61992J0271

ACORDAO DO TRIBUNAL (SEXTA SECCAO) DE 25 DE MAIO DE 1993. - LABORATOIRE DE PROTHESES OCULAIRES CONTRA UNION NATIONALE DES SYNDICATS D'OPTICIENS DE FRANCE, GROUPEMENT D'OPTICIENS LUNETIERS DETAILLANTS, SYNDICAT DES OPTICIENS FRANCAIS INDEPENDANTS E SYNDICAT NATIONAL DES ADAPTEURS D'OPTIQUE DE CONTACT. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR DE CASSATION - FRANCA. - INTERPRETACAO DOS ARTIGOS 30. E 36. DO TRATADO - LEGISLACAO NACIONAL RELATIVA A VENDA DE LENTES DE CONTACTO. - PROCESSO C-271/92.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-02899


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Legislação nacional que reserva a venda de óculos de correcção e lentes de contacto aos técnicos de óptica ocular

(Tratado CEE, artigo 30. )

2. Livre circulação de mercadorias ° Derrogações ° Protecção da saúde pública ° Legislação nacional que reserva a venda de lentes de contacto e de produtos conexos aos técnicos de óptica ocular ° Justificação

(Tratado CEE, artigo 36. )

Sumário


1. O artigo 30. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que reserva a venda de material óptico ocular e de lentes correctoras apenas aos titulares do diploma de técnico de óptica ocular.

Efectivamente, tal legislação, que confere a uma determinada categoria profissional a distribuição de determinados produtos, pelo facto de canalizar as vendas, é susceptível de afectar as possibilidades de comercialização de produtos importados e pode, nestas condições, constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação para efeitos da norma citada.

2. O artigo 36. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que proíbe a venda de lentes de contacto e produtos conexos em estabelecimentos comerciais que não sejam dirigidos ou geridos por pessoas que preencham as condições necessárias para o exercício da profissão de técnico ocular é justificada por razões de protecção da saúde pública.

Efectivamente, ao reservar para operadores qualificados, titulares de um diploma profissional, a venda dos referidos produtos, tal legislação visa um objectivo da protecção da saúde pública, que lhe cabe garantir, e não excede o necessário para o atingir.

Partes


No processo C-271/92,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela Cour de cassation francesa, secção comercial, financeira e económica, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Laboratoire de prothèses oculaires (LPO)

e

Union nationale des syndicats d' opticiens de France (UNSOF),

Groupement d' opticiens lunetiers détaillants (GOLD),

Syndicat des opticiens français indépendants (SOFI) e

Syndicat national des adaptateurs d' optique de contact (SNADOC),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30. e 36. do Tratado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. N. Kakouris, presidente de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler, M. Díez de Velasco e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretário: L. Hewlett, administradora

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da sociedade LPO, por M. Levis, advogado no foro de Paris,

° em representação da Union nationale des syndicats d' opticiens de France (UNSOF) e do Syndicat national des adaptateurs d' optique de contact (SNADOC), por A. Monod, advogado no foro de Paris,

° em representação do Syndicat des opticiens français indépendants (SOFI) e do Groupement d' opticiens-détaillants (GOLD), por Thiriez e Brueder, advogados no foro de Paris,

° em representação do Governo francês, por P. Pouzoulet, subdirector da direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e H. Duchene, secretária dos Negócios Estrangeiros no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo helénico, por F. Georgakopoulos, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Pellicer, membro do Serviço Jurídico, e V. Melgar, funcionária nacional destacada no Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da sociedade LPO, da Union national des syndicats d' opticiens de France (UNSOF), do Syndicat national des adaptateurs d' optique de contact (SNADOC), do Syndicat des opticiens français indépendants (SOFI), do Groupement d' opticiens-lunetiers détaillants (GOLD), do Governo francês e da Comissão, na audiência de 4 de Fevereiro de 1993,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 4 de Março de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 2 de Junho de 1992, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de Junho seguinte, a Cour de cassation submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 30. e 36. do Tratado, relativamente ao Código da Saúde Pública francês, que proíbe a venda de lentes de correcção por pessoas não titulares do diploma de técnico de óptica ocular ou de um título equivalente.

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade LPO, que comercializa lentes de contacto, implantes intra-oculares e material conexo, a várias organizações profissionais de técnicos de óptica ocular que consideram que a sociedade LPO infringe as disposições do Código da Saúde Pública relativas à venda destes produtos.

3 A Cour de cassation, a quem foi submetido, em última instância, este litígio, decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

"1) O artigo 30. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às vendas de lentes de contacto e produtos conexos sujeitas a condições idênticas às estabelecidas pelos artigos L-505 e L-508 do Código da Saúde Pública, que reserva aos titulares de um diploma de técnico de óptica ocular a venda de material de óptica ocular e de lentes de correcção?

2) Tal legislação poderá justificar-se por exigências imperativas relacionadas com a protecção dos consumidores ou por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas, tal como descritas no artigo 36. do Tratado CEE?"

4 Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

5 Deve observar-se, a título liminar, que o direito comunitário não contém regras comuns ou harmonizadas que regulem a distribuição de lentes de contacto. Daí resulta que a determinação das disposições aplicáveis nesta matéria é da competência dos Estados-membros, desde que sejam respeitadas as disposições do Tratado e, nomeadamente, as relativas à livre circulação de mercadorias.

6 Resulta do processo principal e das observações escritas e orais apresentadas ao Tribunal que a legislação francesa objecto do litígio no processo principal é indistintamente aplicável aos produtos nacionais e importados e não produz efeitos directos nas importações.

7 Todavia, tratando-se de uma legislação que proíbe determinadas formas de comercialização, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que confere a uma determinada categoria profissional a distribuição de determinados produtos, pelo facto de canalizar as vendas, é susceptível de afectar as possibilidades de comercialização de produtos importados e pode, nessas condições, constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, na acepção do artigo 30. do Tratado (acórdãos de 21 de Março de 1991, Delattre, C-369/88, Colect., p. I-1487, n. 51, Monteil, C-60/89, Colect., p. I-1547, n. 38).

8 Daí decorre que uma legislação do tipo da em causa no litígio do processo principal, que reserva as vendas de lentes de contacto e de produtos conexos a intermediários especializados, é susceptível de ter incidência nas trocas intracomunitárias.

9 Por conseguinte, deve responder-se à primeira questão que o artigo 30. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que reserva a venda de material de óptica ocular e de lentes de correcção aos titulares do diploma de técnico de óptica ocular.

Quanto à segunda questão

10 No que diz respeito à justificação dessa legislação com base no artigo 36. do Tratado, por razões relacionadas com a protecção da saúde pública, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 25 de Julho de 1991, Aragonesa, C-1/90 e C-176/90, Colect., p. I-4151, n. 16) que compete aos Estados-membros, na ausência de normas comuns ou harmonizadas, decidir o nível a que pretendem assegurar essa protecção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. No entanto, só o podem fazer nos limites traçados pelo Tratado e, em especial, respeitando o princípio da proporcionalidade.

11 A este respeito, deve observar-se que uma legislação nacional que reserva a venda de produtos destinados a corrigir os defeitos de uma função própria do organismo humano a operadores qualificados, titulares de um diploma profissional na matéria, visa um objectivo de protecção da saúde pública. Com efeito, a venda de lentes de contacto, ainda que a receita seja da competência do oculista, não pode considerar-se uma actividade comercial idêntica a qualquer outra, uma vez que o vendedor deve poder fornecer aos utilizadores informações relativas ao uso das lentes e à sua manutenção.

12 Convém acrescentar que uma legislação do tipo da em causa no processo principal não contraria o princípio da proporcionalidade. Com efeito, o facto de reservar aos técnicos de óptica a venda de lentes de contacto e de produtos conexos é adequado a garantir a protecção da saúde pública. Nenhum elemento do processo revela que essa legislação vai além do necessário para atingir esse objectivo.

13 Assim, deve responder-se à segunda questão que o artigo 36. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que proíba a venda de lentes de contacto e produtos conexos em estabelecimentos comerciais que não sejam dirigidos ou geridos por pessoas que preencham as condições necessárias para o exercício da profissão de técnico de óptica ocular é justificada por razões de protecção da saúde pública.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

14 As despesas efectuadas pelo Governo francês, pelo Governo helénico e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o orgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour de cassation, por acórdão de 2 de Junho de 1992, declara:

1) O artigo 30. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que reserva a venda de material óptico ocular e de lentes correctoras apenas aos titulares do diploma de técnico de óptica ocular.

2) O artigo 36. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que uma legislação que proíba e a venda de lentes de contacto e produtos conexos em estabelecimentos comerciais que não sejam dirigidos ou geridos por pessoas que preencham as condições necessárias para o exercício da profissão de técnico de óptica ocular é justificada por razões de protecção da saúde pública.