CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

CARL OTTO LENZ

apresentadas em 7 de Dezembro de 1995 ( *1 )

A — Introdução

1.

No presente processo, o Value Added Tax Tribunal, London, submeteu ao Tribunal de Justiça algumas questões relativas às actividades de investimentos em acções de uma «trust corporation» de responsabilidade limitada («The Wellcome Trust Ltd»). A origem desta trust corporation, que é recorrente no processo principal, remonta a Sir Henry Wellcome.

A Burroughs, Wellcome and Company foi fundada como uma parceria em Londres em 1880 por dois farmacêuticos americanos, Silas Burroughs e Henry Wellcome, tendo ambos adquirido posteriormente a nacionalidade britânica. A Wellcome Foundation Ltd (a seguir «fundação»), que assumiu as actividades existentes, foi fundada cm 1924. Sir Henry Wellcome faleceu em 1936. No seu testamento estabeleceu que todas as acções que possuía na fundação passavam a ser possuídas por trusts de beneficiência («Wellcome Trust») para avanço da pesquisa em medicina humana e veterinária e para apoio à história da medicina. Originalmente, foram designados sete trustees. Em 1 de Junho de 1992, todavia, na sequência de uma decisão judicial e em conformidade com um certificado emitido por Lord Chancellor, a Wellcome Trust Ltd, recorrente no processo principal, foi designada para agir como único fiduciário no lugar dos gestores individuais. Os gestores individuais precedentes tornaram-se directores da Wellcome Trust Ltd. É incontroverso que esta alteração não tem qualquer influência nas questões suscitadas neste caso (As referências neste processo a «trust» referem-se aos gestores individuais e, relativamente ao período posterior a 1 de Junho de 1992, à Wellcome Trust Ltd).

2.

Até 1984, a única participação da recorrente era na fundação e era do montante de 250 milhões de UK.L cm 1980. Como desejava diversificar o seu investimento, efectuou, contudo, uma primeira venda de acções, que gerou um rendimento de 200 milhões de UKL. Relativamente a esta operação foram estabelecidas regras estritas quanto à forma como deveriam ser vendidas as acções, tendo-se estipulado que, durante dois anos após essa venda, não haveria vendas suplementares de acções sem consentimento prévio. Só em 1987 é que a recorrente obteve uma decisão judicial conferindo-lhe poderes quase ilimitados para realizar investimentos.

3.

Em 1991, a recorrente empregava 160 pessoas, cinco delas nas actividades de investimento.

4.

Na sequência da extensão dos poderes de venda da Wellcome Trust Ltd por decisão judicial de 1992, foi efectuada uma segunda venda de acções. O objectivo era realizar fundos para reinvestimentos num leque mais variado de participações com vista a realizar maior rendimento e numa base mais diversificada. Apesar da estipulação de que um quarto das acções deviam ser mantidas, esta segunda venda de acções foi a maior venda não governamental realizada no Reino Unido. Foi planeada e executada muito cuidadosamente. A fim de evitar uma grande descida da cotação das acções como resultado da venda de tão grande quantidade de acções, foi escolhido um método de «book-building». Esse método dá aos potenciais investidores a possibilidade de submeterem ofertas durante um período determinado. Foram convidados a submeter propostas investidores do Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, Estados-Unidos da América, Japão, anel do Pacífico e no resto do mundo. Para cada uma destas regiões foi designado um gestor, sendo as suas funções supervisionadas por um coordenador global. Após o termo do período de ofertas, o trust decidiu o preço e distribuição das acções. Foi também feita uma oferta pública no Reino Unido. Como resultado global, foram vendidas 288 milhões de acções a 8 UKL cada, um terço das quais, aproximadamente, a pessoas residentes fora da Comunidade Europeia. Seguidamente foram feitos novos investimentos no valor de mais de 1,8 mil milhões de UKL. Esses investimentos — tal como a venda das acções — foram feitos de forma muito cuidadosa e profissional.

5.

Parece que os poderes do trust são limitados a investir o produto da venda, designadamente em acções, mas o mesmo não está autorizado a negociar em acções. O trust tem um particular cuidado em não exceder as suas competências. Também há o cuidado de assegurar que o trust não mantém quaisquer participações que devam ser declaradas às autoridades.

