61993J0044

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 9 DE AGOSTO DE 1994. - NAMUR-LES ASSURANCES DU CREDIT SA CONTRA OFFICE NATIONAL DU DUCROIRE E ESTADO BELGA. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR D'APPEL DE BRUXELLES - BELGICA. - AUXILIOS DE ESTADO - AUXILIOS EXISTENTES OU NOVOS - AMPLIACAO DO AMBITO DE ACTIVIDADE DE UM ESTABELECIMENTO PUBLICO QUE BENEFICIA DE VANTAGENS CONCEDIDAS PELO ESTADO. - PROCESSO C-44/93.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-03829


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Auxílios concedidos pelos Estados ° Auxílios existentes e novos auxílios ° Ampliação do âmbito de actividade de um estabelecimento público de seguro de crédito à exportação que beneficiava de auxílios, cujo regime não fora entretanto alterado, anteriores à entrada em vigor do Tratado ° Qualificação como auxílio existente ° Obrigação de notificação prévia ° Inexistência

(Tratado CEE, artigo 93. , n.os 1 e 3)

Sumário


No caso de um estabelecimento público, que apenas de forma marginal praticava o seguro de crédito à exportação para outros Estados-membros, decidir, com o aval da autoridade de tutela, passar a exercer essa actividade sem qualquer limitação geográfica, com a consequência de os auxílios públicos que recebia nos termos de uma legislação anterior à entrada em vigor do Tratado beneficiarem de futuro as actividades assim ampliadas, não é possível entender estar-se perante a hipótese referida no n. 3 do artigo 93. do Tratado de instituição ou alteração de um auxílio, se essa decisão for tomada sem que se proceda a uma alteração do regime de auxílios instituído pela lei.

Daqui resulta que os auxílios concedidos nessas condições, sendo que se integram num regime de auxílios existente antes da entrada em vigor do Tratado, não estão sujeitos à obrigação de notificação prévia e à proibição de execução previstas no n. 3 do artigo 93. , mas devem ser objecto do exame previsto no n. 1 do mesmo artigo.

Com efeito, não é possível, sem introduzir um elemento de insegurança jurídica, obrigar os Estados-membros a notificar à Comissão e a submeter à sua fiscalização preventiva não apenas os novos auxílios ou as modificações de auxílios propriamente ditas concedidos a uma empresa beneficiária de um regime de auxílios existentes, mas todas e quaisquer medidas que afectassem a actividade dessa empresa, susceptíveis de se reflectir no funcionamento do mercado comum, no jogo de concorrência ou pura e simplesmente no montante efectivo, durante determinado período, de auxílios instituídos como princípio, necessariamente varáveis no seu montante, contudo, em função do volume de negócios da empresa.

Partes


No processo C-44/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela cour d' appel de Bruxelas, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Namur-Les assurances du Crédit SA

e

1) Office national du ducroire,

2) Estado belga,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 92. e 93. do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, M. Diez de Velasco e D. A. O. Edward, presidentes de secção, C. N. Kakouris, R. Joliet, F. A. Schockweiler, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse (relator), M. Zuleeg, P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz

secretário: R. Grass

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Namur-Les assurances du crédit, recorrente no processo principal, por Pierre van Ommeslaghe, advogado na Cour de cassation da Bélgica,

° em representação do Estado Belga e do Office national du ducroire, recorrido no processo principal, respectivamente por Jan Devadder, director administrativo no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e por Georges van Hecke, advogado na Cour de cassation, e Bernard van de Walle de Ghelcke, advogado no foro de Bruxelas,

° em representação do Governo francês, por Philippe Pouzoulet, subdirector dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e por Catherine de Salins, consultora dos negócios estrangeiros, na qualidade de agente suplente,

° em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Antonino Abate, consultor jurídico principal, e Ben Smudlers, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Namur-Les assurances du crédit, do Estado belga e do Office national du ducroire, do Governo francês, representado por Jean-Marc Belorgey, chefe de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 4 de Maio de 1994,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Junho de 1994,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 5 de Fevereiro de 1993, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Fevereiro de 1993, a cour d' appel de Bruxelas colocou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 92. e 93. do Tratado.

