61993A0489

ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (TERCEIRA SECCAO) DE 15 DE DEZEMBRO DE 1994. - UNIFRUIT HELLAS EPE CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - DIREITO DE COMPENSACAO - PRODUTOS EM CURSO DE ENCAMINHAMENTO PARA A COMUNIDADE - CONFIANCA LEGITIMA - PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE - IGUALDADE DE TRATAMENTO - DESVIO DE PODER. - PROCESSO T-489/93.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página II-01201


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Recurso de anulação ° Pessoas singulares ou colectivas ° Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito ° Regulamento que institui um direito de compensação na importação de maçãs ° Importador que sofre os efeitos da introdução do direito de compensação em relação a mercadorias em curso de encaminhamento

(Tratado CEE, artigo 173. , segundo parágrafo; Regulamentos n.os 384/93 e 846/93 da Comissão)

2. Acção de indemnização ° Autonomia relativamente ao recurso de anulação ° Inadmissibilidade do recurso de anulação dirigido contra um regulamento ° Não incidência na admissibilidade de uma acção destinada à reparação do prejuízo causado pela adopção do mesmo regulamento

(Tratado CEE, artigos 178. e 215. , segundo parágrafo)

3. Responsabilidade extracontratual ° Condições ° Acto normativo que implica escolhas de política económica ° Violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares

(Tratado CEE, artigo 215. , segundo parágrafo)

4. Agricultura ° Organização comum de mercado ° Frutas e produtos hortícolas ° Importações de países terceiros ° Instituição de um direito de compensação na importação de maçãs ° Não tomada em consideração da situação especial dos produtos em curso de encaminhamento ° Princípio da protecção da confiança legítima ° Violação ° Inexistência

(Regulamento n. 846/93 da Comissão)

5. Agricultura ° Política agrícola comum ° Objectivos ° Conciliação ° Poder de apreciação das instituições ° Princípio da preferência comunitária ° Frutas e produtos hortícolas ° Importações de países terceiros ° Regulamento que institui um direito de compensação na importação de maçãs ° Princípio da proporcionalidade ° Violação ° Inexistência

(Tratado CEE, artigo 39. ; Regulamento n. 846/93 da Comissão)

6. Agricultura ° Organização comum de mercado ° Frutas e produtos hortícolas ° Importações de países terceiros ° Instituição de um direito de compensação na importação de maçãs ° Competência vinculada ° Desvio de poder ° Inexistência

(Regulamento n. 846/93 da Comissão)

Sumário


1. O facto de ter mercadorias em curso de encaminhamento no momento da adopção do Regulamento n. 846/93, que institui uma taxa compensatória na importação de maçãs originárias do Chile, não basta para que um importador possa ser considerado como directa e individualmente afectado, na acepção do artigo 173. , segundo parágrafo, do Tratado, pelo referido regulamento e para que, por este motivo, o seu recurso de anulação contra o mesmo seja admissível.

Com efeito, se tal importador faz efectivamente parte de um círculo fechado de pessoas, identificáveis no momento da adopção do acto, não dispõe por essa razão de um direito de recurso, a não ser que ao referido grupo tenha sido conferida pela regulamentação comunitária uma protecção específica cujo respeito deve poder exigir dispondo da possibilidade de recurso judicial. Ora, a regulamentação aplicável à introdução de um direito de compensação nas importações de maçãs não impõe de modo algum à Comissão, quando introduz tal direito, que tenha em conta a situação especial dos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade.

Também não é susceptível de fazer surgir um direito de recurso o facto de o referido importador ter estado sujeito, relativamente aos produtos em causa, ao regime de controlo previsto pelo Regulamento n. 384/93, porque as medidas instituídas por este visavam controlar toda e qualquer importação de maçãs na Comunidade, independentemente da sua origem, e atingiam-no assim nos mesmos termos que qualquer outro importador de maçãs.

2. A acção de indemnização prevista nos artigos 178. e 215. , segundo parágrafo, do Tratado foi instituída como uma via autónoma, de modo que a declaração de inadmissibilidade de um pedido de anulação dirigido contra um regulamento não implica automaticamente a do pedido de indemnização do prejuízo pretensamente causado pela adopção deste último.

3. Só há responsabilidade da Comunidade, resultante de actos normativos que impliquem escolhas de política económica, se se estiver em presença de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares. Tal violação pode resultar de um desvio de poder bem como da violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, mas não da falta de fundamentação de um acto regulamentar.

4. Um importador de maçãs originárias do Chile não pode pretender que o facto de ter tido que pagar um direito de compensação em aplicação do Regulamento n. 846/93 relativamente a mercadorias em curso de encaminhamento aquando da adopção deste regulamento constituiu uma violação do princípio da protecção da confiança legítima.

Com efeito, este princípio não pode ser invocado quando um operador prudente e sensato estava em condições de prever a adopção da medida comunitária que afectou os seus interesses, o que era aqui o caso tendo em conta, simultaneamente, que a instituição de um direito de compensação é, por força do artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, automática quando o preço de entrada das maçãs seja, durante um certo período, inferior a um certo limiar, que os casos excepcionais em que esta instituição pode não ocorrer só dizem respeito a situações em que, embora estejam reunidas todas as condições para tal, a Comissão decide não recorrer à mesma, e não à situação de certas mercadorias, como aquelas em curso de encaminhamento, que as diferenças entre um direito de compensação e uma medida de protecção são tais, o primeiro tendo apenas por efeito tornar as importações mais caras ao passo que a segunda as torna impossíveis, que a aplicação por analogia aos direitos de compensação das disposições especiais previstas para as mercadorias em curso de encaminhamento na hipótese de medidas de protecção não se impõe, que a existência de medidas de protecção não é de modo algum exclusiva da introdução de um direito de compensação e, por último, que a obrigação de um determinado importador pagar um direito de compensação, quando tenha sido instaurado, é totalmente independente do preço dos produtos que ele importa.

5. A introdução, pelo Regulamento n. 846/93, de um direito de compensação na importação de maçãs originárias do Chile não pode ser considerada como tendo ocorrido em violação do princípio da proporcionalidade, princípio que as instituições comunitárias devem respeitar na realização dos objectivos da política agrícola comum.

Por um lado, com efeito, a preeminência atribuída aos interesses dos agricultores em detrimento dos dos consumidores que esta medida revelaria, destinada a fazer respeitar o princípio da preferência comunitária, mas que não foi demonstrada, não seria constitutiva de tal violação, na medida em que, nem sempre podendo todos os objectivos da referida política ser simultânea e totalmente alcançados, um de entre eles pode ser privilegiado temporariamente.

Por outro lado, o recurso a um direito de compensação é, em si mesmo, menos restritivo para os importadores do que uma suspensão das importações, medida igualmente possível nos termos da regulamentação comunitária pertinente, e surge assim como traduzindo a preocupação de respeitar o princípio da proporcionalidade, sem que tenhamos que nos preocupar com o facto de que, para um grupo especial de operadores, os inconvenientes de uma suspensão das importações teriam sido menores que os de um direito de compensação.

