ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

14 de Abril de 1994 ( *1 )

No processo T-10/93,

A, residente em Xalapa (México), representado por Nathalie Leclerc-Petit, advogada no foro de Montpellier, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado François Prüm, 13 B, avenue Guillaume,

recorrente,

apoiado por

Union syndicale-Bruxelles, representada por Jean-Noël Louis, advogado no foro de Bruxelas, e por Union syndicale-Luxembourg, representada por Gerard Collin e Thierry Demaseure, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 1, rue Glesener,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Sean van Raepenbusch, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto, por um lado, a anulação da decisão de 16 de Março de 1992 da Comissão, que confirma o parecer médico negativo emitido pelo seu serviço médico e que recusa o recrutamento do recorrente para o exercício de funções de administrador e, por outro, a indemnização do dano moral que o recorrente sustenta ter sofrido,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: R. García-Valdecasas, presidente, B. Vesterdorf e J. Biancarelli, juízes,

secretário: H. Jung

vistos os autos e após a audiência de 26 de Janeiro de 1994,

profere o presente

Acórdão

A materia de facto na origem do litígio

1

O recorrente foi aprovado no concurso geral COM/A/696, destinado à constituição de uma lista de reserva de administradores especialistas da cooperação para o desenvolvimento, especificamente no domínio da agricultura das zonas tropicais e subtropicais. Por carta de 5 de Julho de 1991, a Comissão informou o recorrente de que o seu nome tinha sido inscrito na lista de reserva.

2

Em 24 de Outubro de 1991, o recorrente efectuou, no serviço médico da Comissão, o exame médico previsto no primeiro parágrafo do artigo 33.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»).

3

Está assente que, durante esse exame, o recorrente declarou espontaneamente ao mèdico-assistente que era seropositivo e submeteu-se voluntariamente aos testes de despistagem do vírus de imunodeficiência humana (HIV). Aquando do exame, foi acordado que um relatório médico actualizado do mèdico-assistente do recorrente, o Dr. F., seria enviado como complemento de informação aos exames efectuados ou prescritos pelo mèdico-assistente da instituição.

4

Por carta de 28 de Novembro de 1991, o mèdico-assistente da Comissão emitiu um parecer de inaptidão física. Esta carta tem o seguinte teor:

«Em 24.10.1991, efectuou, no serviço médico da CCE, o exame médico de admissão, em conformidade com o disposto no Estatuto dos Funcionários da CEE, na qualidade de candidato a uma função de administrador nas delegações África--Caraíbas-Pacífico (ACP).

Durante esse exame, indicou-me a natureza da afecção de que sofre. Acordámos que um relatório médico actualizado do vosso mèdico-assistente, o Dr. E, me seria enviado como complemento de informação aos exames efectuados no âmbito do vosso exame de admissão.

Recebi, em 25 de Novembro de 1991, o relatório do Dr. F., datado de 14 de Novembro de 1991.

Lamento dever informá-lo de que, com base no exame efectuado no serviço e no relatório do Dr. F., não é possível ao serviço médico emitir um parecer de aptidão física favorável para o exercício das funções para as quais é candidato.

E evidente que esta inaptidão se deve considerar como estando relacionada com a natureza das funções para as quais se candidatou.»

5

O recorrente pediu então o parecer da junta médica referida no segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto.

6

Numa nota dirigida, em 5 de Março de 1992, aos serviços administrativos competentes da Comissão, a junta médica confirmou o parecer emitido pelo médico-assistente, nos seguintes termos:

«Após ter analisado o processo médico para o recrutamento do interessado e os relatórios pertinentes do médico especialista consultado, bem como os relatórios médicos apresentados à junta médica pelo interessado, e após ter ouvido o médico que emitiu o parecer de inaptidão, a junta médica é de parecer que A. não possui as aptidões físicas requeridas para o exercício das suas funções.»

7

Seguidamente, a recorrida notificou a sua decisão ao recorrente, por carta de 16 de Março de 1992. Esta carta está redigida nos seguintes termos:

«Na sequência da vossa carta de 17 de Dezembro de 1991, informo que a junta médica se reuniu, em 5 de Março de 1992, a fim de analisar o parecer médico de inaptidão emitido após o exame médico de 24 de Outubro de 1991.

Lamento informá-lo de que a junta apenas pôde confirmar esse parecer negativo. De onde se conclui que não preenche as condições de aptidão física requeridas para o exercício das funções de administrador na Comissão, nos termos do artigo 28.°, alínea e), do Estatuto.

Por tal razão, a vossa candidatura não pode, infelizmente, ser tomada em consideração.»

8

Por carta de 12 de Junho de 1992, o recorrente apresentou uma reclamação da decisão de 16 de Março de 1992, nos termos do disposto no artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, em apoio da qual invocou, designadamente, as Conclusões 89/C 28/02 do Conselho e dos Ministros da Saúde dos Estados-membros, reunidos em Conselho, de 15 de Dezembro de 1988, relativas à SIDA e ao local de trabalho (JO 1989, C 28, p. 2, a seguir «conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde»), segundo as quais «uma pessoa portadora do HIV que não apresente sintomas patológicos ligados à SIDA deve ser considerada e tratada como um trabalhador normal, apto para o trabalho».

9

Na sua decisão de 9 de Outubro de 1992, comunicada ao recorrente por carta de 16 de Outubro de 1992, a Comissão respondeu, em substância, que a sua decisão de não recrutar o recorrente era conforme aos textos provenientes dos organismos da Comunidade e, designadamente, às conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde, estando o recorrente já atingido pela doença e, no seu caso, excedida a fase da simples seropositividade. Acrescentava ainda que, uma vez que o recorrente se tinha formalmente comprometido a cumprir uma parte substancial das suas funções nas delegações situadas em países em vias de desenvolvimento, as exigências e as condições de ambiente do posto de trabalho provável, bem como a deficiente infra-estrutura médica local, constituíam elementos adicionais a tomar em consideração.

