ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (TERCEIRA SECCAO) DE 13 DE JULHO DE 1995. - THOMAS O'DWYER, THOMAS KEANE, THOMAS CRONIN E JAMES REIDY CONTRA CONSELHO DA UNIAO EUROPEIA. - ORGANIZACAO COMUM DE MERCADO NO SECTOR DO LEITE E DOS PRODUTOS LACTEOS - QUOTAS LEITEIRAS - IMPOSICAO SUPLEMENTAR - REDUCAO DAS QUANTIDADES DE REFERENCIA SEM INDEMNIZACAO - PEDIDO DE INDEMNIZACAO. - PROCESSOS APENSOS T-466/93, T-469/93, T-473/93, T-474/93 E T-477/93.
Colectânea da Jurisprudência 1995 página II-02071
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Agricultura ° Organização comum de mercado ° Leite e produtos lácteos ° Imposição suplementar sobre o leite ° Redução sem indemnização das quantidades de referência isentas da imposição ° Princípio da protecção da confiança legítima ° Violação ° Inexistência
(Regulamento n. 816/92 do Conselho)
2. Actos das instituições ° Fundamentação ° Obrigação ° Alcance ° Regulamentos
(Tratado CEE, artigo 190. )
3. Agricultura ° Política agrícola comum ° Objectivos ° Conciliação ° Poder de apreciação das instituições ° Estabilização do mercado dos produtos lácteos ° Redução das quantidades de referência isentas da imposição suplementar
[Tratado CEE, artigos 39. , n. 1, alínea c), 40. e 43. ; Regulamento n. 816/92 do Conselho]
4. Agricultura ° Organização comum de mercado ° Leite e produtos lácteos ° Imposição suplementar sobre o leite ° Redução sem indemnização das quantidades de referência isentas da imposição ° Direito de propriedade ° Livre exercício das actividades profissionais ° Princípio da proporcionalidade ° Princípio da não discriminação ° Violação ° Inexistência
(Tratado CEE, artigo 40. , n. 3, segundo parágrafo; Regulamento n. 816/92 do Conselho)
1. Inscrevendo-se a determinação das quantidades globais garantidas, no âmbito do regime da imposição suplementar sobre o leite, instituído pelo Regulamento n. 856/84, no amplo poder de apreciação do Conselho para adaptar a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos em função das variações da situação económica, nenhum operador poderá, em princípio, ter confiança legítima em que o Conselho, no âmbito da sua gestão da política agrícola comum, não reduzirá, futuramente, as quantidades globais garantidas e, por conseguinte, as quantidades de referência dos produtores individuais, ou no facto de que qualquer redução das suas quantidades de referência individuais será acompanhada de uma indemnização. Especificamente, o simples facto de ter sido concedida uma indemnização, aquando das reduções das quantidades individuais garantidas efectuadas por regulamentos anteriores, não poderia, no que concerne a uma redução, sem indemnização, das quantidades de referência para o período de 1992/1993, ter criado uma confiança legítima na esfera jurídica dos operadores em questão quanto à concessão de uma indemnização por ocasião de qualquer redução posterior das quantidades em causa.
Estas considerações são tanto mais pertinentes quanto o conjunto da regulamentação relativa ao regime da imposição suplementar terminava o seu período de vigência em 31 de Março de 1992. Inscrevendo-se as condições de renovação desse regime para os anos posteriores no amplo poder de apreciação do Conselho, nenhum operador económico poderia, em princípio, ter uma qualquer confiança legítima quanto ao teor das disposições legislativas que o Conselho viria a adoptar para o período posterior a essa data, designadamente no que respeita à manutenção das quantidades globais garantidas.
De resto, tendo em conta o facto de que quantidades de referência equivalentes tinham sido suspensas durante os cinco anos anteriores, que uma indemnização de carácter degressivo e de um montante total de 45,5 ecus/100 kg tinha já sido paga aos produtores ao longo de todo esse período e que ainda persistia a produção excedentária de leite, um produtor de leite prudente e avisado podia ter previsto a redução, sem indemnização, das quantidades de referência que foi efectuada, para o período compreendido entre 1 de Abril de 1992 e 31 de Março de 1993, pelo Regulamento n. 816/92. Além disso, todos os interessados tinham sido expressamente avisados da possibilidade de uma redução sem indemnização através da publicação, em 31 de Dezembro de 1991, das propostas da Comissão. Sendo a produção leiteira, no essencial, planificada numa base anual, a partir de 1 de Abril de cada ano, os produtores tinham, pois, a possibilidade de preverem em tempo útil o efeito das medidas propostas e de a elas reagirem de forma apropriada.
2. A fundamentação exigida pelo artigo 190. do Tratado deve ser adaptada à natureza do acto em causa. Deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade comunitária, autora do acto impugnado, de forma a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos, e que o Tribunal exerça o seu controlo. Todavia, não se pode exigir que a fundamentação dos regulamentos especifique os vários elementos de facto ou de direito, por vezes muito numerosos e complexos, que constituem o seu objecto, desde que se insiram no quadro sistemático do conjunto das medidas de que fazem parte.
3. Na prossecução dos objectivos da política agrícola comum, as instituições comunitárias devem assegurar a conciliação permanente que podem exigir as eventuais contradições entre esses objectivos considerados separadamente e, se for caso disso, conceder a um ou a outro a prioridade temporária imposta pelos factos ou circunstâncias económicas em função das quais adoptam as suas decisões.
Assim, o legislador comunitário, que dispõe em matéria de política agrícola comum de um amplo poder de apreciação, correspondente às responsabilidades políticas que os artigos 40. e 43. do Tratado lhe atribuem, pôde, sem exceder as suas competências nos termos do artigo 39. do Tratado, atribuir, como o fez ao decidir, através do Regulamento n. 816/92, a redução das quantidades de referência isentas de imposição suplementar para o ano de 1992/1993, uma prioridade temporária ao objectivo da estabilização do mercado dos produtos lácteos, caracterizado por excedentes estruturais.
4. A redução, através do Regulamento n. 816/92, das quantidades de referência isentas da imposição suplementar sobre o leite para o período de 1992/1993 sem indemnização não viola nem o direito de propriedade, nem o direito de livre exercício de uma actividade profissional, nem o princípio da proporcionalidade, nem a proibição de discriminação.
Com efeito, esta medida não pode ser considerada como constituindo, em si mesma uma violação do direito de propriedade ou do direito de livre exercício de uma actividade profissional, os quais, em todo o caso e do modo como são reconhecidos pelo direito comunitário, longe de constituírem prerrogativas absolutas, podem ser objecto de certas restrições que se justifiquem por razões de interesse geral, nem pode ser considerada como uma violação do princípio da proporcionalidade, por não ter um carácter manifestamente inapropriado relativamente ao objectivo da estabilização do mercado dos produtos lácteos, nem pode ser considerada como tendo infringido o princípio da igualdade de tratamento que consagra o artigo 40. , n. 3, segundo parágrafo, do Tratado no âmbito da organização comum de mercado, na falta, tratando-se de uma medida aplicável a todos os produtores da Comunidade, de elementos objectivos que revelem que certos produtores teriam o direito, devido à sua situação específica, de invocar, em nome da igualdade, um tratamento adaptado a essa situação.
Nos processos apensos T-466/93, T-469/93, T-473/93, T-474/93 e T-477/93,
Thomas O' Dwyer, Thomas Keane, Thomas Cronin e James Reidy, residentes, respectivamente, em Drumdowney, Snowhill, Waterford (Irlanda), em Corbally, Gurtymadden, Loughrea, County Galway (Irlanda), em Ardmore, Waterford (Irlanda) e em Carrowreagh, Cooper, Tubbercurry, County Sligo (Irlanda), representados por Anthony Burke, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Arsène Kronshagen, 12, boulevard de la Foire,
recorrentes,
contra
Conselho da União Europeia, representado por Arthur Brautigam, consultor jurídico, e Michael Bishop, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Bruno Eynard, director da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,
recorrido,
apoiado por
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Gérard Rozet, consultor jurídico, e Christopher Docksey, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
interveniente,
que têm por objecto, no que respeita aos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93, a reparação do prejuízo alegadamente sofrido pelos recorrentes devido à aplicação do Regulamento (CEE) n. 816/92 do Conselho, de 31 de Março de 1992, que altera o Regulamento (CEE) n. 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 86, p. 83), e, no que respeita ao processo T-477/93, a reparação do prejuízo alegadamente sofrido pelo recorrente devido à aplicação do Regulamento (CEE) n. 748/93 do Conselho, de 17 de Março de 1993, que altera o Regulamento (CEE) n. 3950/92, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 77, p. 16),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),
composto por: J. Biancarelli, presidente, C. P. Briët e C. W. Bellamy, juízes,
secretário: H. Jung,
vistos os autos e após a audiência de 14 de Fevereiro de 1995,
profere o presente
Acórdão
Factos e enquadramento regulamentar
1 Os recorrentes são todos exploradores agrícolas produtores de leite, estabelecidos na Irlanda. A superfície da sua exploração é de, respectivamente, 42 hectares (T. O' Dwyer), 30 hectares (T. Keane), 51 hectares (T. Cronin) e de 33 hectares (J. Reidy). Os seus efectivos compreendem, respectivamente, 54 vacas leiteiras para T. O' Dwyer, 23 para T. Keane, 32 para T. Cronin e 45 para J. Reidy.
2 Em 1984, para combater os excedentes da produção de leite, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n. 856/84, de 31 de Março de 1984, que altera o Regulamento (CEE) n. 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61; a seguir "Regulamento n. 856/84"). Este regulamento, ao inserir um novo artigo 5. -C no Regulamento (CEE) n. 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968 (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146; a seguir "Regulamento n. 804/68"), instituiu, durante cinco períodos consecutivos de doze meses a partir de 1 de Abril de 1984, uma imposição suplementar (actualmente de 115% do preço indicativo do leite) sobre as quantidades de leite entregues e que excedam uma quantidade de referência ("quota"), a determinar para cada produtor ou comprador (n. 1), no limite de uma "quantidade global garantida" fixada para cada Estado-Membro, igual à soma das quantidades de leite entregues durante o ano civil de 1981, acrescidas de 1% (n. 3), e completada, eventualmente, por uma quantidade suplementar proveniente da "reserva comunitária" (n. 4). A imposição suplementar podia ser aplicada, à escolha do Estado-Membro, quer aos produtores, consoante a quantidade das suas entregas ("fórmula A"), quer aos compradores, consoante as quantidades que lhes tenham sido entregues pelos produtores, caso em que seria repercutida sobre os produtores, proporcionalmente às suas entregas ("fórmula B"). A Irlanda optou pela fórmula B.
3 Em 1986, dada a persistência da situação excedentária no sector do leite, as quantidades globais garantidas foram reduzidas de 2% para o período 1987/1988 e de 1% para o período 1988/1989, sem indemnização, pelo Regulamento (CEE) n. 1335/86 do Conselho, de 6 de Maio de 1986, que altera o Regulamento n. 804/68 (JO L 119, p. 19) e o Regulamento (CEE) n. 1343/86 do Conselho, de 6 de Maio de 1986, que altera o Regulamento (CEE) n. 857/84 que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 119, p. 34). Esta redução foi acompanhada de um regime de indemnização pelo abandono da produção, introduzido pelo Regulamento (CEE) n. 1336/86 do Conselho, de 6 de Maio de 1986, que fixa uma indemnização ao abandono definitivo da produção leiteira (JO L 119, p. 21).
4 Em 1987, não estando ainda equilibradas a oferta e a procura, o artigo 1. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 775/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, relativo à suspensão temporária de uma parte das quantidades de referência mencionadas no n. 1 do artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68 (JO L 78, p. 5; a seguir "Regulamento n. 775/87"), procedeu a uma suspensão temporária de 4% de cada quantidade de referência para o período de 1987/1988 e de 5,5% para o período de 1988/1989. Em contrapartida, o artigo 2. do Regulamento n. 775/87 previu a concessão de uma indemnização de 10 ecus por 100 kg para cada um desses períodos.
5 Em 1988, o regime da imposição suplementar foi prorrogado por três anos, até ao termo do oitavo período de doze meses (ou seja, até 31 de Março de 1992), pelo Regulamento (CEE) n. 1109/88 do Conselho, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento n. 804/68 (JO L 110, p. 27). Simultaneamente, o artigo 1. do Regulamento (CEE) n. 1111/88 do Conselho, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento n. 775/87 (JO L 110, p. 30; a seguir "Regulamento n. 1111/88"), manteve a suspensão temporária de 5,5% das quantidades de referência previstas pelo Regulamento n. 775/87 por três períodos posteriores de doze meses (1989/1990, 1990/1991 e 1991/1992). O artigo 1. , n. 2, do Regulamento n. 1111/88 previa também que a suspensão devia ser compensada pelo pagamento directo de uma indemnização degressiva de 8 ecus por 100 kg para 1989/1990, de 7 ecus por 100 kg para 1990/1991 e de 6 ecus por 100 kg em 1991/1992.
6 Em 1989, o Regulamento (CEE) n. 3879/89 do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, que altera o Regulamento n. 804/68 (JO L 378, p. 1; a seguir "Regulamento n. 3879/89"), diminuiu as quantidades globais garantidas de 1%, a fim de aumentar a reserva comunitária e desse modo permitir a reatribuição das quantidades de referência suplementares a certos produtores menos favorecidos. Simultaneamente, para manter inalterado o nível das quantidades de referência não suspensas, a taxa das quantidades de referência temporariamente suspensas foi diminuída de 5,5% para 4,5% pelo Regulamento (CEE) n. 3882/89 do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, que altera o Regulamento n. 775/87 (JO L 378, p. 6; a seguir "Regulamento n. 3882/89"). O Regulamento n. 3882/89 também aumentou a indemnização prevista pelo Regulamento n. 1111/88 para 10 ecus por 100 kg para 1989/1990, 8,5 ecus por 100 kg para 1990/1991 e 7 ecus por 100 kg para 1991/1992, a fim de se continuar a pagar ao produtor o montante resultante da taxa de suspensão de 5,5%.
7 Em 1991, o Regulamento (CEE) n. 1630/91 do Conselho, de 13 de Junho de 1991, que altera o Regulamento n. 804/68 (JO L 150, p. 19), efectuou uma nova redução de 2% das quantidades globais garantidas, que foi indemnizada na medida prevista pelos artigos 1. e 2. do Regulamento (CEE) n. 1637/91 do Conselho, de 13 de Junho de 1991, que fixa uma indemnização relativa à redução das quantidades de referência previstas no artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68, bem como uma indemnização pelo abandono definitivo da produção leiteira (JO L 150, p. 30).
8 Em 31 de Março de 1992, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n. 816/92, que alterou o Regulamento n. 804/68 (JO L 86, p. 83; a seguir "Regulamento n. 816/92") e que é o regulamento em litígio nos processos apensos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93. Os dois primeiros considerandos do Regulamento n. 816/92 têm o seguinte teor:
"Considerando que o regime de imposição suplementar estabelecido no artigo 5. -C do Regulamento (CEE) n. 804/68... expira em 31 de Março de 1992; que deve ser adoptado um novo regime aplicável até ao ano 2000, no âmbito da reforma da política agrícola comum (PAC); que, entretanto, é conveniente prosseguir o actual regime por um nono período de doze meses; que, de acordo com as propostas da Comissão, a quantidade global estabelecida nos termos do presente regulamento é susceptível de ser reduzida, mediante indemnização, no referido período, a fim de prosseguir o esforço de saneamento já empreendido;
Considerando que a situação do mercado tornou necessária a suspensão temporária de uma parte das quantidades de referência do quarto ao oitavo período de doze meses, nos termos do Regulamento (CEE) n. 775/87... que a persistência da situação excedentária exige que 4,5% das quantidades de referência relativas às entregas sejam excluídas das quantidades globais garantidas durante o nono período; que, no âmbito da reforma da PAC, o Conselho tomará uma decisão definitiva sobre o futuro destas quantidades; que, nesta hipótese, é conveniente precisar o montante das quantidades em questão que cabe a cada Estado-Membro."
9 O artigo 1. do Regulamento n. 816/92 alterou o artigo 5. -C, n. 3, do Regulamento n. 804/68, acrescentando-lhe a seguinte alínea:
"g) para o período de doze meses compreendido entre 1 de Abril de 1992 e 31 de Março de 1993, a quantidade global é fixada em milhares de toneladas do seguinte modo, sem prejuízo durante esse período, tendo em conta as propostas da Comissão no âmbito da reforma da PAC, de uma redução de 1% calculada sobre a quantidade prevista no segundo parágrafo do presente número:
...
Irlanda 4 725,600
...
As quantidades previstas no Regulamento (CEE) n. 775/87 que não se encontram incluídas no primeiro parágrafo são as seguintes em milhares de toneladas:
...
Irlanda 237,600
...
O Conselho decidirá definitivamente sobre estas quantidades no âmbito da reforma da PAC".
10 Através dos Regulamentos de 30 de Junho de 1992, (CEE) n. 2071/92, que altera o Regulamento n. 804/68, (CEE) n. 2072/92, que fixa o preço indicativo do leite e os preços de intervenção de certos produtos lácteos em relação aos dois períodos anuais compreendidos entre 1 de Julho de 1993 e 30 de Junho de 1995, (CEE) n. 2073/92, relativo à promoção do consumo na Comunidade e ao alargamento dos mercados do leite e dos produtos lácteos, e (CEE) n. 2074/92, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 215, respectivamente, pp. 64, 65, 67 e 69), o Conselho adoptou a legislação necessária ao funcionamento dos mercados do leite e dos produtos lácteos no período de 1992/1993, sem mencionar as quantidades de referência não incluídas, visadas pelo Regulamento n. 816/92.
11 Numa carta de 16 de Dezembro de 1992, a Irish Creamery Milk Suppliers Association, actuando em nome de todos os seus membros, incluindo os recorrentes, solicitou ao Conselho, em substância, que concedesse uma indemnização pela suspensão das quantidades de referência previstas pelo Regulamento n. 816/92 e que não tornasse permanente essa suspensão ou, caso contrário, concedesse uma indemnização adequada aos produtores em causa. Numa carta da mesma data, a Irish Creamery Milk Suppliers Association solicitou à Comissão que confirmasse que as propostas que tinha então submetido ao Conselho não visavam a supressão permanente de 4,5% das quantidades de referência ou, caso contrário, que retirasse essas propostas e confirmasse que apresentaria uma proposta para a compensação da suspensão a ser aplicada durante o período de 1992/1993, bem como para a de qualquer redução definitiva das quantidades em causa.
12 Seguidamente, continuando a ser necessário um regime de imposição suplementar, o Regulamento (CEE) n. 3950/92 do Conselho, de 28 de Dezembro de 1992, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 405, p. 1; a seguir "Regulamento n. 3950/92"), prorrogou, por mais sete anos e codificando-as, as disposições relativas ao regime das quantidades de referência e das imposições suplementares, simultaneamente integrando nas quantidades globais garantidas a antiga reserva comunitária (v., designadamente, os primeiro e terceiro considerandos do Regulamento n. 3950/92). O artigo 3. do Regulamento n. 3950/92 prevê que a soma das quantidades de referência individuais da mesma natureza não pode ultrapassar as correspondentes quantidades globais a definir para cada Estado-Membro. O artigo 4. do Regulamento n. 3950/92 prevê que as quantidades de referência individuais são iguais às disponíveis em 31 de Março de 1993, sob reserva de adaptações a nível nacional, no limite da quantidade global referida no artigo 3.
13 Em 5 de Fevereiro de 1993, o Conselho respondeu à Irish Creamery Milk Suppliers Association que nenhuma medida respeitante à suspensão temporária, prevista pelo Regulamento n. 816/92, tinha sido adoptada aquando da reunião do Conselho realizada entre 14 e 17 de Dezembro de 1992.
14 Em 17 de Fevereiro de 1993, a Comissão respondeu à Irish Creamery Milk Suppliers Association que as decisões tomadas pelo Conselho, com base nas propostas da Comissão, tinham em conta o interesse geral e que, portanto, podiam não satisfazer cabalmente todos os interesses individuais. Nessa carta, a Comissão mencionou também a "adopção do regulamento do Conselho que transforma numa redução definitiva sem outras compensações as quantidades visadas no Regulamento (CEE) n. 775/87".
15 Em 17 de Março de 1993, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n. 748/93, que altera o Regulamento n. 3950/92 (JO L 77, p. 16; a seguir "Regulamento n. 748/93"), que é o regulamento em litígio no processo T-477/93. Os três últimos considerandos do Regulamento n. 748/93 têm o seguinte teor:
"Considerando que é imperativo definir, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1993, as quantidades globais garantidas dos Estados-Membros para evitar que a falta de regulamentação torne inoperantes as disposições do Regulamento (CEE) n. 3950/92;
Considerando que, enquanto se aguarda uma decisão posterior, é conveniente manter as quantidades globais em vigor em 31 de Março de 1993, acrescidas dos montantes provenientes da reserva comunitária existente na mesma data;
Considerando que a definição das quantidades globais garantidas do presente regulamento sofrerá, na medida do necessário, uma adaptação aquando de reanálise do conjunto dos problemas relacionados com a fixação dos preços para a campanha de 1993/1994."
16 O artigo 1. do Regulamento n. 748/93 completou o artigo 3. do Regulamento n. 3950/92, acrescentando o seguinte parágrafo:
"Para o período de doze meses compreendido entre 1 de Abril de 1993 e 31 de Março de 1994, as quantidades globais garantidas dos Estados-Membros serão estabelecidas ao mesmo nível que as quantidades definidas no n. 3, alínea g), do artigo 5. -C do Regulamento (CEE) n. 804/68, acrescidas dos montantes provenientes da reserva comunitária, tal como atribuídos em 31 de Março de 1993, e no anexo do Regulamento (CEE) n. 857/84."
17 O Regulamento n. 748/93 excluiu, portanto, das quantidades globais garantidas para o período de 1993/1994 as quantidades de referência não atribuídas pelo Regulamento n. 816/92 para o período de 1992/1993.
18 Finalmente, o Regulamento (CEE) n. 1560/93 do Conselho, de 14 de Junho de 1993, que altera o Regulamento n. 3950/92 (JO L 154, p. 30; a seguir "Regulamento n. 1560/93"), substituiu o artigo 3. do Regulamento n. 3950/92 por um novo texto, que fixa as quantidades globais para cada Estado-Membro. Para a Irlanda, a quantidade global fixada englobou um aumento de 0,6% pela atribuição de quantidades suplementares a certas categorias de produtores (v. o artigo 1. do Regulamento n. 1560/93).
19 As quantidades de referência inicialmente atribuídas a cada um dos recorrentes, bem como a posterior evolução dessas quantidades, são indicadas nos quadros constantes do anexo I do presente acórdão. As entregas de leite dos recorrentes são indicadas nos quadros constantes do anexo II. Estes quadros fazem parte integrante do presente acórdão.
Tramitação processual
20 Os recorrentes interpuseram os seus recursos por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de Fevereiro de 1993 (T. O' Dwyer), 15 de Fevereiro de 1993 (T. Keane), 24 de Março de 1993 (T. Cronin), 30 de Março de 1993 (J. Reidy) e 13 de Abril de 1993 (T. O' Dwyer), registadas, respectivamente, sob os números C-36/93, C-67/93, C-106/93, C-129/93 e C-152/93.
21 Por despachos de 2 de Setembro de 1993 no processo C-67/93, de 6 de Setembro de 1993 no processo C-36/93, e de 8 de Setembro de 1993 nos processos C-106/93, C-129/93 e C-152/93, a Comissão foi admitida a intervir nesses processos, em apoio das conclusões do recorrido.
22 Em aplicação da Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE do Conselho, de 8 de Junho de 1993, que altera a Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 144, p. 21), o Tribunal de Justiça, por despachos de 27 de Setembro de 1993, remeteu os processos C-36/93, C-67/93, C-106/93, C-129/93 e C-152/93 ao Tribunal de Primeira Instância. Estes processos foram registados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, sob os números T-466/93, T-469/93, T-473/93, T-474/93 e T-477/93.
23 Por despachos do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Outubro de 1994 e de 14 de Janeiro de 1995, os processos T-466/93, T-469/93, T-473/93, T-474/93 e T-477/93 foram apensados para efeitos da audiência e do acórdão.
24 Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral sem medidas de instrução. Todavia, e no âmbito das medidas de organização do processo, os recorrentes foram convidados a fornecer determinados dados numéricos relativos à sua produção e ao montante da imposição suplementar a que estiveram sujeitos durante o período de 1992/1993 e, quanto ao processo T-477/93, o período de 1993/1994. A audiência realizou-se em 14 de Fevereiro de 1995.
Pedidos das partes
Nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93
25 Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
° anular o Regulamento n. 816/92;
° conceder aos recorrentes uma indemnização na quantia de:
° 1 048,2 ecus (1 003,44 IRL) no processo T-466/93,
° 280,9 ecus (268,90 IRL) no processo T-469/93,
° 535,2 ecus (512,33 IRL) no processo T-473/93 e
° 943,8 ecus (903,47 IRL) no processo T-474/93,
ou de qualquer outra quantia que o Tribunal julgue apropriada;
° acrescida de juros à taxa de 8% ao ano contados a partir de 1 de Abril de 1993;
° condenar o recorrido nas despesas.
26 O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° nos processos T-469/93, T-473/93 e T-474/93,
° julgar o recurso de anulação do Regulamento n. 816/92 inadmissível;
° em todos os processos,
° indeferir os pedidos de indemnização;
° condenar os recorrentes nas despesas.
27 A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° indeferir os pedidos de indemnização;
° condenar os recorrentes nas despesas efectuadas pela interveniente nos seus processos respectivos.
28 Nas observações sobre o pedido de intervenção da Comissão, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
° indeferir os pedidos da Comissão;
° deferir os pedidos dos recorrentes;
° caso o recorrido não seja condenado a pagar as despesas da intervenção da Comissão, condenar esta a suportar as despesas dos recorrentes.
No processo T-477/93
29 O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° anular o Regulamento n. 748/93;
° conceder ao recorrente uma indemnização na quantia de 5 759,50 ecus (5 513,39 IRL) ou de qualquer outra quantia que o Tribunal julgue apropriada, pelo prejuízo que sofreu em virtude dos efeitos produzidos pelo Regulamento n. 748/93;
° acrescida de juros à taxa de 8% ao ano contados a partir de 1 de Abril de 1993;
° condenar o recorrido nas despesas.
30 O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° julgar o recurso inadmissível e, a título subsidiário, negar-lhe provimento;
° condenar o recorrido nas despesas.
31 A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° indeferir o pedido de indemnização;
° condenar o recorrente nas despesas da intervenção.
32 Nas suas observações quanto ao pedido de intervenção da Comissão, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
° indeferir os pedidos da Comissão;
° deferir o pedido do recorrente;
° caso o recorrido não seja condenado a pagar as despesas da intervenção da Comissão, condenar esta a suportar as despesas do recorrente.
33 Na audiência de 14 de Fevereiro de 1995, os recorrentes nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93, bem como o recorrente T. O' Dwyer no processo T-477/93, desistiram, respectivamente, dos seus pedidos de anulação do Regulamento n. 816/92 e do Regulamento n. 748/93. Portanto, o Tribunal terá em conta a desistência parcial dos recursos, na parte respeitante aos pedidos de anulação.
Quanto aos pedidos de indemnização nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93
34 Os recorrentes nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93 alegam que, ao ter adoptado o Regulamento n. 816/92 e, portanto, ao reduzir, sem indemnização, as quantidades globais garantidas para o período compreendido entre 1 de Abril de 1992 e 31 de Março de 1993, o Conselho excedeu manifesta e gravemente os limites do exercício dos seus poderes e violou as regras superiores de direito que protegem os particulares, de modo a envolver a responsabilidade extracontratual da Comunidade nos termos do artigo 215. , segundo parágrafo, do Tratado CEE (a seguir "Tratado"). A este respeito, os quatro recorrentes invocam seis fundamentos idênticos baseados, em primeiro lugar, na violação do princípio da confiança legítima, em segundo lugar, na violação do artigo 190. do Tratado, em terceiro lugar, na violação dos artigos 39. e 40. do Tratado, em quarto lugar, na violação do direito de propriedade e do livre exercício de uma actividade profissional, em quinto lugar, na violação do princípio da proporcionalidade, e, em sexto lugar, na violação do princípio da não discriminação.
35 Além disso, nos processos T-469/93, T-473/93 e T-474/93, os recorrentes T. Keane, T. Cronin e J. Reidy alegam, em apoio dos seus pedidos de concessão de uma indemnização, um conjunto de fundamentos baseados no facto de o Regulamento n. 816/92 suspender ou suprimir, sem indemnização, certas quantidades de referência que não tinham a sua origem no artigo 5. -C, n.os 1 e 3, do Regulamento n. 804/68. É oportuno analisar estes fundamentos após a análise dos fundamentos invocados em conjunto pelos quatro recorrentes.
Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do princípio da confiança legítima
Exposição sumária dos argumentos das partes
36 Os recorrentes invocam, em substância, dois argumentos principais. Em primeiro lugar, consideram que o contexto legislativo anterior à adopção do Regulamento n. 816/92 fez nascer nas suas esferas jurídicas uma confiança legítima, que foi violada, no que respeita ao período compreendido entre 1 de Abril de 1992 e 31 de Março de 1993, ou porque não se verificou o pagamento de uma indemnização, ou porque os 4,5% das quantidades de referência anteriormente suspensas pelo Regulamento n. 775/87 não foram restituídos durante esse período. Em segundo lugar, consideram que a retirada da indemnização prevista pelo Regulamento n. 775/87 sem aviso prévio e sem medidas de transição constitui também uma violação da sua confiança legítima.
37 Quanto ao contexto legislativo, os recorrentes alegam que o Regulamento n. 816/92 se inscreve no mesmo contexto legislativo que o Regulamento n. 775/87, na redacção dos Regulamentos n.os 1111/88 e 3879/89, que visava uma suspensão "temporária" de 4,5% das quantidades de referência contra indemnização, como o Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 19 de Março de 1992, Hierl (C-311/90, Colect., p. I-2061). Nestas condições, o Regulamento n. 816/92, ao ter precisado no seu segundo considerando (n. 8 anterior) que as quantidades em causa "serão excluídas" e que "o Conselho tomará uma decisão definitiva sobre o futuro destas quantidades", deverá ser interpretado como tendo prorrogado a suspensão temporária de 4,5%, pelo menos quanto ao período de 1992/1993. Semelhante prorrogação da suspensão temporária implica necessariamente a prorrogação da indemnização, à qual a suspensão temporária esteve sempre intimamente ligada, quanto a esse mesmo período.
38 Em apoio do argumento de que o Regulamento n. 816/92 não procedeu a uma redução definitiva das quantidades de referência, os recorrentes invocam, designadamente, as próprias disposições do Regulamento n. 816/92, a carta do Conselho de 5 de Fevereiro de 1993 (n. 13 anterior), o compromisso da presidência, adoptado na sessão do Conselho de 24 a 26 de Maio de 1993, que se refere às "quantidades suspensas", e dois comunicados de imprensa do ministro da Agricultura irlandês de 1 de Julho de 1992 e de 17 de Dezembro de 1992, que indicam que a questão das quantidades de referência temporariamente retiradas não tinha sido definitivamente resolvida e que o ministro tinha feito incluir uma declaração nesse sentido na acta da sessão do Conselho de Dezembro de 1992.
39 Os recorrentes alegam ainda que não é possível encontrar qualquer outro exemplo convincente de uma redução de quota sem indemnização. A situação no caso concreto é, portanto, comparável à analisada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 28 de Abril de 1988, Mulder, 120/86 (Colect., p. 2321, a seguir "Mulder I"), na medida em que o não pagamento de uma indemnização não poderia ter sido deduzido nem do contexto dos regulamentos anteriores nem de uma alteração das condições materiais.
40 Acresce que a produção leiteira exige, pela sua própria natureza, uma planificação, designadamente em razão das obrigações financeiras e contratuais que implica para o produtor e que são asseguradas, na sua maior parte, numa base anual; esta exigência é reforçada pela necessidade de evitar o risco de se tornar devedor da imposição suplementar. Nestas circunstâncias, a retirada da indemnização sem aviso prévio ou medidas de transição é de natureza a implicar a responsabilidade da Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, Colect., p. 183, n. 43).
41 Finalmente, o facto dos recorrentes terem recebido uma compensação durante os cinco anos anteriores não é pertinente, pois a indemnização concedida pelo Regulamento n. 775/87 esteve sempre em relação com a suspensão temporária anterior aí prevista, e não é adequada, como o Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão Hierl, já referido. Além disso, os recorrentes contestam a alegação do recorrido de que o preço do leite aumentou na Irlanda após 1987.
42 O recorrido sublinha que o facto de se reconhecer a confiança legítima dos produtores de leite na manutenção da indemnização, sem limite no tempo, se traduziria em lhes reconhecer direitos adquiridos nessa matéria, contrariamente a um jurisprudência constante (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1986, Eridania e o., 250/84, Colect., p. 117, e de 20 de Setembro de 1988, Espanha/Conselho, 203/86, Colect., p. 4563).
43 O recorrido expõe que a suspensão introduzida pelo Regulamento n. 775/87 foi inicialmente decidida como uma medida temporária, de modo a que a sua taxa pudesse ser revista em função da evolução do mercado. Resulta do primeiro considerando desse regulamento que a indemnização deve ser proporcionada ao esforço suplementar pedido aos produtores, o que explica, visto que esse esforço se esgota naturalmente com o tempo, o seu carácter degressivo. Com efeito, se o preço do leite diminuir ou se mantiver constante, os produtores são incentivados a procurar actividades de substituição para compensar a perda de rendimentos e, se o preço aumentar ° o que terá ocorrido concretamente °, a perda de rendimentos inicial desaparecerá com o tempo.
44 Foi devido ao facto da evolução desfavorável da procura ter tornado necessárias posteriores reduções da oferta que a Comissão, nas propostas relativas à reforma da política agrícola comum, publicadas em 31 de Dezembro de 1991, propôs transformar essa suspensão temporária das quotas numa redução definitiva e cessar o pagamento da indemnização degressiva (JO C 337, p. 35).
45 Ao adoptar o Regulamento n. 816/92, o Conselho acolheu a proposta da Comissão de não prorrogar a indemnização degressiva. No que respeita às quantidades de referência suspensas, foram deduzidas das quantidades globais garantidas, originando uma redução definitiva das quotas individuais, e o Conselho reservou-se o direito de reexaminar o seu destino à luz da evolução do mercado. Por conseguinte, a única coisa prometida aos produtores foi que o destino desses 4,5% das quantidades de referência seria reexaminado, o que foi feito aquando da adopção do Regulamento n. 1560/93 (n. 18, supra).
46 Segundo o recorrido, várias outras reduções das quantidades de referência foram já impostas, nem sempre a título temporário nem acompanhadas de uma indemnização. De resto, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um operador prudente e avisado devia ter previsto as medidas que se impunham, tendo em conta a evolução do mercado (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395). O princípio enunciado no acórdão CNTA/Comissão, já referido, invocado pelos recorrentes, não é aplicável no caso concreto, uma vez que existe um interesse público peremptório que justifica novas reduções das quantidades de referência e que essas reduções eram perfeitamente previsíveis, tendo em conta a evolução desfavorável do mercado. Além disso, a indemnização paga, em conformidade com o Regulamento n. 775/87, durante os cinco anos anteriores à entrada em vigor do regulamento litigioso, de um montante total de 45,5 ecus/100 kg, indemnizou amplamente os produtores pelas potenciais perdas de rendimentos e pelo esforço de adaptação que lhes foi pedido.
47 A Comissão, interveniente, alega, designadamente, que as alterações introduzidas pelo Regulamento n. 816/92 eram previsíveis (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens/Comissão, 265/85, Colect., p. 1155). Com efeito, a redução das quantidades em questão desde há cinco anos, o pagamento de uma indemnização degressiva durante esse período, a persistência da produção excedentária e os fundamentos da proposta da Comissão COM(91) 409 final, de 31 de Outubro de 1991, permitiam a um produtor prudente e avisado saber que a situação anterior não podia ser restabelecida e prever novas reduções das quantidades de referência, bem como a supressão da indemnização.
Apreciação do Tribunal
48 Há, em primeiro lugar, que recordar que a possibilidade de invocar o princípio da protecção da confiança legítima é facultada a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito nascer esperanças fundadas. Todavia, os operadores económicos não podem depositar uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias. É especialmente assim num domínio como o das organizações comuns de mercados agrícolas, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça, Delacre e o./Comissão, já referido, n. 33, e de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973, n. 80; e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1994, Unifruit Hellas/Comissão, T-489/93, Colect., p. II-1201, n. 67, e de 21 de Fevereiro de 1995, Campo Ebro e o./Conselho, T-472/93, Colect., p. II-421, n. 71). Em semelhante contexto, o âmbito de aplicação do princípio da confiança legítima não pode ser alargado ao ponto de impedir, de modo geral, que uma regulamentação nova se aplique aos efeitos futuros de situações surgidas durante a vigência da regulamentação anterior (acórdãos Espanha/Conselho, já referido, n. 19, e Campo Ebro e o./Conselho, já referido, n. 52).
49 No caso em apreço, a determinação das quantidades globais garantidas, no âmbito do regime da imposição suplementar instituído pelo Regulamento n. 856/84, inscreve-se no amplo poder de apreciação do Conselho para adaptar a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos em função das variações da situação económica. Donde se segue que, em princípio, nenhum operador poderá ter confiança legítima em que o Conselho, no âmbito da sua gestão da política agrícola comum, não reduzirá, futuramente, as quantidades globais garantidas e, por conseguinte, as quantidades de referência dos produtores individuais (v., designadamente, o acórdão Espanha/Conselho, já referido, n.os 19 e 20).
50 De igual modo, o Tribunal considera que, em tal contexto, os produtores de leite não podem depositar uma confiança legítima no facto de que qualquer redução das suas quantidades de referência individuais será acompanhada de uma indemnização. No entendimento do Tribunal, o acórdão Hierl, já referido, que é invocado pelos recorrentes, não milita em sentido contrário. Concretamente, o Tribunal considera que o simples facto de ter sido concedida uma indemnização, aquando das reduções das quantidades individuais garantidas efectuadas por regulamentos anteriores, não poderia ter criado uma confiança legítima na esfera jurídica dos operadores em questão, quanto à concessão de uma indemnização, por ocasião de qualquer redução posterior das quantidades em causa.
51 Estas considerações são tanto mais pertinentes no caso em apreço quanto o conjunto da regulamentação relativa ao regime da imposição suplementar instituído pelo Regulamento n. 856/84, incluindo o Regulamento n. 775/87, com a redacção dada pelos Regulamentos n. 1111/88 e n. 3879/89, de 11 de Dezembro de 1989, já referido, terminava o seu período de vigência em 31 de Março de 1992. Inscrevendo-se as condições de renovação desse regime para os anos posteriores no amplo poder de apreciação do Conselho, o Tribunal considera que, em princípio, nenhum operador económico poderia ter uma qualquer confiança legítima quanto ao teor das disposições legislativas que o Conselho viria a adoptar para o período posterior a 31 de Março de 1992, designadamente no que respeita à manutenção das quantidades globais garantidas.
52 Portanto, o Tribunal considera que, em princípio, os recorrentes não podem invocar uma violação da sua confiança legítima no que respeita à redução, sem indemnização, das quantidades de referência efectuada, para o período de 1992/1993, pelo Regulamento n. 816/92.
53 De resto, é jurisprudência constante que, quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever a adopção de uma medida comunitária susceptível de afectar os seus interesses, não pode, quando essa medida seja tomada, invocar uma violação da sua confiança legítima (acórdãos Van den Bergh en Jurgens/Comissão, já referido, n. 44, Delacre e o./Comissão, já referido, n. 37, e Unifruit Hellas/Comissão, já referido, n. 51).
54 No caso em apreço, o Tribunal considera que a redução das quantidades de referência em causa, sem indemnização, para o período de 1992/1993, era previsível para um operador prudente e avisado. Com efeito, tendo em conta o facto de que quantidades de referência equivalentes tinham sido suspensas durante os cinco anos anteriores, que uma indemnização de carácter degressivo e de um montante total de 45,5 ecus/100 kg tinha já sido paga aos produtores ao longo de todo esse período e que ainda persistia a produção excedentária de leite, o Tribunal considera que um produtor de leite prudente e avisado podia ter previsto a redução, sem indemnização, das quantidades de referência que foi efectuada, para o período compreendido entre 1 de Abril de 1992 e 31 de Março de 1993, pelo Regulamento n. 816/92. Acresce ainda que a Comissão tinha apresentado uma proposta formal nesse sentido em Outubro de 1991, que foi publicada em 31 de Dezembro de 1991 (JO C 337, p. 35). Nestas circunstâncias, os recorrentes não podem invocar a violação da sua confiança legítima (acórdão Van den Bergh en Jurgens/Comissão, já referido, n. 44).
55 Pelas mesmas razões, o Tribunal considera que, contrariamente ao que argumentam os recorrentes, o Conselho, ao adoptar o Regulamento n. 816/92, não violou os princípios que resultam do acórdão CNTA/Comissão, já referido. Com efeito, esta jurisprudência não se aplica, segundo o Tribunal de Primeira Instância, quando o acto impugnado tenha sido previsível. Ora, no caso em apreço, os interessados tinham sido expressamente avisados da possibilidade de uma redução sem indemnização, a partir de 1 de Abril de 1992, das quantidades em causa através da publicação das propostas da Comissão (n. 54, supra). Sendo a produção leiteira, no essencial, planificada numa base anual, a partir de 1 de Abril de cada ano, os recorrentes tinham, pois, a possibilidade de preverem em tempo útil o efeito das medidas propostas e de a elas reagirem de forma apropriada.
56 Além disso, o Tribunal considera que o argumento, que os recorrentes retiram do contexto legislativo, de que o Regulamento n. 816/92 deve ser interpretado como tendo prorrogado a suspensão temporária instituída pelo Regulamento n. 775/87 e que essa circunstância justifica a sua confiança legítima no facto de a redução das quantidades de referência efectuada pelo Regulamento n. 816/92 ser acompanhada de uma indemnização, também não merece acolhimento.
57 Com efeito, para ser utilmente invocada, a confiança legítima apenas pode ser, pela sua própria natureza, criada por acções ou omissões anteriores ao acto que se alega tê-la violado. Donde resulta que as disposições do Regulamento n. 816/92, acto concretamente impugnado, não podem, em si mesmas, servir de base à confiança legítima invocada pelos recorrentes. De igual modo, todos os outros elementos por eles invocados como tendo criado, na sua esfera jurídica, uma confiança legítima (v. n. 38, supra) não devem ser tidos em consideração, na medida em que são posteriores à adopção do Regulamento n. 816/92.
58 Ora, a única circunstância invocada pelos recorrentes para servir de base à sua confiança legítima que é anterior a 31 de Março de 1992 é a suspensão temporária prevista pelo Regulamento n. 775/87, com a redacção dada pelos Regulamentos n.os 1111/88 e 3879/89. Todavia, pelas razões já expostas, as disposições desses regulamentos anteriores não podem, em si mesmas, criar uma qualquer confiança legítima quanto às disposições que deviam ser posteriormente adoptadas pelo Conselho, no âmbito da sua gestão da política agrícola comum. Especificamente, o Tribunal considera que o termo "temporária", utilizado no Regulamento n. 775/87, não criava qualquer confiança legítima quanto ao facto de as quantidades em causa serem restituídas ou de uma supressão definitiva dessas quantidades ser objecto de uma indemnização.
59 Além disso, o Tribunal não pode aceitar o argumento dos recorrentes de que o Regulamento n. 816/92 deve ser interpretado como tendo prorrogado a suspensão temporária prevista pelo Regulamento n. 775/87. Com efeito, o Regulamento n. 816/92 constitui uma disposição inteiramente nova, que define as quantidades globais garantidas para o período de 1 de Abril de 1992 a 31 de Março de 1993, tendo o regime da imposição suplementar na sua integralidade, incluindo a suspensão temporária prevista pelo Regulamento n. 775/87, atingido o seu termo de vigência em 31 de Março de 1992. Neste contexto, o Regulamento n. 816/92 determinou, portanto, uma redução definitiva das quantidades globais para o período de 1992/1993, tendo sido deixada para data posterior decisão sobre o futuro das quantidades excluídas relativamente a 1992/1993.
60 De onde resulta que não deve ser acolhido o primeiro fundamento dos recorrentes.
Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 190. do Tratado
Exposição sumária dos argumentos das partes
61 Invocando a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os recorrentes alegam, em substância, que o preâmbulo do Regulamento n. 816/92 (n. 8 anterior) não indica os motivos que justificam a diferença entre o regime anterior instituído pelo Regulamento n. 775/87, que previa a suspensão temporária com indemnização, e as disposições do Regulamento n. 816/92. Especificamente, não faz qualquer menção das razões pelas quais a indemnização deixou de ser concedida e não esclarece em que medida ou, eventualmente, porque razão, a suspensão temporária de uma determinada percentagem das quantidades de referência foi transformada em redução permanente. De igual modo, não há qualquer certeza quanto à duração dessa medida.
62 A falta de indemnização não se insere no conjunto das medidas adoptadas pelo Conselho; desse ponto de vista, o Regulamento n. 816/92 afastou-se, de modo fundamental, do sistema de suspensão temporária acompanhado de uma indemnização instituída pelos Regulamentos n.os 775/87, 1111/88 e 3879/89. Os recorrentes acrescentam que o sétimo considerando do Regulamento (CEE) n. 1639/91 do Conselho, de 13 de Junho de 1991, que altera o Regulamento (CEE) n. 857/84, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68 no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 150, p. 35), que referia "que o Regulamento (CEE) n. 775/87... prevê uma indemnização degressiva ao longo de cinco anos de redução da capacidade de produção resultante de tal suspensão", não faz parte do conjunto das medidas relativas à supressão temporária e, em todo o caso, pode ser interpretado no sentido de que seria posto termo à supressão temporária no fim dos cinco anos.
63 O recorrido admite que o não pagamento de uma indemnização não é explicitamente fundamentado, de forma circunstanciada, no Regulamento n. 816/92, mas considera que se insere no contexto das medidas adoptadas e que, portanto, não necessitava de semelhante fundamentação (acórdão Eridania e o., já referido, n.os 37 e 38; v. também os acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1978, Koninklijke Scholten-Honig, 125/77, Recueil, p. 1991, n.os 18 a 22, e Delacre e o./Comissão, já referido, n. 16).
64 Com efeito, através do Regulamento n. 775/87, do modo como seguidamente foi prorrogado, o Conselho suspendeu parte das quantidades de referência, a fim de contribuir para um melhor equilíbrio do mercado, fortemente excedentário, e previu o pagamento temporário de uma indemnização degressiva. O carácter degressivo e a duração limitada dessa indemnização foram sublinhados, designadamente, no sétimo considerando do Regulamento n. 1639/91 de 13 de Junho de 1991, já referido (n. 62, supra). O quadro no qual se inscreve o Regulamento n. 816/92 é, portanto, facilmente compreensível pelos interessados.
65 Em todo o caso, a insuficiência de fundamentação de um acto comunitário não pode determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, n. 14).
66 A interveniente recorda que o sétimo considerando do Regulamento n. 1639/91, adoptado em 13 de Junho de 1991, já referido, tinha previsto que seria futuramente posto termo à indemnização degressiva e que tinha, ela própria, afirmado, em Outubro de 1991, nas suas propostas ao Conselho, a intenção de consolidar a suspensão, transformando-a numa redução definitiva.
Apreciação do Tribunal
67 O Tribunal recorda que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fundamentação exigida pelo artigo 190. do Tratado deve ser adaptada à natureza do acto considerado. Deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade comunitária, autora do acto impugnado, de forma a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos, e que o Tribunal exerça o seu controlo. Todavia, não se pode exigir que a fundamentação dos regulamentos especifique os vários elementos de facto ou de direito, por vezes muito numerosos e complexos, que constituem o seu objecto, desde que se insiram no quadro sistemático do conjunto das medidas de que fazem parte (acórdãos Eridania e o., já referido, n.os 37 e 38, e Delacre e o./Comissão, já referido, n.os 15 e 16).
68 No que respeita à redução das quantidades de referência efectuda pelo Regulamento n. 816/92, o seu artigo 1. define as quantidades globais garantidas para cada Estado-Membro para o período de 1992/1993 e precisa que, para esse mesmo período, determinadas quantidades ° identificadas em toneladas para cada Estado-Membro ° não se encontram incluídas nas quantidades globais garantidas. Precisa-se igualmente que "o Conselho decidirá definitivamente sobre estas quantidades no âmbito da reforma da PAC".
69 Resulta do segundo considerando do Regulamento n. 816/92 que essas quantidades não puderam ser incluídas para o período de 1992/1993 porque "a persistência da situação excedentária exige que 4,5% das quantidades de referência relativas às entregas sejam excluídas das quantidades globais garantidas durante o nono período.".
70 O Tribunal considera que o Conselho fundamentou suficientemente, portanto, as razões pelas quais as quantidades de referência em questão não foram incluídas nas quantidades globais garantidas para o período de 1992/1993.
71 No que respeita à falta de indemnização, o Tribunal considera que o Regulamento n. 816/92 se insere no conjunto das medidas adoptadas no domínio do regime da imposição suplementar. Neste contexto, era do conhecimento dos interessados que a indemnização degressiva prevista pelo Regulamento n. 775/87, com a redacção dada pelos Regulamentos n.os 1111/88 e 3882/89, terminava o seu período de vigência em 31 de Março de 1992 e que a sua renovação não estava prevista em qualquer diploma. De resto, pelas razões já expostas, a redução sem indemnização das quantidades em causa para o período de 1992/1993 era previsível (n. 54 anterior). Donde se segue que a falta de uma fundamentação explícita, no que respeita à falta de indemnização para o período de 1992/1993, não era de natureza a privar os recorrentes da possibilidade eficaz de se prevalecerem dos seus direitos ou de impedir o Tribunal de exercer o seu controlo jurisdicional.
72 Finalmente e em todo o caso, uma eventual insuficiência da fundamentação de um acto regulamentar não é susceptível de determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdãos Kind/CEE, já referido, n. 14, e de 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, C-119/88, Colect., p. I-2189, n. 19; acórdão Unifruit Hellas/Comissão, já referido, n. 41).
73 Portanto, não deve ser acolhido o segundo fundamento dos recorrentes.
Quanto ao terceiro fundamento, baseado na violação dos artigos 39. e 40. do Tratado
Exposição sumária dos argumentos das partes
74 Os recorrentes alegam que a redução sem indemnização das quantidades de referência, efectuada pelo Regulamento n. 816/92, constitui uma violação flagrante dos objectivos enunciados no artigo 39. , n. 1, alínea b), e n. 2, do Tratado. A este respeito, sublinham a necessidade de não romper o equilíbrio delicado existente entre todas as medidas tomadas no âmbito da organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos, tendo em conta, designadamente, a incidência da penalidade que representa a imposição suplementar aplicável quando o produtor excede a sua quantidade de referência.
75 Contrariamente aos argumentos do recorrido, o Regulamento n. 816/92 cria um desequilíbrio entre os diferentes objectivos do artigo 39. do Tratado e não tem em conta o carácter de conjunto da regulamentação sobre as imposições suplementares (v. acórdão Hierl, já referido, n. 15). Todavia, a fundamentação do Tribunal de Justiça no processo Hierl, que dizia respeito ao Regulamento n. 775/87, não pode ser transposta para o presente caso, pois o Regulamento n. 816/92 instituiu uma supressão permanente das quantidades de referência sem indemnização e não uma suspensão temporária com indemnização.
76 A medida litigiosa tem efeitos bem mais complexos do que pretende fazer crer o recorrido, pois os recorrentes têm de fazer face a um nível de entregas inferior, sem a possibilidade de a este se adaptarem e ficando simultaneamente sujeitos à imposição suplementar, e isto sem qualquer indemnização. Os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, a seguir "Mulder II"), e Espanha/Conselho, já referido, respeitam a situações diferentes.
77 O recorrido considera que o objectivo de garantia dos rendimentos agrícolas, visado pelo artigo 39. , n. 1, alínea b), do Tratado, deve ser conciliado como o da estabilização dos mercados, visado pelo artigo 39. , n. 1, alínea c), ao qual poderá ser concedida uma prioridade temporária em certas circunstâncias (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça Van den Bergh en Jurgens/Comissão, já referido, n. 20, e Hierl, já referido, n. 13). Esta prioridade é no presente caso legítima.
78 Mesmo supondo que a cessação da indemnização seja contrário aos objectivos do artigo 39. , tal não poderá determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, pois essa cessação está justificada pelo interesse público superior que representa a estabilização de um mercado fortemente excedentário (v. o acórdão Mulder II, já referido, n. 12). Acresce ainda que é necessário ter em conta que o sistema das quantidades de referência pôde manter preços elevados para o leite nessa situação excedentária, enquanto a outra possibilidade de que dispunham as instituições comunitárias para fazer face a essa situação, ou seja, uma redução dos preços, teve efeitos muito mais negativos sobre os rendimentos dos exploradores agrícolas em causa (v. o acórdão Espanha/Conselho, já referido, n. 14).
79 A interveniente não apresentou observações quanto a este fundamento.
Apreciação do Tribunal
80 O Tribunal recorda, a título liminar, que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na prossecução dos objectivos da política agrícola comum, as instituições comunitárias devem assegurar a conciliação permanente que podem exigir as eventuais contradições entre esses objectivos considerados separadamente e, se for caso disso, conceder a um ou a outro a prioridade temporária imposta pelos factos ou circunstâncias económicas em função das quais adoptam as suas decisões. A jurisprudência admite igualmente que o legislador comunitário dispõe, em matéria de política agrícola comum, de amplo poder de apreciação correspondente às possibilidades políticas que os artigos 40. e 43. do Tratado lhe atribuem (v. os acórdãos Hierl, já referido, n. 13, e Alemanha/Conselho, já referido, n. 47).
81 A este respeito, o Tribunal refere que a redução das quantidades de referência, para o ano 1992/1993, efectuada pelo Regulamento n. 816/92, constitui uma medida que se integra no regime da imposição suplementar instituída pelo Regulamento n. 856/84 e que foi prorrogada por um nono período de doze meses pelo próprio Regulamento n. 816/92. Como o Tribunal já referiu (n. 69 anterior), a finalidade dessa redução consistia na estabilização do mercado do leite, caracterizado por excedentes estruturais, o que coincide com o objectivo da estabilização dos mercados, expressamente visado pela alínea c) do n. 1 do artigo 39. do Tratado (v. os acórdãos Espanha/Conselho, já referido, n. 11, e Hierl, já referido, n. 10). OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC : 693A0466.1
82 O Tribunal considera que o Conselho podia, portanto, legitimamente e no âmbito do seu amplo poder de apreciação em matéria de política agrícola comum, atribuir uma prioridade temporária ao objectivo da estabilização do mercado dos produtos lácteos, sem exceder as suas competências nos termos do artigo 39. do Tratado. De resto, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão de 17 de Maio de 1988, Erpelding (84/87, Colect., p . 2647, n. 26), que o regime de imposição suplementar, que visa restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura no mercado leiteiro, caracterizado por excedentes estruturais, através de uma limitação da produção, se insere simultaneamente no quadro, por um lado, dos objectivos de desenvolvimento racional da produção leiteira, na acepção da alínea a) do n. 1 do artigo 39. do Tratado, e, por outro, ao contribuir para uma estabilização dos rendimentos da população agrícola em causa, no da manutenção de um nível de vida equitativo desta população, na acepção da alínea b) do n. 1 do artigo 39. do Tratado.
83 Em todo o caso, o Tribunal considera, por último, que os recorrentes não forneceram o mínimo elemento que pudesse demonstrar que o Conselho violou o objectivo de assegurar "um nível de vida equitativo" à população agrícola, na acepção da alínea b) do n. 1 do artigo 39. do Tratado, ou o n. 2 do artigo 39. do Tratado, ao não prever uma indemnização para o período de 1992/1993.
84 A este respeito, o Tribunal refere, em primeiro lugar, que a redução das quantidades de referência em causa, para o período de 1992/1993, não expôs os recorrentes ao pagamento da imposição suplementar aplicada quando um produtor excede a sua quantidade de referência. Com efeito, resulta do anexo II do presente acórdão que, durante o período de 1992/1993, as entregas de T. O' Dwyer e T. Cronin não atingiram o nível das suas quantidades de referência então disponíveis. Quanto a T. Keane e J. Reidy, foi confirmado na audiência pelo seu advogado que esses recorrentes não foram sujeitos ao pagamento da imposição suplementar, apesar de terem excedido as suas quotas disponíveis. Com efeito, segundo a fórmula B, em aplicação na Irlanda, o produtor apenas pagará a imposição suplementar se a quantidade total do leite entregue a um comprador (normalmente uma cooperativa agrícola na qual se encontra inscrito o produtor) exceder a quantidade de referência do comprador (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1988, Thevenot e o., 61/87, Recueil, p. 2375). O que não aconteceu relativamente a T. Keane e a J. Reidy durante o período de 1992/1993.
85 Em segundo lugar, como resulta também do anexo II do presente acórdão, os recorrentes excederam regularmente as suas quantidades de referência disponíveis entre 1987/1988 e 1991/1992. Todavia, pelas mesmas razões já anteriormente expostas, não foram sujeitos ao pagamento da imposição suplementar.
86 Em terceiro lugar, cada um dos recorrentes recebeu um montante total de 45,5 ecus/100 kg, enquanto indemnização paga nos termos da suspensão de 4,5% das quantidades de referência durante o período de 1987/1988 e 1991/1992, sem que tenham sido tomadas em conta as ultrapassagens das suas quantidades de referência disponíveis durante esse mesmo período.
87 Em quarto lugar, os recorrentes, com excepção de T. O' Dwyer, beneficiaram das possibilidades oferecidas, designadamente pelo Regulamento (CEE) n. 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), na versão do Regulamento n. 3950/92 que o substituiu, para aumentarem substancialmente as suas quantidades de referência. Com efeito, como resulta do anexo I do presente acórdão, foram atribuídas quantidades de referência suplementares a T. Keane em 1989/1990, enquanto pequeno produtor, e a T. Keane e T. Cronin por decisões do Milk Quota Appeals Tribunal em 1990/1991 (T. Keane e T. Cronin), e em 1991/1992 (T. Keane). T. Keane, T. Cronin e J. Reidy aumentaram também as suas quantidades de referência individuais através de certas aquisições de quotas suplementares, no âmbito dos Milk Quota Restructuring Schemes criados na Irlanda; finalmente, T. Cronin e J. Reidy cederam por arrendamento certas quantidades suplementares.
88 Resulta do que precede que as quotas disponíveis eram para T. Keane, T. Cronin e J. Reidy em 1992/1993, após a redução efectuada pelo Regulamento n. 816/92, mais elevadas do que as de que dispunham imediatamente antes da suspensão temporária introduzida pelo Regulamento n. 775/87 em, respectivamente, cerca de 132%, 47% e 11% (v. anexo I do presente acórdão).
89 Mesmo supondo que os recorrentes tenham sofrido uma perda de rendimentos devido à falta de indemnização para o período de 1992/1993 ° o que, em todo o caso, de forma alguma é comprovado pelos elementos dos autos °, resulta do acórdão Hierl, já referido, n.os 13 e 14, que, numa certa medida, uma perda de rendimentos que pode implicar uma diminuição temporária do nível de vida dos agricultores deve ser aceite, no quadro das medidas que limitam a produção tomadas pelo Conselho, perante uma situação de mercado caracterizada, durante um período prolongado, por importantes excedentes estruturais. De resto, como o Tribunal de Justiça considerou no seu acórdão Espanha/Conselho, já referido, n. 14, a alternativa à adopção de um regulamento que reduzisse as quantidades de referência, ou seja, uma redução dos preços de intervenção dos produtos lácteos, poderia ter efeitos muito mais negativos sobre os lucros dos agricultores, como correctamente referiu o Conselho.
90 Resulta do conjunto das precedentes considerações que não pode ser acolhido o terceiro fundamento dos recorrentes.
Quanto ao quarto fundamento, baseado na violação do direito de propriedade e do livre exercício de uma actividade profissional
Exposição sumária dos argumentos das partes
91 Os recorrentes alegam que o direito de propriedade faz parte dos direitos fundamentais que são protegidos no ordenamento jurídico comunitário. Em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727), haveria que determinar qual é o objectivo prosseguido pela medida impugnada e seguidamente apreciar se as restrições em causa apresentam uma relação razoável com esse objectivo ou, pelo contrário, constituem uma intervenção desproporcionada e intolerável nas prerrogativas do proprietário.
92 No caso em apreço, a falta de indemnização, para o período de 1992/1993, teve como consequência a falta desse nexo de razoabilidade. Para os recorrentes, o Regulamento n. 816/92 equivale a uma expropriação sem compensação, dado que as quantidades de referência leiteiras tem um real valor económico (v. o ponto 24 das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo que conduziu ao acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1989, Wachauf, 5/88, Colect., pp. 2609 e 2622). A sua supressão permanente, sem indemnização, constitui, portanto, uma intervenção intolerável no direito de propriedade e coloca em risco a sobrevivência das explorações dos recorrentes.
93 Os recorrentes invocam também o livre exercício de uma actividade profissional, confirmado em direito comunitário pelo acórdão Hauer, já referido, n. 32. As disposições do Regulamento n. 816/92 constituem um entrave a essa liberdade, não justificado pelo interesse geral.
94 O recorrido sublinha que o Tribunal de Justiça nunca admitiu que as quantidades de referência leiteiras pudessem ser objecto de um direito de propriedade autónomo em relação à terra à qual estão ligadas. A redução das quantidades de referência imposta no caso em apreço não pode, portanto, em princípio, infringir o direito de propriedade dos interessados (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1991, von Deetzen, C-44/89, Colect., p. 5119, a seguir "von Deetzen II", n. 27).
95 De resto, nem o direito de propriedade nem o livre exercício da actividade profissional constituem prerrogativas absolutas em direito comunitário. Trata-se apenas do direito de se ser protegido, designadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, contra uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos fundamentais em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schraeder, 265/87, Colect., p. 2237, n. 15). No caso em apreço, não se trata de semelhante intervenção e a restrição impugnada corresponde claramente a um objectivo de interesse geral.
96 Em todo o caso, tendo em conta a pouca importância da redução em causa, não foi ameaçada a sobrevivência das explorações dos recorrentes, pelo que a substância dos seus direitos de propriedade ou ao livre exercício de uma actividade profissional não podem ter sido afectados.
97 A interveniente não apresentou observações quanto a este fundamento.
Apreciação do Tribunal
98 O Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto o direito de propriedade como o livre exercício de actividades profissionais fazem parte dos princípios gerais do direito comunitário. No entanto, tais princípios não constituem prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração tendo presente a sua função na sociedade. Consequentemente podem ser introduzidas restrições à utilização do direito de propriedade e ao livre exercício de uma actividade profissional, designadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, desde que tais restrições respondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, à luz do objectivo prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos desse modo garantidos (acórdãos do Tribunal de Justiça Schraeder, já referido, n. 15, Wachauf, já referido, n. 18, de 10 de Janeiro de 1992, Kuehn, C-177/90, Colect., p. I-35, n.os 16 e 17, e Alemanha/Conselho, já referido, n. 78).
99 Há ainda que referir que o direito de propriedade, garantido na ordem jurídica comunitária, não inclui o direito à comercialização de um benefício como o das quantidades de referência atribuídas no âmbito de uma organização comum de mercado, que não provém nem dos bens próprios nem da actividade profissional do interessado (acórdão von Deetzen II, já referido, n. 27; acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1994, Bostock, C-2/92, Colect., p. I-955, n. 19).
100 O Tribunal já considerou (n.os 81 e 82, supra) que, ao reduzir as quantidades de referência em causa para o período de 1992/1993, o Regulamento n. 816/92 respondeu aos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comissão no âmbito da organização comum de mercado do leite e dos produtos lácteos, designadamente, a estabilização do mercado e a redução dos excedentes estruturais.
101 De resto, nem a perda dessas quantidades de referência, enquanto tais, nem a falta de indemnização a esse respeito podem constituir, por si só, uma violação do direito de propriedade ou do livre exercício de uma actividade profissional, como são reconhecidos em direito comunitário (v., designadamente, o acórdão Bostock, já referido, n.os 19 e 20).
102 Quanto a saber se a redução das quantidades de referência efectuada pelo Regulamento n. 816/92 pôs em risco o usufruir, pelos recorrentes, das suas explorações, de forma a afectar a própria substância dos seus direitos de propriedade ou o livre exercício de uma actividade profissional, resulta dos anexos I e II do presente acórdão e das considerações feitas nos n.os 84 a 88, supra, que os recorrentes não fizeram de forma alguma a prova da violação dos direitos em causa.
103 Donde se conclui que não deve ser acolhido o quarto fundamento dos recorrentes.
Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação do princípio da proporcionalidade
Exposição sumária dos argumentos das partes
104 Os recorrentes consideram que as disposições do Regulamento n. 816/92 são desproporcionadas em relação ao objectivo prosseguido pelo legislador comunitário e lhes impõem um pesado encargo. Dado que a concessão de uma indemnização estava prevista como parte integrante dos regulamentos anteriores, que os considerandos do Regulamento n. 816/92 não indicam que a situação se alterou concretamente após a adopção do Regulamento n. 3882/89, que previa a concessão dessa indemnização, e que esses mesmos considerandos revelam que o objectivo principal do regulamento era instituir uma medida provisória, enquanto se aguardava pelas propostas da Comissão com vista a uma reforma da política agrícola comum, o facto de não se conceder uma indemnização é desproporcionado face à finalidade prosseguida. Daí resulta para os recorrentes uma dupla penalidade resultante, por um lado, da aplicação da imposição suplementar a um nível de entregas reduzido e, por outro, da falta de compensação dessa redução. No acórdão Hierl, já referido, o Tribunal sublinhou, no n. 12, que o Regulamento n. 775/87 não violava o princípio da proporcionalidade, tendo em conta o pagamento de uma indemnização; ora, no caso em apreço, essa indemnização já não existe.
105 O recorrido considera que este fundamento está intimamente ligado ao fundamento precedente, violação do direito de propriedade, e que já foi suficientemente demonstrado que a redução imposta não é manifestamente desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido. Em todo o caso, é claro que o Conselho não excedeu manifestamente os limites do amplo poder de apreciação que o Tribunal lhe reconhece a esse respeito.
106 A interveniente não apresentou observações quanto a este fundamento.
Apreciação do Tribunal
107 O princípio da proporcionalidade é reconhecido por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça como parte dos princípios gerais do direito comunitário. De acordo com este princípio, a legalidade da proibição de uma actividade económica está sujeita à condição de as medidas de proibição serem adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, ressalvando-se que, quando há possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, deve recorrer-se à menos gravosa e que os encargos impostos não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos em vista. Todavia, como foi referido no presente acórdão (n. 82), há que esclarecer que o legislador comunitário dispõe, em matéria de política agrícola comum, de um poder discricionário que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40. e 43. do Tratado lhe atribuem. Consequentemente, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio relativamente ao objectivo que a instituição competente entende prosseguir pode afectar a sua legalidade (v., designadamente, os acórdãos Schraeder, já referido, n.os 21 e 22, de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colect., p. I-4023, n.os 13 e 14, e Alemanha/Conselho, já referido, n.os 88 a 91).
108 O Tribunal considera, pelas razões anteriormente expostas em resposta aos primeiro, terceiro e quarto fundamentos, que os recorrentes não fizeram prova do carácter manifestamente inadequado das medidas adoptadas pelo Regulamento n. 816/92 relativamente ao objectivo de estabilização do mercado leiteiro prosseguido. Portanto, não deve ser acolhido este fundamento.
Quanto ao sexto fundamento, baseado na violação do princípio da não discriminação
Exposição sumária dos argumentos das partes
109 Os recorrentes sublinham que o princípio da não discriminação é um dos mais fundamentais do direito comunitário e encontra a sua expressão no artigo 40. , n. 3, segundo parágrafo, do Tratado. Recordam ainda o teor do oitavo considerando do Regulamento n. 856/84, e o segundo considerando do Regulamento (CEE) n. 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208), que precisam, por um lado, que, na Irlanda, a indústria leiteira contribui para o produto nacional bruto de modo importante e, por outro, que a possibilidade de desenvolver nesse país produções agrícolas alternativas à produção leiteira é muito limitada. Nestas circunstâncias, os recorrentes consideram que o Regulamento n. 816/92 não respeita as condições exigidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Hierl, já referido, n. 19, designadamente porque não reconheceu as dificuldades específicas que resultariam da sua aplicação para os produtores irlandeses. Reservou para estes, de forma dissimulada, um tratamento semelhante ao dado aos produtores dos outros Estados-Membros, quando era reconhecido ser a sua situação diferente.
110 A suspensão temporária e a falta de indemnização são também discriminatórias, porque os produtores dos outros Estados-Membros puderam adaptar-se mais facilmente e sem as mesmas desvantagens face às consequências da medida em questão. Ainda que, em conformidade com o acórdão Hierl, já referido, as condições locais possam não ser relevantes para apreciar se houve violação do n. 3 do artigo 40. do Tratado, assim não ocorrerá no caso em apreço, tendo em conta o reconhecimento, pelo Conselho e pela Comissão, nos Regulamentos n. 856/84 e n. 1371/84, de 16 de Maio de 1984, já referido, da relevância das condições locais no que toca à Irlanda. De resto, as pequenas explorações, como as dos recorrentes, têm necessidade de maior protecção do que as grandes explorações.