2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opunha inicialmente a sociedade Namur-Les assurances du crédit SA (a seguir "Namur AC") e a Compagnie belge d' assurance crédit SA (a seguir "Cobac") ao Office national du ducroire (a seguir "OND") e ao Estado belga.

3 Nos termos da lei belga de 31 de Agosto de 1989, relativa à OND, este organismo, que é um estabelecimento público encarregado, designadamente, de garantir os riscos relativos às operações de comércio externo, beneficia de diversas vantagens: garantia do Estado, formulada como princípio geral, dotação como capital de obrigações do Estado produtoras de rendimentos, cobertura pelo Estado do défice anual da tesouraria, isenção da taxa sobre os contratos de seguro e do imposto sobre sociedades.

4 Desde 1935, a OND e a Cobac, a empresa privada de seguro de crédito mais antiga da Bélgica, estavam vinculadas por um convénio de resseguro, nos termos do qual a OND garantia "a assunção, por via de resseguro facultativo, da totalidade ou parte dos contratos celebrados pela Compagnie enquanto seguradora a título primário". Esse convénio, que não estabelecia qualquer restrição especial ao âmbito de actividade da OND, foi posteriormente substituído por um convénio de colaboração, nos termos do qual o estabelecimento público apenas garantia a título excepcional os riscos comerciais relativos às operações de exportação de bens e serviços para a Europa Ocidental, riscos esses normalmente assumidos pela Cobac. Este último convénio foi rescindido pela OND no final de 1988, com o fundamento de que constituía uma partilha de mercado proibida pelas normas comunitárias sobre concorrência e, em 1989, o estabelecimento público entrou, com o acordo dos ministros de tutela, no mercado do seguro de crédito dos riscos na Europa Ocidental.

5 Considerando que a ampliação do âmbito de actividade da OND, atendendo às vantagens concedidas pelo Estado a esse organismo, é susceptível de falsear a concorrência, a Cobac e a Namur AC, outra empresa privada presente no mesmo mercado, apresentaram à Comissão uma queixa baseada em violação dos artigos 92. e 93. do Tratado. Demandaram, além disso, o órgão jurisdicional nacional, no intuito designadamente de obterem, com base no n. 3 do artigo 93. , a suspensão da actividade da OND em matéria de seguro de crédito à exportação para os Estados-membros até a Comissão decidir sobre a compatibilidade dos auxílios concedidos ou até ser proferida decisão judicial sobre o mérito no processo que os opunha àquele estabelecimento público e ao Estado belga.

6 O presidente do tribunal de première instance de Bruxelas, decidindo em processo de medidas provisórias, considerou que os auxílios controvertidos caíam sob a alçada do n. 1 do artigo 93. do Tratado, declarando-se incompetente para conhecer do processo por a referida disposição não ter efeito directo.

7 A cour d' appel de Bruxelas, à qual o processo foi em seguida submetido, considerando que a solução do litígio dependia da interpretação dos artigos 92. e 93. do Tratado, colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudicais:

"1) Deve o n. 3 do artigo 93. do Tratado CEE ser interpretado no sentido de que há que considerar como instituição ou alteração de um auxílio a decisão de um Estado-membro que, após a entrada em vigor do Tratado, autoriza um organismo público, que só marginalmente praticava o seguro de créditos à exportação para outros Estados-membros, a passar a exercer tal actividade sem qualquer limite, com a consequência de que os auxílios que eram concedidos por esse Estado ao referido organismo, nos termos de legislação anterior à entrada em vigor do Tratado, se passam a aplicar, em consequência da mencionada autorização, ao exercício alargado de tal actividade?

2) Deve o artigo 93. do Tratado CEE ser interpretado no sentido de que um novo auxílio deve ser sujeito ao regime dos auxílios existentes no caso de, pelo facto de não ter sido notificado à Comissão em aplicação do n. 3 do artigo 93. , ter sido objecto de queixa apresentada junto desta última, na hipótese de, após proceder a uma apreciação prévia do auxílio e enviar ao Estado-membro em causa um pedido de informações a ele relativas, esclarecendo que na falta de resposta ou em caso de resposta não satisfatória até ao termo do prazo concedido, se veria obrigada a desencadear o procedimento previsto no n. 2 do artigo 93. do Tratado ° pedido que foi satisfeito ° a Comissão não ter desencadeado o referido procedimento?

3) Deve o n. 1 do artigo 92. do Tratado CEE ser interpretado no sentido de que se deve considerar como instituição ou alteração de um auxílio a atitude um Estado-membro que consiste:

a) em comunicar, através dos delegados ministeriais com assento no conselho de administração de um organismo público dotado de personalidade jurídica própria e nos termos da legislação que regula a actividade desse organismo, uma linha política geral que implica o alargamento das possibilidades de beneficiar do auxílio?

b) em não se opor, pela intervenção dos delegados ministeriais com assento no conselho de administração desse organismo público, a uma decisão deste último que implica o alargamento das possibilidades de beneficiar de um auxílio, designadamente abstendo-se de provocar a respectiva anulação, sendo certo que a legislação que regula a actuação do organismo público permite a anulação dessa decisão pelo Estado após suspensão provocada pelos referidos delegados ministeriais?"

8 Já depois dessa decisão de reenvio, a cour d' appel de Bruxelas registou a desistência da Cobac. A Namur AC manifestou a sua intenção de prosseguir sozinha a acção intentada.

9 Para responder às questão prejudiciais colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é necessário recordar, antes de mais, a articulação das disposições do artigo 93. do Tratado e os poderes e responsabilidades por elas conferidas, por um lado, à Comissão, por outro, aos Estados-membros e seus órgãos jurisdicionais, em função da distinção entre auxílios existentes e novos auxílios. Caberá, em seguida, examinar em conjunto as primeira e terceira questões, através das quais o órgão jurisdicional nacional procura saber se a decisão de um Estado-membro de autorizar a ampliação do âmbito de actividade de um estabelecimento público que beneficia de auxílios estatais ou a atitude desse Estado, tal como descrita na decisão de reenvio, relativamente a uma decisão tomada nesse sentido pelo estabelecimento público, deve ser assimilada à criação ou modificação de um auxílio, na acepção do n. 3 do artigo 93. Por último, haverá que, sendo caso disso, responder à segunda questão, que tem por objecto a questão de saber se um novo auxílio que não tenha sido regularmente notificado pode, apesar disso, ser assimilado a um auxílio existente, caso a Comissão, informada da existência desse auxílio através de uma queixa, não tenha, após exame prévio, instaurado num prazo razoável o processo previsto no n. 2 do artigo 93.

Quanto à distinção entre auxílios existentes e novos auxílios e à repartição de poderes e responsabilidades entre, por um lado, a Comissão, por outro, os Estados-membros e seus órgãos jurisdicionais

10 O artigo 93. do Tratado, que visa permitir o exame permanente e o controlo, pela Comissão, dos auxílios concedidos pelos Estados ou através de recursos do Estado, prevê processos distintos consoante os auxílios sejam existentes ou novos.

11 No que diz respeito aos auxílios existentes, o n. 1 do artigo 93. , já referido, atribui competência à Comissão para proceder ao seu exame permanente com os Estados-membros. No âmbito deste exame, a Comissão propõe-lhes as medidas adequadas que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum. O n. 2 dispõe em seguida que se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92. , ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar (acórdão de 30 de Junho de 1992, Itália/Comissão, C-47/91, Colect., p. I-4145, n. 23). Relativamente aos auxílios existentes, a iniciativa cabe, pois, à Comissão.

12 Quanto aos auxílios novos, o artigo 93. , n. 3, prevê que a Comissão seja informada atempadamente, para que possa apresentar as suas observações, dos projectos relativos à instituição ou à alteração de quaisquer auxílios. A Comissão procede, então, a um primeiro exame dos auxílios projectados. Se, no termo deste exame, a Comissão considerar que determinado projecto não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92. deve sem demora dar início ao procedimento de exame contraditório previsto no artigo 93. , n. 2. Nessa hipótese, o último período do artigo 93. , n. 3, proíbe que o Estado-membro em causa ponha em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento ter sido objecto de uma decisão final. Os auxílios novos são portanto sujeitos a uma fiscalização preventiva exercida pela Comissão e não podem em princípio ser postos em execução enquanto esta instituição não os tiver declarado compatíveis com o Tratado (acórdão Itália/Comissão, já referido, n. 24). Esta última regra deve, contudo, ser harmonizada com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual se a Comissão, após informada por um Estado-membro de um projecto relativo à instituição ou à alteração de um auxílio, não der início ao procedimento contraditório, o referido Estado pode, expirado o prazo suficiente para proceder a um primeiro exame do projecto, pôr o auxílio projectado em execução, na condição de ser dado pré-aviso à Comissão, auxílio esse que passa então a estar sujeito ao regime dos auxílios existentes (acórdão de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, Recueil, p. 1471, n. 6).

13 Decorre tanto do conteúdo como dos objectivos destas disposições que devem ser considerados como auxílios existentes, na acepção do n. 1 do artigo 93. , os que existiam antes da data de entrada em vigor do Tratado e aqueles que puderam regularmente ser postos em execução, nas condições previstas no n. 3 do artigo 93. , incluindo os resultantes da interpretação desta disposição dada pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão Lorenz. Devem, pelo contrário, ser considerados como novos auxílios, sujeitos à obrigação de notificação prevista nesta última disposição, as medidas que visem a instituição ou a alteração dos auxílios, sendo que as alterações podem ter por objecto quer auxílios existentes, quer projectos iniciais notificados à Comissão (v. acórdão de 9 de Outubro de 1984, Heineken Beouwerijen, 91/83 e 127/83, Recueil, p. 3435, n.os 17 e 18).

14 Neste contexto, a Comissão e os órgãos jurisdicionais nacionais exercem responsabilidades e competências diferentes.

15 No que se refere à Comissão, o Tribunal de Justiça salientou, no acórdão de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig (78/76, Recueil, p. 595, n. 9), que o Tratado, ao estabelecer no artigo 93. o exame permanente e a fiscalização dos auxílios pela Comissão, considera que a declaração da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum resulta, sob controlo do Tribunal de Justiça, de um procedimento adequado, cuja execução é da competência da Comissão.

16 Quanto aos órgãos jurisdicionais nacionais, a sua intervenção deve-se ao reconhecimento do efeito directo atribuído à última frase do n. 3 do artigo 93. do Tratado, que proíbe o Estado-membro em causa, no que se refere aos projectos relativos à instituição ou alteração de auxílios, de pôr em execução as medidas projectadas antes de o procedimento ter sido objecto de uma decisão final da Comissão, ou de estarem reunidas as condições previstas no referido acórdão Lorenz. Tal intervenção pode conduzir os órgãos jurisdicionais nacionais a interpretar e aplicar a noção de auxílio, na acepção do artigo 92. , para determinar se uma medida estatal adoptada sem recurso ao procedimento prévio de controlo previsto no n. 3 do artigo 93. deve ou não ser-lhe submetida (acórdão Steinike & Weinlig, já referido, n. 14).

17 Como o Tribunal de Justiça salientou no acórdão de 21 de Novembro de 1991, Fédération national du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C-354/90, Colect., p. I-5505, n. 14), a função principal e exclusiva reservada à Comissão pelos artigos 92. e 93. do Tratado, relativamente ao reconhecimento da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum, é fundamentalmente diferente da que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais quanto à protecção dos direitos conferidos aos particulares pelo efeito directo da proibição estabelecida no último período do artigo 93. , n. 3, do Tratado. Quando os referidos órgãos jurisdicionais tomam uma decisão a esse respeito, não se pronunciam sobre a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado comum, sendo essa apreciação final da competência exclusiva da Comissão, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça.

18 Nestas condições, as únicas questões que se colocam no processo principal dizem respeito à escolha do processo de fiscalização adequado, ou seja, à escolha entre as disposições do n. 1 do artigo 93. e as do n. 3 do mesmo artigo, e não entre a compatibilidade ou incompatibilidade das medidas controvertidas com o mercado comum. Se tais questões colocam eventualmente o problema da necessidade de interpretação da noção de auxílio, na acepção do n. 1 do artigo 92. , tal sucede exclusivamente com o objectivo de determinar se o procedimento previsto no n. 3 do artigo 93. é aplicável às medidas descritas no acórdão de reenvio.

Quanto à primeira e terceira questões

19 Através da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se a decisão de um Estado-membro de autorizar a ampliação do âmbito de actividade de um estabelecimento público que beneficia de vantagens concedidas por esse Estado nos termos de uma legislação anterior à entrada em vigor do Tratado deve, sendo que essas vantagens se aplicam ao exercício da nova actividade, ser assimilada à instituição ou alteração de um auxílio, ficando, a esse título, sujeita à obrigação de notificação e à proibição de execução estabelecidas no n. 3 do artigo 93. do Tratado.

20 A Namur AC, o Governo francês, o Governo neerlandês e a Comissão propõem que seja dada resposta afirmativa a esta questão. Argumentam, no essencial, que a ampliação do âmbito de actividade da OND não pode ser considerada como uma alteração irrelevante de auxílios já existentes, visto ter permitido que um estabelecimento público se tornasse concorrente das companhias privadas de seguro de crédito à exportação, mantendo embora as vantagens de que dispunha.

21 O Governo belga e a OND sustentam, pelo contrário, que os auxílios em causa, instaurados em 1989, caem sob a alçada do regime de auxílios existentes previsto no n. 1 do artigo 93. do Tratado, e que a alteração efectuada não estava sujeita à obrigação de notificação estabelecida no n. 3 do mesmo artigo.

22 Para determinar se uma decisão que permite a ampliação do âmbito de actividade de uma empresa pública como a OND, que beneficia de vantagens concedidas pelo Estado, pode ser considerada como instituição ou alteração de auxílios, na acepção do n. 3 do artigo 93. , cabe proceder, tendo em conta as indicações contidas na decisão de reenvio, completadas pelas observações dos interessados e pelas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, ao exame dessas vantagens e da natureza e alcance da decisão em causa.

23 Como foi salientado no n. 3 do presente acórdão, as vantagens de que beneficia a OND foram-lhe concedidas por legislação anterior à entrada em vigor do Tratado. Nos termos da lei de 31 de Agosto de 1939, a OND funcionava com a garantia do Estado (artigo 1. ), dispunha de uma dotação de obrigações do Estado (artigo 5. ) e de rendimentos dessa dotação (artigo 7. ), constituía fundos de reserva especiais que permitiam, designadamente, a cobertura pelo Estado do seu défice de tesouraria (artigo 18. ), e estava isenta de taxas e impostos em condições idênticas ao Estado (artigo 23. ). Exceptuando ajustamentos que não põem em causa o essencial dessas vantagens, tal legislação mantinha-se inalterável em 1 de Fevereiro de 1989, data em que ocorreram os factos do processo principal.

24 Essa legislação definia o objecto e os sectores de intervenção da OND de forma muito genérica. Na redacção inicial, o artigo 3. da lei limitava-se a enunciar que "a OND tem por objecto favorecer a exportação pela concessão de garantias adequadas à diminuição dos riscos a ela inerentes, em especial dos riscos de crédito". Na redacção em vigor na data em que ocorreram os factos do processo, esse mesmo artigo 3. definia o objecto da OND como consistindo em "favorecer o comércio externo e os investimentos belgas no estrangeiro", prevendo, designadamente, que, para executar a sua missão, "poderá conceder garantias adequadas à diminuição dos riscos, em especial dos riscos de crédito, relativos às operações de comércio externo...". Tal legislação não continha qualquer restrição, material ou geográfica, ao âmbito de actividade da OND no seguro de crédito à exportação.

25 Esse âmbito de actividade foi posteriormente limitado, não pela lei, mas por efeito de modificações introduzidas nos acordos internos celebrados entre a OND e a Cobac. Como se salientou no n. 4 do presente acórdão, o acordo inicial que vinculava esses dois organismos era um mero convénio de resseguro, tendo, porém, sido posteriormente substituído por um convénio de colaboração, abrangendo designadamente uma partilha de riscos e de mercados. Nos termos deste convénio, só a Cobac tinha competência para garantir os riscos comerciais relativos às operações de exportação para os países da Europa Ocidental, não intervindo a OND no mercado europeu senão para cobrir determinados riscos com características específicas. Pelo contrário, ambas as partes no convénio podiam segurar em regime de concorrência os riscos comerciais na exportação para os Estados Unidos e Canadá, bem como os riscos relativos a determinadas operações internacionais.

26 Essa limitação do âmbito de actividade da OND foi suprimida a partir de 1 de Fevereiro de 1989, na sequência de uma decisão tomada pelo estabelecimento público, com o acordo dos ministros da tutela. Mais exactamente, em 27 de Junho de 1988, o conselho de administração mandatou a direcção da OND para rescindir o convénio celebrado com a Cobac e adoptar as medidas necessárias para organizar o seguro directo no mercado europeu. Os ministros da tutela, aos quais o assunto foi submetido pelo director-geral da OND em 10 de Agosto de 1988, solicitaram, em 4 de Janeiro de 1989, a suspensão até 1 de Fevereiro de 1989 da projectada implementação do seguro de riscos comerciais na Europa Ocidental. Os mesmos ministros aprovaram, nesta última data, as conclusões de um grupo de trabalho composto por membros dos respectivos gabinetes, que recomendava "que fosse autorizada a entrada progressiva e prudente da OND neste novo mercado".

27 Esta mudança de posição da OND e das suas autoridades de tutela teve por efeito ampliar as actividades que haviam sido efectivamente exercidas por aquele estabelecimento público durante um período de tempo cuja duração o processo não permite, aliás, determinar. O órgão jurisdicional nacional pergunta também ao Tribunal de Justiça, na terceira questão, se deve ser considerada como instituição ou alteração de um auxílio a atitude de um Estado-membro traduzida em promover, através de delegados ministeriais do conselho de administração de um estabelecimento público, uma linha política geral que implica a ampliação dos benefícios de um auxílio ou em não se opor a essa ampliação.

28 A este respeito, e para efeitos de aplicação dos n.os 1 e 3 do artigo 93. , do Tratado, a instituição de um novo auxílio ou a alteração de um auxílio existente não pode, caso o auxílio resulte de disposições legais anteriores que não foram modificadas, ser apreciada em função do auxílio e, designadamente, do seu montante financeiro em cada momento da vida da empresa. É por referência às disposições que o estabelecem, às respectivas modalidades e limites, que um auxílio pode ser qualificado como novo ou como alteração de auxílio existente.

29 Ora, a decisão que entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 1989 não modificou a legislação que instituiu em proveito da OND as vantagens de que beneficiava, nem quanto à natureza dessas vantagens, nem sequer quanto às actividades do estabelecimento público a que se aplicavam, visto que a lei de 31 de Agosto de 1939 atribuiu a esse estabelecimento uma missão muito genérica para diminuir os riscos do crédito à exportação. Não afecta, pois, o regime de auxílios instituído por essa legislação. Se tal decisão se seguiu à rescisão do convénio de colaboração celebrado com a Cobac, não decorre de nenhum elemento do processo que a existência e conteúdo desse convénio, que apenas vinculava os dois contraentes, a OND e a Cobac, tenha condicionado a amplitude das vantagens concedidas à OND pelo Estado belga, nos termos da lei de 31 de Agosto de 1939.

30 É certo que, em várias observações escritas apresentadas no Tribunal de Justiça, se sustenta que, antes da adopção da decisão controvertida, o referido estabelecimento público não exercia actividades em concorrência com as sociedades privadas e que, em consequência, os auxílios de que beneficiava se aplicavam exclusivamente a actividades não concorrenciais. Mesmo admitindo que esse dado circunstancial possa ter interesse no presente processo, sendo que a lei de 31 de Agosto de 1939 atribuía à OND uma missão muito genérica, basta constatar que o convénio celebrado entre a OND e a Cobac previa, pelo contrário, determinada concorrência entre ambos os organismos. Tal como foi sublinhado no n. 25 do presente acórdão, a OND e a Cobac deviam, com efeito, segurar em regime de concorrência os riscos comerciais de exportação para os Estados Unidos e Canadá, bem como os riscos relativos a determinadas operações internacionais. Assim, no momento em que ocorreram os factos do processo principal, os auxílios existentes não beneficiavam exclusivamente actividades não concorrenciais.

31 Desta forma, a decisão que entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 1989, mesmo que se considere totalmente imputável ao Estado, não pode ser considerada como instituição ou alteração de auxílios, na acepção do n. 3 do artigo 93. do Tratado.

32 Admitir o contrário significaria, com efeito, obrigar o Estado-membro em causa a notificar à Comissão e a submeter à sua fiscalização preventiva não apenas os novos auxílios ou as modificações de auxílios propriamente ditas concedidos a uma empresa beneficiária de um regime de auxílios existentes, mas todas e quaisquer medidas que afectassem a actividade dessa empresa, susceptíveis de se reflectir no funcionamento do mercado comum, no jogo da concorrência ou pura e simplesmente no montante efectivo, durante determinado período, de auxílios instituídos como princípio, necessariamente variáveis no seu montante, contudo, em função do volume de negócios da empresa. Em última análise, no caso de uma empresa pública como a OND, cada nova operação de seguro que, de acordo com os esclarecimentos prestados na audiência pelo representante do Governo belga, deve ser submetida às autoridades de tutela poderia ser considerada como medida sujeita ao procedimento previsto no n. 3 do artigo 93. do Tratado.

33 Tal interpretação, que não corresponde à letra nem à finalidade desta última disposição, nem à partilha de responsabilidades entre a Comissão e os Estados-membros por ela estabelecida, seria um factor de insegurança jurídica para as empresas e para os Estados-membros, que teriam, assim, de proceder à notificação prévia de medidas de natureza muito diversa, que não poderiam ser postas em execução, apesar das dúvidas quanto à possibilidade de as qualificar como novos auxílios. No que se refere aos factos do processo principal, a certeza dessa insegurança jurídica é, aliás, sublinhada pela atitude da própria Comissão. Com efeito, a Comissão sustentou perante o Tribunal de Justiça, em resposta à primeira questão, não ter havido alteração dos auxílios concedidos à OND, enquanto, tendo-lhe sido submetida uma queixa quanto à existência e compatibilidade desses auxílios a partir de 1 de Fevereiro de 1989, considerou não dever tomar posição a esse respeito, após ter solicitado e obtido, por duas vezes em 1991, informações do Governo belga.

34 Os auxílios concedidos nas condições descritas na decisão de reenvio, sendo que se integram num regime de auxílios existente antes da entrada em vigor do Tratado, devem ser objecto do exame permanente previsto no n. 1 do artigo 93. Este exame, cuja iniciativa é da responsabilidade da Comissão, pode conduzir a que sejam propostas ao Estado-membro em causa medidas adequadas exigidas pelo funcionamento do mercado comum e, se necessário, a que seja decidida, após instauração do procedimento previsto no n. 2 do mesmo artigo, a supressão ou modificação dos auxílios que a Comissão considere incompatíveis com o mercado comum.

35 Deve, pois, responder-se à primeira e terceira questões que o n. 3 do artigo 93. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que a ampliação, em condições como as descritas na decisão de reenvio, do âmbito de actividade de um estabelecimento público que beneficia de auxílios concedidos pelo Estado nos termos de legislação anterior à entrada em vigor do Tratado não pode, desde que não afecte o regime de auxílios instituído por essa legislação, ser considerada como instituição ou alteração de um auxílio sujeita à obrigação de notificação prévia e à proibição de execução previstas nessa disposição.

Quanto à segunda questão

36 Atendendo à resposta dada às primeira e terceira questões, não há que responder à segunda questão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

37 As despesas efectuadas pelos Governos francês e neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela cour d' appel de Bruxelas, por decisão de 5 de Fevereiro de 1993, declara:

1) O n. 3 do artigo 93. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que a ampliação, em condições como as descritas na decisão de reenvio, do âmbito de actividade de um estabelecimento público que beneficia de auxílios concedidos pelo Estado nos termos de legislação anterior à entrada em vigor do Tratado não pode, desde que não afecte o regime de auxílios instituído por essa legislação, ser considerada como instituição ou alteração de um auxílio sujeita à obrigação de notificação prévia e à proibição de execução previstas nessa disposição.

2) Não cabe responder à segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional.