Acórdão do Tribunal de 14 de Dezembro de 1995. - Processo-crime contra Giorgio Domingo Banchero. - Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Genova - Itália. - Artigos 5.º, 30.º, 37.º, 85.º, 86.º, 90.º, 92.º e 95.º do Tratado CEE. - Processo C-387/93.
Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-04663
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Questões prejudiciais ° Recurso ao Tribunal de Justiça ° Necessidade de uma decisão prejudicial e pertinência das questões suscitadas ° Apreciação pelo juiz nacional ° Questões colocadas sem precisão quanto ao contexto factual
(Tratado CEE, artigo 177. )
2. Monopólios nacionais de natureza comercial ° Artigo 37. do Tratado ° Âmbito de aplicação ° Sistema nacional de distribuição dos tabacos manufacturados
(Tratado CEE, artigo 37. )
3. Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Sistema nacional de distribuição dos tabacos manufacturados regulamentando de modo não discriminatório as modalidades de venda a retalho ° Inaplicabilidade do artigo 30. do Tratado
(Tratado CEE, artigo 30. )
4. Concorrência ° Empresas públicas e empresas a que os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos ° Sistema nacional de distribuição dos tabacos manufacturados ° Concessão aos retalhistas de autorizações de exploração confiada a uma empresa com direitos exclusivos ° Posição dominante ° Inexistência de exploração abusiva ° Admissibilidade
(Tratado CEE, artigos 5. , 86. e 90. , n. 1)
5. Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Sistema nacional de distribuição dos tabacos manufacturados ° Regime de sanção da posse de produtos obtidos fora do circuito autorizado e sem pagamento do imposto específico ° Inaplicabilidade do direito comunitário
(Tratado CEE, artigo 30. )
1. Compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada processo, quer a necessidade de uma decisão prejudicial para ficar em condições de proferir o seu julgamento quer a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. No entanto, não é possível responder a questões ou partes de questões relacionadas com a interpretação de disposições acerca das quais o órgão jurisdicional de reenvio não explica as hipóteses factuais do litígio que o levariam a aplicá-las e relativamente às quais o Tribunal de Justiça não está portanto em condições de fornecer uma interpretação útil.
2. O artigo 37. do Tratado é irrelevante face a uma legislação nacional que reserva a venda a retalho dos tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos, desde que estes não intervenham na gestão dos locais de venda de tabaco de modo a controlar ou a influenciar as escolhas de abastecimento dos retalhistas, quer para assegurar um escoamento aos tabacos produzidos pelo monopólio nacional de tabacos, quer para favorecer ou desencorajar determinadas correntes de importação provenientes de outros Estados-Membros. Com efeito, não são abrangidas por este artigo disposições nacionais que não dizem respeito ao exercício, por um monopólio público, do seu direito de exclusividade, mas visam, de modo geral, a produção e a comercialização de mercadorias, quer estas sejam ou não abrangidas pelo monopólio em causa.
3. Uma legislação nacional que reserva a venda a retalho de tabacos manufacturados independentemente da sua proveniência a distribuidores autorizados, mas não entrava por este facto o acesso ao mercado nacional de produtos provenientes de outros Estados-Membros ou não perturba mais esse acesso à rede de distribuição do que o dos produtos nacionais, não cai no âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado, na medida em que não diz respeito às características dos produtos, tendo unicamente a ver com as modalidades de venda a retalho, e em que a obrigação de procederem à distribuição através dos retalhistas autorizados se aplica sem distinção em razão da origem do produto em questão e não afecta a comercialização dos produtos provenientes de outros Estados-Membros de modo diferente da dos produtos nacionais.
4. Os artigos 5. , 90. e 86. do Tratado não se opõem a que uma legislação nacional reserve a venda a retalho de tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos, na medida em que a empresa que possui os direitos exclusivos que concede as autorizações de exploração aos retalhistas não explora abusivamente, em detrimento nomeadamente dos consumidores, a posição dominante que pode deter no mercado da distribuição dos produtos em causa. Com efeito, o simples facto de um Estado-Membro criar uma posição dominante através da concessão de um direito exclusivo na acepção do artigo 90. , n. 1, do Tratado, não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 86. As proibições contidas nestas duas disposições apenas são violadas se a empresa em causa for levada, pelo simples exercício do direito exclusivo que lhe foi atribuído, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo.
