61992C0435

Conclusões do advogado-geral Van Gerven apresentadas em 21 de Septembro de 1993. - ASSOCIATION POUR LA PROTECTION DES ANIMAUX SAUVAGES E OUTROS CONTRA PREFET DE MAINE-ET-LOIRE E PREFET DE LOIRE-ATLANTIQUE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: TRIBUNAL ADMINISTRATIF DE NANTES - FRANCA. - CONSERVACAO DAS AVES SELVAGENS - PERIODOS DE CACA. - PROCESSO C-435/92.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-00067


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. O tribunal administratif de Nantes coloca, no presente processo, três questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 7. , n. 4, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (1) (a seguir "directiva relativa às aves" ou "directiva").

Enquadramento jurídico e de facto

2. As questões prejudiciais foram suscitadas no âmbito de seis recursos de anulação interpostos no tribunal administratif de Nantes por diversas associações de protecção do ambiente e por uma associação de caçadores, tendo por objecto os despachos dos préfets de Maine-et-Loire e de Loire-Atlantique que fixaram, cada um para o respectivo département, as datas de encerramento da época de caça 1992-1993. As partes fundam basicamente os seus recursos de anulação em alegadas violações da directiva relativas às aves.

3. De acordo com o n. 1 do artigo 1. , a directiva relativa às aves "diz respeito à conservação de todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados-membros ao qual é aplicável o Tratado. Tem por objectivo a protecção, a gestão e o controlo dessas espécies e regulamenta a sua exploração."

O artigo 2. estabelece, de forma geral, que "os Estados-membros tomarão todas as medidas necessárias para manter ou adaptar a população de todas as espécies de aves referidas no artigo 1. a um nível que corresponde nomeadamente às exigências ecológicas, científicas e culturais, tendo em conta as exigências económicas e de recreio".

O artigo 5. da directiva obriga os Estados-membros a estabelecerem a proibição de matar, capturar ou deter intencionalmente todas as espécies de aves a que a directiva se refere.

Derrogando essa proibição, o artigo 7. autoriza a caça de determinadas aves, estabelecendo porém condições restritivas. As passagens do artigo 7. relevantes para as presentes questões prejudiciais têm a seguinte redacção:

"1. Com base no seu nível populacional, na sua distribuição geográfica e na sua taxa de reprodução no conjunto da Comunidade, as espécies enumeradas no Anexo II podem ser objecto de actos de caça no âmbito da legislação nacional. Os Estados-membros velarão para que a caça a essas espécies não comprometa os esforços de conservação empreendidos na sua área de distribuição...

4. Os Estados-membros certificam-se de que a prática da caça... tal como decorre da aplicação das medidas nacionais em vigor, respeita os princípios de uma utilização razoável e de uma regulamentação equilibrada do ponto de vista ecológico das espécies de aves a que diz respeito, e que esta prática seja compatível, no que diz respeito à população destas espécies, nomeadamente das espécies migradoras, com as disposições decorrentes do artigo 2. Velarão particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o período nidícola nem durante os diferentes estádios de reprodução e de dependência. Quando se trate de espécies migradoras, velarão particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o seu período de reprodução e durante o período de retorno ao seu local de nidificação..."

É sobretudo esta última passagem, a saber, a terceira frase do artigo 7. , relativa ao trajecto de retorno das aves migradoras ao local de nidificação, que assume particular relevância no presente processo.

4. Em França, as normas em matéria de delimitação da época de caça constam dos artigos R.224-3, R.224-4 e R.224-5 do código rural (2).

O artigo R.224-3 estabelece que a caça em batidas e em voo pode ter lugar durante os períodos fixados para cada ano por despacho do préfet, com base em proposta do directeur départemental de l' agriculture et de la forêt, após obtido parecer do conseil départemental de la chasse et de la faune sauvage e da fédération des chasseurs. A decisão deve ser publicada pelo menos vinte dias antes da data de entrada em vigor.

O artigo R.224-5 fixa, para determinadas espécies selvagens, entre as quais as aves migradores e as aquáticas, datas-limite entre as quais se devem situar as datas de abertura e encerramento fixadas pelos préfets (3). A data-limite de encerramento autorizada para as aves migradoras é o último dia de Fevereiro (4). A data-limite de encerramento para as espécies aquáticas é também o último dia de Fevereiro, com excepção do pato-real, que é a de 15 de Fevereiro (5).

5. Por despacho de 7 de Julho de 1992, o préfet do département de Maine-et-Loire fixou da seguinte forma a data de encerramento da caça das aves migradoras e das aquáticas:

Aves migradoras28 de Fevereiro de 1993

Aves aquáticas:10 de Fevereiro de 1993

pato-real

ganso-comum, pato-trombeteiro, zarro-comum

e abibe-comum20 de Fevereiro de 1993

outras aves aquáticas28 de Fevereiro de 1993

Por despacho de 22 de Junho de 1992, o préfet do département de Loire-Atlantique fixou as seguintes datas de encerramento:

Aves migradoras:

galinhola e pombo-torcaz28 de Fevereiro de 1993

outras aves migradoras10 de Janeiro de 1993

Aves aquáticas:

pato-real7 de Fevereiro de 1993

abibe-comum, tarambola-dourada, ostraceiro,

ganso-comum e outros anátidas14 de Fevereiro de 1993

outras aves aquáticas28 de Fevereiro de 1993

6. A Association pour la protection des animaux sauvages interpôs no tribunal administratif de Nantes recurso de anulação do despacho do préfet de Maine-et-Loire, sustentando designadamente ser essa decisão ilegal por autorizar a caça das aves migradoras e aquáticas durante um período de tempo demasiado longo.

Essa mesma Association pour la protection des animaux sauvages, bem como o Groupe ornithologique de Loire-Atlantique, a Société pour l' étude et la protection de la nature em Bretagne e o Rassemblement des opposants à la chasse interpuseram nesse mesmo tribunal administrativo recursos de anulação do despacho do préfet de Loire-Atlantique, com fundamento em essa decisão autorizar a caça de aves migradoras e de aves aquáticas durante um período de tempo demasiado longo. A Fédération départementale des chasseurs de Loire-Atlantique pede também a anulação do despacho, desta vez, porém, com fundamento em nela se determinar o encerramento demasiado cedo da caça de determinadas espécies de aves.

Questões prejudiciais

7. Por seis decisões de 17 de Dezembro de 1992 - cada uma delas relativa a um dos seis recursos de anulação interpostos -, o tribunal administratif de Nantes decidiu colocar ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais, no intuito de esclarecer os seguintes pontos:

- a data de encerramento da caça das aves migradoras e aquáticas deve ser fixada na data de início da migração pré-nupcial ou em função da susceptibilidade de variação do início da migração;

- se o artigo 7. , n. 4, da directiva relativa às aves obsta a que as autoridades nacionais fixem datas de encerrameto da caça escalonadas em função das espécies; e

- a competência atribuída aos préfets para fixarem a data de encerramento da caça no respectivo département é compatível com o regime de protecção instituído pela directiva.

No seguimento das presentes conclusões, examinaremos sucessivamente essas três questões. Nesse contexto, discutiremos alguns dos argumentos apresentados pelas diversas partes no processo perante o Tribunal de Justiça (a saber, o préfet de Maine-et-Loire, o Rassemblement des opposants à la chasse, a Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique, o Governo francês e a Comissão das Comunidades Europeias). Remetemos, contudo, para o relatório para audiência quanto à completa exposição dos argumentos das diversas partes.

Resposta à primeira questão

8. A primeira questão prejudicial consiste em saber se a data de encerramento da caça das aves migradoras e aquáticas deve ser fixada na data de início da migração pré-nupcial ou em função da variação do início da migração. Decorre das decisões de reenvio do tribunal administratif de Nantes que este órgão jurisdicional pretende referir-se, por essas palavras, a duas datas descritas no relatório intitulado "Répartition et chronologie de la migration prénuptiale et de la reproduction en France des oiseaux d' eau gibier", conjuntamente elaborado em Março de 1989 pelo Muséum national d' histoire naturelle et l' Office national de chasse, a pedido do secretário de Estado francês do Ambiente (a seguir "relatório conjunto"). Para a boa compreensão da questão prejudicial, julgamos indispensável proceder a uma análise relativamente detalhada desse relatório conjunto e da circular do Ministério do Ambiente, com ele relacionada, que o órgão jurisdicional de reenvio refere também nas suas decisões.

9. A primeira parte do relatório, submetido por diversas partes ao Tribunal de Justiça, contém os resultados de um estudo relativo à migração pré-nupcial das aves aquáticas em França (6). Resulta do prefácio do secretário de Estado do Ambiente que este estudo teve por finalidade expressa reunir dados científicos para efeitos da aplicação do n. 4 do artigo 7. da directiva relativa às aves, e em especial da disposição nos termos da qual os Estados-membros "quando se trate de espécies migradoras... velarão particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas... durante o período de retorno ao seu local de nidificação" (v. supra n. 3).

O relatório conjunto refere, nas conclusões desse estudo, que a data de início da migração pré-nupcial varia em função de três factores. Em primeiro lugar, há diferenças entre as diversas espécies de aves: algumas iniciam a migração cedo, outras tarde. Em segundo lugar, existem diferenças interanuais. Tais variações são significativas para algumas espécies, reduzidas para outras (7). Em terceiro lugar, existem diferenças geográficas. Estas parecem, contudo, relativamente pouco significativas quando comparadas com as variações interanuais.

Em síntese, o relatório conjunto refere, pois, para as diversas espécies de aves aquáticas, os seguintes dados:

1) Uma data geral de início da migração pré-nupcial. Trata-se de uma espécie da média que - se bem entendemos - foi obtida tendo em conta, em primeiro lugar, a data média de cada ano (ou seja, o valor médio) para as diversas regiões geográficas, atendendo-se em seguida ao mais frequente dos valores médios dos diversos anos (ou seja, ao modo). É essa data média de início a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere quando fala de "data de início da migração pré-nupcial".

2) As datas-limite (a primeira e a última) entre as quais varia a data de início da migração pré-nupcial, tanto em função dos anos como das zonas geográficas. A primeira data é designada na questão prejudicial como "data de variação do início da migração".

3) O período mais intenso de actividade migratória. Trata-se - se bem entendemos - do período de migração do maior número de aves (8).

10. Com base nesse relatório conjunto, o Ministério francês do Ambiente elaborou em Dezembro de 1991, em cooperação com o Muséum national d' histoire naturelle, uma nota que resume e torna operacionais os resultados daquele relatório. Além disso, o Ministério do Ambiente elaborou também uma nota relativa à utilização de critérios quantitativos para a determinação das datas de abertura e encerramento da caça. Esta nota defende a tese de que o início da migração pré-nupcial apenas deve ser considerado significativo quando 10% das aves tiver começado a migração.

Por último, o Ministério do Ambiente enviou, em 9 de Janeiro de 1992, uma circular aos préfets dos départements - circular esta que, tendo anexas as duas referidas notas, foi entregue ao Tribunal de Justiça pelo Governo francês (9). Nela se refere que a data de encerramento da caça para cada uma das espécies de aves deve ser fixada dentro da década (10) durante a qual, nos termos das estatísticas dos anos precedentes, 10% das aves dessa espécie iniciou a migração. Os despachos dos préfets de Maine-et-Loire e de Loire-Atlantique, objecto dos litígios principais no tribunal administratif de Nantes (v. supra n. 5), são conformes com a circular.

11. Tal como explica nas decisões de reenvio, o tribunal administratif de Nantes viu-se desta forma confrontado com quatro categorias de dados, ou quatro métodos possíveis de fixação da data de encerramento da caça das aves migradoras e aquáticas: três deles provinham do relatório conjunto (a data média de início, a primeira data variável e o período mais intenso de actividade migratória; v. supra n. 9), decorrendo a quarta da circular ministerial (o momento em que 10% das aves iniciou a migração).

Nas decisões de reenvio, o tribunal administrativo declara - a justo título, como explicaremos no n. 18 infra - que duas dessas quatro hipóteses, a saber, o período de maior intensidade da actividade migratória e o momento em que 10% das aves iniciou a migração, são, em qualquer caso, incompatíveis com o artigo 7. , n. 4, terceira frase, da directiva relativa às aves, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido no processo C-157/89 (11). Restam a data média de início e a primeira data variável, tal como descritas no relatório conjunto. Se bem entendemos, a questão prejudicial visa obter os elementos de interpretação necessários para apreciar a compatibilidade destes dois métodos com a directiva relativa às aves.

12. Estamos em crer que os elementos solicitados constam, de forma implícita mas segura, do referido acórdão C-157/89. Com efeito, o Tribunal de Justiça expressou já, nesse acórdão, a sua interpretação (designadamente (12)) da terceira frase do n. 4 do artigo 7. da directiva relativa às aves:

"Quanto à... interpretação da... terceira frase do n. 4 do artigo 7. da directiva, resulta do processo que... os movimentos migratórios das aves se caracterizam por uma certa variabilidade que, devido a circunstâncias meteorológicas, afecta nomeadamente os períodos no decorrer dos quais (se produz esse fenómeno). Assim... pode suceder que certo número de aves migradoras iniciem o trajecto de regresso ao local de nidificação em data relativamente precoce em relação aos fluxos migratórios médios.

Está assim em questão saber se os Estados-membros podem autorizar a caça... enquanto a maior parte das aves de determinada espécie migradora não sobrevoar ainda os respectivos territórios no caminho para o local de nidificação, ou se o legislador nacional deve acrescentar ao período habitual... de migração um período suplementar para ter em conta as variações acima referidas.

... a terceira frase do n. 4 do artigo 7. , da directiva, tem por finalidade assegurar um regime completo de protecção durante os períodos no decorrer dos quais se encontra particularmente ameaçada a sobrevivência das aves selvagens. Em consequência, a protecção contra as actividades de caça não se pode limitar à maioria das aves de determinada espécie, definida de acordo com a média... dos movimentos migratórios. A inexistência da protecção prevista em relação a parte da população de determinada espécie, em situações marcadas por... migração precoce, seria incompatível com os objectivos da directiva" (13).

13. No presente processo, o Governo francês e a Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique defendem uma interpretação restritiva desse acórdão. Apresentada de forma de certo modo esquemática, essa posição parece traduzir-se em dizer que apenas decorre do acórdão que a data de encerramento da caça (ou o método da respectiva fixação) só é incompatível com a terceira frase do n. 4 do artigo 7. da directiva relativa às aves quando dessa data (ou desse método) resulte que menos de 50% das aves de determinada espécie fique protegida contra a caça durante a sua migração. Pelo contrário, a directiva é respeitada desde que seja garantido que mais de 50% das aves de determinada espécie não pode ser caçada durante a migração. O método estabelecido na circular de 9 de Janeiro de 1991 do Ministério francês do Ambiente, nos termos do qual a caça deve ser encerrada no momento em que 10% das aves inicie a sua migração, seria, pois, compatível com a directiva, visto que, nos termos desse método, ficaria protegida uma percentagem de aves em muito superior a 50%, a saber, 90%.

Não nos parece ser esta interpretação restritiva a mais adequada. Certo é que o acórdão proferido no processo C-157/89 fala de "maioria", o que porém deve ser entendido como aplicação de um princípio mais amplo contido nesse mesmo acórdão. Em nossa opinião, a tomada de posição básica do acórdão é de que "a terceira frase do n. 4 do artigo 7. da directiva tem por finalidade assegurar um regime completo de protecção durante os períodos no decorrer dos quais se encontra particularmente ameaçada a sobrevivência das aves selvagens" (v. supra n. 12; sublinhado nosso), entre os quais se conta a migração pré-nupcial. O Tribunal de Justiça retira desse princípio a consequência de que "a inexistência da protecção prevista em relação a parte da população de determinada espécie, em situações marcadas por... migração precoce, seria incompatível com os objectivos da directiva". Parece-nos ser esta consequência aplicável tanto a uma parte que se eleve a 10% como a uma parcela que represente 50%.

14. Julgamos útil, para a boa compreensão de tudo isto, consagrar de novo algumas explicações ao objectivo e estrutura geral da directiva relativa às aves. Com efeito, verifica-se que, no presente processo, as partes se baseiam, quanto a este ponto, em concepções bem diversas, apesar de, em nossa opinião, a directiva e a jurisprudência do Tribunal de Justiça serem desprovidas de ambiguidade.

O objectivo da directiva relativa às aves é a conservação das espécies de aves que vivem em estado selvagem. Isto resulta do título e preâmbulo da directiva, e é expressamente declarado no artigo 1. , n. 1 (v. supra n. 3). Para a consecução desse objectivo, a directiva impõe, por um lado, no artigo 2. (v. esse mesmo n. 3), uma obrigação geral de os Estados-membros tomarem "todas as medidas necessárias" e, por outro, determinado número de obrigações específicas constantes dos artigos seguintes. Uma dessas obrigações específicas, enunciada no artigo 5. , diz respeito à proibição de caçar as espécies de aves que vivam em estado selvagem. Derrogando essa proibição, o artigo 7. permite que os Estados-membros autorizem a caça de um número limitado de espécies (a saber, as referidas no Anexo II da directiva) sob determinadas condições restritivas. Estas condições podem dividir-se em duas categorias. Por um lado, há restrições formuladas de forma mais geral, a saber, as constantes do artigo 7. , n. 1, última frase, e n. 4, primeira frase, que correspondem, designadamente, à obrigação geral contida no artigo 2. da directiva. Por outro lado, há duas restrições, referidas nas segunda e terceira frases do artigo 7. , n. 4, cuja natureza é mais concreta e específica, as quais se aplicam "particularmente". A segunda destas últimas restrições diz respeito à proibição de caçar as aves migradoras durante o período de reprodução e durante o período de retorno ao local de nidificação.

15. Decorre claramente do objectivo e estrutura da directiva relativa às aves, bem como dos termos do artigo 7. , n. 4, terceira frase, que a proibição de caçar as aves migradoras durante o período de retorno ao local de nidificação (14) não pode seguramente ser interpretada de forma restritiva, devendo pelo contrário ser respeitada de modo integral ("completo", para utilizar os termos do acórdão C-157/89). Além disso, parece-nos - contrariamente ao sustentado pelo Governo francês e pela Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique - não ser de forma alguma possível invocar a este respeito as "exigências de recreio", referidas no artigo 2. da directiva, para derrogar essa proibição, ou para de qualquer forma a relativizar. Com efeito, o artigo 7. , n. 4, terceira frase, contém uma obrigação concreta e específica, independente da obrigação geral enunciada no artigo 2. Pode, aliás, estabelecer-se um paralelo, quanto a este ponto, com o artigo 4. , n. 4, da directiva relativa às aves. Esta disposição refere determinadas obrigações específicas relativas a zonas de protecção especial das aves. Por diversas vezes os Estados-membros sustentaram, relativamente a tais obrigações, serem de admitir excepções ou derrogações com base nas "exigências económicas e de recreio" referidas no artigo 2. Contudo, o Tribunal de Justiça rejeitou sempre tal argumentação, referindo claramente que o artigo 2. "não constitui uma excepção autónoma ao regime de protecção estabelecido pela directiva" (15). Se tal se aplica ao artigo 4. , n. 4, da directiva, o mesmo deverá suceder a fortiori, em nossa opinião, com a proibição ainda mais concreta e precisa constante do artigo 7. , n. 4, terceira frase.

16. Nas conclusões que apresentámos no processo C-157/89, já referido, explicámos da seguinte forma a importância atribuída, na directiva relativa às aves, à proibição geral de caça durante a migração pré-nupcial:

"Aquela proibição é ditada pelo receio de que a caça àquelas aves durante este período exerça uma pressão excessiva sobre o nível populacional das espécies em causa. Tal é particularmente válido para certas espécies, como as variedades de patos que migram em grupos numerosos, podendo assim ser abatidos em massa se a caça estivesse aberta durante o trajecto migratório. A proibição da caça também é importante para dar às aves a possibilidade de se alimentarem sem dificuldade nos territórios que sobrevoam e aí repousarem por forma a recuperar as energias necessárias para prosseguirem a esgotante migração para o local de nidificação. Mas é, também, importante para as aves migradoras que passaram o Inverno em determinada zona que a época de caça seja aí encerrada a tempo. Com efeito, com o encerramento da época de caça desde o início da migração está a dar-se às aves, que ainda não partiram, a possibilidade de se prepararem para o efeito sem serem perturbadas. Finalmente, é necessário assinalar que as aves migradoras se deslocam através das fronteiras, pelo que os Estados em causa são, obviamente, comummente responsáveis pela conservação destas espécies (terceiro considerando da directiva)" (16).

A este respeito, referimos também a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a exactidão da transposição para direito interno das disposições da directiva relativa às aves "reveste-se de importância especial neste caso, em que a questão do património comum está confiada, em relação ao seu território, aos Estados-membros respectivos" (17).

17. Mas qual o significado actual e concreto de tudo isto para a fixação da data de encerramento da caça das aves migradoras? Em nossa opinião, é possível deduzir do artigo 7. , n. 4, terceira frase, da directiva relativa às aves, na interpretação dada pelo acórdão C-157/89, a regra geral de que a data de encerramento da caça das aves migradoras deve ser fixada por forma a garantir a completa protecção durante a migração pré-nupcial, ou ainda que a data de encerramento deve ser estabelecida nos termos de um método capaz de tornar possível a completa protecção durante a migração pré-nupcial.

Tal não significa que se esteja em presença de uma violação da directiva a partir do momento em que se prove que uma única ave dispersa iniciou a migração no momento em que a caça ainda não estava aberta. Tal como várias das partes observam, esse ponto de vista seria inoperante e pouco razoável. Sobre este ponto, podemos também acompanhar a Comissão quando salienta que a directiva tem por objecto a protecção de espécies de aves, e não a de aves individualmente consideradas. Pelo contrário, entendemos estar-se perante uma violação da directiva quando a data de encerramento da caça for fixada de forma tal que seja de esperar uma protecção "incompleta" de uma espécie de aves durante a migração. Em nossa opinião, isto significa que a directiva obriga os Estados-membros a fixar o encerramento da caça nos termos de um método capaz de tornar possível a completa protecção durante a migração, mesmo que, na realidade, essa protecção possa apresentar lacunas. Com efeito, nenhum método é susceptível de garantir a protecção em qualquer momento de cada ave individualmente considerada.

No âmbito da busca de um método que torne possível uma completa protecção, os Estados-membros devem seguramente atender aos "dados científicos e técnicos disponíveis", tal como o deve também fazer a própria Comunidade ao elaborar a sua acção, nos termos do artigo 130. -R, n. 3, do Tratado CEE (18). Caso os dados disponíveis sejam insuficientemente precisos para que a data de início da migração pré-nupcial das diferentes espécies de aves seja fixada com a exactidão necessária - o que parece suceder com as aves migradoras que não aquáticas (v. supra nota 6) -, os Estados-membros ver-se-ão inevitavelmente constrangidos a avaliações e previsões dotadas de certo grau de incerteza. Em tal caso, deverão, para de qualquer modo tornar possível a completa protecção, criar margens de segurança, tal como decorre claramente dos considerandos do acórdão C-157/89 (19).

18. Daqui resulta incumbir aos Estados-membros a escolha do método concreto de fixação, na prática, da data de encerramento da caça. Não compete, pois, ao Tribunal de Justiça optar in concreto por determinado método, menos ainda imiscuir-se nas controversas técnicas de natureza estatística. Apenas lhe cabe sublinhar decorrer da directiva que a data de encerramento deve ser fixada de acordo com um método susceptível de tornar possível uma completa protecção durante a migração pré-nupcial, tal como anteriormente referimos (v. supra n. 17). Esta posição, não implicando qualquer preferência positiva em favor deste ou daquele método, exclui contudo alguns métodos por não preencherem tal condição.

Em nossa opinião, fazem no mínimo parte dos métodos assim excluídos todos aqueles que visem, ou que conduzam intrinsecamente, a que apenas seja protegida determinada percentagem (ainda que significativa) das aves de determinada espécie. Com efeito, tais métodos não são susceptíveis de tornar possível uma completa protecção, deixando sem protecção uma parte das aves. É-nos, pois, possível compreender que o tribunal administratif de Nantes tenham considerado que um período como o estabelecido na circular ministerial de 9 de Janeiro de 1992 - que se refere ao momento em que 10% das aves tenha começado a migração - é incompatível com a directiva (v. supra n.os 10 e 11).

Em nossa opinião, fazem também parte dos métodos excluídos pela directiva todos aqueles que se traduzem em calcular uma data média (20) de início da migração pré-nupcial (com base nas diferentes espécies de aves, dos vários anos e/ou das diversas regiões geográficas), adoptada como data de encerramento geral, sem que lhe seja acrescentada qualquer margem de segurança. Com efeito, é intrínseco a essa data média que caia, em cerca da metade dos casos, mais tarde do que o início real da migração de determinada espécie de aves em determinado ano e/ou em determinada região (21). Tal método não é pois susceptível de tornar possível uma completa protecção. Se bem entendemos, a data de início da migração pré-nupcial, tal como descrita no referido relatório conjunto (n. 9), constitui uma data média desse tipo (22).

Pelo contrário, é seguramente compatível com a directiva encerrar a caça de forma geral na primeira das datas-limites de variação do início da migração segundo as diferentes espécies de aves, anos e/ou regiões. Com efeito, este método é seguramente susceptível de assegurar um regime de completa protecção.

Além disso, podemos também subscrever o parecer da Comissão que considera em si compatível com a directiva o recurso a lissages e, em especial, o agrupamento de números por décadas (v. supra n.os 9 e 10). De acordo com as explicações da Comissão, é prática corrente, por razões práticas e técnicas, agrupar por décadas as observações relativas aos movimentos migratórios. Em si, o recurso a essa técnica não carreia qualquer elemento de resposta quanto à questão de saber se o método de fixação da data de encerramento é ou não susceptível de assegurar um regime completo de protecção durante a migração. Com efeito, isso depende de outros elementos, como o demonstra um simples exemplo. Suponhamos resultar de observações feitas que, em determinada região, certa espécie de aves inicia sempre a migração pré-nupcial durante a segunda década de Fevereiro, ou seja, entre 10 e 20 desse mês. Se a data de encerramento da caça for, com base neste dado, fixada em 15 de Fevereiro, existirá violação da directiva, visto a espécie em causa não ficar protegida durante os primeiros dias de migração. Nesta hipótese, só a fixação do dia 10 de Fevereiro como data de encerramento da caça seria compatível com a directiva.

