61993J0056

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Fevereiro de 1996. - Reino da Bélgica contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílios de Estado - Sistema de tarifas preferencial para fornecimentos de gás natural aos produtores neerlandeses de adubos azotados. - Processo C-56/93.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-00723


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Auxílios concedidos pelos Estados ° Conceito ° Sistema tarifário preferencial de gás natural, economicamente justificado, a favor de uma categoria de empresas ° Exclusão

(Tratado CE, artigo 92. , n. 1)

2. Auxílios concedidos pelos Estados ° Decisão da Comissão que declara uma medida nacional compatível com o artigo 92. , n. 1, do Tratado ° Apreciação económica complexa ° Fiscalização jurisdicional ° Limites

(Tratado CE, artigo 92. , n. 1)

3. Auxílios concedidos pelos Estados ° Disposições do Tratado ° Âmbito de aplicação ° Intervenções financeiras estatais que afectam a concorrência e as trocas comerciais entre Estados-Membros, independentemente dos objectivos prosseguidos

(Tratado CE, artigo 92. )

4. Actos das instituições ° Fundamentação ° Obrigação ° Alcance ° Tomada em consideração do contexto e dos antecedentes

(Tratado CE, artigo 190. )

Sumário


1. A aplicação por um Estado-Membro ou pela entidade que este influencia de uma tarifa fixada a um nível inferior ao que seria normal pode ser qualificada como auxílio na acepção do artigo 92. , n. 1, do Tratado. Em tal situação, o Tratado ou a entidade não age como um operador económico normal, mas utiliza a tarifa preferencial para conceder a determinadas empresas um benefício pecuniário ao renunciar ao lucro que poderia normalmente obter. Pelo contrário, não constitui auxílio uma tarifa preferencial que, no contexto do mercado a que se aplica, seja objectivamente justificada por razões de carácter económico, tais como a necessidade de lutar contra a concorrência exercida nesse mercado.

A esse respeito, um sistema tarifário preferencial para fornecimentos de gás natural praticado por um Estado-Membro a favor de grandes utilizadores industriais de um determinado sector produtivo não constitui um auxílio de Estado na medida em que, em primeiro lugar, essa tarifa se justifica pela necessidade de lutar contra a concorrência exercida pelas importações de países terceiros a fim de conservar uma importante clientela existente e, em segundo lugar, o preço-fronteira concedido a um distribuidor de gás natural estabelecido noutro Estado-Membro é susceptível de permitir que este conceda uma tarifa comparável aos grandes utilizadores industriais do mesmo sector produtivo no segundo Estado-Membro.

2. A fiscalização jurisdicional, que implique uma apreciação económica complexa, de um acto pelo qual a Comissão declara uma medida nacional compatível com o artigo 92. , n. 1, do Tratado deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da ausência de desvio de poder.

3. O artigo 92. do Tratado não distingue as intervenções estatais de acordo com as suas causas ou objectivos, mas define-as em função dos seus efeitos sobre a concorrência e sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros. Desta abordagem resulta que quando uma prática imputada a um Estado-Membro se justifica objectivamente por razões comerciais, o facto de corresponder também a um objectivo político não implica que seja considerada como auxílio de Estado.

4. A fundamentação exigida pelo artigo 190. do Tratado deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190. do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

Num caso em que uma decisão da Comissão que declara uma medida nacional compatível com o artigo 92. , n. 1, do Tratado foi precedida de outra decisão da Comissão relativa ao mesmo mecanismo, de um acórdão do Tribunal de Justiça que a anula, completado pelas conclusões do advogado-geral, e de uma comunicação da Comissão que reabriu o processo previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado, aos quais faz referência, há que ter em conta estes antecedentes para apreciar se a decisão está suficientemente fundamentada.

Partes


No processo C-56/93,

Reino da Bélgica, representado por Jan Devadder, director da administração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Claude A. Gonthier, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Michel Nolin e Ben Smulders, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Reino dos Países Baixos, representado por Jaap de Zwaan e Ton Heukels, consultores jurídicos adjuntos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,

interveniente,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão adoptada nos termos do artigo 93. , n. 2, do Tratado CEE, dirigida em 29 de Dezembro de 1992 aos Estados-Membros e outros interessados, relativamente a um sistema de tarifas preferencial aplicado pelos Países Baixos aos fornecimentos de gás natural aos produtores neerlandeses de adubos azotados (JO C 344, p. 4),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann (relator), P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 8 de Junho de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Setembro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Março de 1993, o Reino da Bélgica requereu, nos termos do artigo 173. do Tratado CEE, a anulação da decisão da Comissão adoptada nos termos do artigo 93. , n. 2, do Tratado CEE, dirigida em 29 de Dezembro de 1992 aos Estados-Membros e outros interessados, relativamente a um sistema de tarifas preferencial aplicado pelos Países Baixos aos fornecimentos de gás natural aos produtores neerlandeses de adubos azotados (JO C 344, p. 4, a seguir "decisão").

2 Em 25 de Outubro de 1983, a Comissão deu início ao processo previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado, relativamente a um sistema tarifário preferencial para fornecimentos de gás natural aplicado aos produtores neerlandeses de adubos azotados pela NV Nederlandse Gasunie (a seguir "Gasunie"), empresa de direito privado de que o Estado neerlandês detém, directa ou indirectamente, 50% do capital.

3 Durante o mesmo processo, a Gasunie alterou a sua estrutura tarifária, acrescentando-lhe designadamente, com efeitos retroactivos a 1 de Novembro de 1983, uma nova tarifa, dita "tarifa F", destinada a grandes utentes industriais estabelecidos nos Países Baixos, exceptuando os do sector da energia, que satisfizessem condições relativas à quantidade de gás consumido, ao coeficiente de carga apresentado e à aceitação da eventual interrupção do abastecimento bem como do fornecimento de gás de valor calorífico diferente. Na prática, a tarifa F beneficiava essencialmente os produtores neerlandeses de amoníaco destinado ao fabrico de adubos azotados. Correspondia à tarifa aplicada aos grandes clientes industriais, com um desconto variável cujo valor máximo era de 5 cêntimos/m3.