A tramitação processual

10

Foi nestas condições que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 21 de Janeiro de 1993, o recorrente interpôs o presente recurso.

11

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal em 5 de Maio de 1993, a Union syndicale-Bruxelles e a Union syndicale-Luxembourg pediram a sua intervenção nos autos, em apoio dos pedidos do recorrente. Por despacho de 22 de Junho de 1993, o presidente da Terceira Secção admitiu a intervenção. As intervenientes apresentaram alegações de intervenção comuns em 1 de Setembro de 1993. O recorrente não apresentou observações sobre as alegações das intervenientes.

12

A pedido do recorrente, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu que a audiência fosse realizada à porta fechada e o seu nome substituído pela letra A em todas as publicações.

13

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu convidar o recorrente a apresentar o processo médico do exame efectuado pelo Dr. P., do Centro Médico das Empresas com Actividades no Estrangeiro, instalado em Paris, e a confirmar estar de acordo com a apresentação, pela Comissão, do seu processo médico. Tendo o recorrente aceite esse convite, apresentando o processo médico redigido pelo Dr. F. e confirmando o seu acordo relativamente à apresentação do processo médico da Comissão, e tendo esta apresentado esse processo, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução. O Tribunal convidou o recorrente e a recorrida a fazerem-se acompanhar, na audiência, de médicos da sua escolha, habilitados a responder a questões de ordem médica de caracter geral. Na audiência, o recorrente e as intervenientes fizeram-se acompanhar do Dr. W., director clínico adjunto para as doenças infecciosas, no Hospital Saint-Pierre de Bruxelas, e o agente da Comissão, do mèdico-assistente da instituição, o Dr. S.

14

Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 26 de Janeiro de 1994.

Pedidos das partes

15

O recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

1)

anular a decisão da Comissão de 16 de Março de 1992 que recusou tomar em consideração a sua candidatura;

2)

anular a decisão de indeferimento da sua reclamação, proferida em 9 de Outubro de 1992 pela Comissão;

3)

condenar a Comissão a pagar-lhe a quantia de 50000 FF, a título de indemnização pelo dano moral sofrido;

4)

condenar a Comissão nas despesas.

16

A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

1)

negar provimento ao recurso;

2)

decidir nos termos de direito sobre as despesas.

17

As intervenientes concluíram pedindo que o Tribunal se digne:

1)

julgar procedentes os pedidos apresentados pelo recorrente na petição de recurso;

2)

condenar a Comissão nas despesas, incluindo as efectuadas pelas intervenientes.

Quanto aos pedidos de anulação

18

Em apoio dos seus pedidos, o recorrente invoca cinco fundamentos baseados, respectivamente, em violação dos direitos da defesa, insuficiente fundamentação da decisão impugnada, violação do princípio da igualdade, violação do direito ao respeito da vida privada e, finalmente, em erro manifesto de apreciação bem como violação das conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde.

19

As intervenientes invocaram, a acrescer aos fundamentos apresentados pelo recorrente, um fundamento baseado na ilegalidade do segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto. O Tribunal considera que há que analisar, em primeiro lugar, este último fundamento.

Quanto ao fundamento baseado na ilegalidade do artigo 33. °, segundo parágrafo, do Estatuto

20

As intervenientes invocam que a decisão impugnada deve ser anulada na medida em que se funda num parecer médico ferido de ilegalidade, uma vez que este parecer foi emitido com fundamento no disposto no segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto, relativo à composição e ao funcionamento da junta médica, que é, ele próprio, ilegal. As intervenientes sustentam, em primeiro lugar, que o segundo parágrafo do artigo 33.°, na medida em que dispõe que a junta médica será composta por três médicos escolhidos pela entidade competente para proceder a nomeações (a seguir «AIPN»), dentre os médicos-assistentes das instituições, viola os direitos da defesa dos candidatos. No caso em apreço, a violação é tanto mais grave quanto foi o mèdico-assistente, que emitiu o parecer inicial de inaptidão, que indicou à direcção-geral do pessoal e da administração os três médicos que pretendia que fossem designados para a junta médica. Uma junta constituída em semelhantes condições não apresenta quaisquer garantias de imparcialidade ou de independência relativamente às instituições comunitárias, em violação do princípio do respeito dos direitos da defesa do recorrente. Em segundo lugar, as intervenientes invocam que o funcionamento da junta médica, como está previsto no segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto, origina, também ele, uma violação dos direitos da defesa do candidato, na medida em que é na total ignorância do conteúdo do parecer médico de inaptidão que um candidato, recusado na sequência de semelhante parecer, deve ele próprio tomar a iniciativa de pedir à junta médica que examine o seu caso e ouça o seu mèdico-assistente. De onde resultará, na maioria dos casos, que a junta médica se reunirá e decidirá com base em documentos, sem ouvir o candidato ou o seu mèdico-assistente. Em terceiro lugar, as intervenientes sustentam que desconheciam, e continuam a desconhecer, sobre que elementos de apreciação se baseou a junta médica. Elas estão em crer que a junta médica funciona como uma simples instância de confirmação do decidido pelo mèdico-assistente da instituição.

21

A Comissão alega, por um lado, que o fundamento deve ser julgado inadmissível, por não ter sido invocado pelo recorrente nem na reclamação nem na petição de recurso e, por outro, que deve ser julgado improcedente, por não existir qualquer elemento nos autos que indique que a junta médica não examinou o processo organizado na sequência da consulta médica para o recrutamento do recorrente com toda a objectividade e imparcialidade que se impunham.