Complementarmente às suas actividades de investimentos, a recorrente também vende livros, fotografias médicas e fotocópias, e está registada como sujeito passivo para esse efeito. O produto das vendas de acções nunca foi tomado em conta a esse respeito.

6.

Depois da segunda venda de acções, todavia, a recorrente pediu o reembolso do IVA pago a montante relativamente a 33,22% das acções que tinham sido vendidas a compradores residentes fora da Comunidade Europeia. O IVA pago a montante ascendia a 297832,65 UKL. A recorrente considerou que a segunda venda de acções devia ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, atendendo à sua extensão e às longas actividades preparatórias que implicou. Argumentou também, a título subsidiário, que todas as actividades de investimentos do trust, e, por isso, também a segunda venda, deviam consideradas como actividades económicas. As autoridades nacionais, pelo contrário, sustentaram que a recorrente devia ser tratada como um particular.

7.

As disposições comunitarias aqui aplicáveis são as do artigo 17.°, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados-Mcmbros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva IVA») ( 1 ), que prevêem o seguinte relativamente às deduções de imposto:

«3.   Os Estados-Membros concedem igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado, previsto no n.° 2, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:

...

c)

das operações isentas nos termos do disposto na parte B, alíneas a) e d), n. os 1 a 5, do artigo 13.°, quando o destinatário se encontre estabelecido fora da Comunidade ou quando tais operações estejam directamente conexas com bens que se destinam a ser exportados para um país fora da Comunidade.»

E feita referência simultaneamente ao artigo 17, n.° 2, e às disposições do artigo 13.°, parte B, que regula outras isenções de imposto em transacções no interior do país. O artigo 17.°, n.° 2, estabelece:

«2.   Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)

o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

...»

Das disposições do artigo 13.°, parte B, alíneas a) e d), n. os 1 a 5, que também são citados, só a alínea d), n.° 5, é aqui relevante. Essa disposição estabelece o seguinte:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

...

d)

as seguintes operações:

...

5.

As operações, incluindo a negociação, mas exceptuando a guarda e a gestão, relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão:

dos títulos representativos de mercadorias,

dos direitos ou títulos referidos no n.° 3 do artigo 5.°»

A definição básica de «sujeito passivo» encontra-se no artigo 4.° da Sexta Directiva IVA. Essa definição é a seguinte:

«1.   Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2.   As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caracter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

...».

Tem também pertinência o artigo 2°, que especifica as actividades sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado. São as seguintes:

«1. as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.

as importações de bens».

Perante o quadro de fundo do processo principal que acaba de ser exposto, o orgão jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial, as seguintes questões respeitantes a essas normas do direito comunitário ( 2 ):

«1)

A expressão ‘actividades económicas’ constante do artigo 4.°, n.° 2 ( 3 ), abrange as vendas de acções e títulos por uma pessoa que não é um intermediário financeiro em acções e títulos?

2)

Uma pluralidade de operações de venda de acções por uma pessoa que não é um intermediário financeiro na venda de acções, a um grande número de compradores no mesmo dia, envolvendo uma preparação complexa durante um período considerável pode constituir em si ‘actividades económicas’ na acepção do artigo 4.°, n.° 2?

3)

No caso de resposta afirmativa à primeira e/ou (trustee) segunda questão, as vendas de acções por esse gestor de património devem ser consideradas como efectuadas por um ‘sujeito passivo agindo nessa qualidade’ na acepção do artigo 2.°, n.° 1?

4)

Para responder às primeira e/ou segunda e/ou terceira questões, é relevante averiguar se a venda de acções e títulos é a parte predominante da actividade no decurso da qual ocorrem as vendas? E, se assim for, como deve ser definida essa actividade e o âmbito da mesma?»

B — Análise

Quanto à primeira questão

8.