No que respeita, por outro lado, aos retalhistas autorizados, não se pode considerar que os mesmos sejam empresas titulares dos direitos referidos no artigo 90. , n. 1, nem a fortiori considerar que a legislação em causa estabelece em seu favor uma justaposição de monopólios territorialmente limitados criando no território nacional uma posição dominante na acepção do artigo 86. do Tratado, uma vez que estes retalhistas satisfazem concorrentemente as necessidades dos consumidores sem disporem de vantagens particulares uns em relação aos outros.
5. O artigo 30. do Tratado não se opõe a que uma legislação nacional puna como crime de contrabando a posse ilegal, por um consumidor, de tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-Membros e relativamente aos quais não tenha sido pago o imposto específico conforme ao direito comunitário, quando a venda a retalho desses produtos é, como a dos produtos nacionais do mesmo tipo, reservada a distribuidores autorizados pelos poderes públicos.
Com efeito, a severidade destas sanções escapa a qualquer apreciação em direito comunitário, na medida em que não entravam de modo algum a importação de tabacos manufacturados de outros Estados-Membros, destinando-se apenas a dissuadir o consumidor de comprar tabacos, relativamente aos quais não foram pagas as imposições já referidas, através de revendedores não autorizados que actuam eles próprios em infracção à legislação em causa.
No processo C-387/93,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela Pretura circondariale di Genova (Itália), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra
Giorgio Domingo Banchero,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5. , 30. , 37. , 85. , 86. , 90. , 92. e 95. do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet (relator) e G. Hirsch, presidentes de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J. L. Murray e P. Jann, juízes,
advogado-geral: M. B. Elmer,
secretário: L. Hewlett, administradora,
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação de G. D. Banchero, por Giuseppe Conte e Giuseppe Michele Giacomini, advogados no foro de Génova,
° em representação do Governo espanhol, por Alberto José Navarro González, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária, e Miguel Bravo-Ferrer Delgado, abogado del Estado, na qualidade de agentes,
° em representação do Governo francês, por Catherine de Salins, subdirectora, e Jean-Marc Belorgey, encarregado de missão, na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes,
° em representação das Comissão das Comunidades Europeias, por Enrico Traversa e Anders Christian Jessen, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de G. D. Banchero, representado pelos advogados Giuseppe Conte e Giuseppe Michele Giacomini, do Governo espanhol, representado por Miguel Bravo-Ferrer Delgado, do Governo francês, representado por Jean-Marc Belorgey, do Governo italiano, representado por Ivo-Maria Braguglia, avvocato dello Stato, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por Enrico Traversa, na audiência de 5 de Abril de 1995,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Junho de 1995,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 30 de Julho de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de Agosto seguinte, a Pretura circondariale di Genova colocou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 5. , 30. , 37. , 85. , 86. , 90. , 92. e 95. do Tratado CEE.
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um procedimento criminal intentado pelas autoridades italianas contra G. D. Banchero por posse ilegal de tabacos manufacturados de origem estrangeira.
3 Resulta dos autos que, após a entrada em vigor da Lei n. 724, de 10 de Dezembro de 1975, que estabelece disposições relativas à importação e à comercialização de tabacos manufacturados e alterações às regras relativas ao contrabando de tabacos estrangeiros, que modificou o artigo 341. do "Testo unico delle disposizioni legislative in materia doganale", adoptado pelo Decreto n. 43 do presidente da República, de 23 de Janeiro de 1973, os crimes de contrabando tendo por objecto tabacos de origem estrangeira estão exclusivamente sujeitos às disposições penais da legislação aduaneira italiana fixadas por este diploma.
4 Por força do segundo parágrafo do artigo 25. do referido diploma, o possuidor de mercadorias estrangeiras sujeitas a um direito aduaneiro deve demonstrar a proveniência legítima das mesmas. Quando se recuse a tal ou não esteja em condições de o fazer, ou quando as provas que fornece não sejam admissíveis, presume-se culpado de contrabando, a menos que se encontre na posse da mercadoria na sequência de outro crime que tenha eventualmente cometido.
5 O artigo 282. , alínea f), do Decreto n. 43, já referido, prevê que será punido com multa, não inferior a duas vezes e não superior a dez vezes o montante dos direitos aduaneiros, quem possua mercadorias estrangeiras quando estejam reunidas as condições, que, de acordo com o segundo parágrafo do artigo 25. , constituem crime de contrabando. O artigo 301. do Decreto n. 43 dispõe ainda que, nos casos de contrabando, deve ser sempre ordenado o confisco do objecto do crime. Por último, os artigos 295. e 296. do mesmo diploma prevêem penas de prisão no caso de circunstâncias agravantes (três a cinco anos) ou em caso de reincidência (até um ano).