22

O Tribunal recorda, liminarmente, que, segundo o primeiro parágrafo do artigo 33.° do Estatuto, «antes que se proceda à sua nomeação, o candidato escolhido é submetido a exame médico efectuado por um mèdico-assistente da instituição a fim de permitir a esta verificar se o candidato preenche as condições exigidas na alínea e) do artigo 28.°», e que, nos termos do segundo parágrafo deste artigo, «quando o exame médico, previsto no primeiro parágrafo, tiver dado origem a um parecer médico negativo, o candidato pode pedir, no prazo de vinte dias a contar da notificação que lhe tiver sido feita pela instituição, que o seu caso seja submetido ao parecer de uma junta médica composta por três médicos escolhidos pela entidade competente para proceder a nomeações, dentre os médicos-assistentes das instituições. O médico-assistente que tiver emitido o primeiro parecer negativo é ouvido pela junta médica. O candidato pode submeter à junta médica o parecer de um médico da sua escolha...».

23

Em primeiro lugar, o Tribunal considera que o legislador comunitário, quando incluiu no Estatuto uma disposição que prevê a realização de um exame médico antes de se proceder a qualquer nomeação, não estava obrigado por qualquer norma de direito comunitário de grau superior ou por qualquer outra norma imperativa a instituir um qualquer regime interno de recurso do parecer emitido pelo mèdico-assistente, na sequência desse exame médico. Se, ainda assim, o legislador previu a constituição, nos termos do segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto, de uma junta médica de recurso, fê-lo com o objectivo de criar uma garantia suplementar para os candidatos e, desse modo, melhorar a protecção dos seus direitos.

24

Nestas circunstâncias, o Tribunal considera, em segundo lugar, que uma junta médica constituída por três médicos, da qual não faz parte o mèdico-assistente que emitiu o parecer inicial de inaptidão, escolhidos dentre os médicos-assistentes das instituições, e não apenas dentre os médicos-assistentes da instituição em questão, representa uma efectiva garantia suplementar para os candidatos. O Tribunal considera ainda que a argumentação das intervenientes, de que esses três médicos não seriam nem suficientemente competentes nem suficientemente imparciais, não foi acompanhada de qualquer elemento que permita ajuizar do seu fundamento. Pelo que não pode acolher o argumento das intervenientes de que o segundo parágrafo do artigo 33.°, na medida em que fixa as regras de composição da junta médica, viola o princípio do respeito dos direitos da defesa do recorrente.

25

Em terceiro lugar, o Tribunal considera que resulta claramente do segundo parágrafo do artigo 33.°, já referido, que o candidato pode submeter à junta médica o parecer de um médico da sua escolha. Além disso, resulta dos autos que, no caso em apreço, o serviço médico da Comissão convidou o recorrente a apresentar à junta médica todos os documentos que entendesse úteis assim como a apresentar-se em pessoa ou a fazer-se representar por um médico da sua escolha. De resto, segundo jurisprudência bem firmada, um candidato pode sempre solicitar e conseguir que as razões de um parecer de inaptidão sejam comunicadas a um médico da sua escolha (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 1978, Mollet/Comissão, 75/77, Recueil, p. 897, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, X/Comissão, T-121/89 e T-13/90, Colect., p. II-2195). Esta comunicação pode ser feita antes da convocação da junta médica.

26

No caso em apreço, o Tribunal sublinha que está assente que o recorrente recebeu, por telefone, comunicação das razões do parecer de inaptidão antes mesmo de ter recebido a comunicação, por escrito, do parecer de inaptidão. Nestas circunstâncias, o argumento das intervenientes, de que é na ignorância do conteúdo médico do parecer de inaptidão que os candidatos não admitidos devem tomar a iniciativa de solicitar que o seu caso seja submetido à junta médica, não corresponde à verdade.

27

Quanto a saber em que elementos se apoia a junta médica, resulta, por um lado, do segundo parágrafo do artigo 33.°, já referido, que se deve apoiar no processo médico organizado no seio da instituição, ouvido o mèdico-assistente que emitiu o parecer de inaptidão, assim como, se for o caso, no parecer de um médico escolhido livremente pelo candidato. Por outro lado, como confirmam os presentes autos, a junta médica pode fundar-se numa entrevista com o candidato e/ou o seu mèdico-assistente e em todos os documentos que aquele considere útil apresentar-lhe. De resto, a junta médica pode, caso o considere oportuno, submeter o candidato a novo exame médico, ordenando eventualmente a realização de testes complementares ou solicitando o parecer de outros médicos especialistas. De onde se conclui que a junta médica se encontra em posição de proceder a um reexame completo e imparcial da situação do candidato (v. o acórdão X/Comissão, já referido).

28

Resulta do conjunto das anteriores considerações que o fundamento de ilegalidade do segundo parágrafo do artigo 33.° deve, em todo o caso, ser julgado improcedente, sem ser necessário examinar a sua admissibilidade.

Quanto ao fundamento baseado na violão dos direitos da defesa

29

Na audiência, o recorrente aderiu aos argumentos assentes numa violação dos direitos da defesa invocados pelas intervenientes nas suas alegações. O recorrente e as intervenientes sustentam, a este respeito, que o recorrente não foi suficientemente informado do procedimento previsto no segundo parágrafo do artigo 33.°, já referido, especialmente no que respeita ao carácter definitivo, quanto às apreciações de ordem médica, da decisão da junta médica. Assim, foi em violação dos direitos da defesa que a Comissão se recusou a tomar em conta um relatório médico elaborado em 28 de Setembro de 1992 pelo Dr. F., do qual resultava que a decisão impugnada se funda num parecer médico ferido de erro manifesto de apreciação. As intervenientes acrescentam que foi também em violação dos direitos da defesa que o mèdico-assistente não comunicou ao mèdico-assistente do recorrente nem as conclusões a que chegou no exame médico de admissão nem o resultado desse exame. Assim, não teve possibilidade de preparar a sua defesa.

