61993J0323

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 5 DE OUTUBRO DE 1994. - SOCIETE CIVILE AGRICOLE DU CENTRE D'INSEMINATION DE LA CRESPELLE CONTRA COOPERATIVE D'ELEVAGE ET D'INSEMINATION ARTIFICIELLE DU DEPARTEMENT DE LA MAYENNE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR DE CASSATION - FRANCA. - INSEMINACAO ARTIFICIAL DE BOVINOS - MONOPOLIO GEOGRAFICO. - PROCESSO C-323/93.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-05077
Edição especial sueca página I-00207
Edição especial finlandesa página I-00209


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Concorrência ° Empresas públicas e empresas a que os Estados-membros concedem direitos especiais ou exclusivos ° Inseminação artificial dos bovinos ° Monopólio geográfico ° Posição dominante ° Abuso ocasionado por disposições nacionais ° Inexistência ° Admissibilidade

(Tratado CEE, artigos 86. e 90. , n. 1)

2. Concorrência ° Posição dominante ° Abuso ° Empresa que dispõe de um monopólio legal ° Inseminação artificial dos bovinos ° Pagamento pelos utilizadores dos encargos suplementares ocasionados pelo fornecimento de esperma proveniente de outros Estados-membros ° Critérios de apreciação

(Tratado CEE, artigo 86. )

3. Livre circulação de mercadorias ° Derrogações ° Objecto ° Existência de directivas que têm como objectivo a aproximação das legislações ° Efeitos

(Tratado CEE, artigos 30. e 36. )

4. Livre circulação de mercadorias ° Derrogações ° Protecção da saúde dos animais ° Obrigação dos importadores de esperma de bovino de entregarem o produto importado num dos centros aprovados em matéria de armazenagem e de aplicação de esperma ° Admissibilidade

(Tratado CEE, artigos 30. e 36. ; Directivas 77/504 e 87/328 do Conselho)

Sumário


1. Os artigos 86. e 90. , n. 1, do Tratado não se opõem a que um Estado-membro conceda a centros de aplicação de esperma de bovinos devidamente autorizados certos direitos exclusivos numa zona delimitada.

Efectivamente, o simples facto de criar semelhante posição dominante através da concessão de um direito exclusivo na acepção do artigo 90. , n. 1, do Tratado não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 86. do Tratado. Um Estado-membro apenas viola as proibições contidas nessas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo. Não é o que acontece com uma lei nacional que se limita a permitir aos centros aprovados em situação de monopólio legal que exijam aos criadores que lhes solicitam o fornecimento de esperma proveniente de centros de produção diferentes o pagamento dos encargos suplementares que resultam dessa escolha. Semelhante disposição, embora deixe aos centros de inseminação a incumbência de fixar esses encargos, não os leva a exigir o pagamento de encargos desproporcionados e de, com isso, abusar da sua posição dominante.

2. O artigo 86. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que centros de aplicação de esperma, únicos habilitados a intervir numa zona delimitada, facturem aos utilizadores, que lhes solicitam o fornecimento de esperma proveniente de centros de produção de outros Estados-membros, encargos suplementares, na condição de terem efectivamente sido suportados pelos centros de inseminação para responder às solicitações desses utilizadores.

3. O artigo 36. do Tratado prevê uma excepção à proibição de restrições à importação, quando medidas desta natureza se justificam, designadamente, por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais. Todavia, quando, em aplicação do artigo 100. do Tratado, haja directivas comunitárias que estabeleçam a harmonização das medidas necessárias para assegurar a protecção da saúde das pessoas e dos animais e estabeleçam processos para o controlo a nível comunitário da sua observância, o recurso ao artigo 36. deixa de ser justificado. Mas a harmonização deve ainda ser completa, uma vez que, se não o for, os Estados-membros podem validamente invocar razões sanitárias para obstar à livre circulação das mercadorias em causa, desde que as restrições às trocas intracomunitárias sejam proporcionais ao objectivo visado.

4. Numa situação em que as condições sanitárias nas trocas intracomunitárias do esperma de bovinos ainda não foram objecto de uma harmonização completa a nível comunitário, os artigos 30. e 36. do Tratado, considerados conjuntamente, o artigo 2. da Directiva 77/504, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura, e o artigo 4. da Directiva 87/328, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que impõe aos operadores económicos que importam esperma proveniente de um Estado-membro da Comunidade a obrigação de o depositarem num centro de inseminação ou de produção aprovado.

Partes


No processo C-323/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela Cour de cassation francesa (Secção Comercial), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Société civile agricole du Centre d' insémination de la Crespelle

e

Coopérative d' élevage et d' insémination artificielle du département de la Mayenne,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5. , 86. e 90. , n. 1, e 30. e 36. do Tratado CEE, bem como do artigo 2. da Directiva 77/504/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1977, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura (JO L 206, p. 8; EE 03 F13 p. 24), e do artigo 4. da Directiva 87/328/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1987, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura (JO L 167, p. 54),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secções, exercendo funções de presidente, M. Díez de Velasco (relator) e D. A. O. Edward, presidentes de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg, P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: C. Gulmann

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Société civile agricole du Centre d' insémination de la Crespelle, por J. Rouvière e R. Cathala, advogados no foro de Paris,

° em representação da Coopérative d' élevage et d' insémination artificielle du département de la Mayenne, por G. Lesourd e D. Baudin, advogados no foro de Paris,

° em representação do Governo francês, por H. Duchêne, secretária dos Negócios Estrangeiros na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. de Salins, consultora dos Negócios Estrangeiros na Direcção dos Assuntos Jurídicos do mesmo ministério, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Marenco, consultor jurídico, e V. Melgar, funcionária nacional colocada à disposição do Serviço Jurídico da Comissão, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Société civile agricole du Centre d' insémination de la Crespelle, da Coopérative d' élevage et d' insémination artificielle du département de la Mayenne, representada por Daniel Baudin, assistido por Claude Paulmier, advogado no foro de Paris, do Governo francês e da Comissão, na audiência de 23 de Março de 1994,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 4 de Maio de 1994,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 15 de Junho de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 24 do mesmo mês, a Cour de cassation francesa (Secção Comercial) colocou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 5. , 86. e 90. , n. 1, e 30. e 36. do Tratado CEE, e à interpretação da Directiva 77/504/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1977, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura (JO L 206, p. 8; EE 03 F13 p. 24), e da Directiva 87/328/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1987, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura (JO L 167, p. 54).

2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Société civile agricole du Centre d' insémination de la Crespelle (a seguir "Centre de la Crespelle") à Coopérative d' élevage et d' insémination artificielle du département de la Mayenne (a seguir "Coopérative de la Mayenne").

3 Em França, a inseminação artificial dos animais está regulamentada, nomeadamente, na Lei n. 66-1005, de 28 de Dezembro de 1966, relativa à criação de gado (JORF 1966, p. 11619). Nos termos do artigo 5. , primeiro parágrafo, desta lei, a exploração dos centros de inseminação está sujeita a autorização. Esta disposição estabelece uma distinção entre os centros encarregados da produção de esperma e os que asseguram a respectiva aplicação, mas não exclui que um único centro exerça os dois tipos de actividades em simultâneo. As actividades de produção consistem na manutenção de um centro de reprodutores machos, na realização de testes aos reprodutores e na recolha, no acondicionamento, na conservação e na cedência do esperma. As actividades de aplicação consistem, por seu turno, na inseminação de fêmeas ou seu controlo, quando efectuada por criadores habilitados para esse efeito.

4 A lei de 1966 prevê igualmente que cada centro de inseminação sirva uma zona no interior da qual é o único habilitado a intervir (artigo 5. , quarto parágrafo). Se essa zona for atribuída a uma cooperativa agrícola, esta é obrigada a aceitar, como utilizadores, os criadores não aderentes (artigo 5. , sexto parágrafo).

5 Segundo a mesma lei, os centros de inseminação que não sejam simultaneamente centros de produção são normalmente abastecidos em reprodutores ou em esperma pelo ou pelos centros de produção com os quais tenham assinado um contrato de fornecimento. Os criadores estabelecidos na zona de acção de um centro de inseminação podem pedir a este que lhes forneça esperma proveniente de centros de produção à sua escolha (artigo 5. , quinto parágrafo), mas os encargos suplementares resultantes de tal escolha correm por conta dos utilizadores.

6 No interior do território metropolitano francês, existem actualmente 51 centros de inseminação e 23 centros de produção aprovados, dos quais apenas três estão igualmente aprovados como centros de inseminação. Todos os centros de inseminação em França se encontram constituídos sob a forma de cooperativas agrícolas. Do mesmo modo, com excepção de quatro, todos se tornaram membros associados da UNCEIA (Union nationale des coopératives agricoles d' élevage et d' insémination artificielle), única entidade que agrupa centros de produção e de inseminação no conjunto do território francês. Nos termos do artigo 7. dos seus estatutos, a adesão à UNCEIA implica o compromisso, para os seus membros, de utilizar exclusivamente os seus serviços. Por outro lado, nos termos do artigo 29. dos referidos estatutos, a assembleia geral da UNCEIA adopta decisões obrigatórias para todos os associados, mesmo para os ausentes e os dissidentes.

7 A importação para França de esperma de bovinos é regulamentada por um despacho do ministro da Agricultura, de 17 de Abril de 1969 (JORF de 30.4.1969, p. 4349), alterado por outro despacho de 24 de Janeiro de 1989, relativo às autorizações de funcionamento dos centros de inseminação artificial (JORF de 31.1.1989, p. 1469). Nos termos do artigo 2. deste último despacho, qualquer nacional de um Estado-membro pode importar livremente esperma, desde que provenha de centros de produção seleccionados pelo Ministério da Agricultura e que seja recolhido em touros que satisfaçam as condições zootécnicas e sanitárias previstas nas legislações francesa e comunitária. Finalmente, o referido artigo 2. prevê que qualquer operador económico privado que importe esperma proveniente de outro Estado-membro da Comunidade deve depositá-lo num centro de inseminação ou de produção aprovado. Pode constituir um stock de esperma importado no centro escolhido.

8 Em direito comunitário, o artigo 2. , segundo travessão, da Directiva 77/504 e o artigo 2. , n. 1, segundo travessão, da Directiva 87/328 dispõem que os Estados-membros actuarão no sentido de que não sejam proibidas, restringidas ou entravadas, por razões zootécnicas, as trocas intracomunitárias de esperma e de óvulos fecundados provenientes de bovinos reprodutores de raça pura. Em aplicação do artigo 3. da primeira directiva, o Conselho devia, antes de 1 de Julho de 1980, adoptar as disposições comunitárias de admissão à reprodução dos bovinos reprodutores de raça pura, incluindo a utilização do seu esperma, o que foi feito pela Directiva 87/328.

9 O artigo 4. desta última directiva obriga os Estados-membros a zelar para que, no que se refere às trocas intracomunitárias, o esperma de touros de raça pura seja recolhido, tratado e armazenado num centro de inseminação artificial aprovado oficialmente. Nos termos dos seus quarto e sétimo considerandos, para evitar qualquer deterioração do património genético, basta exigir que o esperma provenha dos centros encarregados da inseminação artificial oficialmente aprovados dos outros Estados-membros.

10 Esta regulamentação foi completada pela Directiva 91/174/CEE do Conselho, de 25 de Março de 1991, relativa às condições zootécnicas e genealógicas que regem a comercialização de animais de raça e que altera as Directivas 77/504/CEE e 90/425/CEE (JO L 85, p. 37).

11 Finalmente, a Directiva 88/407/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1988, que fixa as exigências de polícia sanitária aplicáveis às trocas comerciais intracomunitárias e às importações de sémen congelado de animais da espécie bovina (JO L 194, p. 10), estabelece, no seu artigo 3. , as condições sanitárias que devem reunir as doses de sémen admitidas no comércio intracomunitário. Esta directiva foi alterada pela Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29).

12 Resulta dos autos que, desde 1961, o Centre de la Crespelle dispõe de bancos de esperma de bovinos e procede à sua aplicação numa parte do departamento de La Mayenne. A Coopérative de la Mayenne, que beneficia de direitos exclusivos nessa região desde 1970, intentou uma acção contra o Centre no tribunal de grande instance de Rennes, por violação de tais direitos. Este órgão jurisdicional condenou o Centre por sentença de 25 de Junho de 1991. Tendo a sentença referida sido confirmada pela cour d' appel de Rennes, o Centre de la Crespelle interpôs recurso de cassação, alegando que o sistema francês de funcionamento dos centros de aplicação de esperma violava certas disposições do Tratado.

13 Tendo dúvidas quanto à interpretação a dar ao direito comunitário, a Cour de cassation colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) As disposições dos artigos 5. , 86. e 90. , n. 1, do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia opõem-se a que uma legislação nacional, como a do caso em apreço, institua centros de inseminação que são os únicos habilitados a intervir numa zona delimitada, e lhes reserve a faculdade de facturar despesas suplementares quando os criadores se encontram numa zona em que o centro tem uma competência exclusiva e pedem o fornecimento de sémen proveniente de centros de produção aprovados da sua escolha?

2) Os artigos 30. e 36. do Tratado, o artigo 2. da Directiva 77/504/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1987, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura, e o artigo 4. da Directiva 87/328/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1987, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura, opõem-se a uma regulamentação nacional, como a do caso em apreço, que impõe aos operadores económicos que importam sémen proveniente dum Estado-membro da Comunidade a obrigação de o entregar no centro de inseminação ou reprodução aprovado?"

Quanto à primeira questão

14 Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio suscita, no essencial, dois problemas distintos. Começa por se perguntar se os artigos 5. , 86. e 90. , n. 1, do Tratado devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-membro conceda a centros de aplicação de esperma de bovinos devidamente aprovados certos direitos exclusivos numa zona delimitada. Seguidamente, procura saber se estas disposições se opõem a que, quando os criadores estabelecidos na zona abrangida pela competência exclusiva de um centro aprovado pedem a este último que lhes forneça esperma proveniente de um centro de produção à sua escolha, o centro lhes facture os encargos suplementares que tal escolha pode acarretar.

Quanto à primeira parte da primeira questão

15 No que respeita às disposições do Tratado que estão em causa, importa começar por assinalar que o artigo 5. impõe aos Estados-membros a obrigação de cumprir lealmente as suas obrigações comunitárias. Todavia, segundo jurisprudência assente, esta disposição não pode ser aplicada de forma autónoma quando a situação em causa se rege por uma disposição específica do Tratado, como sucede no caso presente (v. acórdão de 11 de Março de 1992, Compagnie commerciale de l' Ouest e o., C-78/90 a C-83/90, Colect., p. I-1847, n. 19). Consequentemente, a questão deve ser analisada à luz dos artigos 90. , n. 1, e 86. do Tratado.

16 O artigo 90. , n. 1, prevê que os Estados-membros, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, designadamente nos artigos 7. e 85. a 94. , inclusive.

17 No caso vertente, ao submeter a exploração dos centros de aplicação de esperma a autorizações e ao prever que cada um dos centros abastece exclusivamente uma zona determinada, a legislação nacional concedeu-lhes direitos exclusivos. Ao estabelecer, deste modo, a favor destas empresas, uma justaposição de monopólios territorialmente limitados, mas que abrangem, no seu conjunto, todo o território de um Estado-membro, as disposições nacionais criam uma posição dominante, na acepção do artigo 86. do Tratado, numa parte substancial do mercado comum.

18 O simples facto de criar semelhante posição dominante através da concessão de um direito exclusivo na acepção do artigo 90. , n. 1, não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 86. do Tratado. Efectivamente, um Estado-membro apenas viola as proibições contidas nessas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo (v. acórdãos de 23 de Abril de 1991, Hoefner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n. 29, e, por último, de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n. 17).

19 No caso vertente, o abuso alegado consiste na cobrança de um preço exorbitante por parte dos centros de inseminação.

20 Deste modo, importa analisar se tal prática constitutiva do abuso alegado é consequência directa da lei. A este propósito, sublinhe-se que a lei se limita a permitir aos centros de inseminação que exijam aos criadores que lhes solicitam o fornecimento de esperma proveniente de centros de produção diferentes o pagamento dos encargos suplementares que resultam dessa escolha.

21 Semelhante disposição, embora deixe aos centros de inseminação a incumbência de fixar esses encargos, não os leva a exigir o pagamento de encargos desproporcionados e de, com isso, abusar da sua posição dominante.

22 Consequentemente, há que responder a esta parte da questão que os artigos 90. , n. 1, e 86. do Tratado não se opõem a que um Estado-membro conceda a centros de aplicação de esperma de bovinos devidamente autorizados certos direitos exclusivos numa zona delimitada.

Quanto à segunda parte da primeira questão

23 O artigo 5. da Lei francesa n. 66-1005, de 28 de Dezembro de 1966, relativa à criação de gado, prevê, no seu quinto parágrafo, que os criadores estabelecidos na zona de acção de um centro de inseminação podem pedir a este que lhes forneça esperma proveniente de centros de produção à sua escolha e que os encargos suplementares resultantes de tal escolha corram por conta dos utilizadores.

24 Ora, o artigo 86. opõe-se a que os centros, no exercício autónomo da sua actividade económica, explorem abusivamente a sua posição dominante.

25 Como o Tribunal de Justiça já decidiu, existe exploração abusiva de uma posição dominante quando a empresa que beneficia de uma situação de monopólio administrativo exija pelos seus serviços taxas desproporcionadas em relação ao valor económico da prestação fornecida (v. acórdãos de 13 de Novembro de 1975, General Motors, 26/75, Recueil, p. 1367, n. 12, e de 11 de Novembro de 1986, British Leyland, 226/84, Colect., p. 3263, n. 27).

26 Do mesmo modo, os centros aprovados explorariam abusivamente a sua posição dominante se facturassem aos utilizadores encargos mais elevados do que os encargos suplementares efectivamente suportados para obter e conservar, até aplicação, o esperma importado de outro Estado-membro a pedido de um utilizador.

27 Resulta de quanto precede que o artigo 86. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que centros de aplicação de esperma, únicos habilitados a intervir numa zona delimitada, facturem aos utilizadores, que lhes solicitam o fornecimento de esperma proveniente de centros de produção de outros Estados-membros, encargos suplementares, na condição de terem efectivamente sido suportados pelos centros de inseminação para responder às solicitações desses utilizadores.

Quanto à segunda questão

28 A fim de responder à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio, relativa à interpretação dos artigos 30. e 36. do Tratado e das Directivas 77/504 e 87/328, importa recordar que, como o Tribunal de Justiça tem julgado de forma constante (v., em primeiro lugar, o acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837), é de considerar como medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa qualquer regulamentação dos Estados-membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário.

29 A regulamentação de um Estado-membro que obriga os operadores económicos privados que importam no seu território doses de esperma de bovino provenientes de outros Estados-membros a depositá-las, contra pagamento de um preço, num centro aprovado que beneficie de uma concessão exclusiva em matéria de armazenagem e de aplicação do esperma, constitui um entrave às importações que reveste a natureza referida. Efectivamente, tal exigência, pelo facto de se aplicar à fase imediatamente subsequente à importação e de impor um encargo económico aos importadores, é susceptível de restringir o volume das importações.

30 O artigo 36. do Tratado prevê uma excepção à proibição de restrições à importação, à exportação e ao trânsito, quando medidas desta natureza se justificam, designadamente, por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais (v. acórdão de 15 de Dezembro de 1976, Simmenthal, 35/76, Recueil, p. 1871, n. 18).

31 No entanto, é jurisprudência assente que, quando, em aplicação do artigo 100. do Tratado CEE, haja directivas comunitárias que estabeleçam a harmonização das medidas necessárias, inter alia, para assegurar a protecção da saúde das pessoas e dos animais e estabeleçam processos para o controlo a nível comunitário da sua observância, o recurso ao artigo 36. deixa de ser justificado, passando as medidas de controlo apropriadas a ser efectuadas e as medidas de protecção a ser adoptadas no âmbito traçado pela directiva de harmonização (v. acórdãos de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi, 5/77, Recueil, p. 1555, n. 35; de 5 de Abril de 1979, Ratti, 148/78, Recueil, p. 1629, n. 36; de 8 de Novembro de 1979, Denkavit, 251/78, Recueil, p. 3369, n. 14, e de 20 de Setembro de 1988, Moormann, 190/87, Colect., p. 4689, n. 10).

32 Apoiando-se nesta jurisprudência, o Governo francês justifica a sua regulamentação pela necessidade de melhorar, no plano genético, o efectivo bovino, por um lado, e por considerações sanitárias, por outro.

33 No que respeita às razões em matéria de melhoria genética do efectivo bovino, importa recordar que a Directiva 87/328, que tem como objectivo suprimir os obstáculos zootécnicos às trocas intracomunitárias de esperma de bovinos, obriga os Estados-membros, no seu artigo 2. , n. 1, a suprimir qualquer entrave à entrada e à utilização no seu território de esperma de bovinos importado de outros Estados-membros nas condições previstas no seu artigo 4. (v. n. 9, supra). Por outro lado, o artigo 2. da Directiva 91/174 prevê que a comercialização do esperma de animais de raça pura não pode ser proibida, limitada ou dificultada por razões genealógicas. Destas disposições resulta que as condições zootécnicas e genealógicas foram objecto de harmonização completa a nível comunitário.

34 As considerações sanitárias são objecto da Directiva 88/407, que, nos termos do seu artigo 1. , se aplica às trocas intracomunitárias e às importações, provenientes de países terceiros, de esperma ultracongelado de animais da espécie bovina. O artigo 3. da directiva, tal como o seu Anexo C, que determinam as condições gerais aplicáveis às trocas intracomunitárias de esperma de bovino, apenas contêm precisões sobre a sua recolha e o seu tratamento no Estado-membro de expedição, bem como sobre o transporte para o Estado-membro de destino. Assim, nenhuma disposição da directiva trata das questões de armazenamento ou de utilização do esperma no Estado de destino.

35 Daqui decorre que as condições sanitárias nas trocas intracomunitárias do esperma de bovinos ainda não foram objecto de uma harmonização completa a nível comunitário no que respeita ao Estado de destino do esperma. Por conseguinte, os Estados-membros podem validamente invocar razões sanitárias para obstar à livre circulação de esperma de bovino, desde que as restrições às trocas intracomunitárias sejam proporcionais ao objectivo visado.

36 A este propósito, para verificar se os efeitos restritivos da regulamentação em apreço sobre as trocas intracomunitárias não ultrapassam o que é necessário para atingir o objectivo visado, é importante analisar se esses efeitos são directos, indirectos ou simplesmente hipotéticos e se não colocam mais entraves à comercialização dos produtos importados do que à dos produtos nacionais (v. acórdão de 16 de Dezembro de 1992, B & Q, C-169/91, Colect., p. I-6635, n. 15).

37 Quanto a esta questão, importa recordar que o artigo 2. , n. 3, do despacho francês de 24 de Janeiro de 1989 estabelece uma obrigação de entrega nos centros aprovados apenas para o esperma importado. No entanto, segundo as explicações fornecidas pelo Governo francês na audiência e que não foram contestadas pelos outros intervenientes, existe uma obrigação semelhante para o esperma produzido no território francês, a qual resulta do monopólio detido pelos centros de inseminação, uma vez que só estes centros estão autorizados a produzir e a armazenar esperma em França.

38 No que respeita aos efeitos práticos da obrigação de armazenamento do esperma, não é de excluir que, mesmo se esta restrição se aplica indistintamente aos produtos nacionais e aos produtos importados, estes últimos sejam prejudicados em relação à produção nacional. Uma vez que, no caso vertente, a legislação nacional não prevê disposições sobre as condições de conservação, designadamente sobre o preço a pagar pelo importador ao centro aprovado, e que esse preço é geralmente fixado a forfait, nenhuma disposição impede os centros aprovados de aplicarem condições desproporcionadas para a entrega do esperma importado por particulares.

39 A questão de saber se o funcionamento dos centros aprovados, no que respeita às condições de entrega do esperma, conduz, em termos práticos, a criar uma discriminação do produto importado depende da apreciação dos factos que compete ao órgão jurisdicional nacional.

40 Por conseguinte, importa responder à segunda questão prejudicial que os artigos 30. e 36. do Tratado, considerados conjuntamente, o artigo 2. da Directiva 77/504/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1977, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura, e o artigo 4. da Directiva 87/328/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1987, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que impõe aos operadores económicos que importam esperma proveniente de um Estado-membro da Comunidade a obrigação de o depositarem num centro de inseminação ou de produção aprovado.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

41 As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour de cassation francesa, por acórdão de 15 de Junho de 1993, declara:

1) Os artigos 90. , n. 1, e 86. do Tratado CEE não se opõem a que um Estado-membro conceda a centros de aplicação de esperma de bovinos devidamente autorizados certos direitos exclusivos numa zona delimitada.

2) O artigo 86. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que centros de aplicação de esperma, únicos habilitados a intervir numa zona delimitada, facturem aos utilizadores, que lhes solicitam o fornecimento de esperma proveniente de centros de produção de outros Estados-membros, encargos suplementares, na condição de terem efectivamente sido suportados pelos centros de aplicação para responder às solicitações desses utilizadores.

3) Os artigos 30. e 36. do Tratado CEE, considerados conjuntamente, o artigo 2. da Directiva 77/504/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1977, que diz respeito aos animais da espécie bovina reprodutores de raça pura, e o artigo 4. da Directiva 87/328/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1987, relativa à admissão à reprodução de bovinos reprodutores de raça pura, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que impõe aos operadores económicos que importam esperma proveniente de um Estado-membro da Comunidade a obrigação de o depositarem num centro de inseminação ou de produção aprovado.