Tal como resulta claramente do artigo 4.° n.° 2, da Sexta Directiva IVA, as actividades económicas são apenas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços. A actividade a analisar no presente processo é a venda de acções e títulos, de forma que, prima facie, só a actividade de um comerciante pode ser aqui relevante. Todavia, uma vez que se declara na questão submetida que a pessoa que vende as acções não é um intermediário financeiro, a primeira questão poderia, sem qualquer consideração adicional, ser respondida de forma negativa. Todavia, como o artigo 4.° deve ser interpretado tão extensivamente quanto possível ( 4 ), o princípio da neutralidade fiscal exige que todas as actividades económicas sejam tratadas de igual modo para efeitos de tributação ( 5 ), e, além disso, se coloca aqui a questão da exploração de bens corpóreos ou incorpóreos na acepção do segundo parágrafo, segunda frase, do artigo 4.°, n.° 2 da Sexta Directiva IVA, a primeira questão deve ser analisada mais pormenorizadamente.

9.

Tal como já dissemos, a actividade aqui em questão pode talvez ser considerada em dois aspectos como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA: como uma actividade dum comerciante ou como a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.

10.

Quanto à primeira possibilidade, a primeira questão submetida ao Tribunal afirma expressamente que a venda de acções e títulos é efectuada por uma pessoa que não é um comerciante, o que deve provavelmente entender-se como significando que essa pessoa não exerce uma profissão como intermediário financeiro em acções. Todavia, poderia ser possível tratar a pessoa em questão como um intermediário financeiro em acções.

11.

Para resolver esta questão, é necessário considerar mais detalhadamente as actividades do Wellcome Trust. A actual trust corporation assumiu as funções dos anteriores gestores individuais, que consistem em gerir os activos de Sir Henry Wellcome, que se reconduzem às suas acções na Wellcome Foundation, com vista ao progresso da investigação médica. Para este fim, os activos são investidos em acções e outros títulos e participações. Enquanto que inicialmente isto só era possível na fundação, os gestores adquiriram mais tarde poderes quase ilimitados para realizar investimentos. Essa actividade de investimentos tal como é desempenhada pela recorrente abrange também a venda de acções c a compra de novas acções. Isto ocorreu em larga escala relativamente à segunda venda de acções. A questão é saber se a venda de acções associada a esta actividade de investimento pode ser tratada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA.

12.

O Tribunal de Justiça só se pronunciou até agora sobre a aquisição e detenção de acções de sociedades. No seu acordão proferido no processo Polysar ( 6 ), o Tribunal declarou que a mera aquisição e detenção de participações sociais não pode ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. A mera aquisição de participações financeiras noutras sociedades não equivale, designadamente, à exploração de bens com o fim de obter receitas com carácter de permanência, porque quaisquer dividendos atribuídos a essas participações são o mero resultado da detenção desses bens ( 7 ).

13.

A questão a decidir no presente processo é saber se esta apreciação deve alterar-se no caso de serem vendidas acções c participações financeiras.

14.

No entender da recorrente, deve considerar-se que o presente caso envolve uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. O Wellcome Trust compra e vende acções e deve por essa razão ser tratado como um intermediário finaceiro profissional em acções. Tratá-lo de outra forma seria violar o princípio da neutralidade fiscal, segundo o qual todas as actividades económicas devem ser sujeitas a tributação de uma forma completamente neutra, independentemente dos seus objectivos ou dos seus resultados. A recorrente não contesta que, no caso de só serem feitos investimentos, o investidor dever ser olhado como um consumidor final relativamente aos serviços a que recorre para o investimento. Naturalmente, não recebe contrapartida por este investimento. Como consumidor final, não lhe pode ser reconhecido qualquer direito a deduzir o imposto pago a montante. A situação seria, porém, diferente se a pessoa cm questão realizasse regularmente vendas ou prestações de serviços ao mesmo tempo que alienava as suas participações. Nesse caso, já não poderia ser considerado como consumidor final, e os bens e serviços entrariam de novo no circuito economico e deviam ser tributados.

15.

Isso, todavia, só acontecerá se as vendas de acções deverem ser consideradas como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Essa é precisamente a questão que deve ser apreciada aqui.

16.

A recorrente argumenta ainda que não é possível concluir do facto de, nos termos do artigo 13.°, parte B, alínea d), n.° 5 da Sexta Directiva IVA, as transacções relativas a acções serem isentas de imposto sobre o valor acrescentado, que essas transacções não estão, em princípio, sujeitas a esse imposto. Concordo com essa argumentação. Uma actividade só pode, na verdade, estar isenta de imposto quando, em princípio, está sujeita a esse imposto. Daí não resulta, todavia, que todas as transacções que se referem a acções entram no âmbito de aplicação da directiva e estão, por isso, sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado. De tal forma que o artigo 13.°, parte B, alínea d), n.° 5, diz respeito apenas às transacções que se realizam em ligação com uma actividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva IVA. E isso o que deve precisamente aqui averiguar-se.

17.

Na opinião do Reino Unido, deve negar-se que a actividade exercida no presente caso seja uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Nas suas observações, adere à jurisprudência do Tribunal nos processos Polysar ( 8 ) e Sofitam ( 9 ). Acrescenta que se a aquisição ou detenção de acções não constituir uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, a venda de acções pelo seu detentor com o fim de obter rendimentos do seu patrimonio também não pode ser considerada como exploração de bens. Argumenta que neste caso se trata duma alienação de activos que, por natureza, não podia produzir resultados. Esses activos apenas mudaram de forma. No que respeita especificamente a este caso, o Reino Unido continua argumentando que a segunda venda e a actividade de investimento da recorrente não significam mais do que uma troca de activos por fundos líquidos com os quais, por sua vez, foram adquiridos outros activos que foram considerados como representando um investimento melhor. Isto não constitui uma actividade de negociação de acções. Nem o trust está autorizado a envolver-se em tais actividades. Pode usar os seus activos apenas para fins específicos e, tanto quanto respeita à gestão dos seus activos, não pode envolver-se em qualquer comércio. Além disso, de acordo com o Reino Unido, nem a actividade de investimento nem a segunda venda tiveram qualquer influência sobre o volume de negócios. O Reino Unido, todavia, não indica a que volume de negócios se está a referir neste caso ou se considera pelo menos que foi realizado qualquer volume de negócios que pudesse ser influenciado.

18.

O objectivo das vendas de acções, na sua opinião, não é obter um rendimento regular dos investimentos financeiros do trust, mas antes transformar esses investimentos em fundos líquidos para reinvestimento. Por essa razão, na opinião do Reino Unido, também não há exploração de bens na acepção da segunda frase do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva IVA.

19.

Concordo com esta opinião. A missão do trust é gerir com o máximo cuidado os activos que lhe foram confiados. Isto significa que deve ser posto todo o cuidado em assegurar que esses activos não diminuem, mas pelo contrário crescem, particularmente através de investimentos favoráveis. Isso também significa que as participações que a recorrente detém são vigiadas e, se houver o risco de que o trust incorra numa perda financeira, as acções são vendidas e são adquiridas novas acções que podem ser consideradas como mais rentáveis ou envolvendo menos risco. O trust esforça-se assim por assegurar os maiores dividendos possíveis com vista a maximizar fundos disponíveis para a sua missão principal de apoiar a investigação médica. Por esta razão — tal como já se expôs — é necessário em dado momento comprar e vender acções. Isto, todavia, não é equiparável à actividade de um intermediário financeiro em acções. Este não está à partida ocupado cm gerir activos; pelo contrário, procura realizar lucros através de compra e venda de acções envolvendo-se em investimentos arriscados e em especulação. Não adquire acções com o objectivo principal de assegurar os maiores dividendos possíveis, mas pelo contrário com vista a vendê-las ao mais alto preço que puder obter. A actividade do trust não é comparável — nem podia certamente sê-lo. Pelo contrário, a actividade do trust é mais semelhante à de um particular que gere os seus próprios activos. Embora um tal particular possa em determinadas ocasiões comprar e vender acções, não é todavia — e isto não é contestado — considerado como uma pessoa que exerça uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Só no que respeita à sua extensão (particularmente no caso da segunda venda de acções) é que a actividade do trust pode distinguir-se da de um investidor privado. Todavia, mesmo a segunda venda de acções não pode ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, apesar de ter sido a mais ampla venda privada de acções no Reino Unido. Tal como a própria recorrente argumenta, a venda de acções foi efectuada com vista a diversificar as participações do trust. Todavia isto apenas significa que as participações originais serviram numa primeira fase para realizar liquidez, que posteriormente foi aplicada em novas participações. Também isto não é comparável à actividade de um intermediário financeiro, tal como foi descrita anteriormente.

