83/189

3.

A Directiva 83/189, alterada pelas Directivas 88/182/CEE ( 5 ) e 94/10/CE ( 6 ), criou um mecanismo preventivo que, juntamente com a proibição das medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas constante dos artigos 30.° a 36,°do Tratado CE e a harmonização das legislações nacionais, pretende eliminar os obstáculos técnicos ao comércio intracomunitário.

4.

O elemento básico deste procedimento encontra-se no artigo 8.° da Directiva 83/189, que estabelece que os Estados-Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica, excepto se se tratar de uma transposição de uma norma internacional ou europeia ou forem adoptados para cumprimento de normas comunitárias ( 7 ). A Comissão comunica imediatamente estes projectos aos outros Estados-Membros e, alem disso, publica no Jornal Oficial das Comunidades Europeias uma lista de todos os projectos que lhe sejam notificados, para facilitar o seu conhecimento pelos particulares ( 8 ).

5.

A partir da notificação, o artigo 9.° da Directiva 83/189 concede à Comissão e aos outros Estados-Membros a possibilidade de analisar a compatibilidade do projecto de regulamento técnico com o direito comunitário e de emitir, se for caso disso, um comunicado detalhado nos tres meses seguintes à data da comunicação. Se nenhum comunicado for emitido, o Estado-Membro poderá adoptar o regulamento técnico decorrido um período de statu quo de três meses. Este período é aumentado para seis meses no caso de emissão de um comunicado detalhado e irá até doze meses quando a Comissão comunicar ao Estado a intenção de propor a adopção de uma norma comunitária na matéria ( 9 ).

6.

Nos termos do n.° 3 do artigo 9.° da directiva, esta obrigação de statu quo não é aplicável quando situações graves c imprevisíveis obriguem o Estado-Membro a elaborar de urgência regras técnicas para proteger interesses sociais fundamentais, tais como a segurança, a protecção da saúde das pessoas e dos animais ou a preservação dos vegetais ( 10 ).

7.

Este procedimento de notificação prévia dos projectos de regulamentos técnicos apenas é aplicável se os referidos regulamentos forem adoptados em consequência de uma norma comunitária ou de acórdão internacional, conforme disposto no artigo 10.° da Directiva 83/189.

Quanto à admissibilidade do recurso

8.

A Comissão teve conhecimento da adopção pela Itália dos quatro decretos ministeriais objecto desta acção, que, em seu entender, constituem regulamentações técnicas. Como o Estado italiano não tinha respeitado o procedimento de informação instituído pela Directiva 83/189, a Comissão decidiu dar início ao processo previsto no artigo 169.° do Tratado CE, remetendo ao Governo italiano duas cartas de notificação de incumprimento. A primeira, com data de 12 de Março de 1991, indicava os três decretos referentes aos moluscos lamelibrânquios e aos moluscos bivalves comestíveis, e a segunda, de 12 de Fevereiro de 1992, respeitava ao decreto sobre as especialidades farmacêuticas provenientes de órgãos e tecidos bovinos. Em ambas as cartas a Comissão indicava tratar-se de regulamentações técnicas cuja não comunicação à Comissão em fase de projecto constituía uma violação dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189. Perante este incumprimento manifesto, a Comissão convidava o Governo italiano a apresentar-lhe as observações que considerasse adequadas e a suspender a aplicação das regulamentações técnicas em causa, que, em seu entender, eram inoponíveis a terceiros.

9.

Quanto ao três decretos referentes aos moluscos comestíveis, o Governo italiano apresentou observações à Comissão em 18 de Abril de 1991, referindo que foram adoptados pela necessidade de controlar o nível de biotoxinas das águas dedicadas à criação de moluscos, que sofreram um aumento gerado por uma microalga no mar Adriático. Este controlo das biotoxinas era imprescindível para que os moluscos não afectassem a saúde dos consumidores. No que se refere ao outro decreto, as observações foram apresentadas em 31 de Março de 1992, indicando as autoridades italianas que aquela norma foi adoptada com carácter de urgência para enfrentar o problema sanitário criado por determinadas patologias virais bovinas, surgidas em vários países europeus.

10.

A Comissão considerou insatisfatórias as explicações do Governo italiano e decidiu prosseguir com a instauração de acção por incumprimento, remetendo-lhe um parecer fundamentado referente aos três decretos sobre moluscos, datado de 2 de Dezembro de 1991, e outro, de 23 de Outubro de 1992, referente ao decreto das especialidades farmacêuticas de origem bovina. Em ambos os pareceres, a Comissão reafirma o carácter de regulamentações técnicas dos decretos italianos. No entanto, no primeiro deles, não fundamenta a afirmação, ao passo que no segundo dela fornece uma justificação, mediante análise do decreto que considera regulamentação técnica por conter disposições administrativas obrigatórias de jure, referentes aos níveis de segurança das especialidades farmacêuticas obtidas de órgãos c tecidos bovinos.

11.

Nos seus pareceres fundamentados, a Comissão contesta o argumento da urgência deduzido pelo Governo italiano, referindo que o n.° 3 do artigo 9.° da Directiva 83/189 permite a adopção imediata de regulamentações técnicas, mas não dispensa o Estado do dever da sua notificação à Comissão, indicando as razões urgentes que a provocaram. Por outro lado, a Comissão mantém a tese de que as regulamentações técnicas não notificadas não produzem efeitos jurídicos relativamente a terceiros atento o efeito directo dos deveres impostos aos Estados pela Directiva 83/189.

12.

As autoridades italianas não responderam a estes dois pareceres fundamentados e a Comissão propôs a presente acção no Tribunal de Justiça pedindo que este declare o incumprimento pela Itália dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189, por ter adoptado os quatro decretos seu objecto sem os ter notificado na fase de projecto.

13.

A República Italiana invoca, como fundamento de inadmissibilidade da acção, a insuficiência e a generalidade das cartas da Comissão na medida em que nelas se limita a considerar os decretos italianos regulamentações técnicas, sem explicar as razões que a levam a esta conclusão, razão por que o Governo italiano não pode conhecer com precisão o fundamento da acção proposta, nem articular adequadamente os respectivos meios de defesa.

14.

Em meu entender, este fundamento invocado pela Itália não pode ser aceite. Efectivamente, conforme jurisprudência repetida do Tribunal de Justiça ( 11 ), a notificação por fim tem, na fase pré-contenciosa da acção por incumprimento, circunscrever o objecto do litígio c fornecer ao Estado-Mcmbro convidado a apresentar observações, os elementos necessários h preparação da sua defesa. Nos presentes autos, as duas notificações da Comissão ao Governo italiano identificavam perfeitamente o objecto do incumprimento imputado à Itália, consistente em adoptar, sem a notificação à Comissão na fase de projecto imposta pela Directiva 83/189, quatro decretos ministeriais que continham regulamentações técnicas. E verdade que as notificações de incumprimento apenas contêm a exposição sucinta dos motivos da sua invocação. Todavia, como o Tribunal de Justiça já declarou ( 12 ), a notificação de incumprimento não pode ser necessariamente mais do que um primeiro resumo dos fundamentos do invocado incumprimento, cujo desenvolvimento, detalhe e fundamentação será feito pela Comissão no parecer fundamentado. Assim ocorreu no presente caso, uma vez que os pareceres fundamentados remetidos pela Comissão às autoridades italianas contêm uma exposição clara e suficientemente fundamentada do incumprimento atribuído ao Estado italiano.

15.

O Governo italiano aponta, como segundo fundamento de inadmissibilidade do recurso, o facto de a Comissão, no seu parecer fundamentado de 2 de Dezembro de 1991 e na acção proposta, não ter em conta a publicação do Decreto legislativo n.° 530, de 30 de Dezembro de 1992, que dá execução à Directiva 91/492/CEE ( 13 ). Aquele diploma legislativo substituiu o Decreto n.° 257, de 1 de Agosto de 1990, e o decreto de 1 de Setembro de 1990, sobre moluscos comestíveis, devidamente notificado à Comissão, que sobre ele emitiu comunicado detalhado, em 27 de Janeiro de 1993.

16.

Também este fundamento de inadmissibilidade não pode ser acolhido. Segundo jurisprudência reiterada, «a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro, tal como se apresenta no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal» ( 14 ). No presente processo, a regulamentação italiana em causa foi adoptada posteriormente ao termo do prazo previsto no parecer fundamentado para que a Itália pusesse termo ao incumprimento.

17.

Pelas razões anteriormente aduzidas considero que não há qualquer fundamento de inadmissibilidade da acção proposta pela Comissão.

Quanto ao mérito da causa

18.

Até ao momento, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de se pronunciar sobre vários casos de incumprimento, não contestados ( 15 ), do dever de notificação dos projectos de regulamentações técnicas, estabelecido pela Directiva 83/189, c dois, controvertidos, de violação do mesmo dever atribuídos, respectivamente, à República Federal da Alemanha ( 16 ) c ao Reino dos Países Baixos ( 17 ). Nos presentes autos, o Governo italiano contesta o incumprimento alegado pela Comissão, entendendo que dois dos decretos em causa não constituem regulamentações técnicas c que, por conseguinte, não são abrangidos pela Directiva 83/189.

19.

O n.°5 do artigo 1,° da Directiva 83/189 define a «regra técnica» nos seguintes termos:

«as especificações técnicas, incluindo as disposições administrativas que se lhes referem, cujo respeito é obrigatório, de jure ou de facto, para a comercialização ou a utilização (de um produto) num Estado-Membro ou numa parte importante deste Estado...».

Por seu lado, o n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 83/189, na redacção da Directiva 88/182, define «especificação técnica» como sendo:

«a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à terminologia, aos símbolos, aos ensaios c métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como os métodos e processos de produção dos produtos agrícolas ao abrigo do n.° 1 do artigo 38.° do Tratado, dos produtos destinados à alimentação humana e animal, c dos medicamentos, tais como definidos no artigo 1.° da Directiva 65/65/CEE... com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 87/21/CEE...».

Tendo em conta estes dois preceitos, considero que são regras técnicas todas as práticas c disposições legais, regulamentares ou administrativas dos Estados-Membros que impõem o cumprimento de condições para a produção e comercialização das mercadorias. É, portanto, necessária a concorrência de três elementos para existir uma regra técnica, a saber; um acto imputável a um Estado-Membro, obrigatoriedade de direito ou de facto e incidência na produção ou na comercialização das mercadorias ( 18 ).

20.

No caso em apreço, o Governo italiano contesta o carácter de regulamentação técnica, no sentido da Directiva 83/189, do Decreto ministerial n.° 256, de 1 de Agosto de 1990. Em seu entender, este apenas contém normas sobre a qualidade das águas destinadas à criação de moluscos e não estabelece requisitos para a sua comercialização. As especificações técnicas que nele figuram não se referem, por isso, a um produto, mas às águas.

21.

Este argumento não pode ser acolhido. Efectivamente, o Decreto n.° 256 é uma regulamentação técnica porque, como refere a Comissão, estabelece uma estreita vinculação entre a qualidade das águas de criação e a comercialização dos moluscos destinados a consumo humano. Dito de outra forma, apenas poderão ser comercializados os moluscos cultivados em águas que obedeçam às especificações técnicas estabelecidas no referido decreto. Trata-se, por isso, de regulamentação que incide sobre a comercialização dos moluscos destinados ao consumo humano, estabelecida pelo Estado italiano e obrigatória de jure, que deve ser considerada regulamentação técnica.

22.

Segundo o Governo italiano, também não constitui regulamentação técnica o decreto de 7 de Junho de 1991 sobre as especialidades farmacêuticas obtidas de órgãos e tecidos bovinos, dado respeitar a produtos farmacêuticos cuja comercialização depende de autorização prévia em cada Estado-Membro e tem por objecto os controlos e verificações que a autoridade nacional pode ordenar no âmbito do processo de registo dos medicamentos. Em seu entender, o decreto ministerial não é uma nova regulamentação técnica mas uma modalidade do exercício do poder dever de suspensão da autorização de comercialização e do poder de exigir um complemento de informações em apoio do pedido dessa autorização. Em resposta à pergunta escrita formulada pelo Tribunal de Justiça, a Itália considera que o procedimento previsto na Directiva 83/189 apenas se aplica às normas referentes aos métodos e processos de produção de medicamentos, mas não afecta os poderes de controlo e de verificação das autoridades nacionais no âmbito do regime especial de registo das especialidades farmacêuticas instituído pela Directiva 65/65/CEE ( 19 ).

23.

Em meu entender, este argumento não pode ser aceite. O decreto de 7 de Junho de 1991 é uma regulamentação técnica, no sentido da Directiva 83/189, porque se trata de uma regulamentação estabelecida pelo Estado italiano, obrigatória de jure, que fixa os requisitos de segurança exigidos às especialidades farmacêuticas elaboradas com órgãos e tecidos bovinos para ser autorizada a respectiva comercialização. O facto de se tratar de produtos farmacêuticos não implica a não aplicação da Directiva 83/189, uma vez que o n.° 1 do seu artigo 1.°, na redacção da Directiva 88/182, considera especificações técnicas os métodos e processos de produção dos medicamentos, tais como são definidos no artigo 1.° da Directiva 65/65. Além disso, a Directiva 88/182 alterou também o n.° 7 do artigo 1o da Directiva 83/189, alargando a respectiva aplicação a «qualquer produto industrial c qualquer produto agrícola», pelo que os medicamentos definidos na Directiva 65/65 ficam sujeitos ao procedimento de informação, quando haviam sido expressamente excluídos na redacção inicial do n.°7 do artigo 1.° da Directiva 83/189. Por outro lado, o Tribunal de Justiça ( 20 ) considerou aplicável a Directiva 83/189 a uma disposição alemã que alargava o material sanitário esterilizado de utilização única às exigências de etiquetagem impostas aos medicamentos pela Directiva 65/65.

24.

Em qualquer caso, o decreto italiano não regula o processo de autorização deste tipo de especialidades farmacêuticas em execução da Directiva 65/65 e das que posteriormente a alteraram, mas estabelece uma série de condições a que fica sujeita a sua comercialização, com o objectivo de impedir riscos sanitários derivados da difusão de patologias infecciosas bovinas (em especial, a temível encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como a «doença das vacas loucas»). A norma italiana sujeita a produção e a comercialização de medicamentos elaborados com tecidos e órgãos bovinos a condições estritas, com o objectivo de prevenir as possíveis consequências nocivas da «doença das vacas loucas». Trata-se, por isso, de uma regulamentação técnica que devia ser notificada à Comissão, nos termos do artigo 8.° da Directiva 83/189. Como a norma italiana não constituía execução da regulamentação comunitária aplicável em matéria de registo de especialidades farmacêuticas, a excepção prevista no artigo 10.° da Directiva 83/189 não é aplicável.

25.

As razões de urgência resultantes de uma situação de risco sanitário, invocadas pela Itália para justificar a não notificação dos quatro decretos ministeriais, tão-pouco podem ser acolhidas. O n.° 3 do artigo 9.° da Directiva 83/189 prevê uma derrogação do dever de statu quo constante dos dois números anteriores deste preceito, ao permitir, como se referiu, a elaboração de regras técnicas por razões urgentes, sem as notificar à Comissão na fase de projecto. Têm, no entanto, os Estados-Mcmbros o dever de notificar à Comissão a regra técnica criada, indicando as razões que justificaram a sua criação urgente. Em definitivo, o n.° 3 do artigo 9.° contém uma excepção ao dever de statu quo, mas não exime o Estado-Mcmbro do dever de notificar a regra técnica à Comissão, estabelecido no artigo 8.° A República Italiana não procedeu à comunicação a posteriori dos decretos ministeriais à Comissão.

26.

Por último, o Governo italiano contesta alguns elementos do incumprimento que a Comissão lhe imputa, baseando-se no artigo 10.° da Directiva 83/189, nos termos do qual não existe o dever de comunicar à Comissão as regras técnicas estabelecidas em execução de normas comunitárias.

27.

Neste sentido, a República Italiana entende que o Decreto n.° 256, que fixa as características das águas destinadas à criação de moluscos, constitui uma transposição da Directiva 79/923/CEE ( 21 ). Em resposta à pergunta escrita formulada pelo Tribunal de Justiça, as autoridades italianas afirmam que a única especificação técnica contida no Decreto n.° 256, a saber, a suspensão da apanha de moluscos nas águas contaminadas com biotoxinas prevista no n.° 5 do artigo 4.°, está relacionada com o n.° 3 do artigo 7° da Directiva 79/923, que permite às autoridades competentes dos Estados-Membros de adoptar as medidas adequadas no caso de não conformidade das águas com as exigências de qualidade impostas pela directiva. Em seu entender, a proibição, no tempo, da recolha de moluscos nestas águas contaminadas é uma medida adequada no sentido da directiva.

28.

Os argumentos aduzidos pela Comissão em resposta à pergunta escrita do Tribunal de Justiça sobre a relação entre o Decreto n.° 256 e a Directiva 73/923 permitem desatender, sem mais, a posição sustentada pela Itália. Efectivamente, a adaptação do ordenamento jurídico interno italiano à Directiva 79/923 foi feita pelo Decreto legislativo n.°131, de 27 de Janeiro de 1992 ( 22 ), que regula de forma geral as exigências sanitárias impostas às águas destinadas à criação de moluscos. Ainda que contenha uma referência à Directiva 79/923 na exposição dos fundamentos, o Decreto n.° 256 não constituía sequer uma execução parcial da referida directiva, uma vez que se limita a reforçar os procedimentos de recolha de amostras e de controlos periódicos das águas destinadas à criação de moluscos, de acordo com a legislação italiana anterior à directiva, com o objectivo de vigiar o nível de biotoxinas dos moluscos e a sua aptidão para o consumo humano. Ao invés, a Directiva 79/993 tem um âmbito de aplicação muito maior, uma vez que estabelece um complexo sistema de classificação das águas destinadas à criação dos moluscos nos termos dos parâmetros estabelecidos no anexo, bem como um programa de saneamento progressivo das referidas águas.

29.

Por outro lado, a República Italiana aduz que, antes da data de elaboração do parecer fundamentado referente ao Decreto n.° 257, de 1 de Agosto de 1990, e ao decreto de 1 de Setembro de 1990, sobre a produção e comercialização dos moluscos, fora adoptada a Directiva 91/492. Em seu entender, estes decretos passaram a constituir disposições de aplicação da Directiva 91/492 c, por conseguinte, não era necessária a sua comunicação à Comissão nos, termos do artigo 10.° da Directiva 83/189. Este argumento não pode aceitar-se uma vez que o conteúdo dos dois decretos italianos não é suficiente como norma interna de execução da Directiva 91/492, que contém disposições muito mais precisas c exaustivas sobre a comercialização dos moluscos. Esta afirmação é corroborada pela adopção, pela Itália, do Decreto legislativo n.°530 de 30 de Dezembro de 1992, para dar cumprimento à Directiva 91/492, que derroga os anteriores decretos ministeriais sobre a comercialização dos moluscos. Por isso, o artigo 10.° da Directiva 83/189 não é aplicável aos decretos italianos cm causa uma vez que estes não são normas de execução de uma regulamentação comunitária.

30.

Em consequência de tudo o referido, considero que a República Italiana não cumpriu os artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189 por não ter comunicado à Comissão os quatro decretos ministeriais cm causa em fase de projecto.

31.

Não podendo os argumentos invocados pela República Italiana ser acolhidos, há que condená-la nas despesas nos termos do primeiro período do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo.

Conclusão

32.

Atentas as considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça:

«1)

Declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, ao ter adoptado os Decretos n.os 256 e 257, de 1 de Agosto de 1990, sobre os moluscos lamelibranquios comestíveis, o decreto de 1 de Setembro de 1990, sobre os moluscos bivalves e o decreto de 7 de Junho de 1991, sobre as especialidades farmacêuticas provenientes de órgãos e tecidos bovinos, sem os ter comunicado à Comissão na fase de projecto.

2)

Condene a República Italiana no pagamento das despesas.»


( *1 ) Língua original: espanhol.

( 1 ) JO L 109, p. 8; EE 13 F14 p. 34.

( 2 ) Decreto ministerial n.° 256, de 1 de Agosto de 1990, que altera o decreto ministerial de 27 de Abril de 1978, sobre os requisitos microbiológicos, biológicos, químicos e físicos das zonas aquáticas habitadas por bancos c jazidas naturais de moluscos lamelibrânquios comestíveis c das zonas destinadas à cultura dos moluscos, a fim de os classificar cm zonas autorizadas, condicionais c proibidas (GURI n.° 211 de 10.9.1990, p. 5).

Decreto ministerial n.° 257, de 1 de Agosto de 1990, que altera o decreto ministerial de 5 de Outubro de 1978, relativo às características microbiológicas, químicas c biológicas dos moluscos lamelibrânquios comestíveis cm função do seu destino. Modalidades de recolha dos moluscos comestíveis que podem ser sujeitos a análises durante as diferentes fases da produção c da comercialização (GURI n.° 211 de 10.9.1990, p.7).

( 3 ) Decreto ministerial de 1 de Setembro de 1990 relativo aos métodos de análise para determinação da presença de algas biotóxicas nos moluscos bivalves, bem como a determinação qualitativa c quantitativa das populações cm fitoplâncton nas águas marítimas destinadas à cultura dos moluscos (GURI n.°218 de 18.9.1990, p. 8).

( 4 ) Decreto de 7 de Junho de 1991 sobre medidas relativas às especialidades medicinais provenientes de órgãos e tecidos bovinos (GURI n.° 135, de 11.6.1991, p. 13).

( 5 ) Directiva do Conselho, de 22 de Março de 1988, que altera a Directiva 83/189/CEE relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 81, p. 75).

( 6 ) Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Março de 1994, que altera substancialmente pela segunda vez a Directiva 83/189/CEE, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 100, p. 30).

( 7 ) Concretamente, o artigo 8.° da Directiva 83/189, alterado pela Directiva 88/182, estabelece o seguinte:

«1.

Os Estados-Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica, excepto se se tratar de mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativamente a essa norma; devem igualmente enviar à Comissão uma notificação referindo sucintamente as razões pelas quais o estabelecimento de uma tal regra técnica é necessário, a menos que estas razões resultem já do projecto. Se for caso disso, os Estados-Membros comunicarão simultaneamente o texto das disposições legislativas c regulamentares de basc principal e directamente relacionadas, se o conhecimento desse texto for necessário para a apreciação do alcance do projecto de norma técnica.

A Comissão levará imediatamente o projecto ao conhecimento dos outros Estados-Membros; a Comissão pode igualmente apresentá-lo para parecer ao comité referido no artigo 5.° e, se necessário, ao comité competente no sector cm questão.»

( 8 ) V., a este respeito, a Comunicação 89/C 67/03 da Comissão, de 17 de Março de 1989, relativa à publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias dos títulos dos projectos de regulamentações técnicas notificados pelos Estados-Membros cm conformidade com a Directiva 83/189/CEE do Conselho, alterada pela Directiva 88/182/CEE do Conselho (JO C 67, p. 3).

( 9 ) O artigo 9.° da Directiva 83/189, com as alterações introduzidas pela Directiva 88/182/CEE, dispõe:

«1.

Sem prejufzo dos n.os 2 e 2-A, os Estados-Membros só adoptarão um projecto de regra técnica decorridos seis meses a partir da data da comunicação prevista no n.° 1 do artigo 8.°, se a Comissão ou um outro Estado-Membro emitir, no prazo de três meses a contar desta data, um parecer circunstanciado, de acordo com o qual a medida prevista deve ser alterada, a fim de eliminar ou limitar os entraves à livre circulação de bens que daí podem eventualmente resultar. O Estado-Membro cm causa apresentará um relatório à Comissão sobre a sequência que prevê dar a tais pareceres circunstanciados. A Comissão comentará essa reacção.