6 Do despacho de reenvio resulta que G. D. Banchero é arguido num auto de notícia por posse de pacotes de cigarros que representam 2,320 kg de tabaco manufacturado, proveniente de outros Estados-Membros, que não tinham a marca do Estado italiano comprovativa do pagamento dos direitos aduaneiros e cuja proveniência legal G. D. Banchero não pôde demonstrar. O despacho precisa, por outro lado, que G. D. Banchero é acusado de não pagamento da "sobretaxa de fronteira" cujo montante é igual ao imposto específico que onera os produtos nacionais.
7 G. D. Banchero foi igualmente acusado de não pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, mas o despacho de reenvio indica que quanto a esta infracção não foi pronunciado. G. D. Banchero continua acusado do crime de contrabando previsto nos artigos 282. , alínea f), e 341. do Decreto n. 43 do presidente da República.
8 Perante o juiz nacional, G. D. Banchero contestou a compatibilidade com o direito comunitário do monopólio italiano dos tabacos manufacturados e de algumas disposições aplicáveis à importação de tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-Membros.
9 Por despacho de 14 de Março de 1992, o Pretore di Genova suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 177. do Tratado, questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 5. , 30. , 37. , 85. , 86. , 90. , 92. e 95. do Tratado e dos artigos 2. , 4. , n. 1, e 6. , n. 2, da Directiva 72/464/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (JO L 303, p. 1; EE 09 F1 p. 39).
10 Por despacho de 19 de Março de 1993 (C-157/92, Colect., p. I-1085), o Tribunal de Justiça declarou inadmissível o pedido de decisão prejudicial, porque as indicações do despacho de reenvio, devido à sua referência muito imprecisa às situações de direito e de facto mencionadas pelo juiz nacional, não lhe permitiam dar uma interpretação útil do direito comunitário.
11 Nessas condições, o Pretore di Genova, ao abrigo do artigo 177. do Tratado, dirigiu-se novamente ao Tribunal de Justiça e colocou as questões prejudiciais seguintes:
"Questão I
As disposições conjugadas dos artigos 5. , 30. , 37. , 85. , 86. , 90. , 92. e 95. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia são compatíveis com a natureza e as características normativas de um monopólio nacional como o resultante, incluindo ao nível das suas modalidades práticas, da legislação em vigor no Estado italiano para o sector dos tabacos, em especial no que diz respeito às questões da exclusividade de produção, de comercialização, de venda e de distribuição em geral, atribuída ao monopólio nacional através de um mecanismo já de si susceptível de criar discriminações na acepção do artigo 37. do Tratado, de permitir escolhas preferenciais configuráveis como 'medidas de efeito equivalente' na acepção do artigo 30. do Tratado e um abuso de posição dominante em violação do disposto nos artigos 86. e 90. do Tratado?
Mais concretamente:
O artigo 30. do Tratado CEE é compatível com uma regulamentação nacional que reserva a distribuição a retalho de tabacos manufacturados estrangeiros a uma empresa detentora de um monopólio de venda de tais produtos, de modo que o único circuito de comercialização de tabacos estrangeiros é exclusivamente constituído pelos revendedores autorizados pelo referido monopólio? E, caso se reconheça a incompatibilidade de tal situação, essa regulamentação nacional constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação contrária ao artigo 30. do Tratado CEE?
Questão II
O artigo 30. do Tratado CEE, à luz da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, é compatível com uma legislação nacional que pune a evasão ao imposto sobre o consumo que incide sobre os tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-membros, sejam quais forem as quantidades, com uma sanção excessiva relativamente à gravidade da infracção, ao prever em qualquer situação e mesmo na hipótese de quantidades de tabaco mínimas a aplicação de uma sanção penal ou o confisco da mercadoria? Caso seja declarada a incompatibilidade, esta norma nacional constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação contrária ao artigo 30. do Tratado CEE?
Questão III
O artigo 90. , n. 1, conjugado com o artigo 86. , segundo parágrafo, alínea b), do Tratado CEE, é compatível com uma regulamentação nacional que reserva a distribuição a retalho dos tabacos manufacturados, incluindo os provenientes de outros Estados-membros, a uma empresa detentora de um monopólio de venda de tais produtos, mesmo no caso de esta empresa não estar em condições de satisfazer a procura daquele produto no mercado e, portanto, de a reserva criar uma limitação à livre circulação das mercadorias comunitárias e um abuso de posição dominante da empresa que detém o monopólio?"
Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais
12 Na audiência, o Governo italiano sustentou que as primeira e terceira questões eram inadmissíveis porque não era necessária para a solução do litígio uma resposta do Tribunal de Justiça às mesmas.
13 Esta observação não pode ser acolhida.
14 Com efeito, importa observar que, no entendimento do Pretore di Genova, as disposições infringidas por G. D. Banchero visam também a protecção do monopólio nacional dos tabacos manufacturados. O Pretore di Genova acrescenta que, se o monopólio nacional for incompatível com as disposições do direito comunitário por ele mencionadas, e mais especialmente com os artigos 30. e 90. do Tratado, tal terá repercussões quanto ao procedimento criminal intentado contra G. D. Banchero.
15 Ora, de acordo com jurisprudência constante, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada processo, quer a necessidade de uma decisão prejudicial para ficar em condições de proferir o seu julgamento quer a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 2 de Junho de 1994, AC-ATEL Electronics Vertriebs, C-30/93, Colect., p. I-2305, n. 18).
16 Nas suas observações escritas, a Comissão e o Governo espanhol alegam ainda que o órgão jurisdicional de reenvio se refere aos artigos 5. , 85. , 92. e 95. do Tratado sem fornecer qualquer precisão nem mesmo explicar as hipóteses factuais sobre as quais se interroga.
17 O artigo 5. impõe aos Estados-Membros o cumprimento leal das suas obrigações comunitárias. Todavia, de acordo com jurisprudência constante, não é possível aplicar esta disposição de forma autónoma quando a situação em causa se rege por uma disposição específica do Tratado, como sucede no caso presente (v., acórdão de 11 de Março de 1992, Compagnie commerciale de l' Ouest e o., C-78/90 a C-83/90, Colect., p. I-1847, n. 19). Por conseguinte, as questões colocadas, na medida em que dizem respeito a várias disposições conjugadas do Tratado entre as quais figura o artigo 5. , só exigem um exame, quanto a este último artigo, em relação com as disposições específicas que tornam necessária uma resposta do Tribunal de Justiça e, designadamente, tendo em conta os elementos dos autos, com os artigos 90. e 86.
18 Quanto aos artigos 85. e 92. , o Pretore não explica as hipóteses factuais do litígio que o levam a interrogar-se sobre a existência de acordos entre empresas ou de práticas concertadas na acepção do artigo 85. , ou ainda sobre a existência de auxílios na acepção do artigo 92.
19 O Tribunal de Justiça não está pois em condições de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma interpretação útil desses artigos no quadro do presente processo, como também não estava no âmbito do processo C-157/92.
20 O mesmo se verifica quanto ao artigo 95. do Tratado. Do despacho de reenvio resulta, com efeito, que o juiz nacional não interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se um regime repressivo como o ora em discussão é contrário ao artigo 95. , mas sobre a questão de saber se uma sanção como aquela em que incorre G. D. Banchero pode ser considerada uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa às trocas proibida pelo artigo 30. do Tratado, na medida em que seria desproporcionada em relação à gravidade da infracção verificada. Esta questão tem a ver com a interpretação do próprio artigo 30.
21 Não há portanto que responder às questões colocadas na parte em que têm a ver com a interpretação dos artigos 85. , 92. e 95. do Tratado.
Quanto ao mérito
22 Resulta das indicações de direito e de facto comunicadas pelo Pretore di Genova no seu segundo despacho que este, através das suas três questões prejudiciais assim circunscritas à interpretação dos artigos 5. , 30. , 37. , 86. e 90. do Tratado, e não obstante a generalidade aparente dos termos da primeira parte da primeira questão, se interroga essencialmente sobre a compatibilidade com estas disposições do Tratado de um sistema de distribuição que reserva a venda a retalho dos tabacos a locais de venda autorizados pelos poderes públicos (primeira e terceira questões). Pergunta igualmente se o artigo 30. se opõe à aplicação de disposições repressivas previstas no quadro desse sistema (segunda questão).
23 De resto, os autos não contêm elementos suficientemente precisos para permitir examinar utilmente os outros aspectos da legislação nacional em questão, como os que se referem à produção, à importação ou ainda ao acondicionamento desses produtos.
24 Há que responder antes de mais às primeira e terceira questões.
Quanto à primeira questão
25 O juiz nacional interroga-se sobre a compatibilidade, face ao artigo 30. e ao artigo 37. do Tratado, de um sistema de distribuição dos tabacos manufacturados como o previsto pela legislação italiana.
