61992A0080

ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (QUINTA SECCAO) DE 16 DE DEZEMBRO DE 1993. - MARIETTE TURNER CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIO - TRANSFERENCIA OFICIOSA - DANOS MORAIS - PEDIDO DE REPARACAO DOS DANOS. - PROCESSO T-80/92.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-01465


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Funcionários ° Transferência ° Reafectação ° Critérios de distinção ° Condições comuns

(Estatuto dos Funcionários, artigos 4. , 7. , primeiro parágrafo, e 29. )

2. Funcionários ° Decisão individual ° Notificação ° Data de produção de efeitos anterior à notificação ° Apreciação à luz do princípio da segurança jurídica

(Estatuto dos Funcionários, artigo 25. )

3. Funcionários ° Organização dos serviços ° Afectação do pessoal ° Poder de apreciação da administração ° Alcance ° Controlo jurisdicional ° Limites ° Obrigação de cooperação e de lealdade do interessado

(Estatuto dos Funcionários, artigo 7. )

4. Funcionários ° Decisão que causa prejuízo ° Fundamentação ° Obrigação ° Alcance

(Estatuto dos Funcionários, artigo 25. )

5. Funcionários ° Recurso ° Fundamentos ° Desvio de poder ° Conceito

6. Funcionários ° Afectação ° Dever de assistência que incumbe à administração ° Alcance ° Controlo jurisdicional ° Limites

Sumário


1. Para determinar se uma medida constitui uma mutação ou uma reafectação, o Tribunal não pode estar vinculado pela qualificação jurídica que as partes dão a essa medida.

A esse propósito, resulta do sistema do estatuto que só há mutação, no sentido próprio do termo, em caso de transferência de um funcionário para um lugar vago. Daqui decorre que qualquer mutação propriamente dita está submetida às formalidades previstas nos artigos 4. e 29. do Estatuto. Em compensação, estas formalidades não são aplicáveis em caso de reafectação do funcionário com o seu lugar, em virtude de essa transferência não dar origem a uma nova vaga.

Todavia, as decisões de reafectação estão submetidas, tal como as transferências, no que diz respeito à salvaguarda dos direitos e interesses legítimos dos funcionários em causa, às normas do n. 1 do artigo 7. do Estatuto, nomeadamente no sentido de a reafectação dos funcionários só poder ocorrer no interesse do serviço e no respeito da equivalência dos lugares.

2. O facto de a produção de efeitos de uma decisão de reafectação ter sido formalmente fixada em data anterior à da sua notificação ao funcionário interessado não é susceptível de afectar a segurança jurídica a que este último tinha direito, dado que, por um lado, o interessado tinha sido informado da probabilidade de uma reafectação num futuro próximo, e, por outro lado, esta decisão, devido à sua natureza, não era susceptível de produzir efeitos práticos antes da sua notificação ao interessado e, finalmente, a autoridade investida do poder de nomeação aceitou adiar a data de entrada em vigor efectiva da decisão.

3. As instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação na organização dos respectivos serviços em função das missões que lhes são confiadas e, em atenção a estas, na afectação do pessoal à sua disposição, com a condição, no entanto, de que tal afectação se faça no interesse do serviço e no respeito da equivalência dos lugares. Os eventuais problemas que a saída de um funcionário pode causar ao seu antigo serviço, o benefício que o seu novo serviço pode tirar da reafectação e os efeitos que esta pode ter nas relações dos dois serviços com o exterior são considerações que cabem no mesmo poder de apreciação. Tendo em conta a extensão do poder de apreciação das instituições na avaliação do interesse do serviço, o controlo do órgão jurisdicional comunitário deve, portanto, limitar-se à questão de saber se a autoridade investida do poder de nomeação se manteve dentro de limites razoáveis e se não usou o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado.

Quando a administração avalia as prováveis consequências para o serviço de uma decisão de reafectação, tem o direito de esperar que o funcionário em causa adopte um comportamento em conformidade com o dever de lealdade e de cooperação que incumbe a qualquer funcionário face à autoridade de que depende.

4. A obrigação de fundamentar as decisões que causam prejuízo, prevista no artigo 25. do Estatuto, tem por finalidade permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer o seu controlo sobre a legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão está bem fundamentada ou se contém vício que autorize a contestação da sua legalidade. Esta exigência está preenchida sempre que o acto susceptível de recurso ocorrer num contexto conhecido do funcionário interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida tomada a seu respeito.

5. A noção de desvio de poder refere-se ao facto de uma autoridade administrativa ter utilizado os seus poderes com um objectivo diverso daquele para que lhe foram conferidos. Uma decisão só é viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos alegados.

6. O dever de assistência da administração em relação aos seus agentes é o reflexo do equilíbrio existente entre os direitos e as obrigações recíprocos criados pelo Estatuto nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. As exigências do dever de assistência não podem todavia impedir a autoridade investida do poder de nomeação de adoptar as medidas de afectação de funcionários que julgue necessárias no interesse do serviço, visto que o preenchimento dos lugares deve ter em conta, em primeiro lugar, o interesse do serviço. Tendo em conta a extensão do poder de apreciação de que dispõem as instituições para avaliar o interesse do serviço, o controlo do órgão jurisdicional comunitário deve por isso limitar-se à questão de saber se a autoridade investida do poder de nomeação se manteve dentro de limites razoáveis e se não usou o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado.

Partes


No processo T-80/92,

Mariette Turner, ex-funcionária da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas, representada por Georges Vandersanden, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Alex Schmitt, 62, avenue Guillaume,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Gianluigi Valsesia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Denis Waelbroeck, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto o ressarcimento de danos morais pretensamente sofridos pela recorrente em virtude de uma reafectação oficiosa e das condições em que esta ocorreu,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, D. P. M. Barrington e R. Schintgen, juízes,

secretário: J. Palacio González

vistos os autos e após a audiência de 13 de Julho de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Factos na origem do litígio

1 A recorrente, médica, é uma ex-funcionária da Comissão, tendo atingido a idade da aposentação no fim do ano de 1992. De 1981 até ao mês de Fevereiro de 1992, esteve colocada na Unidade "Seguro de doença e acidentes" da Direcção B ° Direitos e obrigações ° da Direcção-Geral "Pessoal e Administração" (DG IX).

2 Em 9 de Janeiro de 1992, a recorrente teve uma entrevista com o Sr. R., seu director, durante a qual foi discutida a questão da sua reafectação à Unidade "Serviço médico-Bruxelas" (a seguir "serviço médico") da mesma direcção. O conteúdo desta entrevista é analisado de formas divergentes: a Comissão sustenta que a recorrente foi claramente informada da sua próxima reafectação no interesse do serviço; a recorrente considera, pelo contrário, que apenas foi discutida uma proposta de reafectação.

3 Em 15 de Janeiro de 1992, a recorrente encontrou-se com o Dr. H., chefe do serviço médico, tendo as partes envolvidas, também neste caso, uma apreciação diferente do conteúdo da conversa. Segundo a Comissão, o Dr. H. indicou à recorrente as suas futuras tarefas no seio do serviço médico; segundo a recorrente, a discussão incidiu sobre a eventualidade da sua reafectação.

4 Não se contesta que, nessas reuniões, a recorrente manifestou o seu desacordo quanto a qualquer reafectação durante os seus últimos meses de carreira.

5 A recorrente esteve de baixa por doença entre 3 e 12 de Fevereiro de 1992. No entanto, tomou conhecimento de uma nota enviada, em 6 de Fevereiro de 1992, pelo Sr. C., chefe da Unidade "Seguro de doença e acidentes", à Sr.ª A., secretária da recorrente, na qual se informava que, "no interesse do serviço, a Dr.ª Turner tinha sido transferida para o serviço médico com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992" e que o Sr. D., director-geral da DG IX, tinha acedido ao pedido da Sr.ª A. no sentido de continuar junto da recorrente após a sua reafectação.

6 Por carta de 7 de Fevereiro de 1992, o advogado da recorrente manifestou ao Sr. C. a surpresa da recorrente face à decisão, comunicada à sua secretária, de a reafectar oficiosamente no serviço médico com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992, e sublinhou que a interessada não havia de forma alguma sido informada da decisão que lhe dizia respeito.

7 Por carta registada de 7 de Fevereiro de 1992, por ela recebida no seu domicílio em 10 de Fevereiro de 1992, a recorrente foi formalmente informada da decisão da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir "AIPN") que a colocava oficiosamente no serviço médico. Esta decisão era datada de 31 de Janeiro de 1992 e, nos termos do artigo 2. , produzia efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992.

8 Em 14 de Fevereiro de 1992, a recorrente teve uma conversa telefónica com o Dr. H., cujo conteúdo foi por este resumido em nota dirigida no próprio dia à recorrente. Nesta nota, o Dr. H. confirmava que tinha tomado em conta as reservas formuladas pela recorrente quanto à sua reafectação, mas considerava que ela era necessária para reforçar o número de médicos funcionários no serviço médico, declarava-se disposto a receber a recorrente na sua equipa "sob os melhores auspícios" e que nada se opunha a que continuasse, sempre que fosse necessário, a exercer a meio-tempo a sua profissão de médica. Quanto ao pedido da recorrente no sentido de obter uma descrição escrita das suas tarefas no serviço médico, o Dr. H. explicava não a considerar de importância primordial, dado que os objectivos do serviço médico não se tinham alterado desde a saída da interessada. Finalmente, acrescentava que seria sempre possível um acordo transitório entre serviços para assegurar a transmissão e o acompanhamento dos processos da recorrente pelo seu sucessor.

9 Em 16 de Fevereiro de 1992, o Dr. H. enviou à recorrente um documento de alcance geral sobre o funcionamento do serviço médico.

10 Em 17 de Fevereiro de 1992, em resposta à carta de 7 de Fevereiro do advogado da recorrente, o Sr. D., director-geral da DG IX, esclareceu que a recorrente tinha sido informada oralmente, em 9 de Janeiro de 1992, da intenção de a reafectar, com o seu lugar, no interesse do serviço, ao serviço médico, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992, e que as razões desta decisão, ligadas essencialmente ao aumento da carga de trabalho nesse serviço médico, lhe tinham sido explicadas nessa ocasião. Acrescentava que a recorrente tinha sido convocada para várias entrevistas a fim de serem discutidas as modalidades da sua transferência, mas nunca apareceu. Foi nestas circunstâncias que a decisão de reafectação lhe foi confirmada e notificada por escrito.

11 Em 18 de Fevereiro de 1992, realizou-se no gabinete da recorrente uma reunião durante a qual lhe foi apresentado o seu sucessor e discutidas as modalidades da transmissão dos processos. Em nota da mesma data, dirigida aos Srs. D. e C. e à recorrente e contendo um resumo desse encontro, o Sr. R. informou ter sido acordado que a transmissão dos processos deveria estar terminada ao cabo de uma ou duas semanas no máximo.

12 Em nota de 24 de Fevereiro de 1992, em resposta à nota do Sr. R. de 18 de Fevereiro de 1992, a recorrente alegou, nomeadamente, não ter sido informada da sua próxima reafectação no encontro que teve com o Sr. R. em 9 de Janeiro de 1992, e que não se tratava de desistências sucessivas da sua parte, visto não ter havido qualquer convocação escrita ou oral da parte do Sr. R. Acrescentava considerar pouco realista o prazo sugerido de uma ou duas semanas para transmitir os processos e informar o seu sucessor.

13 Em carta de 19 de Fevereiro de 1992, dirigida ao Dr. H., a recorrente reiterava o seu desacordo com esta reafectação oficiosa, alguns meses antes da sua aposentação, que ela considerava contrária ao interesse do serviço. Acrescentava que ainda não tinha recebido a descrição pormenorizada das suas novas funções e interrogava-se sobre a eventual existência de um nexo entre a decisão de reafectação de que tinha sido alvo e o facto de se encontrar em litígio com a Comissão a propósito da gestão, pelo sr. C., da caixa de doença.

14 Na sua resposta de 26 de Fevereiro de 1992, o Dr. H. recordou à recorrente que lhe tinha sido comunicado o quadro sinóptico das actividades do serviço médico e precisou-lhe que deveria apresentar-se ao serviço o mais tardar no dia 4 de Março.

15 Em carta de 5 de Março de 1992, a recorrente foi informada de que a mudança dos seus pertences para o serviço médico iria realizar-se em 10 de Março de 1992. No próprio dia, solicitou que tal mudança fosse adiada, por razões médicas, até ao dia 25 de Março de 1992. Em carta de 6 de Março de 1992, o Sr. D. informou-a de que aceitava o seu pedido, não só em virtude das razões médicas invocadas mas também para marcar claramente a sua vontade e a dos seus colaboradores de garantir à recorrente a assunção das suas novas funções nas melhores condições de convivência.

16 Em 6 de Março de 1992, a recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão que a reafectava oficiosamente, com o seu lugar, ao serviço médico, no interesse do serviço. Nessa reclamação, retomava, em substância, as censuras por ela expostas nas suas notas anteriores, já referidas.

17 Em carta de 19 de Março de 1992, o Dr. H., referindo-se à reclamação, recordou à recorrente não poder partilhar da sua opinião segundo a qual a sua reafectação não se justificava no interesse do serviço e que não existia uma verdadeira urgência. Recordava-lhe também não ter podido explicar-lhe, durante o encontro de 17 de Fevereiro de 1992, as tarefas que lhe seriam confiadas no seu novo serviço, uma vez que ela pedira que esse encontro fosse considerado pessoal. O Dr. H. acrescentava:

"No entanto, estou completamente à vontade para lhe fornecer esclarecimentos escritos quanto às actividades que pensava propor-lhe no seio do serviço médico, tendo em conta não só as férias a que ainda tem direito como também o seu estado de saúde:

° aconselhar-me pessoalmente sobre problemas médicos e médico-administrativos mais complexos, bem como assessorar-me nas relações com os médicos de Bruxelas, em geral, e com as faculdades de medicina belgas, em especial, e, sobretudo, com os hospitais universitários;

° reforçar o sector de controlo das faltas por doença;

° representar-nos nas comissões de invalidez por conta da AIPN;

° realizar exames médicos anuais (a este propósito, todo o pessoal, incluindo eu próprio, quando possível, fazemos os exames anuais e os exames especiais);

° reforçar o sector de medicina do trabalho propriamente dito, e, nomeadamente, as visitas aos vários edifícios pelos quais se encontra dispersa a Comissão;

° efectuar exames médicos de contratação, desde que isso seja compatível com o seu horário a meio-tempo (uma vez que se realizam durante a manhã)."

18 O Dr. H. acrescentava também que não considerava tais funções incompatíveis com o grau da recorrente, nem inadequadas tendo em conta a sua experiência, nem, a fortiori, indignas da sua formação e da sua experiência de médica interna, e que era deste assunto que queria falar-lhe quando a convidou para um almoço que ela declinou por duas vezes.

19 Por carta de 19 de Março de 1992, o advogado da recorrente convidou o Sr. D. a repensar a decisão de reafectar a sua constituinte. Por carta de 25 de Março de 1992, o Sr. D. respondeu que a decisão havia sido tomada no exclusivo interesse do serviço e que a recorrente havia sido informada da natureza das suas novas funções.

20 Em 27 de Março e em 6 de Abril de 1992, realizaram-se entre a recorrente e o seu advogado, por um lado, e representantes da Comissão, por outro, duas reuniões durante as quais as partes expuseram as suas respectivas posições.

21 Por carta de 14 de Abril de 1992, dirigida ao Dr. H., a recorrente criticou a descrição das suas futuras funções no serviço médico, a qual denota, "pela sua falta de estruturação, a improvisação de toda esta triste operação de reafectação oficiosa".

22 Por carta de 7 de Agosto de 1992, a recorrente foi informada de que a Comissão tinha adoptado, em 31 de Julho de 1992, uma decisão de indeferimento da sua reclamação. Mantendo embora a decisão de reafectação, a Comissão substituiu, no entanto, a sua data de produção de efeitos pela de 15 de Fevereiro de 1992, a fim de evitar qualquer crítica no plano formal.

O processo contencioso e as conclusões da partes

23 Foi nestas circunstâncias que a recorrente interpôs, por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Setembro de 1992, um recurso tendo em vista obter o ressarcimento dos danos morais que alega ter sofrido como consequência da decisão de reafectação oficiosa de que foi alvo e das condições em que esta ocorreu.

24 A fase escrita do processo teve tramitação normal e terminou em 24 de Abril de 1993.

25 Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem instrução. Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 13 de Julho de 1993. O representante da instituição recorrida respondeu, nomeadamente, a três questões que o Tribunal lhe havia dirigido previamente. O presidente declarou encerrada a fase oral no final da audiência.

26 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° conceder-lhe 1 ecu a título simbólico como ressarcimento dos danos morais sofridos em virtude da decisão de transferência oficiosa para o Serviço médico-Bruxelas, de que foi alvo com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992, e das condições em que esta decisão ocorreu;

° condenar a recorrida na totalidade das despesas.

27 A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° negar provimento ao recurso;

° condenar a recorrente nas suas próprias despesas.

Quanto ao mérito

28 A recorrente alega que sofre danos morais resultantes de diferentes faltas cometidas pela Comissão ° erros processuais, violação dos artigos 7. e 25. do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir "Estatuto"), desvio de poder e violação do dever de assistência °, devendo esses danos ser ressarcidos. Antes de examinar os diferentes fundamentos invocados pela recorrente para provar a existência de uma falta por parte do serviço susceptível de implicar a responsabilidade da Comissão, convém dar alguns esclarecimentos quanto à qualificação jurídica da medida em causa.

29 Não foi contestado que esta medida, que prevê a transferência da recorrente, com o seu lugar, da Unidade "Seguro de doença e acidentes" para o serviço médico, foi adoptada sem consentimento da interessada. Tais transferências são frequentemente designadas por "transferências oficiosas", e esta expressão bem como o termo "transferência" foram utilizados pelas partes para descrever a medida em causa tanto durante as discussões que precederam a interposição do recurso como na própria fase escrita.

30 No acórdão de 8 de Junho de 1993, Fiorani/Parlamento (T-50/92, Colect., p. II-555, n. 27), o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) teve a oportunidade de recordar, por um lado, que "o facto de as partes qualificarem uma medida como mutação, reafectação ou transferência não pode vincular o Tribunal" e, por outro lado, que "resulta do sistema do Estatuto que só há mutação, no sentido próprio do termo, em caso de transferência de um funcionário para um lugar vago. Daqui decorre que qualquer mutação propriamente dita está submetida às formalidades previstas nos artigos 4. e 29. do Estatuto. Em compensação, estas formalidades não são aplicáveis em caso de reafectação do funcionário com o seu lugar, em virtude de essa transferência não dar origem a uma vaga".

31 Visto que, no presente caso, está claro que a recorrente foi transferida com o seu lugar, e não para um lugar vago, e a fim de evitar qualquer confusão quanto à qualificação jurídica da medida em causa, será feita referência, no caso vertente, à "reafectação" da recorrente.

32 A este propósito, convém precisar que a qualificação jurídica da medida em causa não tem incidência sobre a apreciação das críticas feitas pela recorrente. Em especial, tal como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 21 de Maio de 1981, Kindermann/Comissão (60/80, Recueil, p. 1329, n. 14), "as decisões de reafectação estão submetidas, tal como as transferências, no que diz respeito à salvaguarda dos direitos e interesses legítimos dos funcionários em causa, às normas do n. 1 do artigo 7. do Estatuto, nomeadamente no sentido de a reafectação dos funcionários só poder ocorrer no interesse do serviço e no respeito da equivalência dos lugares".

Quanto à existência de erro processual

Argumentos das partes

33 A recorrente declara não ter sido informada de uma decisão de reafectação que lhe dizia respeito, durante os encontros ocorridos em 9 e 15 de Janeiro de 1992, mas apenas de uma proposta de reafectação. Acrescenta que só tomou conhecimento da decisão controvertida de maneira fortuita, em conversa telefónica havida com a sua secretária durante o período em que se encontrava de baixa por doença.

34 A recorrente considera que a decisão controvertida tem efeitos retroactivos, na medida em que produziu efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1992, mas só lhe foi notificada por carta em 7 de Fevereiro de 1992. A recorrente alega que esta retroactividade deve ser considerada ilegal, uma vez que o princípio da segurança jurídica só excepcionalmente pode ser afastado, no caso de o objectivo a atingir assim o exigir e de a confiança legítima dos interessados ser devidamente respeitada. Estas condições excepcionais não estão preenchidas no caso vertente.

35 A Comissão responde que uma decisão de reafectação, como a que está agora em causa, só pode produzir efeitos no momento em que o funcionário em questão ingressar efectivamente no seu novo serviço. Alega também que, segundo jurisprudência constante, a publicação e a notificação de um acto não constituem formalidades essenciais na acepção do artigo 173. do Tratado CEE e as eventuais irregularidades resultantes da publicação ou da notificação não podem implicar a nulidade do acto, mas, quando muito, a sua inoponibilidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/ Comissão, 48/69, Colect., p. 205, e de 29 de Maio de 1974, Koenig, 185/73, Colect., p. 321). Uma vez que a decisão de reafectação só é oponível à recorrente a partir da notificação, o facto de esta ter sido "tardia" não pode constituir uma falta nem originar qualquer dano.

36 Para além disso, a Comissão afirma que a recorrente foi informada da sua próxima reafectação durante o encontro que teve com o Sr. R. em 9 de Janeiro de 1992 e que a questão da sua próxima reafectação foi igualmente suscitada durante o encontro que teve com o Dr. H. em 15 de Janeiro de 1992.

