61993J0364

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 19 DE SETEMBRO DE 1995. - ANTONIO MARINARI CONTRA LLOYDS BANK PLC E ZUBAIDI TRADING COMPANY. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: CORTE SUPREMA DI CASSAZIONE - ITALIA. - CONVENCAO DE BRUXELAS - ARTIGO 5., PONTO 3 - "LUGAR ONDE OCORREU O FACTO DANOSO". - PROCESSO C-364/93.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-02719


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões ° Competências especiais ° Competência "em matéria extracontratual" ° Lugar onde ocorreu o facto danoso ° Direito de opção do demandante ° Lugar do evento causal e lugar de ocorrência do dano ° Alcance ° Lugar de um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial sofrido pela vítima noutro Estado contratante ° Exclusão

(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 5. , ponto 3)

Sumário


O conceito "lugar onde ocorreu o facto danoso", constante do artigo 5. , ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não abrange o lugar em que a vítima pretende ter sofrido um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela num outro Estado contratante. Assim, embora se admita que este conceito pode visar simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal, não pode todavia ser interpretado de modo extensivo ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde se podem fazer sentir as consequências danosas de um facto que causou já um dano efectivamente ocorrido noutro lugar.

Partes


No processo C-364/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pela Corte suprema di cassazione, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Antonio Marinari

e

Lloyd' s Bank plc,

e

Zubaidi Trading Company,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 5. , ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), na redacção dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e ° texto alterado ° p. 77; EE 01 F2 p. 131 e p. 207) e pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, F. A. Schockweiler, P. J. G. Kapteyn e P. Jann, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida (relator), J.-P. Puissochet, G. Hirsch, H. Ragnemalm e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação de Antonio Marinari, autor no processo principal, por Francesco Vassalli, Antonio Piras e Maurizio Bonistalli, advogados no foro de Pisa, por Francesco Olivieri, advogado no foro de Florença, e por Laurent Mosar, advogado no foro do Luxemburgo,

° em representação do Lloyd' s Bank plc, réu no processo principal, por Cosimo Rucellai e Enrico Adriano Raffaelli, advogados no foro de Milão,

° em representação da Zubaidi Trading Company, interveniente no processo principal, pelo professor Sergio Spadari, advogado no foro de Roma,

° em representação do Governo alemão, pelo professor Dr Christof Boehmer, Ministerialrat no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agente,

° em representação do Governo do Reino Unido, por Lucinda Hudson do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, assistida por T. A. G. Beazley, barrister,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Pieter Van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do autor no processo principal, do réu no processo principal, da interveniente e da Comissão das Comunidades Europeias na audiência de 15 de Junho de 1994 e, na sequência do despacho de reabertura da fase oral de 25 de Janeiro de 1995, na audiência de 3 de Maio de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral M. Darmon apresentadas na audiência de 21 de Setembro de 1994 e as do advogado-geral P. Léger apresentadas na audiência de 18 de Maio de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 21 de Janeiro de 1993, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Julho seguinte, a Corte suprema di cassazione colocou, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), na redacção dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e ° texto alterado ° p. 77; EE 01 F2 p. 131 e p. 207) e pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234, a seguir "convenção"), uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 5. , ponto 3, desta convenção.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe A. Marinari, domiciliado em Itália, ao Lloyd' s Bank, cuja sede social é em Londres.

3 Em Abril de 1987, A. Marinari tinha depositado na filial de Manchester do Lloyd' s Bank um maço de livranças ("promissory notes") cujo contravalor era de 752 500 000 USD, emitidas pela província de Negros Oriental da República das Filipinas em favor da Zubaidi Trading Company, de Beirute. Os empregados do banco, depois de terem aberto o sobrescrito, recusaram restituir as "promissory notes" e assinalaram à polícia a existência destes títulos, declarando-os de proveniência duvidosa, o que implicou a prisão de A. Marinari e a apreensão das "promissory notes".