Quanto ao artigo 37. do Tratado
26 Tal como resulta da sua redacção, o artigo 37. , n. 1, segundo parágrafo, que é uma disposição específica relativa aos monopólios nacionais de natureza comercial, pressupõe uma situação em que as autoridades nacionais têm a possibilidade de controlar ou de dirigir as trocas comerciais entre Estados-Membros, ou de as influenciar sensivelmente, através de um organismo criado para esse fim ou de um monopólio delegado (acórdãos de 4 de Maio de 1988, Bodson, 30/87, Colect., p. 2479, n. 13, e de 27 de Abril de 1994, Almelo e o., C-393/92, Colect., p. I-1477, n. 29).
27 Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça declarou designadamente nos seus acórdãos de 3 de Fevereiro de 1976, Manghera e o. (59/75, Colect., p. 31), de 13 de Março de 1979, Hansen (91/78, Recueil, p. 935), e de 7 de Junho de 1983, Comissão/Itália (78/82, Recueil, p. 1955), o artigo 37. do Tratado não exige a abolição total dos monopólios nacionais de natureza comercial, mas prescreve a sua adaptação com vista a assegurar, quanto às condições de abastecimento e de comercialização, a exclusão de qualquer discriminação entre nacionais dos Estados-Membros. Resulta quer do texto do artigo 37. quer da sua situação no sistema do Tratado que este artigo visa assegurar o respeito da regra fundamental da livre circulação de mercadorias em todo o mercado comum, especialmente mediante a supressão das restrições quantitativas e das medidas de efeito equivalente nas trocas comerciais entre os Estados-Membros e manter assim condições normais de concorrência entre as economias dos Estados-Membros no caso de, num ou noutro desses Estados, um determinado produto estar sujeito a um monopólio nacional de natureza comercial.
28 Cabe antes de mais lembrar que as interrogações do juiz nacional só incidentalmente dizem respeito à produção e à importação dos tabacos em Itália.
29 Em seguida, o artigo 37. não é relevante face às disposições nacionais que não tenham a ver com o exercício, por um monopólio público, do seu direito de exclusividade, mas visam, de modo geral, a produção e a comercialização de mercadorias, quer estas sejam ou não abrangidas pelo monopólio em causa (acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentral, dito "Cassis de Dijon", 120/78, Recueil, p. 649, n. 7). Tratando-se precisamente de um sistema de distribuição como aquele que é objecto das questões prejudiciais, só não seria assim se se demonstrasse que as disposições em questão permitem às autoridades nacionais intervir nas escolhas de abastecimento dos retalhistas.
30 A este propósito, importa salientar que a legislação italiana reserva a exclusividade da venda a retalho dos tabacos manufacturados a particulares que obtiveram uma concessão ou autorização da Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato (a seguir "AAMS"). Quanto a este ponto, não resulta dos autos que esta legislação permita às autoridades nacionais, por intermédio do AAMS, intervir na gestão dos locais de venda de tabaco de modo a controlar ou a influenciar as escolhas de abastecimento dos retalhistas, para assegurar um escoamento aos tabacos produzidos pelo monopólio (v., para um caso contrário, acórdão de 13 de Dezembro de 1990, Comissão/Grécia, C-347/88, Colect., p. I-4747, n.os 43 e 44), quer para favorecer ou desencorajar determinadas correntes de importação provenientes de outros Estados-Membros. O Governo italiano precisou aliás, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que as escolhas de abastecimento eram deixadas à livre apreciação dos retalhistas em função da procura no mercado.
31 Cabe portanto responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 37. do Tratado é irrelevante face a uma legislação nacional, como a italiana, que reserva a venda a retalho dos tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos, desde que estes não intervenham nas escolhas de abastecimento dos retalhistas.
Quanto ao artigo 30. do Tratado
32 Nos termos do artigo 30. , são proibidas, entre os Estados-Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente.
33 De acordo com jurisprudência constante, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa qualquer regulamentação comercial susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Colect., p. 423, n. 5).
34 Todavia, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C-267/91 e C-268/91, Colect., p. I-6097, n. 16), a aplicação de disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas formas de venda a produtos provenientes de outros Estados-Membros não é susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio entre os Estados-Membros, na acepção da jurisprudência Dassonville, desde que se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e desde que afectem da mesma forma, tanto jurídica como factualmente, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros.
35 Importa verificar que, no caso vertente, as referidas condições se encontram preenchidas pela legislação em litígio, na medida em que a mesma reserva a venda a retalho dos tabacos aos distribuidores autorizados.
36 Tal legislação não diz respeito às características dos produtos, tendo unicamente a ver com as modalidades de venda a retalho dos tabacos manufacturados, uma vez que proíbe a venda desses tabacos ao consumidor fora dos locais autorizados. A circunstância de se aplicar a determinados produtos, os tabacos manufacturados, e não ao comércio de retalho em geral, não é susceptível de modificar essa apreciação (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Dezembro de 1993, Huenermund e o., C-292/92, Colect., p. I-6787, e de 29 de Junho de 1995, Comissão/Grécia, C-391/92, Colect., p. I-1621).
37 Além disso, a obrigação imposta a todos os operadores de procederem à distribuição dos seus produtos através dos retalhistas autorizados aplica-se sem distinção em razão da origem dos produtos em questão e não afecta a comercialização dos produtos provenientes de outros Estados-Membros de modo diferente da dos produtos nacionais.
38 O juiz nacional entende que, tendo em conta a repartição dos locais de venda de tabaco no território italiano, os seus horários de abertura e as suas deficiências de funcionamento, como as faltas de abastecimento de alguns deles em marcas de cigarros menos procuradas pelo consumidor ou as rupturas ocasionais de abastecimento resultante de greves, o sistema dos locais de venda de tabaco autorizados provoca restrições às trocas contrárias ao artigo 30. do Tratado.
39 No entanto, não resulta dos autos que as autorizações de exploração dos locais de venda sejam limitadas a ponto de comprometer um abastecimento satisfatório dos consumidores em tabacos nacionais ou importados. O Governo italiano precisou, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, que a legislação em discussão se destina a garantir uma repartição geográfica óptima dos retalhistas, tendo em conta designadamente preocupações de ordenação do território e de proximidade dos locais de venda relativamente aos pontos de concentração da clientela.
40 De qualquer modo, importa observar que as imperfeições susceptíveis de afectar a rede de venda a retalho não causam mais prejuízo à venda de tabacos provenientes de outros Estados-Membros do que à dos tabacos produzidos no território nacional.
41 A Comissão, referindo-se aos acórdãos de 21 de Março de 1991, Delattre (C-369/88, Colect., p. I-1487), e Monteil e Samanni (C-60/89, Colect., p. I-1547), alega que um regime de venda a retalho de tabacos como o regime italiano, pelo facto de canalizar as vendas de tabacos, é susceptível de afectar as possibilidade de comercialização dos produtos importados e pode, nestas condições, constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, na acepção do artigo 30. do Tratado. Com efeito, a AAMS teria sob o seu controlo a rede de distribuição e esta "canalização centralizada" seria reforçada a montante pelo monopólio de facto que a administração detém quanto ao comércio por grosso de todos os tabacos em Itália.
42 Convém todavia referir, como a própria Comissão lembrou nas suas observações escritas, que o monopólio italiano de tabacos foi reorganizado de modo que a AAMS abandona a gestão directa dos locais de venda de tabaco e é garantido aos retalhistas autorizados o acesso directo aos grossistas. A Comissão afirmou igualmente que as queixas que lhe tinham sido apresentadas não continham qualquer alusão a comportamentos discriminatórios do monopólio contra produtores comunitários. Por último, como o Tribunal já salientou no n. 30 do presente acórdão, o Governo italiano declarou que os retalhistas determinavam livremente o abastecimento dos seus locais de venda em função do mercado. A Comissão não contestou essa afirmação.
43 O facto de os produtores de tabaco manufacturados dos outros Estados-Membros terem preferido recorrer aos depósitos da AAMS em vez de criarem, como o permite o artigo 1. da Lei n. 724, de 10 de Dezembro de 1975, já referida, os seus próprios depósitos grossistas, não pode levar a concluir que a legislação italiana canaliza as vendas de tabacos manufacturados e pode constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação. A escolha desses operadores pode, com efeito, justificar-se por considerações que lhes são próprias, e designadamente considerações de redução dos custos da distribuição por grosso dos tabacos.
44 Do que precede resulta que uma legislação nacional, como a italiana, que reserva a venda a retalho de tabacos manufacturados independentemente da sua proveniência a distribuidores autorizados, mas não entrava por este facto o acesso ao mercado nacional de produtos provenientes de outros Estados-Membros ou não perturba mais esse acesso à rede de distribuição do que o dos produtos nacionais, não cai no âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado.
Quanto à terceira questão
45 O juiz nacional interroga o Tribunal de Justiça quanto à questão de saber se os artigos 5. , 90. e 86. do Tratado se opõem a que uma legislação nacional reserve a venda a retalho dos tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos. Pergunta, em especial, se um sistema de distribuição assim organizado, cujo controlo é confiado a uma empresa detentora de um monopólio de vendas desses produtos, não conduz a um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86. , segundo parágrafo, alínea b), que proíbe às empresas as práticas que consistem em limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores.