6. Dado que não foi demonstrado que se tratava, quando foi introduzido, pelo Regulamento n. 846/93, um direito de compensação à importação de maçãs originárias do Chile, de um caso excepcional em que, por força do artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, que estabelece a organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas, tal direito pode não ser introduzido, embora estejam preenchidas as condições que normalmente obrigam a Comissão a recorrer ao mesmo, um recorrente não pode utilmente afirmar que ao instituir o referido direito a Comissão se tornou culpada de um desvio de poder, porque este só é concebível quando existe um amplo poder de apreciação.

Partes


No processo T-489/93,

Unifruit Hellas EPE, sociedade de direito helénico, estabelecida em Atenas, representada por Ilias Soufleros, advogado no foro de Atenas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-rue,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Xenophon Yataganas, consultor jurídico, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto, em primeiro lugar, a anulação do Regulamento (CEE) n. 846/93 da Comissão, de 7 de Abril de 1993, que institui uma taxa compensatória na importação de maçãs originárias do Chile (JO L 88, p. 30) e dos Regulamentos (CEE) n.os 915/93, 1396/93 e 1467/93 da Comissão, respectivamente de 19 de Abril de 1993, de 7 de Junho de 1993 e de 15 Junho de 1993, que alteram o Regulamento (CEE) n. 846/93 (respectivamente JO L 94, p. 26, JO L 137, p. 9, e JO L 144, p. 11), e, em segundo lugar, a condenação da Comissão no pagamento de uma indemnização por perdas e danos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Biancarelli, presidente, C. P. Briët e C. W. Bellamy, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Setembro de 1994,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Enquadramento regulamentar do litígio

1 O litígio inscreve-se no quadro jurídico constituído pelo Regulamento (CEE) n. 1035/72 do Conselho, de 18 de Maio de 1972, que estabelece a organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas (JO L 118, p. 1; EE 03 F5 p. 258, posteriormente alterado várias vezes, a seguir "Regulamento n. 1035/72"), e diz respeito, nomeadamente, aos instrumentos protectores previstos neste regulamento quanto às trocas comerciais com países terceiros, a saber, o direito de compensação e as medidas de protecção.

2 O direito de compensação visa proteger um determinado nível de preços para as frutas e produtos hortícolas no mercado comunitário. Para o efeito, o artigo 23. do Regulamento n. 1035/72 prevê a fixação anual de um preço de referência para cada produto sujeito à organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas "a fim de evitar perturbações devidas a ofertas provenientes de países terceiros a preços anormais". O artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72 dispõe o seguinte: "Se o preço de entrada de um produto importado de um país terceiro se mantiver durante dois dias sucessivos de mercado a nível inferior, em pelo menos 0,6 ecu, ao do preço de referência, será instituído, salvo caso excepcional, um direito de compensação para a proveniência em causa. Este direito será igual à diferença entre o preço de referência e a média aritmética dos dois últimos preços de entrada disponíveis para a referida proveniência, adiante denominado preço de entrada médio. Este preço de entrada médio, será portanto calculado em cada dia de mercado e para cada proveniência até que a imposição seja revogada relativamente a esta proveniência". O preço de entrada mencionado nesta disposição é, por força do artigo 24. , n. 3, do mesmo regulamento, o preço de mercado dos produtos importados em proveniência de países terceiros, calculado com base na média das cotações representativas mais baixas verificadas referentes a pelo menos 30% das quantidades da proveniência em causa comercializadas no conjunto dos mercados representativos.

3 O direito de compensação, de igual montante para todos os Estados-membros, acresce aos direitos aduaneiros em vigor (artigo 25. , n. 3, do Regulamento n. 1035/72). Não será modificado "enquanto a variação dos elementos do seu cálculo não causar, a partir da sua aplicação efectiva e durante três dias de mercado sucessivos, uma modificação do seu montante em mais de 1,2 ecu" e será revogado se, durante dois dias de mercado sucessivos, o preço de entrada se situar a um nível pelo menos igual ao preço de referência (artigo 26. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72).

4 Quanto às medidas de protecção, o artigo 29. , n. 1, primeiro travessão, do Regulamento n. 1035/72 prevê que "quando na Comunidade o mercado de um... produto... sofra, ou esteja ameaçado de sofrer, nas importações ou nas exportações, perturbações graves susceptíveis de pôr em perigo os objectivos do artigo 39. do Tratado, podem ser aplicadas medidas apropriadas nas trocas com países terceiros". O artigo 29. , n. 1, segundo travessão, permite recorrer a medidas de protecção ° no que diz respeito, designadamente, às maçãs ° na hipótese de "as operações de retirada ou de compra... incidirem sobre grandes quantidades". O artigo 3. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 2707/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, que define as condições de aplicação das medidas de protecção no sector das frutas e dos produtos hortícolas (JO L 291, p. 3; EE 03 F6 p. 153, a seguir "Regulamento n. 2707/72"), dispõe que as medidas de protecção podem abranger a suspensão das importações ou das exportações ou a cobrança de direitos na exportação. No caso previsto no artigo 29. , n. 1, segundo travessão, do Regulamento n. 1035/72, as medidas podem abranger "a suspensão das importações ou a cobrança de um montante suplementar igual a 50% da diferença entre o preço de base e (um limite máximo previsto para o preço de retirada). Este montante suplementar adiciona-se aos direitos aduaneiros e, se for caso disso, aos direitos de compensação eventualmente instituídos ao abrigo do artigo 25. do Regulamento (CEE) n. 1035/72".

5 Por último, o artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 dispõe, por seu lado, que as medidas de protecção "terão em conta a situação especial dos produtos em encaminhamento já em curso para a Comunidade. Essas medidas podem incidir sobre produtos provenientes de ou destinados a países terceiros e podem limitar-se a certas proveniências, origens, destinos, qualidades e a certos calibres ou grupos de variedades".

6 Em 19 de Fevereiro de 1993, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n. 384/93, que institui medidas específicas de protecção a aplicar aquando da importação de maçãs de países terceiros (JO L 43, p. 33, a seguir "Regulamento n. 384/93"). Este regulamento funda-se no artigo 29. do Regulamento n. 1035/72. Nos termos do artigo 1. do Regulamento n. 384/93, a introdução em livre prática na Comunidade, antes de 1 de Setembro de 1993, de maçãs fica sujeita à apresentação de um certificado de importação. O artigo 2. , n. 1, do mesmo regulamento prevê, por um lado, que a emissão desse certificado fica sujeita à constituição de uma garantia de 1,5 ecu por 100 quilogramas líquidos e, por outro, que a garantia ficará perdida na totalidade ou em parte se, durante o período de validade do certificado, as quantidades neste indicadas não tiverem sido introduzidas em livre prática, ou se tal apenas se tiver verificado parcialmente.

7 Em 7 de Abril de 1993, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n. 846/93, que institui uma taxa compensatória na importação de maçãs originárias do Chile (JO L 88, p. 30, a seguir "Regulamento n. 846/93"). O regulamento, que se refere expressamente ao artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, fixou o direito em 1,84 ecus por 100 quilogramas de peso líquido. O Regulamento n. 846/93 entrou em vigor em 9 de Abril de 1993.

8 O direito de compensação foi modificado nomeadamente pelos Regulamentos (CEE) n.os 915/93, 1396/93 e 1467/93 da Comissão, respectivamente de 19 de Abril de 1993, 7 de Junho de 1993 e 15 de Junho de 1993, que alteram o Regulamento n. 846/93 que institui uma taxa compensatória na importação de maçãs originárias do Chile (respectivamente JO L 94, p. 26, JO L 137, p. 9, JO L 144, p. 11, a seguir "Regulamento n. 915/93", "Regulamento n. 1396/93" e "Regulamento n. 1467/93").

Factos na origem do litígio e tramitação processual

9 A actividade principal da recorrente é a importação e a exportação de frutas e produtos hortícolas. No início de 1993, comprou a duas sociedades estabelecidas no Chile cerca de 2 milhões de quilogramas de maçãs.

10 As maçãs foram carregadas no porto de Valparaíso (Chile) em dois navios com vista ao seu transporte para a Grécia. Segundo a recorrente, o primeiro navio deixou o Chile em 25 de Março de 1993 e chegou à Grécia em 18 de Abril de 1993; o segundo deixou o Chile em 13 de Abril de 1993 e chegou à Grécia em 6 de Maio de 1993.

11 A recorrente afirma que apresentou ao organismo grego de intervenção pedidos de certificados de importação em 18 de Março de 1993. As maçãs importadas pela recorrente foram sujeitas ao direito de compensação instituído pelo Regulamento n. 846/93, de 7 de Abril de 1993, alterado pelos Regulamentos n.os 915/93, 1396/93 e 1467/93.

12 Foi nestas condições que a recorrente interpôs o presente recurso, através de requerimento registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Junho de 1993.

13 Por despacho de 27 de Setembro de 1993, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 4. da Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE do Conselho, de 8 de Junho de 1993, que altera a Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 144, p. 21).

14 Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral sem instrução prévia. Todavia, a pedido do Tribunal, a recorrente foi convidada a responder a certas questões escritas.

15 As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência pública que se realizou em 22 de Setembro de 1994.

Pedidos das partes

16 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° anular ou declarar não aplicáveis à recorrente os Regulamentos n.os 846/93, 915/93, 1396/93 e 1467/93;

° declarar que a Comunidade Económica Europeia é obrigada a indemnizar a recorrente na globalidade do prejuízo (danos emergentes e lucros cessantes) que sofreu ou virá a sofrer devido às disposições ilegais dos referidos regulamentos, bem como devido a qualquer decisão ou acto adoptado ou a adoptar em aplicação desses regulamentos; declarar além disso que a Comunidade é obrigada a determinar o montante da indemnização, que deverá incluir tanto os danos já sofridos, estimados em 104 614 783 DR, acrescidos de juros convencionais, bem como os que virão ainda a ser causados pelos actos ilegais e prejudiciais da Comissão, e cujo montante exacto a recorrente se reserva o direito de fixar no futuro, sendo a indemnização e os juros acima referidos acrescidos dos juros legais a contar a partir da apresentação do requerimento;

° tomar qualquer outra medida que considere necessária ou oportuna;

° condenar a Comissão nas despesas.

17 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° rejeitar o pedido de anulação, bem como o pedido de indemnização, por serem inadmissíveis ;

° a título subsidiário, rejeitar os dois pedidos por falta de fundamentação;

° condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

No que diz respeito ao pedido fundado no artigo 173. do Tratado CEE

18 A Comissão considera que o pedido de anulação dos Regulamentos n.os 846/93, 915/93, 1396/93 e 1467/93 é manifestamente inadmissível porque os actos controvertidos são regulamentos de alcance geral que dizem respeito à globalidade dos negociantes de frutas frescas da Comunidade. A Comissão, que assinala que os direitos de compensação são impostos quase matematicamente quando o preço de referência atinge um certo nível em relação aos mercados representativos, considera que os regulamentos controvertidos, de qualquer modo, não dizem directa e individualmente respeito à recorrente.

19 A recorrente alega que os regulamentos controvertidos lhe dizem directamente respeito na medida em que obrigam as autoridades nacionais, sem lhes deixar qualquer margem de apreciação, a impor um direito de compensação em relação aos produtos em questão. Além disso, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão (C-152/88, Colect., p. I-2477), considera que os regulamentos impugnados lhe dizem individualmente respeito, porque se encontrava entre um grupo restrito de importadores suficientemente caracterizado em relação a outros importadores, uma vez que as maçãs compradas no mercado chileno tinham sido sujeitas às medidas de protecção introduzidas pelo Regulamento n. 384/93 e se encontravam, além disso, em curso de encaminhamento para a Comunidade.

20 O Tribunal considera que resulta de jurisprudência constante (v. nomeadamente acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1987, Deutz und Geldermann/Conselho, 26/86, Colect., p. 941, n. 6) que o artigo 173. , segundo parágrafo, do Tratado, em vigor no momento da interposição do recurso, "faz depender a admissibilidade de um recurso de anulação, interposto por um particular, da condição de o acto impugnado, ainda que adoptado sob a forma de regulamento, ser, na verdade, uma decisão que diga directa e individualmente respeito ao recorrente". Como o Tribunal de Primeira Instância recordou no seu despacho de 28 de Outubro de 1993, FRSEA e FNSEA/Conselho (T-476/93, Colect., p. II-1187, n. 19), "o objectivo dessa disposição é, designadamente, evitar que, pela simples escolha da forma de regulamento, as instituições comunitárias possam afastar a possibilidade de os particulares recorrerem de uma decisão que lhes diga directa e individualmente respeito" (v. igualmente acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1980, Calpak/Comissão, 789/79 e 790/79, Recueil, p. 1949, n. 7, e Deutz und Geldermann/Conselho, já referido, n. 6).

21 Resulta igualmente de jurisprudência bem assente que a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem se aplica um acto, num determinado momento, não basta para pôr em causa a natureza regulamentar deste acto, desde que se verifique que essa aplicação é feita com base numa situação objectiva de direito ou de facto, definida pelo acto em relação com a finalidade deste último (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1970, Compagnie française commerciale et financière/Comissão, 64/69, Recueil, p. 221, n. 11, de 5 de Maio de 1977, Koninklijke Scholten Honig/Conselho e Comissão, 101/76, Recueil, p. 797, n. 23, de 16 de Março de 1978, Unicme e o./Conselho, 123/77, Recueil, p. 845, n. 16, Calpak/Comissão, já referido, n. 9, de 30 de Setembro de 1982, Roquette Frères/Conselho, 242/81, Recueil, p. 3213, n. 7, Deutz und Geldermann/Conselho, já referido, n. 8, de 24 de Novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C-15/91 e C-108/91, Colect., p. I-6061, n. 25, de 15 de Junho de 1993, Abertal e o./Comissão, C-213/91, Colect., p. I-3177, n. 17, e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853, n. 18; despacho FRSEA e FNSEA/Conselho, já referido, n. 19). Para que operadores possam ser considerados como individualmente afectados por um acto de alcance geral adoptado por uma instituição comunitária, é necessário que sejam atingidos na sua posição jurídica em razão de uma situação de facto que os caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e os individualiza de modo análogo ao de um destinatário (v., a este respeito, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Recueil, pp. 197, 223, e Codorniu/Conselho, já referido, n. 20; despacho do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1993, Van Parijs e o./Conselho e Comissão, C-257/93, p. I-3335, n. 9; despacho FRSEA e FNSEA/Conselho, já referido, n. 20).

22 No caso concreto, a recorrente pede a anulação do Regulamento n. 846/93, que institui um direito de compensação na importação de maçãs originárias do Chile, bem como de certos regulamentos ulteriores que alteram o montante do direito.

23 O Tribunal considera que os regulamentos controvertidos, que impõem um direito de compensação na importação de maçãs originárias do Chile, não visam especificamente a recorrente, só lhe dizendo respeito na sua qualidade objectiva de importador de maçãs chilenas, nos mesmos termos que qualquer outro operador económico em situação idêntica.

24 Embora a recorrente, referindo-se ao acórdão Sofrimport/Comissão, já referido, sustente que se encontra suficientemente individualizada porque os seus produtos estavam já em curso de encaminhamento para a Comunidade no momento em que os regulamentos controvertidos instituíram o direito de compensação, esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, o Tribunal recorda que no processo Sofrimport/Comissão, já referido, esta sociedade tinha pedido, nomeadamente, a anulação do Regulamento (CEE) n. 962/88 da Comissão, de 12 de Abril de 1988, que suspende a emissão de certificados de importação para as maçãs de mesa originárias do Chile, bem como a anulação do Regulamento (CEE) n. 984/88 da Comissão, de 14 de Abril de 1988, que altera o Regulamento (CEE) n. 962/88 (respectivamente JO L 95, p. 10, e JO L 98, p. 37). Nesse processo, o Tribunal de Justiça, por um lado, verificou que a recorrente se encontrava na situação prevista pelo artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72, que impõe à Comissão que tenha em conta, aquando da adopção de tais medidas, a situação especial dos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade. Os importadores que tinham produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade no momento da adopção do acto constituíam assim, segundo o Tribunal de Justiça, um círculo restrito e fechado, suficientemente caracterizado relativamente a qualquer outro importador de maçãs chilenas. O Tribunal de Justiça, por outro lado, considerou que, dado que o artigo 3. , n. 3, já referido, conferia uma protecção específica a estes importadores, estes deviam poder exigir que esta protecção fosse respeitada e poder, para o efeito, interpor recurso judicial. O Tribunal de Justiça considerou, assim, que o recurso de anulação interposto pela Sofrimport era admissível, na medida em que punha em causa a aplicação das medidas de protecção aos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade.

25 No caso vertente, o Tribunal considera que os importadores cujos produtos se encontravam em curso de encaminhamento para a Comunidade, no momento em que foi adoptado o Regulamento n. 846/93 que institui o direito de compensação, constituíam igualmente um círculo fechado de pessoas, identificáveis no momento da adopção do acto. Todavia, em conformidade com a jurisprudência atrás evocada (v. n. 21), essa circunstância não basta para que estes operadores possam ser considerados, por este simples facto, como individualmente afectados pelo regulamento em questão. Com efeito, para que o presente pedido de anulação possa ser declarado admissível, é preciso, além disso, de acordo com os critérios estabelecidos no processo Sofrimport/Comissão, que a regulamentação relativa à instituição dos direitos de compensação imponha à Comissão a obrigação de ter em conta a situação especial dos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade.

26 Ora, o Tribunal verifica que nem o artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, que prevê a instituição de um direito de compensação quando estejam reunidas certas condições, nem qualquer outra disposição relativa ao direito de compensação ° contrariamente ao que prevê o artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 para as medidas de protecção ° impõem à Comissão a obrigação de ter em conta a situação especial dos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade, quando aquela adopta um regulamento instituindo um direito de compensação.

27 Além disso, o Tribunal considera que a circunstância de as maçãs compradas pela recorrente terem sido sujeitas às medidas de protecção previstas pelo Regulamento n. 384/93 também não é susceptível de individualizar a recorrente relativamente a qualquer outro importador de maçãs. A este respeito, cabe, com efeito, recordar que as medidas instituídas pelo Regulamento n. 384/93, cuja legalidade não é posta aqui em causa, visavam controlar toda e qualquer importação de maçãs na Comunidade, independentemente da sua origem, e atingiam assim a recorrente nos mesmos termos que qualquer outro importador de maçãs. Nestas circunstâncias, a recorrente não pode invocar que, em razão precisamente da aplicação das medidas de protecção previstas no Regulamento n. 384/93, é atingida na sua posição jurídica pelos regulamentos que instituem e alteram o direito de compensação de modo análogo ao de um destinatário de uma decisão individual.

28 Assim, mesmo provando-se que os produtos da recorrente estavam em curso de encaminhamento para a Comunidade no momento da adopção do Regulamento n. 846/93, daí não resulta, no entanto, que este regulamento ou os outros regulamentos ulteriormente adoptados e que alteram o Regulamento n. 846/93 digam individualmente respeito à recorrente.

29 Nestes termos, e sem que seja necessário verificar se os regulamentos controvertidos dizem directamente respeito à recorrente, há que rejeitar o pedido por inadmissível, na medida em que pede a anulação dos Regulamentos n.os 846/93, 915/93 e 1467/93.

No que diz respeito ao pedido baseado nos artigos 178. e 215. do Tratado CEE

30 A Comissão considera que o pedido de indemnização é manifestamente inadmissível, uma vez que está estreitamente ligado ao pedido de anulação dos regulamentos controvertidos.

31 A este respeito, convém recordar que a acção de indemnização é uma via de recurso autónoma tendo a sua função própria no quadro do sistema das vias de recurso previsto pelo Tratado (v. nomeadamente acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n. 32). Resulta desta jurisprudência relativa ao carácter autónomo do pedido de indemnização que a verificação da inadmissibilidade do pedido de anulação não implica, em si mesma, a inadmissibilidade do pedido de indemnização (v. despacho Van Parijs e o./Conselho e Comissão, já referido, n. 14).

32 Assim, o Tribunal tem que se pronunciar sobre o pedido de condenação da Comunidade na reparação do prejuízo pretensamente causado à recorrente pela adopção dos regulamentos controvertidos.

Quanto ao mérito

Considerações preliminares

33 A recorrente alega que os actos e omissões em que assentam os seus fundamentos de anulação constituem faltas por parte da Comissão, que lhe causaram um prejuízo grave cuja reparação reclama. Nos pedidos apresentados no requerimento, a recorrente avaliou os prejuízos sofridos em 104 614 783 DR, acrescidos de juros convencionais e legais contados a partir da interposição do recurso.

34 Cabe observar, antes de mais, que a recorrente invocou seis fundamentos em apoio do seu pedido de anulação. O primeiro assenta numa violação do artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72; o segundo diz respeito ao pretenso desvio de poder; o terceiro assenta na falta de fundamentação dos actos controvertidos; o quarto na violação do princípio da proporcionalidade; o quinto na violação do princípio da igualdade de tratamento; e, por último, o sexto na violação do princípio da protecção da confiança legítima.

35 Há que salientar, em seguida, que os actos que, segundo a recorrente, estão na origem do prejuízo invocado são actos normativos. A este respeito, o Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante, só há responsabilidade da Comunidade resultante de um acto normativo que implique escolhas de política económica se se estiver em presença de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1976, Kampffmeyer e o./Conselho e Comissão, 56/74 a 60/74, Recueil, p. 711, n. 13, de 25 de Maio de 1978, HNL e o./Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209, n. 4, de 4 de Outubro de 1979, Ireks-Arkady/Conselho e Comissão, 238/78, Recueil, p. 2955, n. 9).

36 Traduzindo-se a instituição de um direito de compensação por um acto normativo que implica escolhas de política económica, é atendendo a estas exigências que cabe apreciar a procedência do presente recurso. Nesta perspectiva, há que indagar em que medida cada fundamento de anulação se baseia na violação de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares.

37 Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação do artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, o mesmo decompõe-se em duas partes: em primeiro lugar, a recorrente alega que as maçãs chilenas atingidas pelo direito de compensação eram de qualidade superior às maçãs para as quais tinha sido calculado o preço de referência e que, deste modo, a Comissão cometeu um erro grave e manifesto de apreciação ao instituir um direito de compensação. Dado que, através desta primeira parte do fundamento, a recorrente se limita, na realidade, a contestar um erro manifesto de apreciação pretensamente cometido pela Comissão quanto à qualidade das maçãs chilenas importadas, sem deduzir directamente, deste erro manifesto, uma violação de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares, esta parte do fundamento que, aliás, não é de modo algum comprovada pelas peças dos autos, não é susceptível de dar origem à responsabilidade extracontratual da Comunidade.

38 A segunda parte do fundamento baseia-se no facto de que o Regulamento n. 846/93 devia ter tido em conta a situação especial dos produtos que se encontravam em curso de encaminhamento para a Comunidade no momento da sua adopção.

39 Em contrapartida, o Tribunal considera que só esta segunda parte, que aliás se confunde com o sexto fundamento aqui invocado, diz respeito a uma violação de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares, a saber, o princípio da protecção da confiança legítima (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, Recueil, p. 533, n. 44, Sofrimport/Comissão, já referido, n. 26, e de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n. 15).

40 Quanto ao segundo fundamento de anulação, assente num desvio de poder, há que recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um desvio de poder cometido por uma instituição comunitária, na ocorrência a Comissão, na adopção de um acto regulamentar é susceptível de determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, C-119/88, Colect., p. I-2189, n. 19).

41 Quanto ao terceiro fundamento, assente na falta de fundamentação dos actos controvertidos, é jurisprudência constante que a insuficiência de fundamentação de um acto regulamentar não é susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, n. 14, e AERPO e o./Comissão, já referido, n. 20). Além disso, e de qualquer modo, resulta da análise dos considerandos dos regulamentos controvertidos que os mesmos são suficientemente fundamentados face às exigências do artigo 190. do Tratado.

42 No que diz respeito aos outros fundamentos invocados pela recorrente, convém salientar que, segundo jurisprudência constante, todos dizem respeito a uma violação de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares. Assim é quanto ao quarto fundamento, assente na violação do princípio da proporcionalidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1987, Zuckerfabrik Bedburg e o./Conselho e Comissão, 281/84, Colect., p. 49), quanto ao quinto fundamento, assente na violação do princípio da igualdade de tratamento (acórdão HNL e o./Conselho e Comissão, já referido, n. 5), e quanto ao sexto fundamento, assente na violação do princípio da protecção da confiança legítima (v. acórdãos Sofrimport/Comissão, já referido, n. 26, Mulder e o./Conselho e Comissão, já referido, n. 15, e CNTA/Comissão, já referido, n. 44).

43 O Tribunal tem assim que examinar os fundamentos da recorrente assentes i) na violação do princípio da protecção da confiança legítima, ii) na violação do princípio da proporcionalidade, iii) na violação do princípio da igualdade de tratamento e iv) em desvio de poder.

Quanto à pretensa violação do princípio da protecção da confiança legítima

Argumentação das partes

44 Nos seus primeiro e sexto fundamentos, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio da protecção da confiança legítima. A fim de demonstrar a violação deste princípio invoca, essencialmente, quatro argumentos.

45 Em primeiro lugar, considera que o objectivo, tanto da reserva do "caso excepcional", prevista no artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, como do artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72, que se deveria aplicar, neste caso, por analogia, é proteger os importadores comunitários dos produtos abrangidos pelos referidos regulamentos contra os efeitos prejudiciais das medidas susceptíveis de serem tomadas pelas instituições comunitárias. Segundo a recorrente, o facto de impor um direito de compensação aos operadores cujos produtos se encontram já em curso de encaminhamento para a Comunidade constitui assim, por parte da Comissão, um acto contrário ao princípio da protecção da confiança legítima.

46 Em segundo lugar, a recorrente alega que a instituição de medidas específicas de controlo, com constituição de uma garantia, prevista pelo Regulamento n. 384/93, constituía já uma primeira medida de protecção que, pela sua própria natureza, excluía a imposição de um direito de compensação relativamente às empresas que se lhe tinham sujeito de boa vontade e de boa fé. Segundo a recorrente, a imposição de um direito de compensação era imprevisível, uma vez que conduz ao seguinte resultado paradoxal: no caso de não importação das mercadorias, o importador corre o risco de perder a caução prevista no Regulamento n. 384/93, ao passo que em caso de importação se vê confrontado com a imposição de um direito de compensação, e isto mesmo se não cometeu qualquer falta que justifique a sua imposição.

47 Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que o facto de o preço de entrada dos seus produtos ultrapassar em 40% a 63% o nível do preço de referência tornava também plenamente improvável a imposição de um direito de compensação.

48 Por fim, a recorrente sustenta que a conclusão, em 20 de Dezembro de 1990, de um acordo-quadro de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República do Chile (JO 1991, L 79, p. 1) criou um tal clima de confiança entre a Comunidade e o Chile que proibia a adopção de medidas unilaterais, sem negociação prévia.

49 A Comissão sustenta que a reserva do "caso excepcional" prevista no artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72 só diz respeito aos casos em que os dados numéricos devam originar a imposição de um direito de compensação, mas em que o volume das trocas comerciais em questão é tão insignificante que essa imposição não é necessária. Ora, segundo a Comissão, as maçãs chilenas não podem beneficiar da aplicação desta reserva, tendo em conta o importante volume de importações de que são objecto.

50 A Comissão considera que a recorrente poder-se-ia fundar numa violação do princípio da protecção da confiança legítima se se tivesse visto confrontada com uma medida de protecção não prevendo qualquer isenção para os produtos em trânsito. Ora, segundo a Comissão, no caso vertente, trata-se de uma medida de regulação, de aplicação constante, resultante da organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas, e não de uma medida de protecção, que é uma medida excepcional tomada em condições de urgência conjuntural. A Comissão sustenta que a eventual isenção das mercadorias em curso de encaminhamento privaria a medida instituindo um direito de compensação, enquanto medida de regulação dos mercados das frutas e produtos hortícolas, de qualquer eficácia e efeito útil. Por fim, a Comissão não vislumbra qualquer relação entre o acordo comercial concluído entre a Comunidade e a República do Chile, por um lado, e o presente litígio, por outro.

Apreciação do Tribunal

51 Resulta de jurisprudência constante que a possibilidade de invocar o princípio da protecção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir expectativas fundadas. Todavia, quando um operador económico prudente e sensato estiver em condições de prever a adopção de uma medida comunitária susceptível de afectar os seus interesses não pode, quando essa medida for tomada, invocar esse princípio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1978, Luehrs, 78/77, Recueil, p. 169, n. 6, de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens/Comissão, 265/85, Colect., p. 1155, n. 44).

52 Há, assim, que examinar se um operador económico prudente e sensato teria podido prever, no início de 1993, a instituição de um direito de compensação sobre as maçãs chilenas.

53 Convém recordar que, quando a Comissão verifique que durante dois dias de mercado sucessivos, o preço de entrada das maçãs em proveniência de países terceiros é inferior ao preço de referência em pelo menos 0,6 ecu, institui, como previsto no artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, salvo caso excepcional, um direito de compensação para os produtos em causa. Tendo em conta o carácter automático da aplicação desta disposição, o Tribunal considera que um operador prudente e sensato deve normalmente ser considerado como estando em situação de prever a adopção de um direito de compensação sobre os produtos abrangidos pelo Regulamento n. 1035/72.

54 Tratando-se da argumentação da recorrente, que considera que a sua situação cai no âmbito do "caso excepcional" previsto no artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, que teria nomeadamente por objectivo isentar de todo e qualquer direito de compensação os produtos em trânsito para a Comunidade, convém recordar que o artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72 dispõe que: "Se o preço de entrada de um produto importado de um país terceiro se mantiver durante dois dias sucessivos de mercado a nível inferior, em pelo menos 0,6 ecu, ao do preço de referência, será instituído, salvo caso excepcional, um direito de compensação para a proveniência em causa". O Tribunal considera que a reserva do "caso excepcional" deve ser interpretada no sentido de que se refere unicamente a situações em que a Comissão decide não instituir um direito de compensação, quando todas as condições para a introdução de tal direito se encontram reunidas. Em contrapartida, esta disposição não prevê a possibilidade de a Comissão, quando institui um direito de compensação, isentar deste direito certos produtos, como os produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade.

55 Daqui resulta que a reserva do "caso excepcional" prevista no artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72 não era susceptível de criar, na esfera jurídica da recorrente, uma expectativa legítima de que os seus produtos, que estavam, por hipótese, em curso de encaminhamento para a Comunidade, já não poderiam ser sujeitos a um direito de compensação.

56 Em seguida, há que verificar se, como pretende a recorrente, o artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72, que impõe à Comissão a obrigação, a fim de proteger a confiança legítima dos operadores económicos (acórdão Sofrimport/Comissão, já referido, n. 26), de ter em conta, aquando da adopção de medidas de protecção, a situação especial dos produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade, deve aplicar-se por analogia a um regulamento que institui um direito de compensação.

57 Resulta de jurisprudência constante (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1978, Union française des céréales, 6/78, Recueil, p. 1675, n. 4, de 12 de Dezembro de 1985, Krohn, 165/84, Recueil, p. 3997, n. 14) que os operadores económicos podem invocar com razão "a aplicação por analogia" de um regulamento, que não lhes é normalmente aplicável, se provarem que o regime jurídico a que estão sujeitos é, por um lado, estreitamente comparável àquele cuja aplicação por analogia pedem e, por outro, comporta uma omissão que é incompatível com um princípio geral do direito comunitário que a aplicação por analogia permite sanar.

58 Resulta do que precede que, para que as disposições do artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 sejam aplicáveis, por analogia, no quadro do artigo 25. do Regulamento n. 1035/72, seria necessário, em primeiro lugar, que um direito de compensação fosse estreitamente comparável a uma medida de protecção.

59 A este respeito, convém recordar que o artigo 29. , n. 1, primeiro travessão, do Regulamento n. 1035/72 prevê, designadamente, que podem ser adoptadas medidas de protecção "quando na Comunidade o mercado de um... produto... sofra, ou esteja ameaçado de sofrer, nas importações... perturbações graves susceptíveis de pôr em perigo os objectivos do artigo 39. do Tratado". O artigo 3. , n. 1, do Regulamento n. 2707/72 dispõe que, quando tal situação se verifique, a medida que pode ser tomada pela Comissão é "a suspensão das importações". Quando ocorra a situação prevista no artigo 29. , n. 1, segundo travessão, a saber, na hipótese de as operações de retirada ou de compra de maçãs incidirem sobre grandes quantidades, a Comissão pode, nos termos do artigo 3. , n. 1, segundo travessão, do Regulamento n. 2707/72, recorrer à "suspensão das importações ou (à) cobrança de um montante suplementar igual a 50% da diferença entre o preço de base e (um limite máximo previsto para o preço de retirada)".

60 O Tribunal considera que a obrigação imposta à Comissão pelo artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 de ter em conta, aquando da adopção das medidas de protecção, os produtos em curso de encaminhamento para a Comunidade é justificada pelo facto de as medidas de protecção, como o artigo 3. , n. 1, do Regulamento n. 2707/72 sublinha claramente, visarem essencialmente a suspensão das importações na Comunidade de um determinado produto. Assim, os regulamentos da Comissão postos em causa no processo Sofrimport/Comissão, já referido, suspendiam a emissão dos certificados de importação para maçãs chilenas. Deste modo, a obrigação do artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 visa proteger a confiança legítima que os operadores económicos podem colocar no facto de que os seus produtos que se encontrem já em curso de encaminhamento para a Comunidade não serão recambiados no momento da sua chegada ao território comunitário.

61 O Tribunal considera que um direito de compensação não é, em contrapartida, susceptível de impedir um operador económico de importar os produtos atingidos pelo direito para o mercado comunitário. Assim, um direito de compensação ° contrariamente às medidas de protecção previstas pelo Regulamento n. 2707/72 para fazer face a perturbações graves devidas às importações ° não tem por objecto impedir a venda dos produtos não comunitários no mercado comunitário, visando apenas proteger o nível dos preços neste último restabelecendo, de modo geral, o preço de entrada ao nível do preço de referência.

62 Tendo em conta que um direito de compensação não é estreitamente comparável a uma medida de protecção, não cabe, portanto, aplicar, por analogia, o artigo 3. , n. 3, do Regulamento n. 2707/72 a uma medida que institui um direito de compensação.

63 Quanto ao argumento segundo o qual o Regulamento n. 384/93 que institui medidas específicas de protecção, com constituição de uma garantia, constituía já uma primeira medida de protecção, que, pela sua própria natureza, excluía a imposição de um direito de compensação, convém salientar que o artigo 3. , n. 1, segundo travessão, do Regulamento n. 2707/72 faz expressamente referência à imposição de uma medida de protecção que acresce, "se for caso disso, aos direitos de compensação eventualmente instituídos ao abrigo do artigo 25. do Regulamento (CEE) n. 1035/72". Dado que o direito de compensação e a medida de protecção são duas medidas cuja coexistência é expressamente prevista pelo Regulamento n. 2707/72, a recorrente não pode pretender que a adopção de uma medida de protecção criou, na sua esfera, uma confiança legítima no facto de que já não seria instituído qualquer direito de compensação, mesmo admitindo, aliás, que a recorrente tenha constituído uma garantia antes da adopção do Regulamento n. 846/93, o que não é provado pelas peças dos autos.

64 No que diz respeito ao argumento assente no facto de que o preço de entrada dos produtos importados pela recorrente ultrapassava de 40 a 63% o nível do preço de referência, o que, segundo a recorrente, teria tornado imprevisível a imposição de um direito de compensação, cabe salientar que o artigo 25. , n. 3, do Regulamento n. 1035/72 prevê que o direito de compensação é "de igual montante para todos os Estados-membros", independentemente do nível do preço de entrada de um carregamento especial. Assim, o direito de compensação aplica-se, por força do sistema instituído pelo Regulamento n. 1035/72, cuja legalidade não foi posta em causa no presente processo, a todas as importações do produto em causa de uma determinada origem, sem que o regulamento preveja excepções para as importações cujo preço de entrada ultrapasse o preço de referência. Resulta aliás do sistema introduzido por este regulamento que, num dado momento, o preço de mercado, em qualquer um dos Estados-membros, pode revelar-se inferior ou superior ao preço de referência, ou ao preço de entrada, tal como definido no artigo 24. do mesmo regulamento. Esta circunstância não tem qualquer incidência na razoabilidade do sistema instituído pelo Regulamento n. 1035/72, que, fundamentando-se no princípio de unicidade em matéria de política agrícola comum (a seguir "PAC"), determina um preço de referência comunitário aplicável uniformemente no conjunto do território comunitário e não, como sustenta a recorrente, no mercado deste ou daquele Estado-membro.

65 Deste modo, mesmo admitindo que se prove, no caso em apreço, que o nível do preço de entrada dos produtos importados pela recorrente era superior ao nível do preço de referência, esta circunstância não era susceptível de fundar uma confiança legítima, na esfera da recorrente, de que os seus produtos não seriam atingidos por um direito de compensação.

66 Tratando-se, por último, do argumento segundo o qual a conclusão, em 1990, de um acordo-quadro de cooperação entre a Comunidade e a República do Chile tinha criado um tal clima de confiança entre a Comunidade e este Estado que proibia a adopção de medidas unilaterais sem negociação prévia, basta salientar que resulta da análise das disposições deste acordo que o mesmo não tinha de modo algum por objectivo alterar as disposições do Regulamento n. 1035/72, relativas aos direitos de compensação, nas relações entre a Comunidade e o Chile. Daqui resulta que este argumento deve igualmente ser rejeitado.

67 De tudo o que precede resulta que a introdução de um direito de compensação sobre as maçãs originárias do Chile constituía uma hipótese que devia ser tomada em consideração por um operador económico prudente e sensato, especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercado, cujo objecto comporta uma constante adaptação em função das variações da situação económica (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1979, Tomadini, 84/78, Recueil, p. 1801, n. 22, de 17 de Junho de 1987, Frico e o., 424/85 e 425/85, Colect., p. 2755, n. 33, e de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n. 33). Esta conclusão impõe-se tanto mais se se tiver em conta que as importações de maçãs originárias do Chile foram, no passado, regularmente atingidas por direitos de compensação [v., nomeadamente, Regulamentos (CEE) n.os 1039/89, 1263/89, 1574/84 e 2580/92 da Comissão, respectivamente de 20 de Abril de 1989, de 8 de Maio de 1989, de 6 de Junho de 1989 e de 3 de Setembro de 1992, que instituem um direito de compensação à importação de maçãs originárias do Chile, respectivamente JO L 110, p. 45, JO L 126, p. 18, JO L 154, p. 15, e JO L 258, p. 12]. Assim, se a recorrente concluiu certos contratos de compra de maçãs originárias do Chile antes da adopção dos regulamentos controvertidos, só se deve censurar a si própria, se não encarou a possibilidade da introdução de um direito de compensação (acórdão Frico, já referido, n. 34).

68 Resulta do que precede que a análise dos primeiro e sexto fundamentos de anulação da recorrente não revelou qualquer violação de uma regra superior de direito destinada a proteger os particulares susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade.

Quanto à pretensa violação do princípio da proporcionalidade

69 No seu quarto fundamento de anulação, a recorrente alega que a Comissão violou a regra segundo a qual os objectivos do artigo 39. do Tratado CEE devem ser prosseguidos de modo equilibrado e violou, assim, o princípio da proporcionalidade. Com efeito, a recorrente considera que a prossecução de um dos objectivos do artigo 39. do Tratado deve fazer-se através de medidas que afectem o menos possível a realização dos outros objectivos. Sustenta que o direito de compensação visava garantir de modo selectivo um nível de vida equitativo à população agrícola, que é um dos objectivos da PAC, enunciados no artigo 39. do Tratado. Este objectivo teria sido prosseguido em detrimento de outro objectivo consagrado no artigo 39. , a saber, assegurar preços razoáveis nos abastecimentos aos consumidores. Sustenta que, se a Comissão tivesse imposto uma medida de protecção, teria podido limitar a medida em causa, nos termos do artigo 3. , n. 3, Regulamento n. 2707/72, apenas aos mercados onde o preço de entrada era inferior ao preço de referência. Segundo a recorrente, o mercado grego não teve qualquer problema devido às importações de maçãs chilenas. Sustenta que os produtos que estavam em curso de encaminhamento para o mercado grego teriam, deste modo, podido não ser sujeitos a tal medida de protecção. Acrescenta que não havia qualquer risco de ver a comercialização na Grécia de maçãs chilenas perturbar outros mercados, tendo em conta o afastamento geográfico da Grécia e devido ao facto de as despesas de transporte daí resultantes terem tornado a circulação intracomunitária destas maçãs totalmente desinteressante.

70 A Comissão considera que a regra segundo a qual os objectivos do artigo 39. do Tratado devem ser tomados em consideração de modo equilibrado aquando da adopção dos actos da PAC, não exclui a preeminência temporária de um ou de vários destes objectivos. Considera que a imposição de um direito de compensação sobre as maçãs chilenas, examinada no quadro geral das regulamentações em causa, se destina, com um custo mínimo, a compensar uma anomalia conjuntural no mercado dos produtos em questão. A Comissão acrescenta que a imposição de quotas, sugerida pela recorrente, constitui uma medida muito mais restritiva que a imposição de um direito de compensação. Alega que uma quota, depois de ter sido esgotada, conduz a um regime de proibição das importações, ao passo que o direito de compensação tem por único efeito encarecer as importações, sem impedir a sua continuação, na medida em que o mercado pode absorver o custo em questão.

71 O Tribunal recorda que resulta de jurisprudência constante que as instituições comunitárias podem atribuir uma preeminência temporária a um objectivo particular do artigo 39. do Tratado, quando as circunstâncias económicas o imponham (v. nomeadamente os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1988, Espanha/Conselho, 203/86, Colect., p. 4563, n. 10, de 19 de Março de 1992, Hierl, C-311/90, Colect., p. 2061, n. 13, e de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. II-0000, n. 47). Assim, no seu acórdão de 13 de Março de 1968, Beus (5/67, Recueil, pp. 125, 147), o Tribunal de Justiça considerou que os objectivos do artigo 39. do Tratado "destinados a proteger os interesses dos agricultores e dos consumidores, podem não ser todos atingidos simultânea e totalmente; ao ponderar estes interesses, o Conselho deve ter em conta em favor dos agricultores, se for caso disso, o princípio dito 'preferência comunitária' ". A imposição de um direito de compensação visa nomeadamente garantir esta preferência comunitária (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 1988, National Dried Fruit Trade Association, 77/86, Colect., p. 757, n. 32). Deste modo, mesmo que a Comissão tenha concedido uma preeminência temporária ao objectivo destinado a garantir um nível de vida equitativo à população agrícola, em detrimento dos outros objectivos do artigo 39. , daí não resultaria, necessariamente, que a Comissão tivesse violado o princípio da proporcionalidade.

72 O Tribunal considera, além disso, que no caso concreto o argumento da recorrente, segundo o qual o direito de compensação visava garantir, de forma selectiva, apenas um dos objectivos enunciados no artigo 39. do Tratado, a saber, assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola em detrimento do objectivo, igualmente consagrado no artigo 39. , de assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores, não é apoiado por qualquer elemento susceptível de demonstrar que a imposição de um direito de compensação teria tido por efeito afectar este último objectivo. Assim, a recorrente não demonstrou de modo algum que o preço de referência fixado para as maçãs, que o direito de compensação pretendia proteger, não fosse razoável.

73 Quanto ao argumento assente no facto de que a Comissão devia ter adoptado uma medida de protecção em vez de um direito de compensação, convém recordar, antes de mais, que a medida de protecção prevista no artigo 3. , n. 1, do Regulamento n. 2707/72, no caso de as importações de um determinado produto causarem perturbações graves no mercado comunitário, é a suspensão das importações. Se bem que um direito de compensação torne as importações mais onerosas, não produz um efeito tão grave. O Tribunal considera, deste modo, que um direito de compensação é uma medida menos restritiva que uma medida de protecção (v. nomeadamente acórdão National Dried Fruit Trade Association, já referido, n. 26) e que, assim, a recorrente não tem, de qualquer maneira, razão ao queixar-se que não foi instituída qualquer medida de protecção.

74 Convém acrescentar que, mesmo admitindo que uma medida de protecção teria sido, neste caso, menos restritiva para a recorrente, tal argumento é, de qualquer forma, desprovido de relevância. Com efeito, embora a Comissão deva velar, no exercício das suas atribuições, por que os ónus impostos aos operadores económicos não excedam o que é necessário para atingir os objectivos que a autoridade é obrigada a realizar, daí não resulta no entanto que esta obrigação deva ser medida em relação à situação especial de um operador ou grupo determinado de operadores (v. nomeadamente acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1973, Balkan, 5/73, Recueil, p. 1091, n. 22).

75 De tudo o que precede resulta que a análise do quarto fundamento de anulação da recorrente não revelou que a Comissão tivesse violado o princípio da proporcionalidade ao adoptar os regulamentos controvertidos.

Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento

76 No seu quinto fundamento, a recorrente alega que se encontra numa situação menos favorável que a dos outros importadores de maçãs da mesma qualidade, mas originárias de outros países. Alega que o volume das importações de maçãs originárias da África do Sul, da Nova Zelândia e da Argentina foi igualmente importante, sem que a Comissão tenha adoptado direitos de compensação para estes produtos.

77 A Comissão contrapõe que a igualdade de tratamento só diz respeito a situações similares. Sustenta que sujeitou igualmente as maçãs originárias da África do Sul e da Nova Zelândia a um direito de compensação e que os referidos direitos foram calculados separadamente para cada país e observa que a imposição de um direito idêntico a produtos cujo preço na Comunidade é diferente constituiria um tratamento discriminatório.

78 O Tribunal recorda que o princípio da igualdade de tratamento proíbe o tratamento diferente de situações similares ou o tratamento igual de situações diferentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1980, Ferwerda, 265/78, Recueil, p. 617, n. 7).

79 O Tribunal considera, todavia, que a recorrente não produziu qualquer prova de uma violação deste princípio fundamental do direito comunitário. Por um lado, não é de modo algum contestado que o direito de compensação é aplicável a todas as importações de maçãs chilenas. Por outro, tratando-se das maçãs originárias de outros países terceiros, a recorrente não demonstrou que o preço de entrada destas maçãs era idêntico ao das maçãs chilenas, exigindo assim a imposição do mesmo direito de compensação.

80 Do que precede resulta que a análise do quinto fundamento de anulação não revelou qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento por parte da Comissão.

Quanto ao pretenso desvio de poder

81 Segundo a recorrente, a imposição de um direito de compensação pelo Regulamento n. 846/93 constitui uma medida disfarçada de política estrutural, que teria por objecto resolver os problemas da produção de maçãs de qualidade média.

82 A Comissão considera que o direito de compensação, tal como foi calculado e instituído, não constitui a manifestação de um abuso de poder. Segundo a Comissão, os problemas estruturais são resolvidos pelo mecanismo das retiradas.

83 O Tribunal verifica que a recorrente não produziu qualquer elemento concreto susceptível de provar que os regulamentos controvertidos constituíam medidas disfarçadas de política estrutural.

84 Aliás, o Tribunal considera que o risco de um desvio de poder só se verifica quando a instituição em causa dispõe de um amplo poder de apreciação. Ora, como já foi dito, o artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72, que constitui a base jurídica do Regulamento n. 846/93, obriga a Comissão, salvo caso excepcional, a instituir um direito de compensação se, durante dois dias de mercado sucessivos, o preço de entrada de um produto importado de um país terceiro se mantiver a nível inferior em pelo menos 0,6 ecu ao do preço de referência. No caso vertente, um desvio de poder só seria, assim, possível em presença de um "caso excepcional" na acepção do artigo 25. , n. 1, do Regulamento n. 1035/72. Como a argumentação da recorrente assente no facto de que os dados do presente caso assumiam a natureza de um "caso excepcional" na acepção desta disposição foi rejeitada (v., atrás, n.os 53 e 54), o presente fundamento deve igualmente ser rejeitado.

85 Resulta de tudo o que precede que a análise dos diferentes fundamentos de anulação pertinentes não demonstrou que a Comissão, ao adoptar os regulamentos controvertidos, tenha violado qualquer regra superior de direito destinada a proteger os particulares, susceptível de determinar a responsabilidade da Comunidade.

86 Nestas condições, e sem que haja que verificar se estão reunidas as outras condições a que está sujeita a determinação da responsabilidade da Comunidade, há que negar provimento ao recurso por falta de fundamentação, na medida em que tende à condenação da Comunidade a reparar o prejuízo pretensamente sofrido pela recorrente.

87 Daqui decorre que deve ser negado provimento ao recurso na sua globalidade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

88 Nos termos do artigo 87. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se assim tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A recorrente é condenada nas despesas.