4 Depois de ter sido absolvido pela justiça inglesa, A. Marinari submeteu o assunto à apreciação do Tribunale di Pisa a fim de obter a condenação do Lloyd' s Bank no pagamento dos prejuízos causados pelo comportamento dos seus empregados. Resulta dos autos do processo nacional que o pedido de A. Marinari visa, por um lado, o pagamento do contravalor das livranças e, por outro, a reparação do dano pretensamente sofrido devido à sua detenção, bem como à rescisão de vários contratos e por ofensa à sua reputação. Tendo o Lloyd' s Bank arguido a incompetência do órgão jurisdicional italiano porque o dano, fundamento da competência ratione loci, tinha ocorrido em Inglaterra, A. Marinari, apoiado pela sociedade Zubaidi, solicitou à Corte suprema di cassazione que se pronunciasse previamente sobre a competência.

5 No seu despacho de reenvio, a Corte suprema di cassazione interroga-se sobre a competência dos órgãos jurisdicionais italianos face ao disposto no artigo 5. , ponto 3, da convenção, como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

6 Salienta, assim, que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 30 de Novembro de 1976, Bier (21/76, Recueil, p. 1735), considerou que a expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso" devia ser entendida como abrangendo simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal e que A. Marinari sustenta que a expressão "dano produzido" visa, além do resultado físico, o dano no sentido jurídico, tal como a diminuição do património de uma pessoa.

7 Verifica igualmente que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba (C-220/88, Colect., p. I-49), recusou que fossem tomados em consideração para efeitos da determinação de competência na acepção do disposto no artigo 5. , ponto 3, da Convenção, os danos financeiros indirectos. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, nestas condições, se a solução deve ser a mesma quando os efeitos danosos invocados pelo autor são directos e não indirectos.

8 Nestas condições, decidiu suspender a instância e submeter a seguinte questão prejudicial:

"Na aplicação da regra de competência do artigo 5. , ponto 3, da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, precisada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1976 no processo 21/76, por 'lugar onde ocorreu o facto danoso' deve entender-se apenas o lugar onde se produziu o prejuízo físico provocado a pessoas ou coisas, ou também o lugar onde se produziram os prejuízos patrimoniais sofridos pelo autor?"

9 A fim de responder a esta questão, convém recordar antes de mais que, em derrogação ao princípio geral consagrado no artigo 2. , primeiro parágrafo, da Convenção, ou seja, o da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante do domicílio do réu, o artigo 5. , ponto 3, da Convenção dispõe:

"O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

...

3) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso;

..."

10 Como o Tribunal de Justiça salientou várias vezes (v. acórdãos Bier, já referido, n. 11, Dumez France e Tracoba, já referido, n. 17, e de 7 de Março de 1995, Shevill e o., C-68/93, Colect., p. I-413, n. 19), essa regra de competência especial, cuja escolha depende de uma opção do demandante, é fundada na existência de uma conexão particularmente significativa entre o litígio e tribunais que não os do domicílio do demandado, a qual justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo.

11 Nos acórdãos Bier, já referido (n.os 24 e 25), e Shevill e o., já referido (n. 20), o Tribunal declarou que, caso o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso" contida no artigo 5. , ponto 3, da Convenção deve ser entendida no sentido de que se refere simultaneamente ao lugar onde o dano se verificou e ao lugar onde decorreu o evento causal, de modo que o réu pode ser demandado, consoante a opção do autor, perante o tribunal do lugar onde o dano se verificou ou perante o tribunal do lugar onde decorreu o evento causal que está na origem desse dano.

12 Nesses dois acórdãos, o Tribunal de Justiça considerou, com efeito, que o lugar do evento causal pode constituir, do ponto de vista da competência jurisdicional, um critério de conexão não menos significativo do que o do lugar onde o dano se materializou. O Tribunal de Justiça acrescentou que a opção apenas pelo lugar do evento causal provocaria, num número considerável de casos, uma confusão entre as competências previstas nos artigos 2. e 5. , ponto 3, da convenção, retirando a este último preceito o seu efeito útil.

13 A opção que deste modo é dada ao autor não pode todavia ir para além das circunstâncias especiais que a justificam, sob pena de esvaziar do seu conteúdo o princípio geral, consagrado no artigo 2. , primeiro parágrafo, da Convenção, da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante no território do qual o réu tem o seu domicílio e de ser reconhecida, fora dos casos expressamente previstos, a competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do autor, situação relativamente à qual a Convenção se manifestou contra afastando, no seu artigo 3. , segundo parágrafo, a aplicação de disposições nacionais prevendo tais foros de competência em relação a réus domiciliados no território de um Estado contratante.

14 Assim, embora se admita que o conceito "lugar onde ocorreu o facto danoso", na acepção do artigo 5. , ponto 3, da Convenção, pode visar simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal, este conceito não pode todavia ser interpretado de modo extensivo ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde se podem fazer sentir as consequências danosas de um facto que causou já um dano efectivamente ocorrido noutro lugar.

15 Em consequência, este conceito não pode ser interpretado como abrangendo o lugar onde a vítima, como é aqui o caso, pretende ter sofrido um dano patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela noutro Estado contratante.

16 O Governo alemão sustenta, no entanto, que, na interpretação do artigo 5. , ponto 3, da Convenção, o Tribunal devia tomar em consideração o direito nacional da responsabilidade civil extracontratual aplicável. Assim, no caso em que, nos termos deste direito, a ofensa concreta a bens ou direitos constitua uma condição da responsabilidade (nomeadamente, o artigo 823. , n. 1, do Buergerliches Gesetzbuch), o "lugar onde ocorreu o facto danoso" visaria, simultaneamente, o lugar de tal ofensa e o lugar do evento causal. Em contrapartida, quando o direito nacional não faz depender a reparação da ofensa concreta a um bem ou direito (nomeadamente, os artigos 1382. do Código Civil francês e 2043. do Código Civil italiano), a vítima poderia escolher entre o lugar do evento causal e o do dano causado ao seu património.

17 Segundo o mesmo governo, esta interpretação não favoreceria a multiplicação das jurisdições competentes e não daria sistematicamente origem a que a jurisdição do lugar do dano patrimonial coincida com a do domicílio do autor. Além disso, não permitiria à vítima, através da deslocação do seu património, determinar o órgão jurisdicional competente, porque se tomaria em consideração o lugar da situação do património no momento em que surge a obrigação de reparação. Por último, esta interpretação teria a vantagem de não privilegiar certos direitos nacionais em relação a outros.

18 Convém, no entanto, salientar que a Convenção não pretendeu ligar as regras de competência territorial às disposições nacionais relativas às condições da responsabilidade civil extracontratual. Com efeito, estas condições não se repercutem necessariamente nas soluções adoptadas pelos Estados-Membros quanto à competência territorial dos seus órgãos jurisdicionais, fundando-se esta competência noutras considerações.

19 A interpretação do artigo 5. , ponto 3, da Convenção, em função do regime da responsabilidade civil extracontratual aplicável, como proposta pelo Governo alemão, carece, portanto, de fundamento. Além disso, é incompatível com o objectivo da convenção que é o de definir atribuições de competência certas e previsíveis (v. acórdãos de 15 de Janeiro de 1985, Roesler, 241/83, Recueil, p. 99, n. 23, e de 17 de Junho de 1992, Handte, C-26/91, Colect., p. I-3967, n. 19). Com efeito, a determinação do órgão jurisdicional competente dependeria então de circunstâncias incertas como o lugar em que o património da vítima teria sofrido os sucessivos prejuízos bem como o regime da responsabilidade civil aplicável.

20 Por fim, quanto ao argumento assente no facto de que o lugar da situação do património é o correspondente ao momento em que surge a obrigação de reparação, há que observar que a interpretação proposta poderia atribuir competência a um órgão jurisdicional sem qualquer conexão com os elementos do litígio quando esta conexão justifica a competência especial prevista no artigo 5. , ponto 3, da Convenção. Seria com efeito possível que as despesas suportadas e os lucros cessantes consecutivos ao facto danoso inicial se verifiquem noutro lugar e que, deste modo, do ponto de vista da eficácia da prova, o recurso a tal órgão jurisdicional não seja adequado.

21 Assim, há que responder à questão prejudicial que o conceito "lugar onde ocorreu o facto danoso", constante do artigo 5. , ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não abrange o lugar em que a vítima pretende ter sofrido um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela num outro Estado contratante.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

22 As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido e alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pela Corte suprema di cassazione italiana, por despacho de 21 de Janeiro de 1993, declara:

O conceito "lugar onde ocorreu o facto danoso", constante do artigo 5. , ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não abrange o lugar em que a vítima pretende ter sofrido um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela num outro Estado contratante.