ACORDAO DO TRIBUNAL (QUINTA SECCAO) DE 22 DE ABRIL DE 1993. - OFFICE NATIONAL DES PENSIONS CONTRA RAFFAELE LEVATINO. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR DE CASSATION - BELGICA. - ARTIGOS 46. E 51. DO REGULAMENTO (CEE) N. 1408/71 - APLICACAO AO RENDIMENTO GARANTIDO AS PESSOAS IDOSAS. - PROCESSO C-65/92.
Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-02005
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
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1. Segurança social dos trabalhadores migrantes ° Regulamentação comunitária ° Âmbito de aplicação material ° Prestação, em montante que varia consoante os recursos do interessado, paga aos residentes idosos ° Inclusão enquanto prestação de velhice em caso de pagamento a uma pessoa que tenha estado sujeita, na qualidade de trabalhador, à legislação do Estado pagador, ao abrigo da qual a mesma pessoa beneficia já de uma pensão
(Tratado CEE, artigo 51. ; Regulamento n. 1408/71 do Conselho, artigo 4. )
2. Segurança social dos trabalhadores migrantes ° Seguro de velhice e por morte ° Prestações ° Prestação que garante aos seus beneficiários recursos complementares em montante igual à diferença entre o mínimo de recursos garantido por lei e uma parte dos seus recursos de qualquer natureza ° Adaptação em caso de aumento de uma pensão estrangeira ° Novo cálculo
(Regulamento n. 1408/71 do Conselho, artigos 46. e 51. )
1. As disposições legislativas que, num Estado-membro, garantem a todos os residentes idosos o direito a uma pensão mínima legalmente protegido integram-se, no que respeita aos trabalhadores assalariados ou equiparados que tenham aí efectuado períodos de trabalho, aí residam e aí beneficiem de um direito a pensão, no domínio da segurança social previsto no artigo 51. do Tratado, mesmo quando essas disposições possam escapar a tal qualificação no que respeita a outras categorias de beneficiários.
Assim, deve ser considerada "prestação de velhice", na acepção do Regulamento n. 1408/71, uma prestação concedida aos residentes idosos cujos recursos não atinjam o mínimo garantido pela lei e que garanta aos seus beneficiários recursos complementares num montante igual à diferença entre esse mínimo e uma parte dos recursos de qualquer natureza de que possam dispor.
2. O disposto no n. 1 do artigo 51. do Regulamento n. 1408/71, segundo o qual não há que proceder a um novo cálculo das prestações nos termos do artigo 46. do regulamento quando a modificação que afecta uma das prestações pagas se deve a acontecimentos alheios à situação individual do trabalhador e é consequência da evolução da situação económica e social, não pode ser aplicado quando esteja em causa uma prestação de velhice que, destinando-se a garantir um mínimo de rendimento ao seu beneficiário, tem um carácter diferencial e cujo montante varia, por natureza, em função da evolução do montante do rendimento mínimo garantido, regularmente reavaliado, e da dos recursos do interessado.
Com efeito, por um lado a aplicação desta disposição levaria a que não se tivesse em conta o aumento dos recursos que resulta para o interessado de um aumento da pensão que lhe é paga ao abrigo dos direitos adquiridos noutro Estado-membro e a fazê-lo beneficiar sistematicamente de um montante de recursos superior ao rendimento mínimo garantido por lei, e, por outro lado, não se limitaria a beneficiar o trabalhador migrante, mas desvirtuaria o objecto da prestação e transtornaria o sistema da legislação nacional.
É o disposto no artigo 51. , n. 2, que se deve aplicar à determinação e à adaptação do montante de uma prestação que visa assegurar um rendimento mínimo garantido, paga a um trabalhador que exerceu actividades assalariadas num Estado-membro, que reside nesse Estado e aí beneficia de uma pensão de reforma a cargo desse Estado, ao mesmo tempo que beneficia de uma pensão de reforma a cargo de outro Estado-membro. Esta aplicação leva a um novo cálculo da prestação em caso de modificação do montante do rendimento garantido ou dos recursos do beneficiário.
No processo C-65/92,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela Cour de cassation de Belgique (Terceira Secção), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Office national des pensions (ONP)
e
Raffaele Levatino,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 46. e 51. do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade [versão codificada deste regulamento pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53],
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente de secção, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e D. A. O. Edward, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação do office national des pensions, por R. Masyn, administrador-geral,
° em representação de R. Levatino, por Jules Raskin, advogado no foro de Liège,
° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e Marie Wolfcarius, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações do office national des pensions, representado por J. P. Lheureux, secretário de administração, de R. Levatino e da Comissão, na audiência de 17 de Dezembro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Janeiro de 1993,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 10 de Fevereiro de 1992, entrado no Tribunal em 4 de Março seguinte, a Cour de cassation da Bélgica apresentou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 3. , 46. e 51. do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão codificada pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53, a seguir "regulamento").
2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe o office national des pensions (a seguir "ONP"), organismo belga competente em matéria de pagamento das prestações de velhice, a R. Levatino, que sucedeu a sua mãe, C. Milazzo, no processo principal.
3 Resulta dos autos que C. Milazzo, cidadã italiana, residia na Bélgica. Beneficiava, desde de 1 de Outubro de 1967, de uma pensão de reforma de trabalhador assalariado na Bélgica e, desde 1 de Novembro de 1967, de uma pensão de reforma em Itália.
4 Além disso, beneficiava, desde 1 de Janeiro de 1973, do rendimento garantido às pessoas idosas previsto pela lei belga de 1 de Abril de 1969, alterada (a seguir "rendimento garantido").
5 O rendimento garantido é uma prestação que garante aos seus beneficiários recursos complementares de montante igual à diferença entre o mínimo de recursos garantidos pela lei e uma parte dos recursos, de qualquer natureza, de que possam dispor.
6 É concedido a qualquer pessoa residente na Bélgica, de idade superior a 65 anos, para um homem, ou superior a 60 anos, para uma mulher, cujos recursos não atinjam o mínimo garantido pela lei.
7 Segundo a lei belga, na redacção que lhe foi dada pela lei de 8 de Agosto de 1980, em vigor na data em que foi tomada a decisão que deu origem ao litígio no processo principal, o pagamento dessa prestação a um cidadão estrangeiro estava, no entanto, subordinado à existência de uma convenção de reciprocidade entre o Estado desse cidadão e a Bélgica, ou à condição de esse cidadão receber uma pensão de reforma de trabalhador assalariado na Bélgica. O cidadão estrangeiro deveria, também, ter residido na Bélgica durante pelo menos os cinco anos anteriores à data de aquisição dos direitos.
8 Segundo o artigo 10. da lei:
"Serão deduzidas do montante do rendimento garantido as pensões de reforma e de sobrevivência, bem como quaisquer outras vantagens concedidas ao requerente ou ao seu cônjuge, quer em aplicação de um regime obrigatório belga de pensões, instituído por ou em virtude de uma lei... quer em aplicação de um regime obrigatório estrangeiro de pensões...
Além disso, para aplicação do presente artigo, só será considerado o montante realmente liquidado...".
9 Em aplicação destas disposições, a caisse de pension de retraite et de survie, a que o ONP sucedeu em 1987, reduziu, a partir de 1 de Abril de 1984, o montante do rendimento garantido pago a C. Milazzo para ter em conta o último montante conhecido da sua pensão estrangeira. Esta decisão foi notificada a C. Milazzo em 6 de Março de 1984.
10 C. Milazzo impugnou esta decisão no tribunal du travail de Liège, alegando que o artigo 51. do regulamento se opunha a que fosse efectuado um novo cálculo do rendimento garantido para ter em conta o aumento da sua pensão italiana, que estava ligado à evolução do custo de vida.
11 Por sentença de 16 de Setembro de 1987, o tribunal du travail de Liège deu razão à recorrente e condenou o ONP a pagar a R. Levatino, seu herdeiro, os montantes em atraso do rendimento garantido devidos a C. Milazzo relativamente ao período de 1 de Abril de 1984 a 26 de Agosto de 1984, data do falecimento de C. Milazzo, "sem efectuar qualquer dedução a pretexto de a recorrente inicial ter beneficiado de uma pensão estrangeira".
12 O ONP recorreu desta sentença para a cour du travail de Liège, defendendo que o artigo 51. do regulamento não era aplicável ao novo cálculo do rendimento garantido, uma vez que só se referia às prestações liquidadas nos termos do disposto no artigo 46. do mesmo regulamento, o que não era o caso do rendimento garantido.
13 Por acórdão de 3 de Fevereiro de 1989, a cour du travail de Liège rejeitou esta argumentação e confirmou a condenação do ONP a pagar a R. Levatino os montantes em atraso do rendimento garantido devidos a C. Milazzo relativamente ao período de 1 de Abril de 1984 a 26 de Agosto de 1984, "sem ter em conta as alterações da pensão italiana resultantes do aumento dos preços e, consequentemente, da subida do índice".
14 O ONP interpôs recurso de cassação do acórdão para a Cour de cassation da Bélgica. Alegou, em substância, que os artigos 46. e 51. do regulamento não eram aplicáveis ao cálculo do rendimento garantido e que a sua aplicação poderia revelar-se contrária ao princípio da igualdade enunciado no artigo 3. , n. 1, do mesmo regulamento.
15 Considerando que o litígio suscitava problemas de interpretação do direito comunitário, a Cour de cassation suspendeu a instância e apresentou a seguinte questão prejudicial:
"Devem os artigos 46. e 51. do Regulamento (CEE) n. 1408/71 ser interpretados no sentido de que são aplicáveis em caso de cumulação de uma prestação de velhice, liquidada nos termos da legislação de um Estado-membro, com uma prestação complementar de uma prestação de velhice do trabalhador assalariado, que garante a uma pessoa idosa um rendimento independentemente da duração dos períodos de seguro, e liquidada nos termos da legislação de outro Estado-membro, mesmo que essa aplicação seja de natureza a favorecer o trabalhador migrante relativamente ao que não o é, quando o artigo 3. , n. 1, do já citado regulamento prevê a igualdade de tratamento para todos os nacionais dos Estados-membros?"
16 Para mais ampla exposição dos factos e da regulamentação aplicável ao litígio no processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
17 Na questão prejudicial, o juiz nacional pergunta se o disposto nos artigos 46. e 51. do regulamento é aplicável à determinação e à adaptação do montante de uma prestação, como o rendimento garantido, paga a um trabalhador que exerceu actividades assalariadas num Estado-membro, que reside nesse Estado, que beneficia de uma pensão de reforma a cargo desse Estado e também de uma pensão de reforma a cargo de outro Estado-membro, mesmo se essa aplicação for susceptível de beneficiar o trabalhador migrante relativamente ao trabalhador não migrante.
18 O artigo 46. do regulamento refere-se à liquidação das prestações de velhice e o artigo 51. do regulamento fixa as condições em que as prestações "estabelecidas nos termos do artigo 46. " devem ser aumentadas ou recalculadas.
19 O artigo 51. tem dois números. O n. 1 prevê que, se as prestações dos Estados em causa forem modificadas numa percentagem ou num determinado montante, em consequência do aumento do custo de vida, da variação do nível dos salários ou de outras causas de adaptação, essa percentagem ou montante devem ser aplicados directamente ao montante das prestações sem que haja que proceder a um novo cálculo nos termos do artigo 46. Por outro lado, o n. 2 prevê que se efectue um novo cálculo, nos termos deste último artigo, em caso de alteração da forma de determinação ou das regras de cálculo das prestações.
20 Tendo-lhe sido submetida uma questão prejudicial suscitada num litígio relativo, precisamente, à aplicação do rendimento garantido às pessoas idosas, previsto pela lei belga de 1 de Abril de 1969, já referida, o Tribunal entendeu, no acórdão de 22 de Julho de 1972, Frilli (1/72, Recueil, p. 457, n. 18), que, relativamente a um trabalhador assalariado ou equiparado que tenha efectuado períodos de trabalho num Estado-membro, aí resida e aí beneficie de um direito à pensão, as disposições legislativas que garantem a todos os residentes idosos o direito a uma pensão mínima legalmente protegido se integram, no que respeita a esses trabalhadores, no domínio da segurança social previsto no artigo 51. do Tratado CEE e na regulamentação adoptada para a aplicação dessa disposição, mesmo que tal legislação possa escapar a esta qualificação no que se refere a outras categorias de beneficiários.
21 Uma prestação como a que está em causa no litígio no processo principal deve, consequentemente, ser encarada como uma "prestação de velhice", na acepção do regulamento. Os direitos do beneficiário devem, neste caso, segundo o artigo 44. desse regulamento, ser determinados de acordo com as disposições do capítulo III do título III do regulamento, isto é, especialmente, de acordo com as disposições dos seus artigos 46. e 51.
22 O ONP defende que o disposto no artigo 46. não é aplicável a uma prestação como o rendimento garantido, que é uma prestação de natureza não contributiva cujo montante só depende dos recursos do beneficiário.
23 A argumentação do ONP não pode ser acolhida.
24 Com efeito, as disposições do regulamento revelam a intenção do legislador comunitário de incluir as prestações de velhice de natureza não contributiva, como o rendimento garantido, no âmbito de aplicação do artigo 46.
25 Por um lado, o artigo 4. , n. 2, do regulamento prevê expressamente que este se aplica aos regimes contributivos e não contributivos relativos às prestações de velhice.
26 Por outro lado, o artigo 46. do regulamento inclui no seu n. 2, alínea a), disposições específicas para a determinação do montante dito "teórico" das prestações com carácter não contributivo.
27 Assim, e na ausência de qualquer disposição expressa em contrário, o artigo 46. é aplicável à liquidação de prestações sociais como o rendimento garantido.
28 Dado que o artigo 51. do regulamento se refere, segundo os seus próprios termos, à adaptação das prestações determinadas "nos termos do artigo 46. ", as suas disposições são, em princípio, também aplicáveis a prestações como o rendimento garantido.
29 Todavia, uma prestação como o rendimento garantido apresenta características especiais. Importa, portanto, determinar se, pelo seu conteúdo, o disposto no artigo 51. é compatível com essas características e se a sua aplicação não é susceptível de introduzir na legislação nacional o transtorno a que alude o acórdão Frilli, já referido.
30 Com efeito, segundo jurisprudência constante (v., nomeadamente, o acórdão de 7 de Fevereiro de 1991, Roenfeldt, C-227/89, Colect., p. I-323, n. 12), o regulamento apenas visa assegurar uma coordenação entre as legislações nacionais de segurança social, deixando-as subsistir com as suas diferenças, e não pode ter como efeito alterar a legislação nacional.
31 Nomeadamente, o Tribunal decidiu no acórdão Frilli, já referido (n.os 20 e 21), que embora as dificuldades que poderiam decorrer da aplicação da legislação comunitária a prestações como o rendimento garantido não atentassem contra o direito e o dever dos tribunais de assegurar a protecção dos trabalhadores migrantes, sempre que possível, essa protecção só podia e devia ser assegurada na medida em que não implicasse o transtorno do sistema instituído pelas legislações nacionais em questão.
32 Deve, portanto, apreciar-se antes de mais se o disposto no n. 1 do artigo 51. do regulamento pode ser aplicado quando está em causa uma prestação de velhice como o rendimento garantido.
33 Segundo a jurisprudência constante do Tribunal (v., nomeadamente, o acórdão de 20 de Março de 1991, Cassamali, C-93/90, Colect., p. I-1401, n.os 15 e 16), o artigo 51. , n. 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, para reduzir a carga administrativa que representaria o reexame da situação do trabalhador após qualquer modificação das prestações recebidas, ele exclui que se proceda a um novo cálculo das prestações em conformidade com o artigo 46. do regulamento quando a modificação que afecta uma das prestações pagas resulte de factos alheios à situação individual do trabalhador e seja consequência da evolução da situação económica e social. Só no caso de a modificação se dever a uma alteração no modo de determinação ou das regras de cálculo de uma prestação, designadamente devido a uma modificação na situação pessoal do trabalhador, é que há que proceder a um novo cálculo das prestações de velhice, por força do n. 2 do artigo 51.
34 O objectivo de uma prestação como o rendimento garantido às pessoas idosas é o de compensar a insuficiência dos recursos do interessado para lhe permitir atingir o mínimo de recursos garantido pela lei, quando, pelo menos, ele resida no território do Estado que paga a prestação. Esta prestação é devida sem condição de duração de seguro ou, para certos beneficiários, sem condição de duração de residência. O seu montante, independente de qualquer duração de seguro ou de residência, é igual à diferença entre o mínimo do rendimento fixado pela regulamentação nacional e uma parte dos recursos do beneficiário, entre os quais figuram as pensões, tanto nacionais como estrangeiras, que ele recebe. Tendo em conta o seu carácter diferencial, o montante desta prestação varia, por natureza, em função da evolução do montante do rendimento mínimo garantido, que é regularmente aumentado, e da dos recursos do interessado.
35 A aplicação do disposto no n. 1 do artigo 51. conduziria, segundo a jurisprudência do Tribunal, a não ter em conta a evolução dos recursos do interessado decorrentes do aumento da sua pensão estrangeira, fazendo beneficiar sistematicamente o interessado de um montante de recursos superior e, a prazo, sensivelmente superior, ao rendimento mínimo garantido pela lei.
36 Esta aplicação do n. 1 do artigo 51. não se limitaria a beneficiar o trabalhador migrante, mas desvirtuaria o objecto da prestação de rendimento garantido e transtornaria o sistema de legislação nacional em causa.
37 Com efeito, ao impedir que se tenham em consideração recursos que devem, normalmente, ser deduzidos do montante do rendimento mínimo garantido pela lei, a aplicação dessas disposições atentaria contra o carácter complementar de uma prestação cujo montante varia em função dos recursos do interessado, cuja insuficiência se destina a compensar.
38 Quanto a isso, uma prestação como o rendimento garantido distingue-se das pensões de velhice, dado que a natureza e o modo de fixação destas últimas não são, contrariamente à prestação de rendimento garantido, alterados pela aplicação do disposto no n. 1 do artigo 51. , mesmo que isso possa beneficiar o trabalhador migrante.
39 Ora, se é certo que a aplicação do disposto no n. 1 do artigo 51. pode, tendo em conta o seu objecto, ter como consequência conceder ao trabalhador migrante um montante de prestações superior àquele a que tem direito o trabalhador em virtude da aplicação do artigo 46. do regulamento, ela não pode, no entanto, ter como efeito pôr em causa o próprio objecto da prestação paga.
40 Daqui decorre que o disposto no n. 1 do artigo 51. do regulamento não pode ser aplicado a prestações como o rendimento garantido, contrariamente ao que é defendido por R. Levatino e pela Comissão.
41 Importa agora interrogarmo-nos sobre a aplicabilidade do artigo 51. , n. 2, a este tipo de prestações.
42 Disposições como as dos artigos 8. e 10. da lei de 1 de Abril de 1969, já referida, visam, no seu conjunto, garantir que serão tidas em conta a totalidade ou parte dos recursos do interessado para o cálculo da prestação. Constituem, portanto, regras relativas à definição do montante da prestação e não, como afirmam R. Levatino e a Comissão, disposições destinadas a evitar a cumulação da prestação de rendimento garantido com outras prestações da mesma natureza.
43 Nestas condições, qualquer alteração dos recursos do beneficiário, qualquer que seja a sua origem, afecta a sua situação pessoal perante a legislação aplicável e altera o modo de determinação da prestação que lhe é paga. É especialmente esse o caso quando o interessado beneficia de uma pensão de velhice paga por outro Estado-membro e esta é aumentada para ter em conta, nomeadamente, o aumento do custo de vida, como no caso do processo principal, ou quando é recalculada.
44 O artigo 51. , n. 2, prevê que se efectue um novo cálculo da prestação em caso de alteração da sua forma de determinação ou das suas regras de cálculo. Esta disposição aplica-se à prestação de rendimento garantido, cujo cálculo deve ser alterado quando sejam alterados o próprio montante do rendimento garantido ou os recursos do beneficiário. É, portanto, em aplicação deste artigo 51. , n. 2, que o montante da prestação de rendimento garantido deve ser recalculado.
45 Nestas condições, contrariamente ao disposto no n. 1, o disposto no n. 2 do artigo 51. não permite que o trabalhador migrante beneficie de um montante de recursos largamente superior ao mínimo garantido pela lei, quando as prestações de velhice que lhe são pagas por outro Estado-membro sejam aumentadas. Esse artigo não é de natureza a perturbar a legislação nacional em causa e pode ser aplicado a uma prestação como o rendimento garantido.
46 Daqui resulta que uma prestação, como o rendimento garantido às pessoas idosas, paga a um trabalhador que tenha exercido actividades assalariadas num Estado-membro, que resida nesse Estado e que beneficie de uma pensão de reforma a cargo desse Estado, deve ser calculada e adaptada nos termos das disposições dos artigos 46. e 51. , n. 2, do regulamento.
47 Finalmente, decorre dos autos do tribunal nacional, e nomeadamente da argumentação da parte recorrente no processo principal, que a questão de saber se as disposições do regulamento devem ser aplicadas mesmo que tenham por efeito beneficiar o trabalhador migrante relativamente ao trabalhador não migrante só se refere ao disposto no artigo 51. , n. 1, do regulamento, que era susceptível de beneficiar C. Milazzo e no qual se baseou, aliás, o seu herdeiro, R. Levatino, para contestar a redução efectuada pelo ONP no montante da prestação de rendimento garantido que lhe era paga.
48 Uma vez que o artigo 51. , n. 1, do regulamento não é aplicável à adaptação de uma prestação como o rendimento garantido, não há que responder a esta questão.
49 Em qualquer caso, basta lembrar que o Tribunal indicou, no acórdão de 13 de Outubro de 1977, Mura (22/77, Recueil, p. 1699, n.os 9 e 10), por um lado, que, embora a aplicação da regulamentação comunitária tenha por resultado beneficiar o trabalhador migrante relativamente ao trabalhador não migrante, ela nem por isso tem carácter discriminatório, uma vez que os trabalhadores migrantes não estão numa situação comparável à dos trabalhadores que nunca deixaram o seu país, e, por outro lado, que as eventuais divergências existentes em benefício dos trabalhadores migrantes resultam, não da interpretação do direito comunitário, mas da ausência de um regime comum de segurança social, ou da falta de harmonização dos regimes nacionais existentes, a que não pode obviar a simples coordenação actualmente em vigor.
50 Pelo que as disposições dos artigos 46. e 51. do regulamento são aplicáveis, mesmo que tenham por efeito beneficiar o trabalhador migrante relativamente ao trabalhador não migrante.
51 Em consequência, há que responder à questão prejudicial submetida que o disposto nos artigos 46. e 51. , n. 2, do regulamento é aplicável à determinação e à adaptação do montante de uma prestação como o rendimento garantido, paga a um trabalhador que exerceu actividades assalariadas num Estado-membro, que reside nesse Estado, e que beneficia de uma pensão de reforma a cargo desse Estado e de uma pensão de reforma a cargo de outro Estado-membro. Em contrapartida, o disposto no artigo 51. , n. 1, desse regulamento não é aplicável à adaptação de uma prestação dessa natureza.
Quanto às despesas
52 As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre a questão submetida pela Cour de cassation da Bélgica, por acórdão de 10 de Fevereiro de 1992, declara:
O disposto nos artigos 46. e 51. , n. 2, do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão codificada pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, é aplicável à determinação e à adaptação do montante de uma prestação como o rendimento garantido, paga a um trabalhador que exerceu actividades assalariadas num Estado-membro, que reside nesse Estado, e que beneficia de uma pensão de reforma a cargo desse Estado e de uma pensão de reforma a cargo de outro Estado-membro. Em contrapartida, o disposto no artigo 51. , n. 1, desse regulamento não é aplicável à adaptação de uma prestação dessa natureza.