30

O Tribunal considera que, como sustentou a Comissão, este fundamento não corresponde à realidade dos factos. Com efeito, resulta dos autos, por um lado, que, por carta de 20 de Fevereiro de 1992, o serviço médico da Comissão informou o recorrente de que «poderá apresentar à junta médica todos os documentos (relatórios, radiografias, análises, provas funcionais, etc.) que considere úteis» e de que, «nos termos do artigo 33.° do Estatuto, o mèdico-assistente que emitiu o primeiro parecer negativo será ouvido pela junta médica», podendo o candidato «apresentar à junta médica o parecer de um médico da sua escolha». Resulta também dos autos, por outro lado, que, antes da comunicação, por escrito, do primeiro parecer negativo ao recorrente, o mèdico-assistente tinha informado este último, por telefone, do resultado do exame médico de admissão e das razões do parecer negativo que tinha emitido. De onde resulta que o recorrente foi suficientemente informado do procedimento previsto no artigo 33.°, segundo parágrafo, já referido. O Tribunal sublinha, além disso, que a carta de 20 de Fevereiro de 1922, já referida, chamou expressamente a atenção do recorrente para a possibilidade de apresentar à junta médica o parecer de um médico da sua escolha. Portanto, a acusação, que o recorrente faz à Comissão, de ter recusado tomar em conta o relatório médico preparado pelo seu mèdico-assistente em 28 de Setembro de 1992, ou seja, seis meses após a emissão do parecer médico da junta médica, carece de fundamento. Finalmente, não existe nenhuma norma estatutária que imponha ao mèdico-assistente da instituição comunicar ao mèdico-assistente do interessado, e não a ele próprio, o resultado do exame médico de admissão. Com efeito, se o Tribunal, no seu acórdão X/Comissão, já referido, indicou que o dever de fundamentar uma decisão que afecta interesses deve ser conciliado com as necessidades do segredo médico e que essa conciliação se faz através da faculdade, para o interessado, de solicitar e obter que as razões da inaptidão sejam comunicadas ao médico-assistente da sua escolha, essa faculdade não exclui de modo algum que, caso o considere oportuno e compatível com a deontologia médica, o mèdico-assistente da instituição comunique as razões da inaptidão directamente ao interessado. Em todo o caso, essa decisão do mèdico-assistente da instituição não constituiu, no caso em apreço, uma violação do princípio do respeito dos direitos da defesa, tendo em conta o conhecimento, pelo recorrente, do seu estado de saúde, como resulta do conjunto dos documentos dos autos.

31

Pelo que este fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao fundamento baseado na insuficiente fundamentação da decisão impugnada

32

O recorrente e as intervenientes sustentaram, na audiência, que, em violação do artigo 25.° do Estatuto, nem o parecer médico negativo, emitido em 28 de Novembro de 1991 pelo mèdico-assistente da Comissão, nem o parecer confirmativo, emitido em 5 de Março de 1992 pela junta médica, nem a decisão impugnada, nem a resposta da Comissão de 16 de Outubro de 1992 à reclamação apresentada pelo recorrente contêm uma motivação que permita ao recorrente saber em que razão de ordem médica se funda a decisão impugnada.

33

A Comissão contesta afirmando que o recorrente conhecia perfeitamente a sua situação médica, pois comunicou por sua própria iniciativa a sua seropositividade ao mèdico-assistente da Comissão durante o exame médico de admissão. Acresce ainda que o mèdico-assistente, antes de comunicar, por escrito, o seu parecer médico negativo, tinha informado pessoalmente o recorrente, por telefone, do parecer emitido e das suas razões, o que o recorrente expressamente reconheceu na sua carta de 17 de Dezembro de 1991, enviada à Comissão.

34

O Tribunal recorda, liminarmente, que, segundo jurisprudência constante, a obrigação de fundamentação, inscrita no artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para apreciar a razoabilidade do acto que lhe causa prejuízo e a oportunidade de interpor recurso para o Tribunal e, por outro, permitir a este último exercer o seu controlo (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, Recueil, p. 2861, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Fevereiro de 1992, Volger/Parlamento, T-52/90, Colect., p. II-121).

35

Este dever de fundamentação deve, todavia, segundo jurisprudência constante, «ser conciliado com as necessidades do segredo médico que fazem com que cada médico — salvo circunstâncias excepcionais — deva ajuizar da possibilidade de comunicar às pessoas que trata ou examina a natureza das afecções de que podem estar atingidas. Esta conciliação faz-se através da faculdade de o interessado solicitar e obter que as razões da inaptidão sejam comunicadas ao médico da sua escolha» (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 1977, Moli/Comissão, 121/76, Recueil, p. 1971, e o acórdão X/Comissão, já referido). Acresce ainda que, quanto ao alcance do dever de fundamentação, importa tomar em conta o contexto no qual a decisão foi tomada e o eventual conhecimento desse contexto pelo interessado (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1981, Carbognani e Coda Zabetta/Comissão, 161/80 e 162/80, Recueil, p. 543, e de 23 de Março de 1988, Hecq/Comissão, 19/87, Colect., p. 1681).

36

À luz dos princípios que acabam de ser expostos, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que tanto o parecer médico negativo emitido pelo mèdico-assistente da Comissão como o parecer emitido pela junta médica se limitam a referir, por um lado, os resultados dos exames médicos efectuados e, por outro, o facto de estes resultados se fundarem no exame efectuado no serviço médico da Comissão e no relatório de 14 de Novembro de 1991 do Dr. F. Assim, por si sós, nenhum desses dois pareceres permite, em primeira análise, ao recorrente saber em que elementos mais precisos se fundam.

37

Todavia, o Tribunal verifica, em segundo lugar, à luz do conjunto dos documentos dos autos, que o recorrente tinha, antes mesmo do exame médico de admissão, perfeito conhecimento do seu estado físico e da afecção de que sofria, como resulta, designadamente, do facto de ter, ele próprio e por sua própria iniciativa, informado o mèdico-assistente da Comissão da sua seropositividade durante esse exame médico.

38

Em terceiro lugar, como foi já referido anteriormente (n.° 30), resulta dos autos, e não é contestado pelo recorrente, que o mèdico-assistente da Comissão, antes de lhe comunicar, por escrito, em 28 de Novembro de 1991, o parecer médico negativo que tinha emitido, informou-o, por telefone, do resultado do exame médico e das suas razões. Na audiência, o mèdico-assistente da Comissão afirmou, a este respeito, sem ser contradito pelo recorrente, que tinha, nessa ocasião, informado o recorrente das conclusões de natureza médica e das razões com base nas quais emitiu o seu parecer negativo. Esta afirmação é, de resto, confirmada pela carta de 12 de Dezembro de 1991, enviada pelo próprio recorrente à Comissão e na qual escreve:

«Acuso a recepção da vossa carta de 28 de Novembro de 1991, que me informa da decisão que tomaram na sequência dos resultados do meu exame médico. Agradeço-vos o facto de a terem comunicado previamente por telefone... Para ser franco, creio que a (junta médica) confirmará o vosso parecer...».

39

Finalmente, o Tribunal considera que a resposta da Comissão à reclamação do recorrente contém informações suplementares relativamente às que constavam dos pareceres do mèdico-assistente e da junta médica. Com efeito, expõe-se aí, designadamente, a título de fundamentação da decisão impugnada, que as conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde mencionadas pelo recorrente na sua reclamação «referem a pessoa ‘que não apresente sintomas patológicos ligados à SIDA’, o que — segundo as informações fornecidas pelo serviço médico — não é o caso de A», que, «segundo o serviço médico (respeitando o segredo médico e sem fornecer detalhes sobre o estado de saúde do interessado), o reclamante já sofre da doença», que, «no seu caso, a fase da simples seropositividade já foi ultrapassada», e que «se verificou que A recebe tratamentos específicos para essa sintomatologia, não podendo ser considerado como um portador assintomático».

40

Com base nestes elementos, o Tribunal considera que, nas circunstâncias do caso em apreço, a Comissão respeitou o dever de fundamentação que lhe incumbia, o qual, como já foi anteriormente recordado (n.° 35), devia ser conciliado com as necessidades do segredo médico. Donde se conclui que os direitos da defesa do recorrente não foram violados por insuficiente fundamentação, e que o Tribunal também não foi colocado na impossibilidade de controlar a legalidade da decisão. Portanto, o segundo fundamento deve, em todo o caso, ser julgado improcedente, sem que seja necessário julgar da sua admissibilidade.

Quanto ao fundamento baseado na violão do principio da igualdade

41

O recorrente e as intervenientes alegam que o facto de o recorrente ter declarado espontaneamente a sua seropositividade originou, nas circunstâncias do caso concreto, uma desigualdade de tratamento, em seu detrimento, relativamente aos candidatos que não revelam a sua seropositividade. Esta desigualdade de tratamento e esta discriminação resultam, segundo o recorrente, da impossibilidade para os serviços médicos de imporem aos candidatos um teste de despistagem do HIV, o que implica que a descoberta da eventual seropositividade dessas pessoas depende exclusivamente da sua boa fé e reveste, portanto, um caracter aleatório, perfeitamente discriminatório.

42

Segundo jurisprudência constante, há violação do princípio da igualdade de tratamento quando a duas categorias de pessoas, cujas situações factuais e jurídicas não apresentam diferenças essenciais, é dado um tratamento diferente ou quando situações diferentes sejam tratadas de forma idêntica (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 1991, Tagaras/Tribunal de Justiça, T-18/89 e T-24/89, Colect., p. II-53).

43

O Tribunal verifica que, no caso em apreço, a situação do recorrente, como foi descrita no n.° 3 anterior, não é de modo algum comparável à de um outro candidato que não tenha procedido a semelhante declaração espontânea durante o exame médico de admissão. Nas circunstâncias, e ainda que o recorrente tivesse declarado ser seropositivo, era dever do mèdico-assistente, e seguidamente da junta médica, examinar, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 28.°, alínea e), e 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, se o recorrente preenchia as condições de aptidão física requeridas. A esta consideração acresce que uma declaração feita espontaneamente por um candidato durante o exame médico de admissão, de que sofre de determinada doença, não pode ter por consequência deixar o médico-assistente de poder examinar posteriormente essa circunstância. A ser assim, o exame médico, que deve necessariamente, em certa medida, fundar-se nas declarações do candidato, perderia qualquer utilidade.

44

Resulta do anteriormente exposto que o fundamento deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário decidir da sua admissibilidade.

Quanto ao fundamento baseado na violação do direito ao respeito da vida privada do artigo 8. ° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

45

O recorrente sustenta que a decisão de não o prover num lugar correspondente às funções para as quais foi aprovado em concurso, devido às indicações que espontaneamente forneceu ao serviço médico sobre o seu estado de saúde e que de modo algum estava obrigado a fornecer, constitui uma violação evidente do direito que qualquer pessoa tem de gerir a sua saúde, e mesmo a sua vida, e de eventualmente correr os riscos inerentes à satisfação das suas profundas aspirações, tanto profissionais como pessoais.

46

As intervenientes referem que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1991, Comissão/Gill (C-185/90P, Colect., p. I-4779), que o exame médico de admissão é efectuado no interesse exclusivo da instituição. Portanto, segundo as intervenientes, foi instituído, na realidade, para preservar o equilíbrio orçamental da instituição em questão, a fim de evitar que ela deva suportar, num prazo mais ou menos curto, despesas importantes. Ora, semelhante objectivo não é conciliável com o direito ao respeito da vida privada, como resulta do artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «convenção»). As intervenientes acrescentam que o simples facto de ter procedido, no caso concreto, a um teste de despistagem do HIV constitui, por si só, uma violação do direito do respeito da vida privada, uma vez que este teste é perfeitamente inútil e supérfluo, tendo o recorrente declarado já ser seropositivo.

47

O Tribunal recorda, liminarmente, que, nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da convenção, «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência».

48

Como o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT (C-260/89, Colect., p. I-2925), «os direitos fundamentais fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Para este efeito, o Tribunal de Justiça inspira-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais para a protecção dos direitos do homem com os quais os Estados-membros cooperam ou a que aderem (ver, nomeadamente, o acórdão de 14 de Maio de 1974, Nold, n.° 13, 4/73, Recueil, p. 491). A Convenção Europeia dos Direitos do Homem reveste-se, a este respeito, de um significado particular (ver, nomeadamente, o acórdão de 15 de Maio de 1986, Johnston, n.° 18,222/84, Colect., p. 1651). Daqui decorre que, como foi afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de Julho de 1989, Wachauf, n.° 19 (5/88, Colect., p. 2609), não podem ser admitidas na Comunidade medidas incompatíveis com o respeito dos direitos do homem reconhecidos e garantidos por esta forma».

49

Por outro lado, nos termos do artigo F, n.° 2, do Tratado da União Europeia, entrado em vigor em 1 de Novembro de 1993, «a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

50

O Tribunal considera, em primeiro lugar, que a exigência, imposta pelo artigo 33.° do Estatuto, já referido, de um exame médico prévio ao recrutamento de qualquer funcionário comunitário não é de modo algum contrária ao princípio fundamental do respeito da vida privada estipulado no artigo 8.° da convenção. Com efeito, por um lado, esse exame médico tem por finalidade permitir à instituição não proceder à nomeação de um candidato inapto para as funções previstas, ou recrutá-lo para funções compatíveis com o seu estado de saúde. Este objectivo é perfeitamente legítimo no âmbito de qualquer regime de funcionalismo público e corresponde tanto ao interesse das instituições como ao dos funcionários comunitários. Por outro lado, o Tribunal salienta que a exigência de um exame médico prévio ao recrutamento dos funcionários é um requisito comum à maior parte das ordens jurídicas dos Estados-membros. Nestas circunstâncias, o próprio princípio de um exame médico de admissão não pode ser considerado contrário ao princípio do direito ao respeito da vida privada. Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de o parecer negativo emitido aquando do exame ter tido parcialmente por base declarações espontâneas prestadas pelo candidato a um lugar na função pública comunitária.

51

Era segundo lugar, o Tribunal considera que semelhante exame médico, previo ao recrutamento, deve, sob pena de ser perfeitamente inútil, comportar necessariamente um exame clínico e, eventualmente, os testes biológicos complementares considerados necessários pelo mèdico-assistente. No caso em apreço, o Tribunal realça que o recorrente declarou espontaneamente ser seropositivo e que está assente que aceitou ser submetido a um teste de despistagem do HIV. Portanto, o argumento das intervenientes, de que esse teste de despistagem era inútil e superfluo, não tem qualquer apoio, e o Tribunal, não podendo senão verificar que esse teste foi considerado necessário ou, pelo menos, útil, pelo mèdico-assistente, não pode criticar, no âmbito da sua fiscalização de legalidade, semelhante apreciação de ordem puramente médica.

Quanto ao fundamento baseado num erro manifesto de apreciação e na violação das conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde dos Estados-membros, reunidos em Conselho, de 15 de Dezembro de 1988, revivas à SIDA

Argumentos das partes

52

O recorrente e as intervenientes invocam, em primeiro lugar, que a decisão impugnada enferma de erro manifesto de apreciação, na medida em que se baseia em apreciações erradas efectuadas pelo serviço médico, segundo as quais o recorrente está já atingido pela doença e, no seu caso, a fase da simples seropositividade já foi ultrapassada. Estas constatações são contrariadas, por um lado, pelas verificações médicas efectuadas pelo mèdico-assistente da Comissão, aquando do exame médico de admissão, durante o qual este não constatou qualquer afecção especial e, por outro, pela afirmação, contida no relatório médico redigido em 14 de Novembro de 1991 pelo mèdico-assistente do recorrente, o Dr. F., especialista na matéria, segundo o qual o estado clínico e o estatuto imunológico do recorrente eram satisfatórios. Segundo o recorrente, é significativo que a sua «taxa de T4» não tenha, em nenhuma ocasião, descido abaixo do limite que é considerado como constituindo o da declaração da doença. O recorrente sublinha que cada um dos balanços periodicamente efectuados pelo Dr. F. permitiam a esse médico concluir que os resultados do exame clínico se mantinham nos limites da normalidade.

53

Seguidamente, o recorrente refere que as apreciações feitas pela Comissão quanto à inadaptação das condições de ambiente e à insuficiência das infra-estruturas médicas nos países em vias de desenvolvimento, tendo em conta a sua seropositividade, são desmentidas não só pelas apreciações médicas apresentadas na audiência mas também pela sua actividade profissional actual. Explica, a este respeito, que exerce presentemente, desde Março de 1991, uma actividade de investigador ao serviço do Centro de Cooperação Internacional, em investigação agronómica para o desenvolvimento e, a este título, é, desde Janeiro de 1992, o responsável de um projecto agrícola de desenvolvimento situado no México, em Xalapa. Em seu entender, trata-se de funções perfeitamente similares às propostas no âmbito do lugar de administrador especializado ao serviço da Comissão. Sublinha, neste contexto, que, antes de ter partido para o México, foi submetido a um exame no Centro Médico das Empresas com Actividades no Estrangeiro, tendo, no se seguimento, o Dr. P. emitido, em 27 de Janeiro de 1992, uma decisão favorável à sua partida para o México, uma vez que se previa a sua vinda periódica a Montpellier. O recorrente considera que esta decisão é equiparável a um parecer de aptidão física a seu favor. Argumenta ainda que a justeza desse parecer de aptidão é confirmada pela sua própria experiência, na medida em que exerce, desde há já um certo tempo, a sua actividade profissional num país em vias de desenvolvimento. Com base nesta experiência, conclui que a sua seropositividade é perfeitamente compatível com as suas funções de investigador em países em vias de desenvolvimento que apenas dispõem de uma infra-estrutura médica limitada.

54

O recorrente e as intervenientes sustentam ainda que, dado que está provado que não foi ultrapassada a fase da simples seropositividade, no caso do recorrente, e que não apresenta sintomas patológicos relacionados com a SIDA, a Comissão violou as conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde, pois deveria ter sido tratado como um «trabalhador normal, apto para o trabalho» e não ser afastado por inaptidão física.

55

As intervenientes alegam ainda que, tanto quanto sabem, nem o mèdico-assistente da Comissão nem os médicos reunidos na junta médica possuíam títulos ou experiência específica que provassem a sua competência no domínio das doenças infecciosas e, mais especificamente, no dos problemas relacionados com as deficiências imunitárias resultantes da infecção pelo HIV.

56

A Comissão responde que o fundamento invocado pelo recorrente se traduz em pôr em causa a apreciação especificamente médica efectuada sucessivamente pelo medico-assistente da instituição e pela junta médica de recurso. A este respeito, recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância sobre o alcance do controlo jurisdicional exercido sobre a legalidade de uma recusa de recrutamento com fundamento numa inaptidão física. O parecer médico, que foi emitido com base nos resultados do exame clínico e do relatório médico do Dr. F., estabelece um nexo compreensível entre as verificações médicas que contém e a conclusão de inaptidão a que chega, não podendo, por conseguinte, ser considerado como enfermando de erro manifesto de apreciação. Segundo a Comissão, o relatório de 14 de Novembro de 1991, elaborado pelo mèdico-assistente do recorrente, o Dr. F., refere, com efeito, uma alteração imunitária, uma quebra da «taxa de T4», associada a uma sintomatologia que faz parte das manifestações clínicas habituais de uma infecção pelo HIV, ou seja, uma leucoplasia cabeluda da língua e uma candidíase bucal. A própria existência destas infecções permite, segundo a recorrida, afirmar que o recorrente tinha, aquando do exame médico de admissão, ultrapassado a fase da seropositividade assintomática e entrado numa fase evolutiva avançada da doença. O relatório médico elaborado, ex post, em 28 de Setembro de 1992, pelo mesmo Dr. F., e que revela a existência de um estado clínico satisfatório do recorrente e uma melhoria do seu estatuto imunitário, não é de natureza a comprovar a existência de um erro manifesto de apreciação do médico-assistente da instituição, tendo em conta os dados médicos na sua posse aquando do exame a que procedeu.

57

A este respeito, a Comissão acrescenta que as funções a desempenhar no domínio da agricultura das zonas tropicais e subtropicais destinam-se a ser exercidas em «países de risco», tendo em conta os perigos de infecções e a falta de infra-estruturas de acompanhamento médico apropriadas. Esta é uma circunstância importante que o mèdico-assistente terá correctamente tomado em consideração, como resulta do parecer de inaptidão.

58

Finalmente, a Comissão afirma que a prática que geralmente segue e que seguiu no caso em apreço corresponde exactamente à posição adoptada nas conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde. Com efeito, o serviço médico verificou que o recorrente apresentava sintomas patológicos ligados à SIDA, pelo que não beneficiava das referidas conclusões.

Apreciação do Tribunal

59

O Tribunal recorda que resulta das conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde que uma «pessoa portadora do HIV que não apresente sintomas patológicos ligados à SIDA deve ser considerada e tratada como um trabalhador normal, apto para o trabalho».

60

Resulta tanto das peças processuais apresentadas pela Comissão como das suas alegações na audiência que esta se considera vinculada pelas referidas conclusões. Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que estas conclusões, não podendo embora ser vistas como disposições estatutárias ou regulamentares, devem, todavia, ser consideradas como regras de conduta indicativas que a administração se impõe a si mesma e das quais não se pode, eventualmente, afastar sem indicar as razões que a levam a isso, sob pena de violar o princípio da igualdade de tratamento (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 1991, Ferreira de Freitas/Comissão, T-2/90, Colect., p. II-103).

61

Seguidamente, há que recordar, no que respeita à extensão da fiscalização jurisdicional exercida sobre a legalidade de uma recusa de recrutamento motivada por inaptidão física, que é jurisprudência constante que o juiz comunitário não pode sobrepor a sua própria apreciação a um parecer do foro especificamente médico. Todavia, cabe ao Tribunal de Primeira Instância, no âmbito da sua fiscalização jurisdicional, verificar se o processo de recrutamento decorreu dentro da legalidade e, mais especificamente, examinar se a decisão da AIPN, que recusou o recrutamento de um candidato em virtude de uma inaptidão física, assenta num parecer médico fundamentado que estabelece um nexo compreensível entre as verificações médicas que contém e a conclusão de inaptidão a que chega (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1984, Seiler/Conselho, 189/82, Recueil, p. 229, e o acórdão X/Comissão, já referido).

62

Finalmente, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, é possível, para o mèdico-assistente de uma instituição, basear o seu parecer de inaptidão não só na existência de perturbações físicas ou psíquicas actuais mas também num prognóstico, fundado do ponto de vista médico, de perturbações futuras, susceptíveis de pôr em causa, num futuro previsível, o desempenho normal das funções consideradas (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1980, M./Comissão, 155/78, Recueil, p. 1797, e o acórdão X/Comissão, já referido).

63

Assim, incumbe ao Tribunal, por um lado, verificar se, no caso em apreço, existe um nexo compreensível entre as verificações médicas efectuadas pelo serviço médico da instituição e a conclusão que delas tira a AIPN na decisão impugnada e, por outro, examinar se as conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde foram respeitadas no caso em apreço.