46 Entre as obrigações que devem ser cumpridas lealmente pelos Estados-Membros, em conformidade com o artigo 5. do Tratado, consta efectivamente a prevista no artigo 90. , n. 1, que lhes impõe, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, não tomarem nem manterem qualquer medida contrária às regras do Tratado, designadamente às previstas nos artigos 7. , actual artigo 6. do Tratado CE, e 85. a 94. inclusive.
47 Cabe antes de mais verificar que, contrariamente ao que poderia deixar supor a redacção da questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a AAMS não dispõe de direitos exclusivos para a distribuição de todos os tabacos manufacturados, independentemente da sua proveniência.
48 Com efeito, o artigo 1. da Lei n. 724, de 10 de Dezembro de 1975, já referida, que reorganizou o monopólio italiano dos tabacos, permite a entrada dos tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-Membros da Comunidade, os quais representam uma parte importante do mercado, em depósitos de distribuição por grosso que não sejam da AAMS. Esta disposição permite portanto aos produtores destes tabacos criarem os seus próprios depósitos por grosso e assegurarem assim directamente a comercialização dos seus produtos junto dos retalhistas.
49 Além disso, como salienta a Comissão nas suas observações escritas, a actividade da AAMS na fase da venda a retalho, que consiste essencialmente em autorizar a abertura de locais de venda de tabaco e em controlar o seu número e repartição no território italiano, constitui o exercício de uma prerrogativa de poder público e não uma actividade económica propriamente dita. Verifica-se aliás que os locais de venda de tabaco do Estado geridos directamente pelo monopólio foram suprimidos em 1983 e não parece que a AAMS participe na actividade propriamente comercial dos retalhistas (v. n.os 30 e 42, supra).
50 É certo que, acrescidos à actividade de armazenagem que a AAMS exerce de facto em relação a todos os tabacos, os efeitos conjugados, por um lado, dos direitos exclusivos que ela conserva no domínio da produção e do comércio por grosso dos tabacos nacionais e, por outro, da prerrogativa de poder público que lhe é confiada na fase da venda a retalho, podem colocar esta empresa numa situação de posição dominante no mercado da distribuição dos tabacos manufacturados.
51 Mas, de qualquer modo, importa lembrar que o simples facto de criar uma posição dominante através da concessão de um direito exclusivo na acepção do artigo 90. , n. 1, do Tratado não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 86. Com efeito, um Estado-Membro apenas viola as proibições contidas nessas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo (v. acórdãos de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n. 17, e de 5 de Outubro de 1994, Centre d' insémination de la Crespelle, C-323/93, Colect., p. I-5077, n. 18).
52 Ora, como foi salientado no n. 43 do presente acórdão, o facto de os produtores de tabacos manufacturados dos outros Estados-Membros terem preferido recorrer aos depósitos da AAMS em vez de criar os seus próprios depósitos pode explicar-se por considerações próprias a esses operadores. Não se pode daí concluir que a legislação italiana, que foi precisamente modificada para permitir a abertura do comércio por grosso dos tabacos provenientes de outros Estados-Membros da Comunidade, leve a AAMS a canalizar as vendas de tabacos manufacturados e a explorar assim abusivamente a posição dominante de que pode beneficiar no mercado da distribuição.
53 Além disso, não resulta dos autos que o sistema de distribuição a retalho dos tabacos organizado por esta legislação, na medida que reserva à AAMS a concessão das autorizações de exploração dos locais de venda, conduza a uma situação prejudicial aos interesses dos consumidores na acepção do artigo 86. , segundo parágrafo, alínea b), do Tratado. De qualquer modo, não se pode afirmar, atendendo designadamente aos elementos já salientados no n. 39 do presente acórdão, que este sistema não está manifestamente em condições de satisfazer a procura dos consumidores (v., a contrario, acórdão de 23 de Abril de 1991, Hoefner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n. 31).
54 Quanto aos retalhistas, importa observar que estes operadores não dispõem eles próprios de qualquer direito exclusivo ou especial de distribuição no seu local de implantação. A legislação em discussão limita-se com efeito a regulamentar o seu acesso ao mercado da distribuição a retalho de tabacos. Os retalhistas autorizados satisfazem concorrentemente as necessidades dos consumidores em tabaco e em cigarros e nenhum local de venda dispõe de uma vantagem particular sobre os seus concorrentes. Não se podem portanto considerar empresas titulares dos direitos referidos no artigo 90. , n. 1, do Tratado.