2.

O prazo a que se refere o n.° 1 será de doze meses se a Comissão, no prazo de três meses após a comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.°, der a conhecer a sua intenção de propor ou adoptar uma directiva sobre essa matéria.

2-

A.Sempre que a Comissão verifique que uma comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.° diz respeito a uma matéria abrangida por uma proposta de directiva outro regulamento apresentado ao Conselho, a Comissão notificará essa verificação ao Estado-Mcmbro cm causa nos três meses seguintes à referida comunicação.

Os Estados-Mcmbros abster-se-ão de adoptar regras técnicas relativas a uma materia para a qual a Comissão tenha apresentado ao Conselho uma proposta de directiva de regulamento antes da comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.° durante o prazo de doze meses a contar da data de apresentação da referida proposta.

O recurso aos n.° 1, 2 e 2-A do presente artigo não pode ser cumulativo.»

( 10 ) O texto do n.° 3 do artigo 9.° da Directiva 83/189, alterado pela Directiva 88/182, ć o seguinte:

«Os n.os 1, 2 c 2-A não se aplicam sempre que, por razões urgentes que respeitem à protecção da saúde das pessoas e animais, à preservação dos vegetais ou à segurança, o Estado-Membro tenha de elaborar a curto prazo regras técnicas para as adoptar c instaurar imediatamente, sem que seja possível qualquer consulta. O Estado-Membro indicará na comunicação referida no artigo 8.° os motivos que justificam a urgência das medidas. A Comissão tomará as medidas adequadas em caso de recurso abusivo a este procedimento.»

( 11 ) V, entre outros, os acórdãos de 15 de Novembro de 1988, Comissão/Grécia (229/87, Colect., p. 6347, n.° 12); de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália (274/83, Recueil, p. 1077), c de 11 de Julho de 1984, Comissão/Itália (51/83, Recueil, p. 2793).

( 12 ) V., entre outros, os acórdãos de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália, já referido, c de 30 de Janeiro de 1984, Comissão/Irlanda (74/82, Recueil, p. 317).

( 13 ) Directiva do Conselho de 15 de Julho de 1991 que estabelece as normas sanitárias que regem a produção c a colocação no mercado de moluscos bivalves vivos (JO L 268, p. 1).

( 14 ) Acórdãos dc 17 de Novembro de 1992, Comissão/Grécia (C-105/91, Colect, p. I-5871, n.° 21); de 24 de Março de 1994, Comissão/Bélgica (C-80/92, Colect, p. I-1019), e de 18 de Maio de 1994, Comissão/Luxemburgo (C-118/92, Colect., p. I-1891).

( 15 ) Acórdãos de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Itália (C-139/92, Colect., p. I-4707): de 14 de Julho de 1994, Comissão/Países Baixos (C-52/93, Colect., p. I-3591), c de 14 de Julho de 1994, Comissão/Países Baixos (C-61/93, Colcct., p. I-3607).

( 16 ) Acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha (C-317/92, Colect., p. I-2039).

( 17 ) Acórdão de 11 de Janeiro de 1996, Comissão/Países Baixos (C-273/94, Colect., p. I-31).

( 18 ) Para uma análise pormenorizada deste conceito de regra técnica, v. as conclusões que apresentei em 26 de Outubro de 1995 no processo Comissão/Países Baixos (acórdão de 11 de Janeiro de 1966, já referido, pontos 22 a 24 das conclusões).

( 19 ) Directiva do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares c administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18).

( 20 ) Acórdão Comissão/Alemanha, já referido n.l nota 16.

( 21 ) Directiva 79/923/CEE do Conselho, de 30 de Outubro de 1979, relativa à qualidade exigida das águas conquícolas (JO L 281, p. 3; EE 15 F2 p. 156).

( 22 ) GURI π.° 41 de 19.2.1992.