Resposta à segunda questão

19. A segunda questão consiste em saber se o artigo 7. , n. 4, da directiva relativa às aves impede que as autoridades nacionais fixem datas de encerramento da caça escalonadas em função das espécies. Nas decisões de reenvio, o tribunal administratif de Nantes chama, a este respeito, a atenção para dois problemas, a saber, os riscos de confusão e as perturbações geradas pela caça:

"Com efeito, um documento de trabalho apresentado pela delegação francesa junto do comité ORNIS, bem como uma nota do Muséum national d' histoire naturelle de Julho de 1992, revelam ser delicada na actividade de caça a distinção de aves pertencentes a espécies próximas, sendo grandes os riscos de confusão entre espécies; que, além disso, no processo C-157/89, o juiz-relator, citando um relatório apresentado em Maio de 1986 ao congresso internacional 'Wildtiere und Umwelt' , observara que 'a actividade cinegética excessivamente prolongada influencia negativamente não só as espécies que são objecto de caça, mas ainda, devido às perturbações que provoca, diversas espécies que não são caçadas mas que frequentam os mesmos meios, e pode ser considerada factor de limitação das possibilidades de colonização de novos territórios por espécies migratórias pioneiras' ."

20. O Rassemblement des opposants à la chasse pede que o Tribunal de Justiça responda pela afirmativa a esta questão prejudicial, atendendo principalmente ao objectivo de protecção contido no n. 4 do artigo 7. da directiva e à gravidade tanto dos riscos de confusão como das perturbações geradas pela caça. O Governo francês e a Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique pedem que a resposta seja negativa, invocando nesse sentido a coerência da directiva e a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Finalmente, a Comissão apresenta argumentos nos dois sentidos. No que nos diz respeito, cremos dever subscrever a primeira concepção referida, pelas razões que a seguir expomos.

21. Como o próprio tribunal administratif de Nantes referiu - e todas as partes parecem estar de acordo quanto a este ponto -, existem dois factores que suscitam a questão de saber se o escalonamento das datas de encerramento da caça em função das espécies é compatível com o regime de protecção do artigo 7. , n. 4, da directiva.

Em primeiro lugar, existe o risco de confusão entre espécies cuja caça tenha já sido encerrada e outras relativamente às quais seja ainda autorizada. A este respeito, o tribunal administratif de Nantes refere uma nota de Julho de 1992 do Muséum national français d' histoire naturelle, que trata deste problema. Esta nota foi entregue ao Tribunal de Justiça pelo Rassemblement des opposants à la chasse e nenhuma outra parte pôs em dúvida a sua natureza científica, nem apresentou elementos probatórios em sentido contrário. A nota explica que os riscos de confusão dependem de todo um conjunto de factores, como a distância de observação, a luminosidade do céu, o período de tempo em que a ave está visível e a experiência do caçador. A nota prossegue dizendo que "é importante sublinhar que os anátidas se deslocam frequentemente em bandos pluriespecíficos. Um grupo de patos pode por vezes englobar três, quatro, até mesmo cinco espécies diferentes. Em consequência, torna-se praticamente impossível praticar o tiro 'selectivo' ". A conclusão da nota está redigida da seguinte forma:

"Para além da dificuldade com que o caçador se pode deparar de memorizar convenientemente a correspondência entre uma ave aquática e o respectivo período de tiro em Fevereiro, cabe-lhe previamente garantir de forma correcta a sua determinação específica. Atendendo às modalidades de caça praticadas em França relativamente a esta categoria de aves, designadamente durante o crepúsculo e à noite, sabendo-se além disso que diversas espécies apresentam semelhanças de aspecto, parece-nos bem grave o risco de abate de aves cuja identificação não possa ter sido correctamente assegurada".

Em segundo lugar, há o problema da perturbação causada nas aves que estão em migração pela caça das aves que ainda não a iniciaram. Como acima referimos, o tribunal administratif remeteu, quanto a este ponto, para o relatório para audiência no processo C-157/89, já referido, citando, a esse propósito, uma passagem de um relatório apresentado num congresso alemão. O Rassemblement des opposants à la chasse entregou também ao Tribunal de Justiça um excerto do relatório da peritagem efectuada por A. Tamisier a pedido do tribunal administratif de Grenoble. Neste relatório, ficou provado, com base num estudo empírico, que o efeito de perturbação causado pela caça exerce uma influência sobre a população ornitológica das diversas regiões quantitativamente mais significativa do que a própria caça das aves. As restantes partes no processo perante o Tribunal de Justiça não contestaram a fiabilidade desses resultados, nem apresentaram quaisquer outros elementos de facto de sentido contrário.

22. Não nos parece de forma alguma susceptível de contestação serem particularmente graves tanto os riscos de confusão, como os de perturbação, decorrentes da caça, no âmbito do regime de protecção instaurado pela directiva relativa às aves.

No que se refere, por um lado, aos riscos de confusão, parece-nos que os termos do artigo 7. , n. 4, terceira frase, na medida em que instituem a proibição da caça das aves durante o período de retorno ao local de nidificação, abrangem também as aves que não são intencionalmente caçadas, mas que são abatidas em virtude de confusão com outras espécies de aves que, pelo contrário, podem ser caçadas.

No que se refere, por outro, à perturbação causada nas aves que não podem ser caçadas pela caça de outras aves, parece-nos estar abrangida tanto pelo artigo 7. , n. 1, última frase, da directiva, como pelo respectivo artigo 7. , n. 7, primeira frase. De acordo com a primeira disposição referida, os Estados-membros velarão para que a caça das espécies enumeradas no Anexo II "não comprometa os esforços de conservação empreendidos na sua área de distribuição". A segunda disposição referida obriga os Estados-membros a respeitar, na prática da caça, "os princípios de uma utilização razoável". Tal como o Rassemblement des opposants à la chasse observa a justo título, um dado complementar consta do artigo 5. , alínea d), da directiva, que institui a proibição de perturbar intencionalmente as aves por ela protegidas.