55 A fortiori, não se pode considerar que a legislação italiana estabeleça a favor dos retalhistas autorizados uma justaposição de monopólios territorialmente limitados criando no território nacional uma posição dominante na acepção do artigo 86. do Tratado (v., sobre este ponto, acórdão Centre d' insémination de la Crespelle, já referido, n. 17).
56 Resulta do que precede que os artigos 5. , 90. e 86. não se opõem a que uma legislação nacional, como a italiana, reserve a venda a retalho de tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos.
Quanto à segunda questão
57 O juiz nacional pergunta ainda ao Tribunal de Justiça se o artigo 30. do Tratado se opõe a uma legislação repressiva como aquela em que se funda o procedimento criminal intentado contra G. D. Banchero.
58 Se, em princípio, a legislação penal e as regras de processo penal continuam a ser da competência dos Estados-Membros, resulta de uma jurisprudência constante que o direito comunitário coloca limites quanto às medidas de controlo que este direito permite aos Estados-Membros manter no quadro da livre circulação de mercadorias e de pessoas. As medidas administrativas ou repressivas não devem exceder o estritamente necessário, as modalidades de controlo não devem ser concebidas de modo a restringir a liberdade desejada pelo Tratado e não se deve prever uma sanção de tal modo desproporcionada à gravidade da infracção que se torne um entrave a esta liberdade (acórdão de 11 de Novembro de 1981, Casati, 203/80, Recueil, p. 2595, n. 27; v., também acórdãos de 3 de Julho de 1980, Pieck, 157/79, Recueil, p. 2171, n. 19, e de 25 de Fevereiro de 1988, Drexl, 299/86, Colect., p. 1213, n. 18).
59 No caso vertente, como o advogado-geral salienta nos pontos 45 e 46 das suas conclusões, G. D. Banchero é na realidade acusado não de importação ilegal de tabacos manufacturados, mas por ter sido encontrado na posse de tabacos em relação aos quais não tinha sido pago um imposto específico, aliás conforme ao direito comunitário.
60 As sanções em que G. D. Banchero incorre não entravam de modo algum a importação de tabacos manufacturados de outros Estados-Membros, destinando-se apenas a dissuadir o consumidor de comprar tabacos, relativamente aos quais não foram pagas as imposições conformes ao direito comunitário, através de revendedores não autorizados que actuam eles próprios em infracção à legislação italiana aplicável à distribuição dos tabacos manufacturados.
61 Por conseguinte, a severidade destas sanções escapa a qualquer apreciação em direito comunitário.
62 O artigo 30. do Tratado não se opõe portanto a que uma legislação nacional, como a italiana, puna como crime de contrabando a posse ilegal, por um consumidor, de tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-Membros e relativamente aos quais não tenha sido pago o imposto específico conforme ao direito comunitário, quando a venda a retalho desses produtos é, como a dos produtos nacionais do mesmo tipo, reservada a distribuidores autorizados pelos poderes públicos.
Quanto às despesas
63 As despesas efectuadas pelos Governos espanhol, italiano e francês, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Pretore di Genova, por despacho de 30 de Julho de 1993, declara:
1) O artigo 37. do Tratado CEE é irrelevante face a uma legislação nacional, como a italiana, que reserva a venda a retalho dos tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos, desde que estes não intervenham nas escolhas de abastecimento dos retalhistas.
2) Uma legislação nacional, como a italiana, que reserva a venda a retalho de tabacos manufacturados independentemente da sua proveniência a distribuidores autorizados, mas não entrava por este facto o acesso ao mercado nacional de produtos provenientes de outros Estados-Membros ou não perturba mais esse acesso à rede de distribuição do que o dos produtos nacionais, não cai no âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado CEE.
3) Os artigos 5. , 90. e 86. do Tratado CEE não se opõem a que uma legislação nacional, como a italiana, reserve a venda a retalho de tabacos manufacturados a distribuidores autorizados pelos poderes públicos.
4) O artigo 30. do Tratado CEE não se opõe a que uma legislação nacional, como a italiana, puna como crime de contrabando a posse ilegal, por um consumidor, de tabacos manufacturados provenientes de outros Estados-Membros e relativamente aos quais não tenha sido pago o imposto específico conforme ao direito comunitário, quando a venda a retalho desses produtos é, como a dos produtos nacionais do mesmo tipo, reservada a distribuidores autorizados pelos poderes públicos.