Apreciação do Tribunal

37 O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que a decisão controvertida foi adoptada na sexta-feira, 31 de Janeiro de 1992, e que, nos termos do artigo 2. , produziu efeitos a partir do sábado, 1 de Fevereiro de 1992. Verifica, em seguida, que a recorrente esteve de baixa por doença desde segunda-feira, 3 de Fevereiro de 1992, até 12 de Fevereiro de 1992, e que foi formalmente informada da decisão por carta de 7 de Fevereiro de 1992, que recebeu no seu domicílio em 10 de Fevereiro de 1992. Verifica, finalmente, que a Comissão adiou até 4 de Março de 1992, e depois até 25 de Março de 1992, a data em que a recorrente devia assumir funções no serviço médico.

38 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que o facto de a decisão, na sua versão original, ter produzido formalmente efeitos antes de ter sido notificada à recorrente não é susceptível de afectar a segurança jurídica desta última. Em primeiro lugar, a recorrente deveria estar consciente de que, no seguimento dos encontros de 9 e de 15 de Janeiro de 1992, havia, pelo menos, uma forte probabilidade de ser reafectada num futuro próximo. Em segundo lugar, a decisão controvertida, um dos efeitos da qual era o de ordenar à recorrente que se colocasse à disposição do serviço médico, não era susceptível, devido à sua natureza, de produzir efeitos práticos antes da sua notificação à interessada. Também não era susceptível de produzir efeitos práticos enquanto a recorrente se encontrasse de baixa por doença. Finalmente, ao aceitar adiar até 4 de Março de 1992, e depois até 25 de Março de 1992, a data em que a recorrente devia assumir funções no serviço médico, a Comissão adiou, na realidade, para essas datas, a entrada em vigor efectiva da decisão.

39 Daí resulta que o primeiro fundamento invocado pela recorrente não merece acolhimento.

Quanto à violação do artigo 7. do Estatuto

Argumentos das partes

40 A recorrente recorda que, nos termos do n. 1 do artigo 7. do Estatuto, as decisões de reafectação devem ser tomadas no interesse exclusivo do serviço e sustenta que não foi esse o caso da decisão controvertida.

41 A recorrente alega, em especial:

° que não existia qualquer urgência em efectuar a transferência do seu lugar antes da sua reforma. Isto mesmo lhe foi garantido durante as discussões preliminares que teve, nomeadamente, com o Sr. R. e o Dr. H.;

° que a Comissão nunca demonstrou a razão pela qual era necessário transferi-la para o serviço médico;

° que era desprovido de bom senso reafectar oficiosamente um funcionário prestes a reformar-se, funcionário esse que ainda dispunha de numerosos dias de férias e cuja presença teria sido mais útil e eficaz no seu antigo serviço;

° que nunca lhe foi explicado o conteúdo das funções de médico assessor no serviço médico;

° que a sua saída do antigo serviço obrigou a Comissão a contratar três novos médicos e, por conseguinte, a efectuar despesas adicionais.

42 A Comissão responde que, segundo jurisprudência constante, as instituições, sem prejuízo do interesse do serviço, dispõem de um amplo poder de apreciação na organização interna dos respectivos serviços. O controlo deste poder de apreciação deveria, portanto, limitar-se à questão de saber se a instituição não o usou de modo manifestamente errado. A Comissão cita, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1990, Moritz/Comissão (T-20/89, Colect., p. II-769).

43 Ora, segundo a Comissão, nenhum elemento denota ter ela usado o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado ao decidir reafectar a recorrente ao serviço médico. Com efeito, tal como fora reconhecido desde há mais de três anos por dois directores-gerais sucessivos, era necessário reforçar o serviço médico por razões que se prendem com o aumento da sua carga de trabalho.

44 Na réplica, apresentada em 17 de Fevereiro de 1993, a recorrente pergunta porque é que o lugar que ela devia ocupar no serviço médico, se era tão importante, não foi atribuído durante três anos e ficou vago após ter-se reformado em 1 de Janeiro de 1993.

45 A Comissão explica, na tréplica, que o lugar A 4 da recorrente foi substituído por um lugar temporário cujo processo de publicação já foi iniciado e que as respectivas tarefas são exercidas, de momento, por um médico substituto.

46 Para responder ao argumento da recorrente segundo o qual não havia necessidade de reforçar o quadro do serviço médico em Bruxelas, a Comissão refere-se, também na tréplica, a um estudo dos serviços médicos, realizado no final do ano de 1991, que permitiu apreciar em pormenor as necessidades do serviço médico no momento em que foi tomada a medida de reafectação. Este estudo revelou um desequilíbrio dos recursos humanos entre os serviços de Bruxelas (três médicos funcionários a tempo inteiro para 16 000 pessoas), Luxemburgo (dois médicos funcionários a tempo inteiro para 3 500 pessoas) e Ispra (quatro médicos funcionários a tempo inteiro para 2 000 pessoas).

47 A Comissão considera, por outro lado, que a proximidade da idade da reforma não pode constituir um argumento válido para que alguém se possa opor a uma reafectação decidida no interesse do serviço. Tanto mais que, no caso vertente, a recorrente já havia adquirido uma certa experiência no serviço médico entre 1970 e 1979, tudo levando a crer que ela pudesse contribuir eficazmente e de imediato para o trabalho desse serviço.

48 A Comissão rejeita igualmente o argumento da recorrente segundo o qual ignorava o conteúdo das funções de médico assessor. Foi-lhe explicado, várias vezes, quais as tarefas que seria chamada a cumprir no seu novo serviço. A este propósito, a Comissão invoca a carta do Dr. H. de 19 de Março de 1992.

49 A recorrente responde, na réplica, que o trabalho do serviço havia evoluído muito desde a sua saída em 1980, que a assunção efectiva das suas novas responsabilidades era impossível no prazo disponível e que não se podia considerar que ela tinha um lugar no serviço médico pelo simples facto de ser médica e de "aí se exercer a medicina".

50 Em resposta ao argumento da recorrente segundo o qual a sua saída do antigo serviço tinha originado despesas adicionais, a Comissão declara que a contratação de dois (e não de três) médicos substitutos se justificava pelas necessidades acrescidas do serviço e não está relacionada com a saída da recorrente. A Comissão observa que estes médicos foram, aliás, contratados a tempo parcial, devendo o primeiro prestar vinte horas semanais e o segundo doze horas, e que os custos resultantes das suas prestações ficaram, em qualquer caso, muito aquém dos que a recorrente mencionou.

Apreciação do Tribunal

51 Convém recordar, em primeiro lugar, que o Tribunal, para melhor apreciar os argumentos apresentados pela recorrente (em apoio deste fundamento), colocou à Comissão três questões respeitantes à data em que a recorrente começou efectivamente a trabalhar no serviço médico, ao número total de dias de férias de que ainda dispunha nesse momento e à data em que o agente que lhe sucedeu no serviço médico começou efectivamente a trabalhar.

52 Na resposta à primeira questão, a Comissão informou o Tribunal de que a recorrente recusou colocar-se à disposição do serviço médico e que, até ao momento da sua reforma, continuou a ocupar o seu gabinete na caixa de doença. A Comissão considera que esta recusa é prova de uma má vontade manifesta. A recorrente, que confirma ter recusado trabalhar no serviço médico, põe em evidência os erros psicológicos cometidos pela Comissão. Resulta da resposta da Comissão à segunda questão que a recorrente dispunha, em 25 de Fevereiro de 1992, de 59 dias de licença, tendo gozado 46 durante os meses que precederam a sua reforma. Em resposta à terceira questão, a Comissão declarou que nenhum funcionário ou agente tinha ainda ocupado o lugar da recorrente no serviço médico no momento da audiência. A Comissão põe em evidência a situação orçamental das instituições e a existência de um congelamento total dos recrutamentos.

53 Segundo a jurisprudência constante, as instituições dispõem de um amplo poder de apreciação na organização dos respectivos serviços em função das missões que lhes são confiadas e, em atenção a estas, na afectação do pessoal à sua disposição, com a condição, no entanto, de que tal afectação se faça no interesse do serviço e no respeito da equivalência de lugares (v., como mais recente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Junho de 1992, Turner/Comissão, T-49/91, Colect., p. II-1855, n. 34). O Tribunal de Justiça teve a oportunidade de precisar que os eventuais problemas que a saída de um funcionário pode causar ao seu antigo serviço e o benefício que o seu novo serviço pode tirar da reafectação são considerações que cabem no mesmo poder de apreciação (acórdão de 14 de Julho de 1983, Nebe/Comissão, 176/82, Recueil, p. 2475, n. 18). Tendo em conta a extensão do poder de apreciação das instituições na avaliação do interesse do serviço, o controlo do Tribunal deve, portanto, limitar-se à questão de saber se a AIPN se manteve dentro de limites não criticáveis e se não usou o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado (v. acórdão Moritz/Comissão, já referido, n. 39).

54 Há que recordar igualmente que incumbe a qualquer funcionário o dever fundamental de lealdade e de cooperação com a administração de que depende (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1966, Alfieri/Parlamento, 3/66, Colect. 1965-1968, p. 515). O Tribunal considera que daí decorre que a Comissão, quando avalia as prováveis consequências para o serviço de uma decisão de reafectação, tem o direito de esperar que o funcionário em causa adopte um comportamento em conformidade com o dever de lealdade e de cooperação que lhe incumbe. Este dever implica, no caso de reafectação, a obrigação de o funcionário em causa se colocar à disposição da nova unidade administrativa. Se o interessado considerar que a decisão está viciada, pode fazer uso dos meios de recurso previstos no Estatuto, mas não lhe é lícito recusar-se a exercer as funções na nova unidade em que foi colocado.

55 É à luz destes princípios que convém examinar as circunstâncias em que foi adoptada a decisão que determina a reafectação da recorrente.

56 No que diz respeito, em primeiro lugar, ao benefício que o serviço médico poderia ter tirado da reafectação da recorrente, há que salientar, por um lado, que o chefe do serviço médico tinha apresentado, antes da decisão em causa, um pedido destinado a obter o reforço do pessoal afectado ao seu serviço e, por outro lado, que um estudo efectuado pela Comissão, no final do ano de 1991, tinha evidenciado que o serviço médico de Bruxelas dispunha de muito poucos funcionários médicos a tempo inteiro em comparação com os serviços de Ispra e do Luxemburgo. Além disso, não foi contestado que tivesse havido um aumento da carga de trabalho nesse serviço. Também há que observar que a recorrente tinha trabalhado nesse serviço entre 1970 e 1979 e que, na sequência da adopção da decisão de reafectação, o chefe do serviço médico manifestou a preocupação de a receber nas melhores condições possíveis e enviou-lhe mesmo, em 19 de Março de 1992, uma carta contendo a descrição das suas futuras tarefas no serviço.

57 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a recorrente teria podido dar um contributo importante para o funcionamento do serviço médico durante os últimos meses da sua carreira e que a Comissão, na altura em que adoptou a decisão controvertida, tinha o direito de presumir que a recorrente assumiria um comportamento em conformidade com a sua obrigação de cooperação e de lealdade.

58 No que diz respeito às consequências negativas que a reafectação da recorrente teria produzido para a Unidade "Seguro de doença e acidentes", o Tribunal considera que a recorrente não fez prova de que essas consequências teriam sido mais importantes do que o benefício que o serviço médico poderia ter tirado do seu trabalho, tendo em conta, especialmente, a necessidade de reforçar o pessoal deste serviço.

59 Tendo em conta o que precede, o Tribunal considera que a Comissão não usou de modo manifestamente errado o seu poder de apreciação ao decidir reafectar a recorrente ao serviço médico. Daí decorre que o segundo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto à violação do artigo 25. do Estatuto

Argumentos das partes

60 A recorrente põe em causa a fundamentação da decisão de reafectação, em virtude, essencialmente, de a referência feita, na citada decisão, ao interesse do serviço decorrer de uma apreciação errada do contributo efectivo que ela, em fim de carreira, poderia dar para o serviço médico. A recorrente alega também que, apesar de vários pedidos seus, nunca recebeu uma descrição pormenorizada das tarefas que lhe deviam ser confiadas no seu novo serviço.

61 Segundo a Comissão, a reafectação oficiosa da recorrente foi claramente efectuada no interesse do serviço e a decisão de reafectação foi precedida e seguida de uma série de encontros e de trocas de notas que permitiram à recorrente compreender as razões que levaram à adopção da decisão e conhecer a natureza das tarefas que lhe seriam confiadas. A este propósito, a Comissão refere os encontros que a recorrente teve com o Dr. H., em 15 e 16 de Janeiro de 1992, as cartas do Dr. H., de 14 de Fevereiro e de 19 de Março de 1992, e o facto de a recorrente ter declinado, por duas vezes, um convite do Dr. H. para um almoço, durante o qual a questão das suas futuras actividades seria discutida.

Apreciação do Tribunal

62 Tal como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, a obrigação de fundamentar as decisões que causam prejuízo, prevista no artigo 25. do Estatuto, tem por finalidade permitir ao Tribunal exercer o seu controlo sobre a legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão está bem fundamentada ou se contém vício que autorize a contestação da sua legalidade. Esta exigência está preenchida sempre que o acto susceptível de recurso ocorrer num contexto conhecido do funcionário, que lhe permita compreender o alcance da medida tomada a seu respeito (acórdão de 1 de Junho de 1983, Seton/Comissão, 36/81, 37/81 e 218/81, Recueil, p. 1789).

63 O Tribunal salienta que, numa nota que enviou à recorrente em 14 de Fevereiro de 1992 (anexo 7 da petição), o chefe do serviço médico informou por escrito a recorrente de que a sua reafectação tinha por objecto aumentar o número de médicos funcionários do serviço médico, no qual apenas existiam três médicos para 12 000 funcionários e agentes, e que tinha apresentado há três anos um pedido destinado a obter um reforço do pessoal.

64 Tendo em conta o largo poder de apreciação de que dispõe a AIPN em matéria de organização dos serviços, o Tribunal considera que a explicação dada nessa nota de 14 de Fevereiro de 1992 preenche a obrigação de fundamentação prevista no artigo 25. do Estatuto.

65 O terceiro fundamento invocado pela recorrente deve, assim, ser rejeitado.

Quanto à existência de desvio de poder

Argumentos das partes

66 A recorrente alega que, por detrás da decisão de reafectação de que foi alvo, estão outros motivos, múltiplos e concordantes. Sustenta que, na realidade, esta decisão foi tomada para a afastar do serviço da caixa de doença em virtude do conflito que a opunha ao seu chefe de unidade, o Sr. C. No que diz respeito aos pormenores desse conflito, a recorrente remete para a descrição dos factos constante do acórdão Turner/Comissão, já referido.

67 Terá sido por essa razão que os argumentos de bom senso apresentados pela recorrente contra a decisão de que foi alvo não obtiveram uma resposta satisfatória e que a Comissão recusou a oferta da recorrente de encarar outras soluções amigáveis que teriam permitido sanar o conflito.

68 A Comissão responde que, segundo jurisprudência constante, "uma decisão só é viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos alegados" (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1984, Lux/Tribunal de Contas, 69/83, Recueil, p. 2447). A Comissão considera que, no caso vertente, a recorrente não forneceu qualquer elemento de prova que permita concluir que a medida de reafectação consubstancia um exercício abusivo do poder de apreciação de que dispõe, enquanto instituição, para organizar os seus serviços.

69 A Comissão acrescenta que é totalmente inexacto afirmar que a decisão de reafectação foi tomada em virtude do conflito que opunha a recorrente ao Sr. C. Para além disso, recorda que, em todo o caso, "a mutação de um funcionário para pôr fim a uma situação administrativa insustentável deve ser considerada como tomada no interesse do serviço" (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1990, Hecq/Comissão, C-116/88 e C-149/88, Colect., p. I-599).

Apreciação do Tribunal

70 Há que recordar, por um lado, que a noção de desvio de poder tem um alcance bem preciso e se refere ao facto de uma autoridade administrativa ter utilizado os seus poderes com um objectivo diverso daquele para que lhe foram conferidos e, por outro lado, que, segundo a jurisprudência constante, uma decisão só é viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos alegados (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 1991, Williams/Tribunal de Contas, T-146/89, Colect., p. II-1293, n.os 87 e 88).

71 Os argumentos específicos apresentados pela recorrente em apoio do presente fundamento são os seguintes:

° o facto de ter existido, em 1990 e 1991, uma importante divergência de pontos de vista entre a recorrente e o seu chefe de divisão acerca de uma decisão de reorganização do serviço no qual exercia então funções;

° o facto de, na opinião da recorrente, a decisão de reafectação ter sido tomada por iniciativa do director-geral da DG IX e não a pedido do serviço médico;

° o facto de os argumentos apresentados pela recorrente contra a decisão de reafectação que lhe diz respeito não terem encontrado, no seu entender, uma resposta satisfatória; e

° o facto de, apesar da oposição manifestada pela recorrente relativamente à sua reafectação, a Comissão ter recusado encarar a possibilidade de uma solução amigável para o conflito.

72 O Tribunal considera que estes argumentos não constituem indícios objectivos, pertinentes e concordantes susceptíveis de provar, com suficiente relevância jurídica, que a reafectação em questão foi decidida com um objectivo diverso do de reforçar o pessoal do serviço médico. Nestas circunstâncias, há que rejeitar o quarto fundamento invocado pela recorrente.

Quanto à violação do dever de assistência

Argumentos das partes

73 A recorrente recorda que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância declararam que o dever de assistência implica, nomeadamente, que a autoridade, "quando decide a situação de um funcionário, tome em consideração o conjunto de elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê-lo, atenda não apenas ao interesse do serviço, mas também ao do funcionário em causa" (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 1991, Weyrich/Comissão, T-14/91, Colect., p. II-235, n. 50). Ora, no caso em apreço, a recorrida não teve em conta, de forma alguma, o interesse pessoal da recorrente.

74 A Comissão responde que resulta de jurisprudência constante que as exigências do dever de assistência não podem impedir a AIPN de adoptar as medidas que considera necessárias no interesse do serviço (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1976, Kuester/Parlamento, 123/75, Colect., p. 669, e de 16 de Dezembro de 1987, Delauche/Comissão, 111/86, Colect., p. 5345). Acrescenta que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, "o preenchimento dos lugares deve ter em conta, em primeiro lugar, o interesse do serviço", e que "o dever de solicitude da administração em relação aos seus agentes reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocos que o Estatuto criou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público" (acórdão Moritz/Comissão, já referido, n. 39).

75 A Comissão considera que, em qualquer hipótese, resulta dos factos expostos ter respeitado o seu dever de assistência. Tanto assim é que o Dr. H. e os Srs. R. e D. convidaram várias vezes a recorrente para encontros, a fim de serem discutidas as modalidades da sua transferência, a Comissão acedeu ao desejo da recorrente no sentido de permitir à sua secretária acompanhá-la no novo serviço, o Dr. H. sempre se mostrou preocupado em encontrar as adaptações necessárias para que a recorrente pudesse exercer as suas actividades no serviço médico de maneira satisfatória e, finalmente, a Comissão teve em conta as razões médicas e de outra natureza apresentadas pela recorrente para lhe permitir adiar a data da sua transferência.

76 Na réplica, a recorrente responde ter sido constantemente alvo de medidas cominatórias e humilhantes. Dá como exemplo o envio, em carta registada para o seu domicílio, da decisão de reafectação, quando se encontrava de licença por doença, não existindo qualquer situação de urgência. Refere igualmente as condições em que ocorreu a mudança dos seus pertences.

Apreciação do Tribunal

77 O Tribunal observa que decorre de jurisprudência constante que o dever de assistência da administração em relação aos seus agentes é o reflexo do equilíbrio existente entre os direitos e as obrigações recíprocos criados pelo Estatuto nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público e que as exigências do dever de assistência não podem impedir a AIPN de adoptar as medidas que julgue necessárias no interesse do serviço, visto que o preenchimento dos lugares deve ter em conta, em primeiro lugar, o interesse do serviço (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1992, Eppe/Comissão, T-59/91 e T-79/91, Colect., p. II-2061, n. 66). Tendo em conta a extensão do poder de apreciação de que dispõem as instituições para avaliar o interesse do serviço, o controlo do Tribunal deve limitar-se à questão de saber se a AIPN se manteve dentro de limites não criticáveis e se não usou o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado (acórdão Moritz/Comissão, já referido).

78 No caso vertente, o Tribunal considera que a Comissão cumpriu as exigências decorrentes do dever de assistência, uma vez que teve em conta os desejos manifestados pela recorrente relativamente às modalidades da sua transferência. O Tribunal salienta que o chefe do serviço médico indicou claramente à recorrente, na nota de 14 de Fevereiro de 1992, que estava "totalmente disponível para encontrar de comum acordo (com ela) as adaptações suficientes e necessárias para que a (sua) actividade neste serviço decorra de maneira satisfatória, não só para (ela) própria como também para a instituição", e que a Comissão, de facto, aceitou adiar a data efectiva da reafectação e acedeu ao desejo da recorrente no sentido de permitir à sua secretária acompanhá-la no novo serviço. Nestas circunstâncias, apesar de se lamentar que o prestimoso contributo dado pela recorrente às Comunidades tenha terminado em condições pouco satisfatórias, o Tribunal considera que a Comissão não excedeu os limites do seu amplo poder de apreciação na avaliação que fez tanto das exigências do serviço público como do interesse da recorrente.

79 Daí resulta que também não deve ser acolhido o quinto fundamento.

80 Das considerações que precedem decorre que a recorrente não fez prova de a Comissão ter cometido uma falta susceptível de implicar a sua responsabilidade. Nestas condições, o recurso deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário examinar os argumentos relativos aos danos pretensamente sofridos pela recorrente.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

81 Nos termos do n. 2 do artigo 87. do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, de acordo com o artigo 88. do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.