23. No âmbito da discussão da primeira questão prejudicial, sublinhámos - de acordo com o acórdão C-157/89 - o facto de o artigo 7. , n. 4, terceira frase, da directiva relativa às aves ter por finalidade assegurar um regime completo de protecção durante a migração pré-nupcial. Os elementos de facto e de direito acima resumidos parecem levar à conclusão de que um encerramento da caça escalonado em função das espécies dificilmente poderá ser conciliado com a directiva.

Antes de chegarmos a uma conclusão definitiva, teremos, porém, de examinar os argumentos em sentido contrário apresentados pelas partes. Um primeiro argumento, invocado em especial pelo Governo francês, consiste em dizer ser desproporcionado proibir o escalonamento da data de encerramento da caça em função das espécies em virtude de a protecção das aves ter de ser harmonizada com outras exigências, entre as quais se inclui a caça. Este argumento parece-nos incompatível com o objectivo e estrutura da directiva relativa às aves, bem como com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Como já referimos no âmbito da resposta à primeira questão prejudicial (v. supra n. 15), o artigo 7. , n. 4, terceira frase, estabelece uma obrigação específica e clara, que é a de garantir a protecção das aves migradoras relativamente à caça durante a migração, que não pode ser posta em causa pela invocação dos demais interesses referidos no artigo 2. da directiva.

24. Um segundo argumento, defendido tanto pelo Governo francês como pela Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique e pela Comissão, relaciona-se com o facto de a directiva se basear num sistema de listas de diversas espécies de aves, das quais umas podem ser caçadas e outras não. Tal facto teria por consequência dever a proibição da caça durante a migração pré-nupcial ser também examinada espécie por espécie. Trata-se, em nossa opinião, de uma dedução errada. É certo que o artigo 7. , n. 1, da directiva autoriza a caça das espécies enumeradas no Anexo II, e que daí se poderia deduzir que determinadas espécies de aves podem ser caçadas ainda que, na mesma altura, a caça de outras espécies seja proibida. O artigo 7. , n. 1, apenas contém, contudo, uma disposição de autorização aplicável de forma geral durante todo o ano, também portanto durante os períodos do ano menos sensíveis do ponto de vista da protecção das aves. Pelo contrário, o n. 4 do mesmo artigo estabelece excepções, designadamente para o período migratório, com o objectivo de garantir uma protecção especial das aves durante os períodos sensíveis. Tal como o Tribunal de Justiça admitiu no processo C-157/89, a directiva pretende instaurar um regime completo de protecção para esses períodos, visto a sobrevivência das aves que vivem em estado selvagem estar então particularmente ameaçada. Caso se entenda, como acima explicámos, ser uma data uniforme de encerramento da caça indispensável à realização de um regime de completa protecção, não será possível retirar da disposição geral de autorização contida no artigo 7. , n. 1, e mais especificamente do facto de nela se fazer referência a diversas espécies de aves, qualquer argumento contra a interpretação do artigo 7. , n. 4, terceira frase, que vá no sentido da exclusão do escalonamento das datas de encerramento em função das espécies.

25. Um terceiro argumento apresentado pelas partes em apoio da tese de que o escalonamento das datas de encerramento é compatível com a directiva relaciona-se com a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça. Para o Governo francês, o Tribunal de Justiça teria implicitamente admitido, no acórdão C-157/89, já diversas vezes referido, ser o escalonamento das datas de encerramento compatível com a directiva. Para a Fédération des chasseurs de Loire-Atlantique, o mesmo decorreria ainda mais claramente do acórdão de 8 de Julho de 1987, proferido no processo 262/85 (23). Também a Comissão refere nunca ter o Tribunal de Justiça suscitado anteriormente o problema da confusão ou da perturbação causadas pelo escalonamento das datas de encerramento.

A releitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, em especial, dos dois acórdãos referidos, não nos conduz a crer que o Tribunal se pronunciou já, ainda que implicitamente, sobre o problema das datas de encerramento escalonadas. Os dois acórdãos invocados pelas partes dizem respeito a acções por incumprimento, nos termos do artigo 169. do Tratado CEE. Em tais processos, o Tribunal de Justiça limitou-se estritamente a examinar os fundamentos alegados pela Comissão no processo administrativo prévio e perante ele reiterados. Com efeito, nos termos de uma jurisprudência constante, "incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É ela que terá de fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que verifique a existência de incumprimento, não podendo basear-se numa qualquer presunção" (24).

Ora, em qualquer dos dois processos em causa, a Comissão não sustentou especificamente, nem fundou com elementos probatórios, a tese de que o escalonamento das datas de encerramento da caça constituía incumprimento da directiva. No processo 262/85, a Comissão invocou, de forma perfeitamente geral, que a legislação italiana não atendia aos diversos períodos de protecção impostos pelo artigo 7. , n. 4, como o período de protecção das aves migradoras durante a migração pré-nupcial (25). O Tribunal de Justiça rejeitou essa tese por improcedente, visto se verificar que a legislação continha efectivamente disposições relativas, designadamente, à migração pré-nupcial das aves migradoras (26). Certo é que se tratava, nesse caso, de datas escalonadas de encerramento, sem que, porém, estivesse de alguma forma em causa a questão de saber se o escalonamento era compatível com o regime de protecção da directiva. No processo C-157/89, a Comissão queixou-se do encerramento tardio da caça de 19 espécies de aves migradoras (27). Invocou, a esse respeito, dados científicos relativos ao período migratório de cada uma dessas espécies, consideradas separadamente, no território italiano. Esses elementos probatórios não fundavam, contudo, a tese da Comissão relativamente a duas dessas espécies: verificava-se, com efeito, que essas duas espécies apenas sobrevoavam o território italiano depois da data de encerramento da caça dessas espécies em Itália. Por essa razão, o Tribunal de Justiça considerou procedente a acusação da Comissão relativamente a todas as espécies em causa, com excepção dessas duas (28). Em nossa opinião, não pode deduzir-se desse facto ser o escalonamento de datas de encerramento compatível com a directiva. A Comissão não sustentara expressamente o contrário e, em qualquer caso, não fornecera qualquer elemento probatório nesse sentido. Visto que a Comissão se baseava única e exclusivamente nos dados relativos ao período migratório de cada espécie de ave, o Tribunal de Justiça não podia deixar de se limitar a considerar exclusivamente esse elemento (29).

26. É chegado o momento de referir um último argumento, apresentado pela Comissão. Esta instituição reconhece a necessidade de se atender, no quadro da aplicação da directiva, aos problemas de confusão e perturbação provocados pelo encerramento escalonado da caça. A Comissão entende, contudo, não existir razão para o Tribunal de Justiça declarar o encerramento escalonado incompatível em si mesmo com a directiva. Com efeito, as autoridades nacionais podem considerar esses problemas em função das circunstâncias de facto concretas. Além disso, existiriam outras soluções possíveis, como o estrito controlo dos conhecimentos ornitológicos aquando da emissão das licenças de caça e a severa repressão das infracções.

Estamos de acordo com a Comissão quando entende que, em diversos aspectos, a directiva deixa aos Estados-membros uma significativa margem de apreciação e que o Tribunal de Justiça, ao interpretar a directiva, não deverá ir para além do necessário à luz do objectivo de protecção prosseguido. Contudo, a argumentação da Comissão não nos convence totalmente no caso presente. No que se refere aos riscos de confusão, podemos, é certo, admitir existirem outras soluções para além da imposição de uma data uniforme (a primeira) do encerramento da caça. Assim, será sem dúvida adequado controlar os conhecimentos ornitológicos dos caçadores aquando da concessão das licenças de caça e reprimir severamente as infracções. Temos, contudo, dúvidas que tal seja suficiente. Com efeito, a nota do Muséum national français d' histoire naturelle, de que acima nos ocupámos (n. 21), refere diversos outros factores relevantes, que são independentes dos conhecimentos ornitológicos dos caçadores, como sejam as condições atmosféricas, a hora do dia ou da noite e o facto de aves de espécies diferentes se deslocarem em grupo. No que se refere, por outro lado, ao problema da perturbação causada pela caça, não vemos, de todo em todo, qualquer outra alternativa - e a Comissão também não a propõe - à imposição de uma data uniforme de encerramento (30). Ora, foi sustentado que os riscos de perturbação prejudicariam a conservação das aves, no mínimo tanto quanto o perigo de confusão (v. supra n. 21).

Apesar de não descortinarmos bem como será possível, atendendo aos riscos de confusão e perturbação, conciliar a fixação de datas de encerramento escalonadas com a exigência de um regime de completa protecção das aves cuja caça seja em qualquer caso proibida, não podemos excluir a priori que um Estado-membro consiga fornecer garantias suficientes a esse respeito. O ónus da prova que incumbe ao Estado-membro em causa é, contudo, pesado, e este terá tanto mais dificuldades em satisfazê-lo quanto faltem dados científicos e técnicos válidos, quer no que se refere ao escalonamento da migração das aves em causa, quer à importância dos referidos riscos de confusão e perturbação. No contexto de um processo prejudicial, não é ao Tribunal de Justiça que compete, mas ao órgão jurisdicional nacional, verificar se o Estado-membro satisfez o referido ónus da prova.

Resposta à terceira questão

27. A terceira questão prejudicial diz respeito à compatibilidade com a directiva da competência atribuída aos préfets para a fixação da data de encerramento da caça no respectivo département. Pelo que nos é dado entender da leitura das decisões de reenvio e das observações das partes, esta questão compreende na realidade dois aspectos, seguramente relacionados, mas não necessariamente coincidentes. Em primeiro lugar, há a questão de saber se a directiva autoriza que o encerramento da caça seja fixado em datas diferentes para as diversas parcelas de um Estado-membro, ou se se exige uma data uniforme de encerramento. Em segundo lugar, existe a questão de saber se um Estado-membro pode delegar a implementação ou execução da directiva relativa às aves em autoridades hierarquicamente subordinadas, ou se se exige uma execução a nível nacional. Parece existir, quanto a estes dois aspectos, grande concordância de pontos de vista entre todas as partes no processo perante o Tribunal de Justiça, pelo que poderá ser breve a análise que lhe consagraremos.

28. O facto de as datas de encerramento da caça diferirem de região para região é, em si, compatível com a directiva. Tal como explicámos pormenorizadamente a propósito da primeira questão prejudicial (v. supra n.os 17 e 18), o artigo 7. , n. 4, terceira frase, apenas exige que a data de encerramento da caça seja fixada de forma a assegurar um regime de completa protecção das aves migradoras durante a migração pré-nupcial. Caso se verifique que a migração pré-nupcial começa em épocas diferentes nas diversas parcelas de um Estado-membro (31), este poderá, pois, dar execução à directiva pela fixação para cada região de uma data diferente de encerramento, na condição de dessa forma ser assegurado um regime de completa protecção em cada região, atendendo designadamente aos riscos, acima examinados (no n. 21), de confusão e perturbação.

A atribuição de competência de execução a uma autoridade local ou a um órgão administrativo regional não é também, em si, contrária à directiva. Com efeito, esta não contém qualquer disposição específica sobre esta questão, pelo que os Estados-membros dispõem de grande liberdade. Como a Comissão e o Rassemblement des opposants à la chasse observam a justo título, essa liberdade está, contudo, limitada pelas obrigações gerais dos Estados-membros em matéria de transposição das directivas, igualmente aplicáveis à directiva relativa às aves. Estamos a visar - de acordo com as palavras utilizadas pelo advogado-geral Cruz Vilaça no processo 247/85 - "a jurisprudência do Tribunal de Justiça... segundo a qual importa que cada Estado-membro dê às directivas uma execução que corresponda plenamente às exigências de clareza e de certeza das situações jurídicas por elas pretendidas. A transposição da directiva na ordem jurídica interna não deve pois ser deixada a um órgão da administração nacional ou regional a cujo poder discricionário a norma legislativa aplicável não fornece um enquadramento que respeite plenamente as condições postas pela directiva" (32). No que se refere ao artigo 7. , n. 4, terceira frase, da directiva relativa às aves, isso significa em concreto que as disposições legais de delegação da fixação da data de encerramento da caça das aves migradoras num órgão independente ou subordinado devem ao mesmo tempo garantir que essa data seja em qualquer caso fixada de forma a que fique assegurado um regime de completa protecção durante a migração pré-nupcial. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar tal facto, designadamente à luz das respostas à primeira e segunda questões prejudiciais.

Conclusão

29. Com base em tudo que foi dito, propomos que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões suscitadas pelo tribunal administratif de Nantes:

"1) Para ser conforme com o artigo 7. , n. 4, terceira frase, da Directiva 79/409/CEE, a data de encerramento da caça das aves migradoras deverá ser fixada nos termos de um método que assegure um regime de completa protecção dessas espécies durante a migração pré-nupcial. Não preenchem essa condição os métodos que visem ou conduzam intrinsecamente a que apenas seja protegida dada percentagem de aves de determinada espécie. O mesmo se diga dos métodos que consistem em calcular uma data média de início da migração pré-nupcial (com base nas diferentes espécies de aves, anos e/ou regiões geográficas), transformando-a, sem acréscimo de qualquer margem de segurança, em data de encerramento geral da caça.

2) A fixação por um Estado-membro de datas de encerramento escalonadas em função das espécies de aves é incompatível com esse mesmo artigo 7. , n. 4, terceira frase, excepto se esse Estado-membro estiver em condições de fornecer garantias, com base em dados científicos e técnicos válidos, que provem, de forma suficiente para o órgão jurisdicional nacional, que o escalonamento dessas datas de encerramento não inviabiliza um regime de completa protecção durante a migração pré-nupcial, tal como acima definido na resposta à questão 1.

3) A fixação de diferentes datas de encerramento para as diversas regiões é compatível com a directiva, na condição de ser assegurado um regime de completa protecção. Em caso de delegação numa autoridade local ou órgão administrativo regional da competência para fixação da data de encerramento da caça das aves migradoras, as disposições de delegação deverão garantir que essa data apenas possa ser fixada de forma tal que fique assegurado um regime de completa protecção durante a migração pré-nupcial."

(*) Língua original: neerlandês.

(1) - JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125.

(2) - Estes artigos resultam do Decreto n. 86-571, de 14 de Março de 1986, JORF de 18.3.1986, p. 4521, posteriormente modificado.

(3) - Para as espécies selvagens não referidas no artigo R.224-5, o artigo R.224-4 estabelece a primeira data de abertura geral autorizada e a última data de encerramento geral autorizada. A data-limite de abertura geral é diferente para as quatro regiões geográficas da França (primeiro domingo de Setembro na Córsega, segundo domingo na região sudeste, terceiro na região sudoeste e quarto nas regiões norte e centro), enquanto a data-limite de encerramento geral é o último dia de Fevereiro para todo o país.

(4) - A primeira data de abertura autorizada é a data de abertura geral estabelecida no artigo R.224-4, excepto para a rola dos bosques, que é a de 15 de Agosto.

(5) - A primeira data de abertura autorizada para a aves que fazem parte das espécies aquáticas é a data-limite de abertura geral, estabelecida no artigo R.224-4.

(6) - O relatório não contém, pois, informações sobre as aves migradoras que não as aquáticas. Na audiência, o perito do Governo francês confirmou serem os conhecimentos científicos mais restritos no que se refere a essas outras aves migradoras. Poder-se-ia deduzir de investigações mais aprofundadas que a respectiva migração se reveste de uma repartição geográfica mais significativa do que a das aves aquáticas. As presentes conclusões dizem respeito a todas as aves migradoras; contudo, no que se refere em especial às aves migradoras que não aquáticas, v. adiante o n. 17 e as notas 21 e 31.

(7) - Assim, resulta do estudo que o início da migração pré-nupcial do marrequinho-comum é objecto de variações interanuais que se escalonam do princípio de Janeiro até final de Fevereiro, enquanto a do marreco se situa sempre entre meados e fins de Fevereiro.

(8) - Todos estes dados são expressos utilizando como unidade de base a década - compreendendo cada mês três décadas. Assim, refere-se, por exemplo, para o ganso-comum, que 1) o início da migração pré-nupcial se situa na primeira década de Fevereiro, 2) que esse início varia entre a primeira e a terceira década de Fevereiro e 3) que o período de maior intensidade da actividade migratória se situa entre a segunda década de Fevereiro e a primeira de Março.

(9) - Na audiência, o Rassemblement des opposants à la chasse referiu - sem ter sido contestado pelas demais partes - que o Muséum national d' histoire naturelle expressamente emitira reservas a essa circular, cujo conteúdo descrevera como destituído de fundamento científico.

(10) - V. a nota 8 para a compreensão desta unidade.

(11) - Acórdão de 17 de Janeiro de 1991, Comissão/Itália (C-157/89, Colect., p. I-57).

(12) - O acórdão refere-se também à segunda frase daquela disposição. Na citação que se segue, deixamos de lado as referências a essa frase.

(13) - Acórdão proferido no processo C-157/89, já referido, n.os 12 e 14.

(14) - Na sequência das presentes conclusões, não falaremos da proibição, contida na mesma frase, de caçar as aves migradoras durante o período de reprodução, nem de idêntica proibição constante da fase precedente, visto tais proibições não estarem em causa no presente processo. Contudo, a nossa argumentação pode também, mutatis mutandis, ser-lhes aplicada.

(15) - Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha (C-57/89, Colect., p. I-883, n. 22), que remete para os acórdãos de 8 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica (247/85, Colect., p. 3029) e Comissão/Itália (262/85, Colect., p. 3073).

(16) - Nossas conclusões no processo C-157/89, já referido, n. 21.

(17) - V. designadamente acórdão de 8 de Julho de 1987, Comissão/Itália (262/85, Colect., p. 3073, n. 9).

(18) - V., sobre este ponto, o n. 11 das conclusões que apresentámos no processo C-157/89, já referido.

(19) - N.os 12 e 13, acima reproduzidos no n. 12.

(20) - Por média , entendemos aqui, em sentido amplo, todos os métodos estatísticos que se baseiam na tendência média, como o modo (valor mais frequente, no caso vertente data mais frequente) e a mediana (data média).

(21) - Isto tem consequências tanto mais graves quanto a data de início seja sujeita a maiores variações; v., no que se refere às variações geográficas, a observação constante da nota 6 relativa às aves migradoras que não aquáticas.

(22) - Compete contudo ao órgão jurisdicional nacional verificá-lo de facto.

(23) - Acórdão de 8 de Julho de 1987, Comissão/Itália, (262/85, Colect., p. 3073).

(24) - Acórdão de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81, Recueil, p. 1791, n. 6); v. também, entre outros, o acórdão de 20 de Maio de 1990, Comissão/França (C-62/89, Colect., p. I-925, n. 37).

(25) - Na réplica, a Comissão contestou também a adequação da escolha das datas de encerramento. Essa acusação era contudo inadmissível, visto não constar do processo administrativo: v. n. 24.

(26) - N. 23.

(27) - N.os 21 a 27.

(28) - N.os 25 e 26.

(29) - Na audiência, o Rassemblement des opposants à la chasse referiu - sem ter sido contestado por qualquer outra parte - que o legislador italiano dera entretanto execução a esse acórdão pela adopção de uma nova lei, que instaurou uma data única de encerramento.

(30) - Tal como o Rassemblement des opposants à la chasse observou na audiência, é esse também o único método preventivo. Ora, nos termos do artigo 130. -R, n. 2, do Tratado CEE, a acção da Comunidade em matéria de ambiente funda-se, entre outros, no princípio da acção preventiva.

(31) - V. a nota 6 no que se refere às aves migradoras que não aquáticas; v. também a nota 21.

(32) - Conclusões do advogado-geral Cruz Vilaça no processo 247/85, Comissão/Bélgica, Colect. 1987, pp. 3055 a 3056.