64

Quanto à existência de um nexo compreensível entre as verificações médicas feitas por ocasião do exame médico de admissão e a conclusão relativa à inaptidão física do recorrente, o Tribunal considera, por um lado, que resulta do processo médico apresentado pela Comissão, que inclui o exame clínico e biológico efectuado pelo mèdico-assistente e o relatório médico elaborado em 14 de Novembro de 1991 pelo mèdico-assistente do recorrente, o Dr. F., que o exame médico revelou, no recorrente, a existência de uma leucoplasia cabeluda persistente, de uma candidiase bucal provável, de uma subpopulação de T4 de 293/mm3 (valor normal 675-1575) e de uma relação T4/T8 de 0,6 (valor normal I-3), e, por outro lado, que resulta das respostas fornecidas pelos dois médicos presentes na audiência que uma pessoa portadora do HIV que apresente semelhantes sintomas é classificada no grupo IV (sintomática), subgrupo C2 (infecções associadas), segundo a classificação das diferentes fases da evolução para a doença da SIDA, utilizada à data dos exames médicos em questão pelo conjunto da comunidade científica, como admitiram os dois médicos presentes na audiência.

65

Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que não está provado que o parecer médico emitido pelo mèdico-assistente e confirmado pela junta médica enferme de um erro manifesto de apreciação. Pelo contrário, o Tribunal considera que, como sustentou a Comissão, existe efectivamente, no caso em apreço, um nexo compreensível entre as verificações médicas que comporta o parecer e a conclusão a que este chega no que respeita à inaptidão física do recorrente para exercer as funções para as quais se candidatou, e isto tanto mais quanto essas funções deveriam ser exercidas em países em vias de desenvolvimento, onde os riscos de infecções, como admitiram o recorrente e as intervenientes, na audiência, são mais elevados do que no território europeu.

66

Quanto ao argumento do recorrente, de que o parecer de inaptidão revela um erro manifesto de apreciação na medida em que é contrário à conclusão a que chegou o Dr. F. no seu relatório de 14 de Novembro de 1991, relatório do qual resulta que o estado clínico e o estatuto imunológico do recorrente eram satisfatórios, o Tribunal considera, ao 1er este relatório, que a conclusão do Dr. F. só pode ser razoavelmente interpretada no sentido de que é face às características específicas do caso do recorrente que o seu estado podia ser considerado como satisfatório. Assim, esta conclusão não é de modo algum contraditória relativamente à conclusão a que chegou o mèdico-assistente da Comissão e que foi confirmada pela junta médica de recurso. Portanto, este argumento do recorrente não pode ser acolhido.

67

Quanto ao argumento do recorrente, de que trabalhou, durante um certo período de tempo, no México, sem o mínimo problema físico, basta considerar, por um lado, que o México não faz parte do grupo de países dito «ACP» (África-Caraíbas--Pacífico), nos quais seriam exercidas as funções para as quais o recorrente era candidato, e, por outro, que, como reconheceram os dois médicos presentes na audiência, a infra-estrutura médica existente no México não é, de um modo geral, comparável com aquela, mais rudimentar, que existe nos países ACP.

68

Quanto ao argumento das intervenientes relativo às competências do médico-assistente da Comissão e dos médicos membros da junta médica, basta considerar que, no âmbito da fiscalização jurisdicional que exerce sobre os pareceres de inaptidão física, não cabe ao juiz comunitário ajuizar da competência científica dos médicos que emitiram semelhante parecer. Há ainda, e em todo o caso, que referir que a Comissão explicou, por um lado, que o mèdico-assistente seguiu vários cursos de formação e assistiu a vários congressos relativos à SIDA, que é licenciado pelo Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia e que exerceu, durante seis anos, a sua profissão no território de um país da África Central e, por outro, que o mèdico-assistente e a junta médica, como resulta dos pareceres que emitiram, se fundaram designadamente no relatório médico elaborado em 14 de Novembro de 1991 pelo Dr. F., especialista reconhecido na matéria.

69

Finalmente, no que respeita à alegada violação das conclusões do Conselho e dos ministros da Saúde, o Tribunal considera que o recorrente, fazendo parte, à época dos factos em apreço, do grupo IV (sintomática), subgrupo C2 (infecções associadas), segundo a classificação das diferentes fases da evolução para a SIDA aplicável nessa data, não estava abrangido por essas conclusões, que apenas visam, como já anteriormente foi referido, as pessoas que não apresentem sintomas patológicos ligados à SIDA, o que não é o caso do recorrente. Donde se conclui que a Comissão não violou as referidas conclusões.

70

Resulta das considerações precedentes que o fundamento não pode ser acolhido e que, por conseguinte, os pedidos de anulação devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao pedido de indemnização

71

O recorrente alega que a Comissão está obrigada a reparar o dano moral que sofreu devido à falta de serviço que cometeu e que consistiu numa apreciação errada da sua aptidão física e numa violação caracterizada de determinados princípios gerais de direito comunitário e dos direitos fundamentais.

72

O Tribunal recorda que o exame dos fundamentos apresentados em apoio dos seus pedidos de anulação não revelou qualquer violação, por parte da Comissão, dos direitos do recorrente, como também não revelou qualquer erro manifesto de apreciação, pelo que não se provou que a Comissão tivesse cometido uma falta de natureza a implicar a sua responsabilidade. Nestas circunstâncias, o pedido de indemnização deve também ser julgado improcedente.

73

Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

74

Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Todavia, segundo o disposto no artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. Portanto, há que decidir que cada uma das partes, incluindo as intervenientes, suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

 

1)

E negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

García-Valdecasas

Vesterdorf

Biancarelli

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Abril de 1994.

O secretário

H. Jung

O presidente

R. García-Valdecasas


( *1 ) Língua do processo: francês.