4 Em 17 de Abril de 1984, a Comissão decidiu encerrar o procedimento a que se refere o artigo 93. , n. 2, do Tratado, por a tarifa F não conter quaisquer elementos de auxílio estatal. A Comissão considerou, designadamente, que a Gasunie realizou consideráveis economias de fornecimentos devido à importância do coeficiente de carga e das condições de fornecimento apresentadas pelos grandes utilizadores industriais e, mais especificamente, pelos produtores de adubos azotados.

5 Na sequência de um recurso interposto por produtores franceses de amoníaco, o Tribunal de Justiça anulou aquela decisão por acórdão de 12 de Julho de 1990, CdF Chimie AZF/Comissão (C-169/84, Colect., p. I-3083). O acórdão baseou-se num relatório de peritagem solicitado pelo Tribunal, do qual resultava que as economias realizadas pela Gasunie nos fornecimentos de gás natural à tarifa F se elevavam, no máximo, a 0,5 cêntimos/m3, relativamente a coeficientes avaliados pela Comissão em mais de 5 cêntimos/m3, e que os descontos concedidos aos clientes da tarifa F deviam, consequentemente, resultar de outras considerações. O Tribunal de Justiça concluiu, por isso, que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos.

6 No termo da nova análise da compatibilidade da tarifa F com os artigos 92. e 93. do Tratado a que então procedeu, a Comissão chegou à conclusão de que essa tarifa se pode justificar por razões comerciais, que não favorece os produtores neerlandeses de amoníaco relativamente aos dos outros Estados-Membros e que o Estado neerlandês não teve uma influência na fixação das tarifas superior à de um accionista normal na medida em que não teve perda de receitas. Considerou, assim, que a tarifa é compatível com o mercado comum e decidiu encerrar o procedimento a que se refere o artigo 93. , n. 2, do Tratado.

7 O Reino da Bélgica interpôs o presente recurso contra a decisão de encerramento. Em apoio do mesmo, deduz três fundamentos assentes, respectivamente, em erro manifesto na apreciação dos factos, errada interpretação do artigo 92. do Tratado e falta de fundamentação.

8 Resulta do processo que a Gasunie adoptou um novo sistema tarifário, pelo que a tarifa F já não é utilizada desde 31 de Dezembro de 1991.

Quanto ao fundamento assente em erro manifesto na apreciação dos factos

9 Com este fundamento, o Reino da Bélgica contesta as duas conclusões da Comissão segundo as quais a tarifa F se justifica por razões comerciais e não favorece os produtores neerlandeses de amoníaco relativamente aos dos outros Estados-Membros.

Quanto à conclusão da Comissão de que a tarifa F se justifica por razões comerciais

10 A título liminar, recorde-se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação, por um Estado-Membro ou pela entidade que este influencia, de uma tarifa fixada a um nível inferior ao que seria normal pode ser qualificada como auxílio na acepção do artigo 92. , n. 1, do Tratado. Em tal situação, o Estado ou a entidade não age como um operador económico normal, antes utiliza a tarifa preferencial para conceder a determinadas empresas um benefício pecuniário, ao renunciar ao lucro que poderia normalmente obter. Pelo contrário, não constitui auxílio uma tarifa preferencial que, no contexto do mercado a que se aplica, seja objectivamente justificada por razões de carácter económico, tais como a necessidade de lutar contra a concorrência exercida nesse mercado (v., neste sentido, acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 28 a 30).

11 Tratando-se aqui de uma apreciação económica complexa, deve também recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o controlo jurisdicional de um acto da Comissão que envolva uma apreciação desse tipo deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da ausência de desvio de poder (v., designadamente, acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333, n. 25; de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n. 62; de 10 de Março de 1992, Ricoh/Conselho, C-174/87, Colect., p. I-1335, n. 68; e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n. 25).

12 A Comissão, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, alega que a tarifa F se justificava pela necessidade de a Gasunie lutar contra a concorrência exercida no mercado do amoníaco pelas importações de amoníaco de países terceiros.

13 A Comissão esclarece que o gás natural constitui a principal matéria-prima para a produção de amoníaco e representa cerca de 75% do respectivo preço de custo. O amoníaco, por seu turno, é o produto de base para fabrico dos adubos azotados e contribui em cerca de 60% para os respectivos preços de custo. Os produtores neerlandeses de adubos azotados produzem regra geral eles próprios o amoníaco de que necessitam e consomem anualmente cerca de 30% do gás natural fornecido pela Gasunie à indústria neerlandesa. Porém, se o preço do gás natural utilizado na produção do amoníaco for demasiado elevado, os produtores de adubos optarão por o adquirir a terceiros em vez de o produzirem eles próprios.

14 Segundo a Comissão e o Reino dos Países Baixos, nos anos 80, a situação da indústria do amoníaco na Comunidade era de tal ordem que, se a Gasunie não tivesse concedido tarifas especiais aos produtores neerlandeses de adubos azotados, arriscar-se-ia a perder este importante mercado. Entendem, deste modo, que nenhum elemento permite concluir que a Gasunie, ao fornecer gás natural à tarifa F aos produtores neerlandeses de adubos azotados, tenha actuado de modo diferente do de uma empresa privada em condições normais de mercado.

15 O Reino da Bélgica afirma que a tarifa F não era justificada por razões comerciais tendo, pelo contrário, sido aplicada por motivos políticos, a fim de conceder um benefício aos produtores neerlandeses de amoníaco. A este respeito, contesta a fundamentação da decisão litigiosa em diversos aspectos.

16 Embora admitindo que a tarifa F não era confidencial e constituía o preço-director do gás natural fornecido aos produtores de amoníaco do noroeste continental da Europa, o Reino da Bélgica adianta, em primeiro lugar, que, ao não ser publicada ° contrariamente às restantes tarifas da Gasunie °, essa tarifa não era pública.

17 Este argumento não merece acolhimento. Basta, a este respeito, como a Comissão fez, remeter para o n. 15 do acórdão CdF Chimie AZF/Comissão, já referido, no qual se declara que a tarifa F era uma tarifa pública cujas condições de acesso eram públicas e perfeitamente transparentes.

18 Em segundo lugar, o Reino da Bélgica alega que a afirmação da Comissão de que a Gasunie sempre realizou lucros durante o período em que a tarifa F esteve em vigor (v. décimo sexto parágrafo da decisão) não pode servir para justificar a circunstância de que essa tarifa era uma prática comercial corrente por ser economicamente sustentável. A esse respeito, remete para a circunstância de o lucro anual da Gasunie estar fixado previamente em 80 milhões de HFL nos termos de um acordo celebrado entre os accionistas da Gasunie e os produtores de gás natural neerlandeses. A Gasunie abastece-se de gás junto da Nederlandse Aardolie Maatschappij (a seguir "NAM"), um consórcio detido principalmente pelas sociedades Shell e Esso. A NAM explora os jazigos de gás natural neerlandeses por conta da associação Groningen, na qual detém 60% das participações e o Estado neerlandês 40%. Este último recebe cerca de 80% dos lucros provenientes das vendas de gás natural. Em conformidade com o mecanismo de fixação de preços designado "netback", a Gasunie compra gás natural à NAM a um preço que corresponde ao seu preço final de venda nos diversos mercados, do qual são deduzidos os custos de transporte e outros encargos e o seu lucro anual fixo. A Gasunie constitui apenas, assim, um centro de custos e não corre qualquer risco, dado que os seus custos e o seu lucro estão assegurados qualquer que seja o preço facturado aos clientes.

19 A Comissão, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, alega que o lucro anual de 80 milhões de HFL representa o máximo que a Gasunie pode guardar para si, devendo todo o excedente ser entregue à NAM. Efectivamente, os seus lucros efectivos durante o período de aplicação da tarifa F foram nitidamente mais elevados e foi a estes lucros efectivos que a Comissão se referiu na decisão.

20 Como o Reino da Bélgica referiu na audiência, os lucros efectivos a que a Comissão se refere são na realidade os lucros dos fornecedores da Gasunie, pelo que a decisão da Comissão carece efectivamente de clareza e exactidão quanto a este ponto. Porém, daqui não se pode extrair a conclusão de que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos. Como o Reino dos Países Baixos salientou, a afirmação da Comissão visava demonstrar que a aplicação da tarifa F constituía uma prática comercial corrente e economicamente sustentável. A este respeito, a circunstância de saber se os lucros foram realizados em último lugar pela associação Groningen em vez da Gasunie não tem importância decisiva. O argumento do Reino da Bélgica deve, por isso, ser rejeitado.

21 Em terceiro lugar, o Reino da Bélgica contesta a tese da Comissão de que os custos variáveis e os custos fixos da Gasunie se situavam largamente abaixo da tarifa F, pelo que a sociedade estava em condições de aumentar o seu rendimento líquido através das vendas àquela tarifa assegurando simultaneamente a manutenção de uma clientela importante que se arriscava a perder sem a concessão da mesma tarifa (v. décimo sétimo parágrafo da decisão). No seu critério, esta afirmação está em contradição com os relatórios anuais da Gasunie de 1990 e 1991, de onde resulta que o preço médio de aquisição do gás natural da Gasunie era superior à tarifa F.

22 A este respeito, deve salientar-se que a circunstância, aliás confirmada pela Comissão e pelo Reino dos Países Baixos, de o preço de aquisição médio ser superior à tarifa F não contraria a tese da Comissão. Efectivamente, basta verificar que o preço médio de aquisição da Gasunie é composto pelos diferentes preços de venda finais nos diversos mercados, após dedução dos custos e do seu lucro. Informações relativas ao preço médio de aquisição não podem, por isso, constituir base suficiente para contradizer a afirmação da Comissão relativa aos custos variáveis e fixos da Gasunie. Este argumento deve, por isso, ser também rejeitado.

23 Em quarto lugar, o Reino da Bélgica alega que a Comissão não pode justificar a necessidade de a Gasunie de manter a fidelidade da clientela constituída pelos produtores neerlandeses de adubos azotados com base no facto de, em 1982, ter perdido uma parte importante do mercado francês (v. vigésimo quarto parágrafo da decisão). Com efeito, esta perda foi consequência da política da própria Gasunie, dado que os Países Baixos decidiram nos anos 70, para fazer face à primeira crise petrolífera de 1973-1974, reduzir os volumes de gás natural destinados à exportação.

24 Como a Comissão e o Reino dos Países Baixos justamente afirmaram, o Reino da Bélgica não demonstrou a existência de um nexo relevante entre a decisão adoptada em 1974 e o facto de, em 1982, a Gasunie ter perdido parte do mercado francês. Este argumento deve, assim, ser rejeitado.

25 Em quinto lugar, o Reino da Bélgica contesta a seguinte afirmação da Comissão: "... Se o preço do gás que o produtor (de adubos azotados) utiliza para fabricar o amoníaco de que necessita for demasiado elevado, este comprá-lo-á, se puder, a outrem e a um preço de custo inferior ao seu, se ele próprio o produzisse (situação da Bélgica, por exemplo, em 1983)..." (vigésimo primeiro parágrafo da decisão). Para este efeito, realça que, todos os anos, os produtores belgas de adubos azotados importam amoníaco para cobrir o défice entre a produção e o consumo e que não foi referido que as importações de 1983 tiveram outra causa nem que o nível da produção tivesse sido anormalmente baixo.

26 A Comissão apresentou dados relativos às importações belgas de amoníaco entre 1980 e 1991 que demonstram um decréscimo importante da produção belga de amoníaco. Assim, a parte das necessidades belgas de amoníaco coberta pelas importações passou de 38%, em 1982, para 51%, em 1983, e, seguidamente, para mais de 70% no início dos anos 90. Estes números, que não foram contestados pelo Reino da Bélgica, mostram que a Comissão podia razoavelmente remeter para o exemplo da Bélgica, em apoio da sua tese relativa às reacções dos produtores de adubos azotados ao preço relativamente elevado do gás natural. Este argumento deve, por isso, ser também rejeitado.

27 Em sexto lugar, o Reino da Bélgica considera que a Comissão se refere a mercados que não são susceptíveis de comparação ao afirmar que, de 1981 a 1991, os preços dos fornecimentos de gás natural, verificados ou calculados, que os produtores de amoníaco nos Estados Unidos, Venezuela, Trindade e Tobago e no Médio Oriente podiam praticar foram sempre francamente inferiores às tarifas neerlandesas (v. vigésimo segundo parágrafo da decisão). Em seu entender, os baixos preços praticados naqueles países representam o valor real do gás natural nos respectivos mercados, enquanto a tarifa F se situa abaixo do valor do gás natural no mercado europeu. Para este efeito, apresenta números que demonstram que a tarifa F era inferior ao preço praticado nos diferentes países europeus para o mercado do fornecimento ininterrupto a grandes consumidores industriais que dispõem de queimadores bi-fuel.

28 Além disso, segundo o Reino da Bélgica, ao contrário do que se passa neste último mercado, as eventuais interrupções de fornecimento no mercado do amoníaco provocam obstáculos técnicos e comerciais dificilmente ultrapassáveis, dado que os produtores de amoníaco não dispõem de matéria-prima de substituição. Como estes fornecimentos devem ser regulares e contínuos, o gás natural tem um valor intrínseco mais elevado para os produtores de amoníaco do que para os outros sectores industriais.

29 Estes argumentos devem ser rejeitados. Desde logo, a Comissão observa correctamente que não procurou comparar os mercados dos referidos países terceiros com o da Comunidade, mas se limitou a demonstrar que os produtores de amoníaco originários desses países terceiros são concorrentes reais e importantes dos produtores de amoníaco estabelecidos na Comunidade.

30 Deve ainda constatar-se que a afirmação do Reino da Bélgica do que a tarifa F era inferior ao valor do gás natural no mercado comunitário é irrelevante tendo em conta o sistema de formação dos preços do gás natural. Como o valor do gás natural é determinado pelo mercado a que se destina ° ou seja, no caso presente, o sector dos produtores de amoníaco °, a relação entre a tarifa F e o preço do gás natural destinado ao mercado dos grandes clientes industriais que dispõem de queimadores bi-fuel não é relevante para uma tomada de posição quanto à questão de saber se a Comissão podia fundamentar dessa forma a sua decisão. Efectivamente, a questão decisiva é a de saber se as condições concorrenciais do mercado eram de forma a justificar que a Gasunie concedesse aos produtores neerlandeses de amoníaco um preço inferior ao que aplicava a outros sectores industriais. Esta questão será, todavia, analisada adiante.

31 O argumento do Reino da Bélgica que consiste na falta de possibilidade real de interrupção dos fornecimentos de gás aos produtores de amoníaco e da influência que este facto exerce sobre o valor do gás destinado a esse mercado também não é relevante. Mesmo supondo que esse argumento fosse procedente, em nada contraria a conclusão da Comissão segundo a qual, se o preço do gás for demasiado elevado relativamente ao preço do amoníaco importado, os produtores de adubos azotados optarão por abandonar a sua própria produção de amoníaco.

32 Em sétimo lugar, o Reino da Bélgica contesta a tese da Comissão de que os fornecimentos para exportação e, nomeadamente, para a Bélgica, Alemanha e França, eram menos vantajosos, do ponto de vista do preço e da necessidade de realizar novos investimentos (v. vigésimo quarto parágrafo da decisão). Alega que os preços para exportação eram mais elevados do que a tarifa F, que a infra-estrutura existente permitia aumentar os volumes de exportação sem novos investimentos e que existia procura suficiente nos mercados de exportação para compensar a diminuição das vendas aos produtores neerlandeses de adubos azotados. Efectivamente, no entender do Reino da Bélgica, essa diminuição teria provavelmente sido progressiva, tendo em conta os investimentos importantes realizados nos Países Baixos pelos produtores de adubos azotados.

33 O Reino da Bélgica acrescenta que o Reino dos Países Baixos também podia ter decidido limitar a produção de gás natural neerlandês de maneira a prolongar a duração dos seus jazigos de gás natural.

34 A Comissão e o Reino dos Países Baixos afirmam que, sem a aplicação da tarifa F, a Gasunie teria rapidamente perdido um mercado importante sem poder substituí-lo por mercados de exportação. Os contratos para exportação de gás natural são celebrados a longo prazo, por razões de garantia do abastecimento e, por essa razão, seria impossível à Gasunie, num curto espaço de tempo, substituir as suas vendas aos produtores neerlandeses de amoníaco por exportações. Efectivamente, as vendas da Gasunie aos produtores neerlandeses de amoníaco representam um terço das vendas à indústria neerlandesa e são praticamente iguais em volume à totalidade do gás natural vendido pela Gasunie na Bélgica. Um aumento das exportações provocaria, além disso, problemas técnicos no que respeita à qualidade do gás natural, à sua pressão, etc. Por outro lado, o preço para exportação era superior à tarifa F por reflectir a média dos diferentes preços nos diversos mercados sectoriais no país de importação. Dado que o mercado de exportação estava saturado, os significativos volumes suplementares de gás natural apenas poderiam ser exportados a preços sensivelmente mais baixos. No critério da Comissão, a prova do risco a que a Gasunie estava sujeita foi fornecida pelo encerramento, durante os anos de 1992 e 1993, de numerosas fábricas de amoníaco na Comunidade devido a importações maciças de amoníaco dos países de Leste.

35 À luz dos argumentos apresentados pela Comissão e pelo Reino dos Países Baixos, há que declarar que o Reino da Bélgica não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a Gasunie não poderia compensar a diminuição das vendas aos produtores neerlandeses de adubos azotados pelo aumento das vendas para exportação.

36 Quanto à possibilidade de restringir a produção, deve salientar-se, como faz o advogado-geral do ponto 71 das conclusões, que essa as restrição implicaria a diminuição dos rendimentos e, consequentemente, uma realização mais lenta do capital investido. Nestas condições, deve declarar-se que o Reino da Bélgica de forma alguma evidenciou que a solução que propôs teria sido comercialmente razoável.

37 Por último, o Reino da Bélgica contesta a própria essência da argumentação da Comissão segundo a qual a tarifa F era justificada pela necessidade de lutar contra a concorrência exercida no mercado do amoníaco pelas importações de países terceiros. Alega que essa conclusão é contrariada pela circunstância de a tarifa F ter sido concedida aos produtores neerlandeses de adubos azotados sem haver qualquer necessidade de lutar contra a concorrência do amoníaco importado, dado o preço do amoníaco ser elevado. A este respeito, o Reino da Bélgica baseia-se nos quadros fornecidos pela Comissão, de onde resulta que o desconto mínimo de 5 cêntimos/m3 da tarifa F foi concedido em períodos em que o preço do amoníaco importado era elevado, tendo sido concedido um desconto menor em outras alturas, quando o preço do amoníaco era mais baixo.

38 Como a Comissão e o Reino dos Países Baixos correctamente afirmam, as variações da tarifa F devem ser apreciadas por referência aos preços relativos do gás industrial e do amoníaco importado, quaisquer que sejam os seus níveis absolutos. Quando o preço do gás natural é relativamente elevado quando comparado com o do amoníaco importado, pode ser comercialmente vantajoso para um produtor de adubos azotados adquirir amoníaco em vez de o produzir.

39 Ora, como o advogado-geral declarou nos pontos 86 a 91 das suas conclusões, os quadros fornecidos pela Comissão demonstram que a tarifa F seguia, de modo geral, as flutuações dos mercados do gás natural e do amoníaco, podendo determinadas discrepâncias no tempo ser explicadas por problemas de adaptação ocasionais. Na falta de esclarecimentos e provas adicionais por parte do Reino da Bélgica, deve, por isso, declarar-se não ter sido provado que, ao entender que a tarifa F era necessária para lutar contra a concorrência exercida no mercado do amoníaco pelas importações de países terceiros, a fim de manter a importante clientela existente, a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de apreciação nesta matéria.

40 Resulta do que acaba de ser dito não proceder a primeira parte deste fundamento.

Quanto à conclusão da Comissão de que a tarifa F não favoreceu os produtores neerlandeses de amoníaco relativamente aos dos outros Estados-Membros

41 É aceite pelas partes que a determinação do preço-fronteira acordado entre a Gasunie e a companhia de distribuição belga Distrigaz se baseou num mecanismo denominado "netback", nos termos do qual o preço de compra é determinado a partir do valor de mercado do gás natural em função das diferentes utilizações que dele são feitas no país de importação, após dedução dos custos de transporte e de distribuição da Distrigaz e da sua margem de lucro. O preço-fronteira representa a média dos diversos valores de mercado do gás natural calculada através dos volumes previstos para cada sector. O valor de mercado do gás natural em cada sector é, em grande parte, determinado pelo preço dos produtos petrolíferos concorrentes ° o gasóleo no que respeita ao sector doméstico/comercial e o fuel pesado no que respeita ao sector industrial ° acrescido de um prémio que atende às vantagens do gás natural.

42 Está também assente que este modelo apenas forneceu a base sobre a qual ocorreram negociações comerciais entre as partes, durante as quais cada uma delas tentou obter da outra o preço mais vantajoso. Estas negociações levaram ao estabelecimento de um preço global aplicável a todas as vendas de gás natural da Gasunie à Distrigaz. Este preço-fronteira seria renegociado de três em três anos.

43 O Reino da Bélgica contesta a afirmação da Comissão de que as sociedades de distribuição francesa, belga e alemã beneficiavam, por parte da Gasunie e no que respeita às quantidades destinadas à indústria dos adubos azotados, de um preço-fronteira sensivelmente correspondente à tarifa F (v. oitavo parágrafo, quarto travessão, da decisão).

44 A este respeito afirma, em primeiro lugar, que o preço-fronteira para exportações de gás natural neerlandês para a Bélgica foi durante longos períodos superior à tarifa F.

45 Este argumento não merece acolhimento. Como a Comissão e o Reino dos Países Baixos salientaram, existem mercados sectoriais, como o mercado doméstico, que permitem obter preços de venda mais elevados do que os que se aplicam aos sectores industriais, incluindo o dos produtores de adubos azotados. É, por isso, natural que o preço-fronteira, enquanto preço global que tem em consideração a média dos diferentes preços nos diversos mercados sectoriais, possa ser mais elevado do que a tarifa F.

46 Em segundo lugar, o Reino da Bélgica afirma que o preço-fronteira era um preço único negociado para todo o mercado, sem que fosse possível separar objectivamente os componentes correspondentes aos diversos mercados sectoriais. Em apoio deste argumento, alega que o prémio pago pelo gás natural em relação às energias alternativas era um prémio global acordado para todo o mercado. Além disso, a indemnização a pagar na hipótese de menor consumo (princípio do "take or pay"), ou o preço de venda no caso de aquisição de quantidades complementares relativamente às quantidades anuais contratadas, era facturado ao preço-fronteira único, qualquer que fosse o sector do mercado onde se verificasse a redução ou aumento de volume.

47 Esta argumentação deve também ser rejeitada. Mesmo admitindo que o preço-fronteira seja um preço único, do qual é impossível deduzir retroactivamente as componentes iniciais, isso não é decisivo, na medida em que é pacífico que o preço-fronteira é parcialmente determinado com base num mecanismo de formação de preços que toma em consideração o valor de mercado do gás natural nos diversos sectores do mercado.

48 Em terceiro e último lugar, o Reino da Bélgica contesta que, nas negociações entre a Gasunie e a Distrigaz relativas ao preço-fronteira, tenha sido especificamente considerado o mercado dos produtores belgas de adubos azotados. Em seu critério, o valor de mercado tomado em consideração para as quantidades destinadas a esse mercado não difere do que foi tomado em consideração relativamente às outras utilizações industriais, não estando, por isso, situado a um nível sensivelmente igual ao da tarifa F.

49 A este respeito, deve recordar-se que, segundo a Comissão e o Reino dos Países Baixos, o valor de mercado do gás natural que não é utilizado como combustível ou carburante, mas sim como matéria-prima, é influenciado não apenas pelo preço dos produtos petrolíferos concorrentes, mas também pelo de outras matérias-primas, entre as quais, no caso presente, o amoníaco importado.

50 O Reino da Bélgica parece não contestar a circunstância de o valor de mercado do gás natural destinado aos produtores de adubos azotados ser também influenciado pelo preço do amoníaco importado. Aliás, observa mesmo que a Distrigaz concedeu aos produtores belgas de adubos azotados, durante uma grande parte do período em questão, um desconto semelhante à tarifa F.

51 Além disso, esta tese é confirmada pelo relatório da peritagem efectuada a pedido do Tribunal de Justiça no âmbito de processo CdF Chimie AZF/Comissão, já referido, cuja passagem relevante está citada no décimo oitavo parágrafo da decisão litigiosa. Assim, os peritos verificaram que, quando o gás natural é utilizado como matéria-prima num processo industrial e quando o preço dessa matéria-prima desempenha um papel essencial para a determinação do custo do produto acabado ° como é o caso na produção do amoníaco °, não é apenas o preço das matérias-primas alternativas que é determinante para a fixação do preço da matéria-prima no mercado, mas também o preço de mercado do produto acabado, que é um factor essencial. Os peritos acrescentaram que a apreciação do preço máximo que a fábrica de amoníaco está disposta a pagar pela matéria-prima (por exemplo, pelo gás natural), mantendo-se em situação de concorrência no mercado do produto acabado (por exemplo, o amoníaco), envolve um processo complexo.

52 O Reino da Bélgica afirma, em contrapartida, que, durante as negociações entre a Gasunie e a Distrigaz, as vendas de gás natural aos produtores belgas de adubos azotados não foram consideradas como constituindo um segmento separado do mercado para a fixação do preço-fronteira. Em seu entender, estas vendas foram simplesmente incluídas nas vendas de gás natural no mercado industrial em geral, e o respectivo preço só foi, por isso, influenciado pelo do fuel pesado e não pelo do amoníaco. Efectivamente, a Gasunie sempre se recusou a ter em conta o preço de venda do gás natural aos sectores industriais menos valorizados, como o sector do amoníaco, entendendo deverem ser obtidas reduções das quantidades vendidas a estes sectores junto dos fornecedores norueguês e argelino da Distrigaz.

53 Além disso, o Governo belga alega que o preço-fronteira contratual só estava indexado relativamente à evolução do preço dos produtos petrolíferos. Não estava prevista qualquer indexação relativa à evolução do preço do amoníaco.

54 Em apoio da sua argumentação, o Governo belga apresenta um quadro intitulado "Simplified Presentation of Netback Analysis", que mostra apenas dois sectores: o sector doméstico/comercial, cujo valor de mercado é calculado com referência ao preço do gasóleo, e o sector industrial, cujo valor de mercado é calculado relativamente ao fuel pesado.

55 O Reino da Bélgica contesta que o quadro fornecido pela Comissão sobre o mecanismo de formação de preços possa ser utilizado como base para a resolução do presente processo. Em qualquer hipótese, este quadro, em seu entender, não é susceptível de fundamentar a tese da Comissão. Para este fim, considera que, mesmo admitindo que, para determinação do preço-fronteira, tivesse sido tido em conta um valor de mercado diferente para cada sector industrial, o quadro demonstra que, no que toca ao sector dos adubos azotados, o valor de mercado foi também determinado com referência ao preço do fuel pesado e não em função do preço do amoníaco.

56 Por último, o Reino da Bélgica salienta que, ao alinhar o seu preço de venda do gás natural destinado aos produtores belgas de adubos azotados com o preço-director neerlandês, a Distrigaz sofreu perdas importantes neste sector de mercado. Só no período de Outubro de 1984 a Outubro de 1986, durante o qual a Gasunie concedeu um desconto à Distrigaz relativamente a uma parte designada "defensiva", equivalente a 20% do volume total de gás natural adquirido, pôde a Distrigaz fornecer gás natural aos produtores belgas de amoníaco a um preço correspondente à tarifa F sem suportar perdas. Quanto à taxa de lucro global da Distrigaz durante o período de referência, foi nitidamente inferior à da Gasunie.

57 A Comissão e o Reino dos Países Baixos afirmam que a parte do preço-fronteira que reflecte o mercado sectorial dos clientes industriais tinha em conta todos os sectores da indústria, entre os quais figura o dos produtores de adubos azotados. Por esse motivo, o preço-fronteira concedido à Distrigaz permitia-lhe conceder aos produtores de adubos azotados belgas uma tarifa comparável à tarifa F. É, assim, possível afirmar que, no que toca às quantidades destinadas à indústria dos adubos azotados, a Gasunie aplicou um preço-fronteira sensivelmente igual à tarifa F. A esse respeito, a Comissão baseia-se num quadro elaborado pelo Ministério dos Assuntos Económicos neerlandês, que divide o sector industrial em diversos segmentos distintos, entre os quais o dos adubos, o do papel, o das construções mecânicas, o da química, etc.

58 No que toca à parte defensiva concedida à Distrigaz, a Comissão salienta que constitui aproximadamente 7,5% do consumo belga de gás natural, o que corresponde às quantidades de gás natural utilizadas pelos produtores belgas de adubos azotados durante o período de referência. A Comissão realça o paralelismo que existe entre a aplicação da parte defensiva no que toca às vendas à Distrigaz e o desconto concedido aos produtores neerlandeses de adubos azotados. Efectivamente, só durante a aplicação na parte defensiva é que o desconto da tarifa F, analisado periodicamente e recalculado em função do preço do amoníaco, se situou ao nível máximo de 5 cêntimos/m3. Nos outros períodos, situou-se a um nível inferior.

59 Por último, no que respeita às perdas registadas pela Distrigaz nas vendas aos produtores de adubos azotados, a Comissão considera-as fictícias e imputáveis à prática contabilística da Distrigaz, segundo a qual o seu lucro era, em todos casos, calculado por referência ao preço-fronteira global. Na realidade, estas perdas eram compensadas por vendas a outros utilizadores a preço superior ao preço-fronteira global. Com efeito, a Distrigaz realizou lucros globais substanciais crescentes durante o período de referência.

60 Deve, desde logo, salientar-se, como observou o advogado-geral no ponto 46 das suas conclusões, que o quadro fornecido pelo Reino da Bélgica, que afirma ser simplificado, não contraria directamente o apresentado pela Comissão, que visa dar conta de modo mais detalhado da formação dos preços sectoriais. Além disso, o Reino da Bélgica não apresentou argumentos susceptíveis de demonstrar que o quadro da Comissão não constitui uma representação exacta da base formal em que se fundaram as negociações entre a Gasunie e a Distrigaz.

61 Em contrapartida, é certo que, como salientou o Reino da Bélgica, a segunda coluna do quadro apresentado pela Comissão, relativa à "determinação do fuel alternativo", inclui a indicação "na maior parte fuel oil" relativamente a todos os sectores da indústria, incluindo o dos adubos.

62 Deve, contudo, observar-se que o quadro contém, além disso, uma terceira coluna relativa ao "valor de mercado por sector", de onde resulta que o valor de mercado do gás natural é calculado separadamente para o sector dos adubos. Como já foi referido nos n.os 49 a 51, o valor de mercado do gás natural destinado ao sector dos adubos azotados é influenciado não apenas pelo preço dos produtos petrolíferos concorrentes, mas também pelo do amoníaco. Nestas condições, como salientou o advogado-geral no ponto 47 das suas conclusões, a simples falta de referência expressa no quadro à influência do preço do amoníaco sobre o do gás natural destinado ao sector dos adubos azotados não é suficiente para demonstrar que não foi tido em conta na elaboração do preço-fronteira.

63 Além disso, como a Comissão alega, o facto de a Distrigaz ter registado perdas nas vendas ao sector dos adubos azotados em nada demonstra que o preço-fronteira não tivesse em conta este mercado, dado que essas perdas foram calculadas com referência ao preço-fronteira global e, assim, compensadas por lucros realizados noutros mercados sectoriais que permitiram obter um preço de venda superior ao preço-fronteira. Relativamente ao facto de a taxa de lucro global da Distrigaz ser inferior à da Gasunie, isso pode explicar-se por outros factores, como o advogado-geral salientou no ponto 37 das suas conclusões, também não bastando, por isso, para provar a tese do Reino da Bélgica.

64 Por último, embora o Reino da Bélgica pareça ter razão ao considerar que a parte do preço-fronteira que reflecte o segmento dos adubos azotados foi indexada relativamente à evolução do preço dos produtos petrolíferos e não relativamente à do preço do amoníaco, isso não pode ser determinante.

65 Como o advogado-geral realçou nos pontos 41, 42, 48 e 49 das suas conclusões, há que considerar, com base nas informações de que o Tribunal de Justiça dispõe no presente processo, que a parte defensiva era uma medida excepcional, que visava completar o desconto concedido à Distrigaz através do preço-fronteira para o gás natural destinado aos produtores de adubos azotados, no momento em que o desconto concedido nos Países Baixos nos termos da tarifa F atingia o máximo de 5 cêntimos/m3, sendo que esta medida excepcional substituía, assim, um mecanismo de indexação formal.

66 Destas considerações resulta que o Reino da Bélgica não demonstrou que a Comissão, ao considerar que o preço-fronteira concedido à Distrigaz lhe permitia conceder aos produtores belgas de adubos azotados uma tarifa equiparável à tarifa F, fez uma apreciação manifestamente errada dos dados económicos.

67 Na réplica, o Reino da Bélgica alegou existir uma distorção em prejuízo do sector belga do amoníaco, dado que o preço-fronteira incluía o imposto para protecção do meio ambiente neerlandês, a "milieuheffing", sendo que esse imposto era reembolsado aos produtores neerlandeses de amoníaco. O Reino da Bélgica invocou, por outro lado, a obrigação de os produtores belgas de amoníaco pagarem um suplemento de 5 BFR por cada mil milhões de joules.

68 A este respeito, convém recordar que, nos termos do artigo 42. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Não sendo esse o caso presente, este fundamento deve ser rejeitado.

69 Nestas circunstâncias, a segunda parte do primeiro fundamento é igualmente improcedente e, assim, o presente fundamento deve ser rejeitado na totalidade.

Quanto ao fundamento que assenta na errada interpretação do artigo 92. do Tratado

70 O Reino da Bélgica alega, em primeira lugar, que justificar a tarifa F através dos preços mais baixos do gás natural noutros países contraria a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig (78/76, Colect., p. 203, n. 24), segundo a qual um Estado-Membro não pode justificar a violação do artigo 92. do Tratado pelo facto de outros Estados-Membros também não respeitarem essa disposição. Além disso, a Comissão não analisou as condições específicas dos mercados do gás natural ou do amoníaco nos Estados-Membros em que os preços eram mais baixos do que nos Países Baixos.

71 O Reino da Bélgica refere-se, a este respeito, à afirmação da Comissão de que os produtores de amoníaco na Itália, no Reino Unido e na Irlanda obtinham, para as suas necessidades de gás natural, preços de fornecimento muitos inferiores às tarifas em vigor nos Países Baixos, na Bélgica e em França (v. oitavo parágrafo, terceiro travessão, da decisão).

72 Ora, deve declarar-se que a Comissão não sugere, neste parágrafo, que os preços aplicados nos referidos Estados-Membros constituíam auxílios de Estado. Pelo contrário, salienta expressamente que os preços em questão se justificavam comercialmente. Assim, a primeira parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

73 Em segundo lugar, o Reino da Bélgica remete para a tese da Comissão, extraída do relatório da peritagem referido no n. 51, segundo a qual, se o gás natural é utilizado como matéria-prima e se o preço desta matéria-prima desempenha um papel essencial na determinação do custo do produto acabado, o respectivo preço não depende apenas do produto de substituição mas também do próprio produto final (v. décimo oitavo parágrafo da decisão). Em seu entender, esta tese é contrária à posição adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Recueil, p. 207, n. 229), no qual o Tribunal decidiu que o jogo da oferta e da procura apenas deve ser aplicado, no essencial, a cada fase em que esse jogo funcione efectivamente.

74 Esta segunda parte do fundamento deve também ser rejeitada. Na fundamentação do acórdão United Brands/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça pretende demonstrar que os mecanismos do mercado são negativamente afectados quando o preço é calculado atendendo à lei da oferta e da procura, não entre o vendedor e o comprador, no caso concreto distribuidores, mas, saltando um escalão do mercado, entre o vendedor e o consumidor final (v. n. 230 do acórdão). Esta fundamentação em nada contraria a argumentação da Comissão segundo a qual a procura de gás natural por parte dos produtores de adubos azotados é efectivamente influenciada pela concorrência exercida pelo amoníaco importado.

75 Em terceiro lugar, o Reino da Bélgica afirma que, ao contrário do que impõe o n. 30 do acórdão Van der Kooy e o./Comissão, já referido, a Comissão não atendeu na decisão aos encargos a suportar pelos produtores de adubos azotados para substituírem a produção de amoníaco a partir de gás natural pela aquisição directa de amoníaco.

76 Como a Comissão observou, não se trata, no presente caso, de os produtores de adubos azotados procederem à transformação das suas instalações, mas apenas de renunciarem a uma fase da produção, ou seja, à produção de amoníaco. No entender da Comissão, os encargos a suportar para este efeito não podem deixar de ser marginais. Uma vez que o Reino da Bélgica não procurou demonstrar a inexactidão desta afirmação da Comissão, há que rejeitar a terceira parte do fundamento.

77 Em quarto lugar, o Reino da Bélgica, baseando-se no acórdão Van der Kooy e o./Comissão, já referido, n. 28, afirma que a Comissão deveria ter analisado se a Gasunie renunciara a um lucro que poderia ter realizado. Refere, além disso, que a tarifa F mantém a natureza de medida estatal destinada a conceder um benefício pecuniário a determinadas empresas, mesmo que uma decisão política destinada a manter os produtores de adubos azotados nos Países Baixos possa também, talvez, ter interesse económico para a Gasunie, como declarou o relatório da peritagem elaborado no âmbito do processo CdF Chimie AZF/Comissão, já referido.

78 Esta quarta parte do fundamento deve também ser rejeitada. Desde logo, não se pode imputar à Comissão o não ter expressamente afirmado na sua decisão que a Gasunie não renunciara ao lucro que poderia normalmente realizar, na medida em que a Comissão enumerou precisamente as razões pelas quais, em seu entender, nenhum elemento permitia concluir que a Gasunie, ao fornecer gás à tarifa F aos produtores neerlandeses de adubos azotados, se comportara de forma diferente da de uma empresa privada nas condições do mercado em causa.

79 Além disso, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o artigo 92. do Tratado não distingue as intervenções em causa de acordo com as suas causas ou objectivos, mas define-as em função dos seus efeitos (acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, e de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colect., p. 901, n. 8). Quando uma prática se justifica objectivamente por razões comerciais, o facto de corresponder também a um objectivo político não implica que constitua auxílio de Estado na acepção do artigo 92. do Tratado.

80 Em quinto lugar, o Reino da Bélgica censura a Comissão por não ter esclarecido a contradição existente entre as condições oficiais de aplicação da tarifa F e a prática da Gasunie, que, por um lado, não aplicava essa tarifa aos grandes consumidores que satisfaziam as condições previstas mas não se incluíam no sector dos adubos azotados, e, por outro, a aplicava a produtores de adubos azotados que não preenchiam as condições de volume exigidas.

81 A este respeito, deve recordar-se que o artigo 92. do Tratado só se aplica aos auxílios concedidos pelos Estados, ou através dos recursos do Estado, que favoreçam determinadas empresas ou determinadas produções. No acórdão CdF Chimie AZF/Comissão, já referido, n. 23, o Tribunal de Justiça declarou que a tarifa F revestia carácter sectorial na medida em que se aplicava a determinadas empresas, isto é, aos produtores neerlandeses de amoníaco.

82 Na decisão, a Comissão reconhece o carácter sectorial da tarifa F. Assim, refere que a Gasunie tinha também alguns outros clientes cujo consumo de gás era comparável ao de determinados fabricantes de adubos no que respeita às quantidades, embora a sua existência não estivesse ameaçada. Esclarece que, quando existe uma necessidade comercial, é prática comercial corrente a concessão de uma redução de preços por parte de uma empresa se a mesma for sustentável do ponto de vista económico. Esta necessidade não existia em relação a estes clientes, para os quais não se colocava uma ameaça de substituição (v. décimo quinto parágrafo da decisão).

83 Nestas condições, a Comissão não pode ser acusada de não ter tentado esclarecer as razões pelas quais a Gasunie poderia ter tido interesse em fixar condições formais e aparentemente neutras, em lugar de afirmar expressamente que se tratava de uma tarifa sectorial.

84 Dado que esta última parte do segundo fundamento deve também ser rejeitada, há que rejeitar o fundamento na totalidade.

Quanto ao fundamento assente na falta de fundamentação

85 O Reino da Bélgica alega que a fundamentação da decisão não satisfaz os requisitos do artigo 190. do Tratado CEE por ser incompreensível e insuficiente e, além disso, que a conclusão da Comissão não se baseia na fundamentação.

86 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190. do Tratado deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. Resulta, além disso, desta jurisprudência, que não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190. do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.os 15 e 16, e de 9 de Novembro de 1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft, C-466/93, Colect., p. I-3801, n. 16).

87 No caso presente, há que ter em conta a circunstância de a decisão da Comissão ter lugar posteriormente a uma decisão da Comissão, a um acórdão do Tribunal de Justiça que anulou essa decisão e a uma comunicação da Comissão que reabriu o processo previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado, e convidou as partes interessadas a apresentarem as suas observações (JO 1992, C 10, p. 3), aos quais, por outro lado, faz referência.

88 O Reino da Bélgica salienta que a decisão não descreve a tarifa F e as condições a que está sujeita a sua aplicação, e não esclarece que o desconto da tarifa F era variável.

89 A esse respeito, deve declarar-se que estes elementos estão referidos quer no acórdão do Tribunal de Justiça que anulou a decisão anterior e nas conclusões do advogado geral J. Mischo apresentadas no mesmo processo, quer na comunicação da Comissão que reabriu o processo previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado. Deve, assim, considerar-se que os interessados tiveram a possibilidade de os conhecer e de apresentar ao Tribunal de Justiça o seu ponto de vista a esse respeito.

90 Quanto ao resto, os elementos adiantados pelo Governo belga no âmbito deste fundamento constituem, como constatou o advogado-geral nos pontos 110 e 111 das conclusões, uma repetição dos argumentos já anteriormente invocados em apoio do fundamento que assenta na errada interpretação do artigo 92. do Tratado. Devem, por isso, ser também rejeitados no presente contexto.

91 Resulta do que antecede que o terceiro fundamento deve ser rejeitado.

92 Dado que não procede qualquer dos fundamentos apresentados pelo Reino da Bélgica, deve ser negado provimento ao recurso.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

93 Por força do disposto no artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada na despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que a Comissão o requereu e o Reino da Bélgica foi vencido, há que condená-lo nas despesas. Nos termos do n. 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Reino dos Países Baixos, interveniente, suportará as respectivas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) O recorrente é condenado nas despesas.

3) O interveniente suportará as respectivas despesas.