61992J0398

ACORDAO DO TRIBUNAL (SEXTA SECCAO) DE 10 DE FEVEREIRO DE 1994. - MUND & FESTER CONTRA HATREX INTERNATIONAAL TRANSPORT. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HANSEATISCHES OBERLANDESGERICHT HAMBURG - ALEMANHA. - ARRESTO - FUNDAMENTO SUFICIENTE: EXECUCAO DE SENTENCA EM OUTRO ESTADO CONTRATANTE DA CONVENCAO DE BRUXELAS - PROIBICAO DE DISCRIMINACAO. - PROCESSO C-398/92.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-00467
Edição especial sueca página I-00037
Edição especial finlandesa página I-00045


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Tratado CEE - Artigo 220. , quarto travessão - Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Ligação do Tratado quer com a convenção, quer com as disposições nacionais para que aquela remete

(Tratado CEE, artigo 220. ; Convenção de 27 de Setembro de 1968)

2. Direito comunitário - Princípios - Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Disposição nacional que autoriza o arresto com base numa presunção de dificuldades previsíveis em caso de execução no estrangeiro - Presunção injustificada em caso de execução num Estado-membro signatário da Convenção de Bruxelas - Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigos 7. e 220. ; Convenção de 27 de Setembro de 1968)

Sumário


1. Ao dispor que os Estados-membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a simplificação das formalidades a que se encontram sujeitos o reconhecimento e a execução recíprocos das decisões judiciais, o quarto travessão do artigo 220. do Tratado tem por objectivo facilitar o funcionamento do mercado comum através da adopção de regras de competência para os litígios a que respeita e a supressão, na medida do possível, de dificuldades relativas ao reconhecimento e à execução de sentenças no território dos Estados contratantes. Daqui decorre que as disposições da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que foi celebrada com base naquele artigo e no quadro por ele traçado, bem como as disposições nacionais para que remete, estão ligadas ao Tratado.

2. O artigo 7. do Tratado CEE, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de Bruxelas, é contrário a uma norma nacional de processo civil que só autoriza o arresto como providência cautelar de sentença a executar no território nacional, no caso de ser provável que, não sendo aquele efectuado, essa execução venha a ser impossível ou muito dificultada, enquanto, para as sentenças que têm de ser executadas noutro Estado-membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro.

Com efeito, a distinção efectuada por uma norma daquele tipo não encontra justificação em circunstâncias objectivas, dado que todos os Estados-membros são partes contratantes na referida convenção e, portanto, as condições de execução das decisões e os riscos ligados às dificuldades que aquela suscita são os mesmos nestes Estados.

Partes


No processo C-398/92,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (República Federal da Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Firma Mund & Fester

e

Firma Hatrex Internationaal Transport,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 7. do Tratado CEE, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; JO 1990, C 189, p. 2), com as modificações posteriores,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, C. N. Kakouris (relator), F. A. Schockweiler, P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretário: J.-G. Giraud

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Firma Mund & Fester, por Juergen Kroeger, advogado no foro de Hamburgo,

- em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério federal da Economia, e Alfred Dittrich, Regierungsdirektor no Ministério federal da Justiça, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Bernd Langeheine e Pieter van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Dezembro de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 16 de Novembro de 1992, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 do mesmo mês, o Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 7. do Tratado CEE, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; JO 1990, C 189, p. 2), com as modificações posteriores (a seguir "Convenção de Bruxelas").

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de uma acção intentada pela sociedade alemã Mund & Fester contra a sociedade Hatrex Internationaal Transport (a seguir "Hatrex"), empresa internacional de transitários, com sede nos Países Baixos, em que era pedido o arresto dos bens da Hatrex que se encontrassem na Alemanha.

3 A Hatrex transportou de Carsamba (Turquia) para Hamburgo avelãs que se deterioraram durante o transporte, devido a humidade resultante do facto de o camião não ser estanque.

4 A Mund & Fester, sub-rogada nos direitos do comitente através de cessão de créditos, pediu indemnização dos danos sofridos e, para assegurar o pagamento do crédito respectivo, pediu, em 23 de Junho de 1992, ao Landgericht Hamburg que ordenasse uma providência cautelar, nos termos do § 917 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil, a seguir "ZPO"), consistente no arresto do camião da Hatrex utilizado para o transporte das avelãs, o qual se encontrava ainda na Alemanha.

5 O § 917 do ZPO dispõe o seguinte:

"1. O arresto será ordenado quando houver razões para recear que, sem ele, a execução da sentença venha a ser impossível ou muito dificultada.

2. É fundamento suficiente para ser ordenado o arresto o facto de a sentença dever ser executada no estrangeiro."

6 O Landgericht Hamburg indeferiu o pedido de arresto em despacho do mesmo dia. Com efeito, entendeu que, dado que estava em causa a execução de uma sentença num Estado contratante da Convenção de Bruxelas, não se verificava o fundamento previsto no n. 2 do § 917 do ZPO.

7 A Mund & Fester interpôs recurso do despacho do Landgericht Hamburg perante o Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg, argumentando, nomeadamente, que a interpretação do n. 2 do § 917 do ZPO não é afectada pela Convenção de Bruxelas.

8 Entendendo que a decisão da providência dependia da questão de saber se o fundamento de arresto previsto no n. 2 do § 917 do ZPO se encontra verificado no caso de a sentença dever ser executada nos Países Baixos, o Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão a título prejudicial:

"A necessidade de executar um arresto no estrangeiro constituirá também fundamento para o arresto (n. 2 do § 917 do ZPO), no caso de se tratar de execução num país aderente à Convenção da CEE relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial de 27 de Setembro de 1968 (Convenção de Bruxelas)?"

9 Com esta questão, o tribunal nacional pretende, essencialmente, saber se o artigo 7. do Tratado, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de Bruxelas, é contrário a uma norma nacional de processo civil que só autoriza o arresto como providência cautelar de sentença a executar no território nacional, no caso de ser provável que, não sendo aquele efectuado, essa execução venha a ser impossível ou muito dificultada, enquanto, para as sentenças que têm de ser executadas noutro Estado-membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro.

10 Para responder a esta questão, é necessário, antes de mais, verificar se normas como as referidas caem no campo de aplicação do Tratado.

11 O quarto travessão do artigo 220. deste Tratado determina que os Estados-membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a simplificação das formalidades a que se encontram sujeitos o reconhecimento e a execução recíprocos das decisões judiciais. Esta disposição não constitui uma norma jurídica directamente aplicável enquanto tal, limitando-se a traçar o quadro de negociações entre os Estados-membros (v. acórdão de 11 de Julho de 1985, Mutsch, 137/84, Recueil, p. 2681, n. 11), tendo por objectivo facilitar o funcionamento do mercado comum através da adopção de regras de competência para os litígios a que respeita e a supressão, na medida do possível, de dificuldades relativas ao reconhecimento e à execução de sentenças no território dos Estados contratantes.

12 Foi com base neste artigo e no quadro por ele definido que os Estados-membros celebraram a Convenção de Bruxelas. Em consequência, as disposições desta convenção relativas à competência judiciária e à simplificação das formalidades para o reconhecimento e a execução de sentenças, bem como as disposições nacionais para que remete, estão ligadas ao Tratado.

13 No presente caso, é necessário verificar se a norma nacional em causa no processo principal cria uma discriminação em função da nacionalidade, proibida pelo artigo 7. do Tratado.

14 De acordo com jurisprudência constante, esta disposição impede qualquer discriminação em função da nacionalidade no âmbito de aplicação do Tratado. Este preceito não se limita a proibir discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade, abrangendo também quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzam de facto ao mesmo resultado (v. acórdão de 29 de Outubro de 1980, Boussac, 22/80, Recueil, p. 3427, n. 9).

15 A norma nacional em causa no processo principal contém uma forma dissimulada de discriminação.

16 Com efeito, se é certo que a análise do n. 2 do § 917 do ZPO não revela qualquer discriminação manifesta baseada na nacionalidade, pois aplica-se a todos os casos em que uma sentença deva ser executada no estrangeiro, ainda que os bens que são objecto de arresto pertençam a cidadãos alemães, verifica-se contudo que, como observa acertadamente a Comissão, esta última hipótese é rara; a grande maioria das execuções no estrangeiro têm por alvo pessoas que não são de nacionalidade alemã ou pessoas colectivas que não têm sede na República Federal da Alemanha. Daqui decorre que a regra nacional em causa conduz, de facto, ao mesmo resultado que a discriminação em função da nacionalidade.

17 Todavia, esta constatação não é suficiente para concluir pela incompatibilidade com o artigo 7. do Tratado de uma disposição como a que está em causa no processo principal. Para este efeito, é ainda necessário que a norma em questão não se encontre justificada por circunstâncias objectivas.

18 Recorde-se a este respeito que o arresto garante ao credor a possibilidade de fazer executar, efectivamente e em tempo útil, uma sentença posterior que condene o devedor. Nos termos do n. 1 do § 917 do ZPO, esta medida cautelar deve ser ordenada quando houver razões para recear que, tendo em conta as circunstâncias do caso, sem essa medida, a execução da sentença posterior venha a revelar-se impossível ou muito dificultada. Por força do n. 2 desta disposição, o simples facto de a execução dever ser levada a cabo fora da República Federal da Alemanha basta para presumir a existência de tal dificuldade.

19 Se esta presunção se justifica no caso de a execução da sentença posterior dever ser efectuada no território de um Estado terceiro, o mesmo já não acontece quando o Estado da execução for um dos Estados-membros da Comunidade. Com efeito, todos estes Estados são partes contratantes na Convenção de Bruxelas, cujos territórios podem ser considerados como constituintes de uma unidade, como é indicado no relatório sobre esta convenção (JO 1979, C 59, p. 1, particularmente p. 13).

20 Em consequência, ainda que as condições de execução das decisões e os riscos ligados às dificuldades que aquela suscita sejam os mesmos em todos os Estados-membros, a disposição do n. 2 do § 917 do ZPO considera, essencialmente, que estes riscos ou dificuldades são certos e seguros a partir do momento em que a execução deva ter lugar no território de um Estado-membro que não o Estado alemão.

21 Daqui decorre que a disposição nacional não encontra justificação em circunstâncias objectivas.

22 Tendo em consideração o que precede, deve responder-se à questão colocada que o artigo 7. do Tratado, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de Bruxelas, é contrário a uma norma nacional de processo civil que só autoriza o arresto como providência cautelar de sentença a executar no território nacional, no caso de ser provável que, não sendo aquele efectuado, essa execução venha a ser impossível ou muito dificultada, enquanto, para as sentenças que têm de ser executadas noutro Estado-membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

23 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg, por despacho de 16 de Novembro de 1992, declara:

O artigo 7. do Tratado CEE, lido em conjugação com o artigo 220. do mesmo Tratado e com a Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, é contrário a uma norma nacional de processo civil que só autoriza o arresto como providência cautelar de sentença a executar no território nacional, no caso de ser provável que, não sendo aquele efectuado, essa execução venha a ser impossível ou muito dificultada, enquanto, para as sentenças que têm de ser executadas noutro Estado-membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro.