61991J0338

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 27 DE OUTUBRO DE 1993. - H. STEENHORST-NEERINGS CONTRA BESTUUR VAN DE BEDRIJFSVERENIGING VOOR DETAILHANDEL, AMBACHTEN EN HUISVROUWEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: RAAD VAN BEROEP'S-HERTOGENBOSCH - PAISES BAIXOS. - IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES - SEGURANCA SOCIAL - LIMITACAO DO EFEITO RETROACTIVO DE UM PEDIDO DE PRESTACAO - PASSAGEM DE UMA PRESTACAO POR INCAPACIDADE PARA O TRABALHO PARA UMA PRESTACAO DE SOBREVIVENCIA. - PROCESSO C-338/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-05475


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Política social ° Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social ° Directiva 79/7 ° Artigo 4. , n. 1 ° Efeito directo ° Legislação nacional que limita ao ano precedente à introdução do pedido de tomada a cargo de uma pensão de incapacidade para o trabalho ° Admissibilidade ° Directiva não transposta correctamente antes da apresentação do pedido ° Não incidência

(Directiva 79/7 do Conselho, artigo 4. , n. 1)

2. Política social ° Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social ° Directiva 79/7 ° Artigo 4. , n. 1 ° Legislação nacional que retira apenas às mulheres a prestação de incapacidade para o trabalho aquando da concessão de uma pensão de sobrevivência ° Aplicação pelos órgãos jurisdicionais nacionais indistintamente aos homens e às mulheres que se encontrem na mesma situação ° Admissibilidade quando se trate de assegurar a igualdade de tratamento ainda não introduzida na legislação nacional

(Directiva 79/7 do Conselho, artigo 4. , n. 1)

Sumário


1. O direito comunitário não se opõe à aplicação de uma norma de direito nacional, segundo a qual uma prestação de incapacidade para o trabalho produz efeitos no máximo um ano antes da data da apresentação do pedido, quando um particular invoca os direitos directamente conferidos, a partir de 23 de Dezembro de 1984, pelo artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, relativa à proibição de toda e qualquer discriminação em razão do sexo em matéria de segurança social e quando, à data de apresentação do pedido, o Estado-membro em causa não tiver ainda transposto correctamente essa disposição para a sua ordem jurídica interna.

Com efeito, uma norma nacional que limita o efeito retroactivo dos pedidos apresentados com vista a obter uma prestação de incapacidade para o trabalho não tem como objectivo atentar contra o direito dos particulares de invocarem a Directiva 79/7 perante um órgão jurisdicional nacional contra um Estado-membro em falta, mas obedece, por um lado, às exigências de uma boa administração, referentes à possibilidade, nomeadamente, de controlar se o interessado preenchia as condições do direito à prestação e de fixar a taxa de incapacidade, de resto variável no tempo e, por outro, à necessidade de preservar o equilíbrio financeiro de um regime em que os pedidos apresentados pelos segurados ao longo de um ano devem, em princípio, ser cobertos pelas quotizações cobradas durante esse mesmo ano.

2. Um Estado-membro não pode manter uma disposição que, segundo o seu teor literal, opera uma discriminação entre homens e mulheres na acepção do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7. Ainda que, porém, tal disposição seja, por força de uma jurisprudência nacional constante e apesar do seu teor literal, aplicada indistintamente às mulheres e aos homens que se encontrem na mesma situação, nada se opõe a que o tribunal nacional, nos processos que tem de decidir, continue a aplicar essa disposição no quadro de tal jurisprudência que lhe permite assegurar ao artigo 4. , n. 1, a sua plena eficácia, enquanto o Estado-membro não tiver tomado as medidas legislativas necessárias à sua completa colocação em vigor.

Por isso, o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 não se opõe à aplicação pelo tribunal nacional de uma disposição legislativa segundo a qual só às mulheres é retirada a sua prestação de incapacidade para o trabalho na sequência da atribuição de uma pensão de viuvez, quando essa disposição seja aplicada, por força de uma jurisprudência nacional constante, tanto às viúvas como aos viúvos em estado de incapacidade para o trabalho.

Partes


No processo C-338/91,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

H. Steenhorst-Neerings

e

Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, M. Díez de Velasco e D. A. O. Edward, presidentes de secção, R. Joliet, G. C. Rodríguez Iglesias, P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen, por E. H. Pijnacker Hordijk, advogado no foro de Amsterdão,

° em representação do Governo neerlandês, por T. P. Hofstee, secretário-geral substituto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Karen Banks e Ben Smulders, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen, do Governo neerlandês, representado por T. Heukels, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 16 de Fevereiro de 1993,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 31 de Março de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 17 de Dezembro de 1991, entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Dezembro seguinte, o Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch (Países Baixos) submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174, a seguir "Directiva 79/7").

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe H. Steenhorst-Neerings, nacional neerlandesa, à Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen (direcção da associação profissional para o comércio a retalho, artesãos e mulheres domésticas).

3 Nos Países Baixos, a Algemene Arbeidsongeschiktheidswet (lei que estabelece o regime geral em matéria de incapacidade para o trabalho, a seguir "AAW") dava direito, aos homens, bem como às mulheres solteiras, após o primeiro ano de incapacidade para o trabalho, a uma prestação enquanto o interessado não tivesse atingido a idade de 65 anos.

4 A Wet invoering gelijke uitkeringsrechten voor mannen en vrouwen (lei de 20 de Dezembro de 1979 que introduz a igualdade entre os homens e as mulheres em matéria de direito às prestações, Stb. 1979, 708) estendeu este direito às mulheres casadas, com a exclusão daquelas cuja incapacidade para o trabalho tivesse surgido antes de 1 de Outubro de 1975.