111 O recorrido sublinha que argumentos semelhantes foram já desatendidos pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Espanha/Conselho e Hierl, já referidos. A situação específica da Irlanda foi reconhecida na regulamentação de 1984, referida pelos recorrentes, da qual resulta que a quantidade de referência nacional foi fixada inicialmente em base mais favorável do que a seguida para os outros Estados-Membros, salvo a Itália. Todavia, esta especificidade não pode isentar indefinidamente os produtores irlandeses das posteriores reduções das quantidades de referência tornadas necessárias pelo excedente global da Comunidade.
112 A interveniente sublinha que não apenas a situação específica da Irlanda foi tomada em conta aquando da fixação inicial das quantidades de referência em 1984, mas também que o efeito desse cálculo mais vantajoso se fez sentir durante todo o período de duração do regime, pelo que qualquer redução global produziu forçosamente um menor efeito sobre os produtores irlandeses do que sobre os outros.
Apreciação do Tribunal
113 Convém recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da não discriminação entre produtores ou consumidores da Comunidade, consagrado no n. 3, segundo parágrafo, artigo 40. , do Tratado, impõe que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado. As medidas decorrentes da organização comum dos mercados e, nomeadamente, dos seus mecanismos de intervenção só podem, portanto, ser diferenciadas, segundo as regiões e outras condições de produção ou de consumo, em função de critérios objectivos que assegurem uma repartição equilibrada dos benefícios e das desvantagens entre os interessados, sem fazer distinção entre os territórios dos Estados-Membros (v. os acórdãos Espanha/Conselho, já referido, n. 25, Hierl, já referido, n. 18, e Alemanha/Conselho, já referido, n. 67). De resto, quanto à fiscalização jurisdicional das condições de execução da proibição de discriminação enunciada no n. 3, segundo parágrafo, artigo 40. , do Tratado, há que sublinhar, como já foi referido, que o Conselho dispõe, em matéria de política agrícola comum, de um amplo poder de apreciação que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40. e 43. do Tratado lhe atribuem (v. o acórdão de 21 de Fevereiro de 1990, Wuidart e o., C-267/88 a C-285/88, Colect., p. I-435, n. 14).
114 Está assente, no presente caso, que foram já atribuídas à Irlanda quantidades de referência suplementares pelos Regulamentos n. 856/84 e n. 1371/84, de 16 de Maio de 1984, já referido, designadamente para ter em conta a contribuição da indústria leiteira para o produto nacional bruto da Irlanda e os factores que obstam, na Irlanda, ao desenvolvimento das produções agrícolas alternativas à produção leiteira.
115 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que os recorrentes não apresentaram qualquer elemento susceptível de constituir a prova de que, ao adoptar o Regulamento n. 816/92, o Conselho estava obrigado a conceder um tratamento ainda mais favorável aos produtores irlandeses, em derrogação ao princípio fundamental da igualdade de tratamento consagrado no n. 3, segundo parágrafo, artigo 40. , do Tratado. Especificamente, não apresentaram qualquer elemento de natureza a constituir a prova de que a situação actual dos produtores de leite na Irlanda é sensivelmente mais difícil do que a dos dos outros Estados-Membros.
116 Pelo contrário, os dados que constam dos anexos I e II do presente acórdão, bem como as considerações feitas nos n.os 84 a 88, supra, sustentam a conclusão de que não se justifica qualquer tratamento preferencial para produtores como os recorrentes.
117 No que respeita à posição dos pequenos produtores, há que recordar que o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Hierl, já referido, n. 19, que o facto de uma medida adoptada no âmbito de uma organização comum de mercado poder ter repercussões diferentes para certos produtores, em função da natureza especial da sua produção, não constitui uma discriminação, desde que essa medida se baseie em critérios objectivos, conformes às necessidades do funcionamento global da organização comum de mercado. O Tribunal considera que o Regulamento n. 816/92, no contexto regulamentar anteriormente exposto, preenche estas condições, no que respeita ao carácter objectivo e proporcionado dos critérios que fixou.
118 Portanto, não deve ser acolhido o sexto fundamento.
Quanto aos fundamentos invocados por outros recorrentes que não T. O' Dwyer
Exposição sumária dos argumentos das partes
119 T. Keane, T. Cronin e J. Reidy sustentam que as suspensões temporárias, previstas no Regulamento n. 775/87 se referiam às quantidades de referência iniciais previstas no artigo 5. -C, n.os 1 e 3, do Regulamento n. 804/68. Estas quantidades de referência iniciais são distintas das que fazem parte da reserva comunitária criada pelo artigo 5. -C, n. 4, do Regulamento n. 804/68. Todavia, resulta das disposições do artigo 1. , n. 1, quarto parágrafo, do Regulamento n. 775/87 que, devido à aplicação da fórmula B na Irlanda, a suspensão de 4,5% das quantidades globais garantidas aí visada afecta as quantidades de referência dos compradores, que as deveriam repercutir, por seu lado, sobre os produtores, sem possibilidade de terem em conta a composição específica das quantidades de referência destes últimos.
120 Por conseguinte, a suspensão, sem indemnização, nos termos do Regulamento n. 816/92, incidiu sobre as quantidades de referência suplementares obtidas pelos recorrentes a partir da reserva comunitária, designadamente nos casos de T. Keane e T. Cronin (v. n. 87).
121 Nestas circunstâncias, os recorrentes invocam, designadamente, que: i) podiam depositar uma confiança legítima na não retirada, sem indemnização, de quantidades de referência diferentes das visadas pelo artigo 5. -C, n.os 1 e 3, do Regulamento n. 804/68; ii) o Regulamento n. 816/92 não pode ser compatível com os objectivos do artigo 39. do Tratado, na medida em que suprime sem indemnização quantidades de referência que não tinham a sua origem no artigo 5. -C, n. 1, do Regulamento n. 804/68; iii) não relevando a supressão das quantidades de referência do artigo 5. -C, n.os 1 e 3, do Regulamento n. 804/68, esta viola o direito de propriedade e o livre exercício de uma actividade profissional, bem como o princípio da proporcionalidade, e constitui, por si só, uma discriminação que afecta a situação concorrencial dos recorrentes.
122 O recorrido responde que a suspensão uniforme das quantidades de referência, seja qual for a sua proveniência original, tem origem no Regulamento n. 775/87 e não no Regulamento n. 816/92. Em todo o caso, o princípio da não discriminação não exige que quantidades de referência suplementares atribuídas, a título facultativo, pelas autoridades nacionais, sejam isentas do esforço de adaptação e de solidariedade que é pedido a todos os produtores.
123 A interveniente não apresentou observações quanto a estes fundamentos.
Apreciação do Tribunal
124 Em substância, os recorrentes denunciam o facto de a redução das quantidades de referência, resultante das disposições do Regulamento n. 816/92, incidir não apenas sobre as quantidades de referência que lhe foram concedidas aquando da adopção do Regulamento n. 856/84, mas também sobre as quantidades de referência suplementares que obtiveram após esse momento, designadamente, sobre as quantidades de referência suplementares que foram concedidas pelas autoridades irlandesas a T. Keane e T. Cronin.
125 Todavia, os recorrentes não contestam que, no âmbito da fórmula B, aplicada na Irlanda, a redução das quantidades globais garantidas prevista pelo Regulamento n. 816/92 teve que ser repercutida proporcionalmente sobre cada comprador de leite, que, por sua vez, teve que repercutir proporcionalmente a redução em causa sobre as quantidades de referência dos produtores de leite em causa. As partes estão de acordo em que esta repercussão proporcional devia ser feita sem ter em conta a origem específica das quantidades de referência dos produtores individuais.
126 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que os recorrentes não podem invocar uma pretensa distinção jurídica entre, por um lado, as quantidades de referência iniciais, previstas pelo artigo 5. -C, n.os 1 e 3, do Regulamento n. 804/68, e, por outro, as quantidades de referência provenientes da reserva comunitária, visada pelo n. 4 desse mesmo artigo. Com efeito, resulta do próprio teor do artigo 5. -C do Regulamento n. 804/68, por um lado, que o seu n. 3 se aplica "sem prejuízo da aplicação do n. 4" e, por outro, que a função da reserva comunitária visada no n. 4 é "completar" as quantidades garantidas dos Estados-Membros. Portanto, a origem das quantidades em causa não é relevante para a determinação da quantidade de referência de um produtor individual, na acepção do artigo 5. -C, n. 1. De resto, a reserva comunitária foi formalmente suprimida e as suas quantidades integradas nas quantidades globais garantidas pelo Regulamento n. 3950/92 (n. 12, supra). Portanto, a distinção invocada pelos recorrentes deixou de ter relevância a partir do momento em que surgiu este regulamento, adoptado antes dos recorrentes terem interposto os seus recursos.
127 Em segundo lugar, a possibilidade oferecida a certos produtores de leite de aumentarem as suas quantidades de referência individuais foi expressamente prevista pela regulamentação comunitária, designadamente pelas disposições relevantes do Regulamento n. 857/84, de 31 de Março de 1984, já referido, na redacção que foi dada pelo Regulamento n. 3950/92, que o substituiu, e representa a introdução de uma flexibilidade importante no regime da imposição suplementar. Na medida em que os produtores utilizem esse elemento de flexibilidade, aumentando, a título facultativo, as suas quantidades de referência, beneficiarão mais amplamente das garantias de preços que lhes são concedidas no âmbito da organização comum de mercado, aumentando simultaneamente a sua contribuição proporcional para o excedente estrutural do sector. Portanto, é justo que tenham sido obrigados a participar, na mesma proporção que os outros produtores, às reduções das quantidades globais garantidas.
128 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que T. Cronin, T. Keane e J. Reidy não podem utilmente invocar a violação do princípio da protecção da confiança legítima, na medida em que a redução das quantidades globais garantidas visada pelo Regulamento n. 816/92 incidiu sobre as quantidades de referência suplementares que tinham obtido após a atribuição das suas quantidades de referência iniciais. De igual modo, no entendimento do Tribunal, o facto de o Regulamento n. 816/92 ter imposto uma redução uniforme das quantidades de referência, sem ter em conta as suas origens específicas, não é contrário nem ao objectivo do artigo 39. do Tratado, nem aos princípios da proporcionalidade e da não discriminação, nem ao direito de propriedade, nem ao livre exercício de uma actividade profissional.
129 Donde resulta que os fundamentos específicos que são invocados por T. Keane, T. Cronin e J. Reidy não devem ser acolhidos.
130 Resulta do conjunto das precedentes considerações que os pedidos de indemnização nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93 não merecem, na falta de uma ilegalidade culposa, deferimento, sem que seja necessário analisar se as pretensas violações do direito comunitário invocadas pelos recorrentes podem ser qualificadas de "suficientemente caracterizadas", na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, de modo a determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade (v. o acórdão Mulder II, já referido, n.os 19 a 21). De igual modo, na falta de uma ilegalidade que tenha resultado da adopção do regulamento litigioso, não há que tomar posição sobre os cálculos do pretenso prejuízo fornecidos pelos recorrentes nem sobre a existência de um nexo de causalidade entre o prejuízo alegadamente sofrido e o acto impugnado.
Quanto ao pedido de indemnização no que respeita ao processo T-477/93
131 T. O' Dwyer, recorrente no processo T-477/93, invoca que, ao adoptar o Regulamento n. 748/93 (v. n.os 15 a 16, supra) e, portanto, ao reconduzir, sem indemnização, para o período de 1 de Abril de 1993 a 31 de Março de 1994, as quantidades globais garantidas previstas pelo Regulamento n. 816/92, o Conselho uma vez mais excedeu manifesta a gravemente os limites do exercício dos seus poderes e violou as regras superiores de direito que protegem os particulares de um modo tal que determina a responsabilidade extracontratual da Comunidade nos termos do artigo 215. , segundo parágrafo, do Tratado. O recorrente invoca, mutatis mutandis, os mesmos seis fundamentos invocados nos processos T-466/93, T-469/93, T-473/93 e T-474/93, acrescentando argumentos adicionais.
132 Na medida em que os fundamentos e argumentos invocados no processo T-477/93 repetem os já anteriormente analisados, não devem, pelas mesmas razões, ser acolhidos. A este respeito, o Tribunal refere, além disso, que, segundo os dados fornecidos em resposta às questões do Tribunal, o recorrente ultrapassou sensivelmente a sua quantidade de referência para o período de 1993/1994, sem ter sido sujeito ao pagamento da imposição suplementar.
133 O Tribunal considera que apenas dois dos fundamentos invocados no processo T-477/93 constituem argumentos novos ou suplementares, ou seja, respectivamente, os fundamentos baseados na violação do princípio da confiança legítima e na violação do artigo 190. do Tratado.
Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio da confiança legítima
Exposição sumária dos argumentos das partes
134 O recorrente sustenta que o Conselho, ao não abordar, no Regulamento n. 748/93, a questão das quantidades de referência suspensas e não prever uma indemnização adequada, violou de modo flagrante o princípio da confiança legítima. Em apoio dessa tese, avança, para além dos argumentos já resumidos nos n.os 36 a 41, anteriores, os seguintes argumentos adicionais.
135 Analisando o Regulamento n. 748/93, o recorrente compara-o ao Regulamento n. 816/92, pois que ambos se destinam aparentemente a preencher um vazio jurídico. Resulta dos considerandos do Regulamento n. 748/93 (n. 15, anterior) que este foi introduzido apressadamente e sem ter em consideração todas as questões, designadamente, a relativa às quantidades de referência temporariamente suspensas. Uma declaração do Conselho de 17 de Março de 1993, feita a seguir à reunião durante a qual o Regulamento n. 748/93 foi adoptado, afirmava que o Conselho "tomará... uma decisão... sobre as outras questões já suscitadas pelas delegações", o que se poderá referir, designadamente, à questão das quantidades suspensas.
136 O recorrente considera poder concluir das disposições conjugadas dos Regulamentos n. 3950/92 e n. 748/93: i) que as suas redacção e fundamentação são imprecisas e insuficientes; ii) que o Regulamento n. 748/93 não constitui uma decisão definitiva sobre o futuro das quantidades suspensas; iii) que o Conselho tentou suprimir indirectamente as quantidades em causa de um modo ilícito e iv) que, não tendo sido prorrogadas as disposições do Regulamento n. 775/87, as quantidades antes suspensas deviam ter sido reatribuídas a partir de 1 de Abril de 1993.
137 O recorrente sustenta, designadamente, que o Regulamento n. 816/92 não originou uma redução definitiva, o que está provado pela referência a uma decisão definitiva posterior. Mas o Regulamento n. 748/93 também não constitui uma decisão definitiva. A adopção do Regulamento n. 816/92 e, seguidamente, a do Regulamento n. 748/93 criaram aos produtores uma grande incerteza.
138 Portanto, o Regulamento n. 748/93 deve ser considerado como uma nova prorrogação da suspensão temporária, o que deveria, por conseguinte, dar lugar a uma indemnização. Pelo contrário, caso o Regulamento n. 748/93 devesse ser considerado como tendo suprimido as quantidades em causa de forma permanente, o Conselho terá também violado a confiança legítima ao actuar sem pré-aviso e ao não prever o pagamento de uma indemnização.
139 O recorrido, apoiado pela interveniente, contrapõe ao recorrente os argumentos resumidos nos n.os 42 a 46, supra. Acrescenta que o Regulamento n. 748/93 foi adoptado em 17 de Março de 1993 após a supressão definitiva de 4,5% das quotas, sem prejuízo de um reexame, que foi efectuada através do Regulamento n. 816/92. Trata-se de uma medida transitória que foi adoptada para evitar um vazio jurídico na campanha de 1993/1994, mas nada há nos seus considerandos ou na parte dispositiva que possa sugerir que as quantidades suprimidas virão a ser restabelecidas. O reexame previsto pelo Regulamento n. 816/92 foi efectuado por ocasião da sessão do Conselho de 24 a 27 de Maio de 1993 e conduziu à adopção do Regulamento n. 1560/93 (n. 18, supra).
Apreciação do Tribunal
140 O Tribunal recorda que o efeito do Regulamento n. 748/93 foi o de reconduzir, para o período de 1993/1994, as quantidades globais garantidas previstas, para o período de 1992/1993, pelo Regulamento n. 816/92.
141 Pelas razões já expostas nos n.os 48 a 60, supra, mutatis mutandis, o Tribunal considera que, em princípio, o recorrente não pode, utilmente, invocar o respeito do princípio da confiança legítima para sustentar que as quantidades de referência excluídas para o período de 1992/1993 pelo Regulamento n. 816/92 deveriam ter sido restituídas ou que deveria ter sido concedida uma indemnização para o período de 1993/1994.
142 No que respeita aos elementos específicos que são invocados pelo recorrente em apoio da sua pretensa confiança legítima (n. 38, supra), os únicos elementos anteriores à adopção do Regulamento n. 748/93 são as disposições do Regulamento n. 816/92, a carta do Conselho de 5 de Fevereiro de 1993 (n. 13, supra) e os dois comunicados de imprensa do ministro da Agricultura irlandês de 1 de Julho de 1992 e de 17 de Dezembro de 1992.
143 O Tribunal considera que esses elementos poderiam, quando muito, criar uma confiança legítima em que o Conselho voltaria a examinar a questão do futuro das quantidades não incluídas do Regulamento n. 816/92 e tomaria uma decisão final a esse respeito. Todavia, não foi previsto qualquer prazo para esse reexame.
144 Ora, nestas circunstâncias, o Tribunal considera que nada impedia que o Conselho reconduzisse, para o período de 1993/1994, as quantidades globais garantidas para o ano de 1992/1993, antes de proceder ao reexame previsto designadamente pelo artigo 1. , último parágrafo, do Regulamento n. 816/92.
145 De resto, é forçoso constatar que o reexame assim previsto foi realizado antes da adopção, em 14 de Junho de 1993, do Regulamento n. 1560/93 (n. 18, supra). Este regulamento revogou o Regulamento n. 748/93 e fixou novas quantidades garantidas, prevendo um aumento de 0,6% dessas quantidades no que respeita à Irlanda.
146 Donde resulta que o fundamento de violação do princípio da confiança legítima não merece acolhimento.
Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 190. do Tratado
Exposição sumária dos argumentos das partes
147 O recorrente invoca que, tendo o preâmbulo do Regulamento n. 816/92 previsto que os 4,5% das quantidades de referência seriam excluídos para a campanha de 1992/1993, o Regulamento n. 748/93 deveria ter precisado se essa percentagem devia ou não ser excluída para a campanha de 1993/1994. Acresce que, apesar de o Regulamento n. 816/92 ter precisado que o Conselho decidiria definitivamente do futuro dessa percentagem, o Regulamento n. 748/93 não o fez, sem para tal fornecer quaisquer razões. Este último regulamento infringiu o artigo 190. do Tratado ao não indicar nem os fundamentos nem a base legal da redução permanente sem indemnização, que constitui o objectivo manifesto dos efeitos conjugados dos Regulamentos n.os 3950/92 e 748/93.
148 Neste contexto, não é possível remeter para a fundamentação dos regulamentos anteriores, pois apenas o Regulamento n. 748/93 podia tratar correctamente a questão das quantidades de referência, sendo o primeiro a pôr em aplicação as disposições do Regulamento n. 816/92, que previa que uma decisão definitiva deveria ser tomada a esse respeito.
149 A disposição do Regulamento n. 816/92 nos termos da qual as quantidades de referência aí precisadas não eram incluídas para a campanha de 1992/1993 implica que a questão deveria ser tratada, o mais tardar, no fim desse período e, portanto, pelo Regulamento n. 748/93. Caso, todavia, uma decisão não fosse tomada durante esse período, os Regulamentos n.os 3950/92 e 748/93 deveriam indicar o futuro dessas quantidades.
150 O recorrido, apoiado pela interveniente, afirma que foi o Regulamento n. 816/92, e não o Regulamento n. 748/93, o que introduziu a redução definitiva das quotas sem indemnização. Portanto, era desnecessária uma fundamentação a este respeito no Regulamento n. 748/93.
151 A referência, no Regulamento n. 816/92, a uma decisão definitiva posterior, a tomar no âmbito da reforma da política agrícola comum, não implica a necessidade de tomar essa decisão durante a campanha de 1992/1993, e o Regulamento n. 748/93 não era, portanto, o único a poder tratar dessa questão.
152 Ainda que o Tribunal venha a concluir pela existência de um vício da fundamentação, uma fundamentação insuficiente de um acto comunitário não pode determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdão Kind/CEE, já referido, n. 14).
Apreciação do Tribunal
153 O Tribunal considera que o Regulamento n. 748/93 se insere no conjunto das medidas tomadas no domínio da imposição suplementar, entre as quais se contam, designadamente, os Regulamentos n. 816/92 e n. 3950/92, dos quais resulta que os excedentes estruturais no sector do leite persistiam e que o regime da imposição suplementar continuava a ser necessário. Neste contexto, o terceiro considerando do Regulamento n. 748/93 precisa que, "enquanto se aguarda uma decisão posterior, é conveniente manter as quantidades globais em vigor em 31 de Março de 1993, acrescidas dos montantes provenientes da reserva comunitária existente na mesma data".
154 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que o Conselho fundamentou de forma suficiente a recondução, para o período de 1993/1994, das quantidades globais garantidas para o período de 1992/1993. Além disso, o Tribunal considera, tendo em conta o conjunto das medidas adoptadas no domínio da imposição suplementar, que a falta de fundamentação, no que respeita ao não pagamento de uma indemnização para o período de 1993/1994, não privou o recorrente da possibilidade eficaz de se prevalecer dos seus direitos nem impediu o Tribunal de exercer o seu controlo jurisdicional (v. n. 71, supra).
155 De igual modo, na falta de um prazo para o reexame previsto pelo artigo 1. , último parágrafo, do Regulamento n. 816/92, o Conselho não estava obrigado a dar indicações quanto ao futuro das quantidades visadas por essa disposição. A este respeito, o Regulamento n. 748/93 precisa expressamente que foi adoptado "enquanto se aguarda uma decisão posterior".
156 Em todo o caso, uma eventual insuficiência da fundamentação do Regulamento n. 748/93 não poderia determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, como o Tribunal já referiu (n. 72, supra).
157 Donde resulta que o fundamento de insuficiência da fundamentação não deve ser acolhido.
158 Resulta das precedentes considerações que o pedido de indemnização apresentado no processo T-477/93 não merece acolhimento, sem necessidade, por um lado, de analisar se o recorrente fez prova de todos os elementos que a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige para que se verifique a responsabilidade extracontratual da Comunidade (v. n. 130, supra) e, por outro, julgar da sua admissibilidade.
159 Tendo os recorrente desistido dos pedidos de anulação (v. n. 33, supra) e não tendo os pedidos de indemnização sido julgados procedentes, resulta do conjunto das anteriores considerações que os recursos T-466/93, T-469/93, T-473/93, T-474/93 e T-477/93 não merecem, na sua integralidade, provimento.
Quanto às despesas
160 Por força do disposto no artigo 87. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos e tendo-o requerido o Conselho, há que condenar cada um dos recorrentes a suportar as próprias despesas, bem como as efectuadas pelo Conselho nos respectivos processos.
161 A Comissão, que interveio em apoio dos pedidos apresentados pelo Conselho, suportará, em conformidade com o disposto no n. 4 do artigo 87. do Regulamento de Processo, as suas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
decide:
1) É negado provimento aos recursos.
2) Os recorrentes suportarão as suas despesas, bem como as despesas efectuadas pelo Conselho.
3) A Comissão suportará as suas despesas.