20.

Tal como a própria recorrente observa, o objectivo da venda de acções não foi obter rendimento através de vendas regulares, razão pela qual também não se pode falar de exploração de bens na acepção do artigo 4.°, segunda frase, n.° 2. Isto significa que nem a actividade normal de investimento do trust nem a ampla segunda venda constituem uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA.

21.

Esta opinião é partilhada pela Comissão, que, além disso, trata nas suas observações escritas o aspecto das participações do trust noutras sociedades. A Comissão observa a este respeito que o próprio trust declarou que tem o máximo cuidado para não ter participações de tal forma importantes que tenha de as declarar às autoridades. De acordo com a Comissão, isto significa que, nas suas participações, o trust nunca excede um limite específico, o que por sua vez significa que nunca detém uma participação maioritária. A Comissão considera que isto confirma o seu ponto de vista de que o trust opera nos mercados financeiros internacionais, mas não se envolve ele próprio na gestão de sociedades. Na sua decisão no caso Polysar, todavia, o Tribunal de Justiça considerou este pressuposto de envolvimento em gestão de sociedades como sendo a única excepção à regra de que a detenção de participações em sociedades não é uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA ( 10 ).

22.

A recorrente alega, além disso, que uma venda de acções tão extensa como a segunda venda realizada pelo Wellcome Trust, dada a sua dimensão e o profissionalismo da sua preparação e realização, não pode ser colocada em pé de igualdade com a actividade de um investidor privado. Contrariamente a esta opinião, o Reino Unido observa, com razão, que não se pode fazer uma apreciação com base na questão de saber se o investidor está, ele próprio, em condições de realizar a sua actividade de investimento ou se necessita da assistência de um ou vários consultores para esse efeito. De outra forma, as características e competências de um investidor determinariam em parte se se deve considerar que existe ou não uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Além disso, hoje em dia já não é possível mesmo para um investidor privado exercer a sua actividade totalmente sem ser aconselhado, ainda que minimamente. O apoio de sociedades de consultores não pode, por isso, constitiuir um indício da existência de uma actividade económica para efeitos da Sexta Directiva IVA. No que se refere à dimensão da venda de acções, um investidor privado muito abastado também pode realizar vendas importantes de acções. O Reino Unido alega ainda a este respeito que é muito difícil, com base na dimensão da transacção, determinar se a mesma constitui uma actividade económica. Neste caso, põe-se a questão de saber a partir de que dimensão se pode considerar que existe uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA.

23.

A equiparação da actividade do trust à de um investidor privado também não ofende o princípio da neutralidade fiscal. Embora a recorrente alegue que todas as actividades económicas devem ser tratadas igualmente para efeitos de tributação, a actividade do trust não pode ser tratada como se fosse uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA porque — tal como se demonstrou — não pode ser considerada como uma actividade dessa natureza. Pelo contrário, por razões de neutralidade fiscal, deve ser classificada da mesma forma que a actividade de um particular. O argumento da recorrente segundo o qual a sua actividade se assemelha à de um fundo de pensões ou de uma caixa de pensões e por essa razão deve — da mesma forma que esses fundos — ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, também não pode levar a um resultado diferente. Ao contrário dos fundos de pensões, o trust gere os seus próprios activos — precisamente da mesma forma que um particular.

24.

Não é absolutamente mais convincente o argumento suplementar avançado pelo Reino Unido de que o trust também não podia ter exercido uma actividade económica em virtude de os seus poderes de investimento serem muito limitados. Isto verifica-se relativamente ao período até 1987. Relativamente à segunda venda de acções, o trust gozou de quase poderes ilimitados de investimento. Não se pode, com base neste fundamento, considerar que não houve actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Porém, a existência dessa actividade deve ser negada pelos fundamentos já expostos.

25.

Uma decisão nesse sentido também não conduzirá a resultados inaceitáveis no que respeita ao direito de deduzir os impostos pagos a montante. Se a actividade do trust não for considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, essa directiva não lhe será, por isso, aplicável e as disposições que regulam a dedução de imposto também não lhe serão aplicáveis. Isto é inteiramente compatível com o sistema do imposto sobre o valor acrescentado, uma vez que o trust, não exercendo uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, deve ser considerado como um consumidor final quanto às actividades preparatórias exigidas para a venda de acções, tal como a Comissão observou com razão.

26.

A recorrente alega na verdade que a Sexta Directiva IVA também pode aplicar-se a uma pessoa cujas transacções estão na totalidade isentas de imposto, ao abrigo do artigo 13.°, parte B, alinead) n.° 5, da Sexta Directiva IVA. Uma vez que a dedução do imposto pago a montante também não é possível nesse caso, não haveria distorção de concorrência. Por essa razão, alega, a Sexta Directiva IVA pode também aplicar-se ao trust.

27.

A Sexta Directiva é, sem dúvida, também aplicável no caso de uma actividade económica, na acepção da Sexta Directiva IVA, se referir exclusivamente a acções e estar por esse motivo isenta de imposto sobre o valor acrescentado. Pelo contrário, não é aplicável quando — como no presente caso — não é exercida qualquer actividade económica na acepção da directiva. Além disso, mesmo no caso de isenção de imposto sobre o valor acrescentado ao abrigo do artigo 13.°, a dedução é possível relativamente a transacções em que o destinatário está estabelecido fora da Comunidade [«artigo 17.° n.°3, alínea c), da Sexta Directiva IVA»]. E precisamente este imposto pago a montante que o trust deseja poder deduzir no presente caso. Se este direito de dedução devesse ser concedido ao trust — mesmo que não exerça uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA —, isto daria lugar a uma desigualdade de tratamento relativamente à tributação de outros investidores privados. Com este fundamento deve considerar-se que o trust não tem direito a deduzir o imposto pago a montante. Além disso, a recorrente não tem razão quando alega que é injusto cm comparação com outras pessoas que estão registadas como sujeitos passivos pelo exercício doutras actividades — acessórias — e têm o direito, em virtude desse facto, a pedir a dedução do imposto pago a montante nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alinea e). Segundo o artigo 17.°, n.° 3, a dedução também só é possível relativamente a actividades económicas na acepção da Sexta Directiva IVA. Isto resulta claramente da referência às transacções isentas nos termos do artigo 13.°, que — como já se disse — devem resultar de actividades económicas na acepção da Sexta Directiva IVA.

28.

Além disso, a decisão do legislador é inequívoca. A Sexta Directiva IVA, com todas as suas normas e consequências, destina-se a ser aplicada apenas a pessoas que exercem uma actividade económica na acepção da directiva e não às pessoas cuja actividade é semelhante à de um investidor privado. A actividade do trust não deve por isso ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Esta conclusão não pode ser alterada pelo facto de a recorrente alegar que recebe contrapartida pela sua actividade. Tal como o Tribunal de Justiça decidiu no processo Hong-Kong Trade ( 11 ), um serviço prestado a título não oneroso não pode constituir uma actividade económica para efeitos da Sexta Directiva IVA. Isso, não significa, contudo, que qualquer serviço fornecido a título oneroso constitui uma actividade económica.

29.

De acordo com o disposto, concluo que nem a venda normal de acções e títulos pelo trust nem a ampla segunda venda de acções constituem uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva IVA.

Segunda questão

30.

Na opinião da recorrente, esta questão pressupõe que se tenha respondido afirmativamente à primeira questão. A recorrente é de opinião de que pela segunda questão se pretende saber se, no caso de a actividade geral de investimento do trust ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, a segunda venda de acções no quadro dessa actividade de investimento pode ser também considerada como uma actividade económica dessa natureza. Em minha opinião, essa interpretação não é convincente. Pode também ser possível considerar a segunda venda de acções separadamente e, assim, responder à segunda questão independentemente da primeira questão.

31.

Tal como já se discutiu relativamente a propósito da resposta à primeira questão, a segunda venda de acções não pode ser considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, apesar da sua enorme dimensão e cuidada preparação.

32.

A recorrente alega, apesar disso, que se uma tal quantidade de acções tivesse de ser vendida em pequenos lotes durante um certo período de tempo seria sem dúvida considerada como constituindo uma actividade económica para efeitos da Sexta Directiva IVA. Trata-se de uma mera observação da recorrente que está em desacordo com a norma estabelecida pela Sexta Directiva. Ao apreciar uma actividade, não é a sua dimensão nem a sua duração que é determinante, mas apenas a questão de saber se essa actividade é uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Uma vez que não é esse o caso neste processo e que, por isso, a actividade não é abrangida no âmbito de aplicação do imposto sobre o valor acrescentado, o argumento suplementar da recorrente também é incorrecto. Alega que, se a segunda venda de ações não for considerada como uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA pelo facto de ter sido realizada num único dia, seria fácil para qualquer sujeito passivo contornar a obrigação de pagar o imposto sobre o valor acrescentado, realizando todos os seus negócios num único dia. Tal como já referimos, a classificação como actividade económica para efeitos da Sexta Directiva IVA não deixa de poder fazer-se pelo facto de a actividade ter sido realizada num único dia, mas antes pelo facto de o tritst dever ser considerado como um investidor privado. O facto de as acções terem sido vendidas num decurso de um dia não altera cm nada a apreciação a fazer dessa venda para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado. Se uma actividade é tratada como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, conservará essa qualificação mesmo que seja realizada num único dia. Se não for uma actividade económica, esta conclusão permanecerá inalterada por maioria de razão. É também esta a conclusão a que chegaram o Reino Unido e a Comissão nas suas observações escritas.

33.

Consequentemente, não é apenas pelo facto de as vendas terem sido realizadas num único dia que a segunda venda de acções não pode ser considerada como uma actividade económica.

Terceira questão

34.

Esta questão foi colocada para a hipótese de se ter respondido afirmativamente à primeira e/ou à segunda questão. Uma vez que cheguei à conclusão de que a resposta a dar às duas questões era negativa, não há necessidade de responder à terceira. Todavia, para o caso de o Tribunal de Justiça não aderir à minha posição, tomarei também posição sobre a terceira questão a título subsidiário.

35.

Se a actividade de investimento da recorrente for reconhecida como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, decorrerá do artigo 4.°, n.° 1, que o trust deve ser considerado como um sujeito passivo. Desenvolverá todas as acções relacionadas com esta actividade como um sujeito passivo actuando nessa qualidade, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva IVA. Existe uma conexão directa entre estes dois conceitos. No contexto da actividade de investimento e da venda de acções, a qualidade de sujeito passivo não pode ser apreciada independentemente da classificação como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA. Isto significa que se a venda de acções for considerada como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, a pessoa que desenvolve essa actividade é, nessa medida, um sujeito passivo. Todas as acções relacionadas com essa actividade são conduzidas por essa pessoa como sujeito passivo agindo nessa qualidade, na acepção do artigo 2.°, n.° 1. Nessa medida, a pessoa em questão terá o direito de deduzir o imposto pago a montante, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea c). Se, pelo contrário, se entender que não existe actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA, a pessoa que exerce a actividade em questão não pode ser considerada sujeito passivo e não pode, por isso, agir como sujeito passivo na acepção do artigo 2.°, n.M. Nesse caso, deveria negar-se o direito à dedução do imposto pago a montante. Contudo, mesmo que a pessoa seja classificada como um sujeito passivo — tal como é a recorrente no que respeita à venda de livros e fotografias —, não pode ser um sujeito passivo agindo nessa qualidade no que respeita à gestão do seu património privado.

36.

Os restantes argumentos da recorrente concentram-se essencialmente nos problemas suscitados pelas duas primeiras questões e, por isso, não necessitam de ser aqui apreciados.

37.

Se a resposta à primeira e/ou segunda questão devesse ser afirmativa, as vendas de acções pela recorrente devem ser consideradas como vendas efectuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, na acepção do artigo 2.°, n.° 1.

Quanto à quarta questão

38.

Segundo a recorrente, esta questão refere-se à jurisprudência nacional em que assume relevância a questão de saber se uma actividade é actividade principal. Assim, o Reino Unido também argumenta nas suas observações escritas que é útil considerar, em todas as questões submetidas no presente caso, se a actividade a apreciar é a actividade principal.

39.

A Comissão, pelo contrário, observa que a noção dé «actividade principal» não é utilizada na directiva IVA. Segundo a directiva, é a natureza intrínseca da própria actividade que é determinante, e não a questão de saber se essa actividade é ou não é predominante. Também sou de opinião de que, a fim de determinar se uma actividade é uma actividade económica para efeitos do artigo 4.°, n.° 2, não se deve ter em conta se se trata ou não de uma actividade principal. Para ilustrar este ponto de vista, gostaria de referir-me às actividades do Wellcome Trust em relação às quais está registado como sujeito passivo. Estas referem-se à venda de livros, fotografias etc, nenhuma das quais é, de maneira nenhuma, uma actividade principal. Apesar disso, estas actividades devem ser consideradas como actividades económicas para efeitos da Sexta Directiva IVA, enquanto que a principal área de negocios do trust, ou seja, a gestão de activos, não pode ser considerada como actividade económica na acepção da Sexta Directiva IVA.

C — Conclusão

40.

De acordo com o exposto, proponho que o Tribunal responda da forma seguinte às questões que lhe foram submetidas:

«1)

A expressão ‘actividades económicas’ utilizada no artigo 4.°, n.° 2 ( 12 ), não abrange as vendas de acções e outros títulos por uma pessoa que não é um dealer em acções e outros títulos, mas actua na gestão do seu próprio património.

2)

A multiplicidade de vendas de acções por uma pessoa que não é dealer em acções, mas gere o seu próprio património, a um amplo número de compradores no mesmo dia, envolvendo uma preparação sofisticada num período considerável de tempo não pode, por si só, constituir uma ‘actividade económica’ na acepção do artigo 4.°, n.° 2 ( 13 ).

3)

Em alternativa: se a resposta às primeira c/ou {trustee) segunda questões for afirmativa, as vendas de acções por um tal gestor devem ser consideradas como efectuadas por ‘um sujeito passivo agindo nessa qualidade’, na acepção do artigo 2°, n.° 1 ( 14 ).

4)

Na resposta a dar às primeira e/ou segunda e/ou terceira questões não há que apreciar se a venda de acções e outros títulos é a parte preponderante da actividade em cujo exercício se realizam as vendas.»


( *1 ) Língua original: alemão.

( 1 ) Sexta Directiva 77/38S/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. I; EE 9 P1 p. 54). a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam

( 2 ) JO 1994, C 275, p. 10.

( 3 ) Directiva 77/388/CEE, já referida na nota I.

( 4 ) Acórdão de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem (C-186/89, Colect., p. I-4463, n.° 17), c acórdão de 20 de Junho de 1991, Plysar (C-60/90, Colcct., p. I-3111, n.° 12).

( 5 ) Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/93, Recueil, p. 655, n.° 19).

( 6 ) Acórdão Polysar Investments Netherlands, já referido

( 7 ) Acórdão Polysar Investments Netherlands, já referido, p. I-3137, n.° 13.

( 8 ) Acórdão Polysar Investments Netherlands, já referido.

( 9 ) Acórdão de 22 de Junho de 1993, Sofitam (C-333/91, Colect., pp. I-3513, I-3542, n.° 12).

( 10 ) Acórdão Polysar Investments Netherlands, já referido, p. I-3137, n.° 14.

( 11 ) Acórdão de 1 de Abril de 1982, Hong Kong Trade (89/81, Recueil, p. 1277, n.° 10).

( 12 ) Sexta Directiva IVA.

( 13 ) Sexta Directiva IVA.

( 14 ) Sexta Directiva IVA.