5 Por vários acórdãos de 5 de Janeiro de 1988, o Centrale Raad van Beroep julgou que, na medida em que se aplicava unicamente às mulheres casadas, esta exclusão constituía uma discriminação em razão do sexo, incompatível com o artigo 26. do pacto internacional sobre os direitos civis e políticos de 19 de Dezembro de 1966 (Recueil des traités, volume 999, p. 1071). Deduziu daí que, a partir de 1 de Janeiro de 1980, data da entrada em vigor da lei de 20 de Dezembro de 1979, já referida, as mulheres casadas cuja incapacidade para o trabalho tinha surgido antes de 1 de Outubro de 1975, tinham igualmente direito a uma prestação com base na AAW.

6 Por força do artigo 25. , n. 2, da AAW, a prestação de incapacidade para o trabalho tem efeito, no máximo, um ano antes da data da introdução do pedido ou da concessão oficiosa da prestação, salvo derrogação concedida em casos especiais pela associação profissional competente.

7 Por outro lado, o artigo 32. , n. 1, parte inicial e alínea b), da AAW, dispõe:

"A prestação em matéria de incapacidade para o trabalho é retirada:

...

b) quando uma mulher, à qual foi concedida, adquire o direito a uma pensão de viuvez ou a uma prestação temporária de viuvez com base na Algemene Weduwen- en Wezenwet."

8 A Algemene Weduwen- en Wezenwet (lei relativa ao regime geral das viúvas e órfãos, a seguir "AWW") dá direito à viúva de um segurado, sob certas condições, a uma pensão de viuvez enquanto não tiver atingido os 65 anos de idade.

9 H. Steenhorst-Neerings, nascida a 13 de Agosto de 1925, recebeu desde 1963 uma pensão de invalidez com base na Invaliditeitswet, lei relativa ao regime de invalidez, em vigor à época. Na sequência dos acórdãos acima referidos do Centrale Raad van Beroep, com data de 5 de Janeiro de 1988, apresentou à Bedrijfsvereniging voor Detailhandel, Ambachten en Huisvrouwen (a seguir "Detam"), em 17 de Maio de 1988, um pedido de prestação com base na AAW.

10 Por decisão de 9 de Novembro de 1989, a direcção da Detam concedeu a prestação requerida, com base numa incapacidade para o trabalho de 80% a 100%, com efeitos a partir de 17 de Maio de 1987, ou seja, em conformidade com o disposto no artigo 25. , n. 2, da AAW, um ano antes da data da apresentação do pedido. Na mesma decisão, em aplicação do artigo 32. , n. 1, parte inicial, e alínea b), da AAW, retirou essa prestação com efeitos a partir de 1 de Julho de 1989, pela razão de H. Steenhorst-Neerings receber a partir dessa data uma pensão de viuvez a título da AWW.

11 H. Steenhorst-Neerings interpôs recurso dessa decisão para o Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch que, entendendo que o litígio levantava questões relativas à interpretação do direito comunitário, decidiu submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

"1) O direito comunitário exige que se conceda uma prestação em conformidade com a AAW, com efeitos retroactivos a 23 de Dezembro de 1984 (data do termo do prazo para a transposição da Directiva 79/7/CEE), às mulheres casadas que tenham ficado incapacitadas para o trabalho antes de 1 de Janeiro de 1975 se bem que as referidas mulheres, pelas razões referidas na decisão de reenvio, só tenham solicitado a referida prestação depois de 5 de Janeiro de 1988 (data das decisões do Centrale Raad van Beroep relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres)?

2) É incompatível como n. 1 do artigo 4. da Directiva 79/7/CEE uma disposição de direito nacional como a que consta do artigo 32. , n. 1, parte inicial, e alínea b), da AAW, se bem que de facto se aplique esta disposição (pelo menos desde 1 de Dezembro de 1987) tanto às viúvas incapacitadas para o trabalho como aos viúvos incapacitados para o trabalho, embora, segundo o seu teor, a mesma se refira exclusivamente às viúvas incapacitadas para o trabalho?"

12 Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

13 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional procura, em substância, saber se o direito comunitário se opõe à aplicação de uma norma de direito nacional, segundo a qual uma prestação de incapacidade para o trabalho começa a produzir efeitos no máximo um ano antes da data da apresentação do pedido, quando um particular invoque direitos directamente conferidos pelo artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 a partir de 23 de Dezembro de 1984 e quando, à data da apresentação do pedido, o Estado-membro em causa ainda não tenha transposto correctamente essa disposição para a sua ordem jurídica interna.

14 Convém observar, em primeiro lugar, que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 se opõe a que um Estado-membro mantenha após 23 de Dezembro de 1984, data do termo do prazo de transposição dessa directiva, desigualdades de tratamento devidas ao facto de as condições exigidas para o surgimento do direito à prestação serem anteriores a essa data (acórdão de 8 de Março de 1988, Dik e o., 80/87, Colect., p. 1601) e que essa disposição pode, à falta de transposição da directiva, ser invocada por um particular, a partir dessa data, para afastar a aplicação de qualquer disposição nacional não conforme com a directiva (acórdão de 4 de Dezembro de 1986, Federatie Nederlandse Vakbeweging, 71/85, Colect., p. 3855).

15 Há que recordar em seguida que o direito que as mulheres casadas extraem do efeito directo do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, de reclamar uma prestação de incapacidade para o trabalho nas mesmas condições que os homens, deve ser exercido segundo as modalidades determinadas pela norma nacional, na condição todavia, tal como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de que essas modalidades não sejam menos favoráveis que as que dizem respeito a reclamações semelhantes de natureza interna e que não estejam organizadas de maneira a tornar impossível na prática o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (v. neste sentido, nomeadamente, o acórdão de 25 de Julho de 1991, Emmott, C-208/90, Colect., p. I-4269, n. 16).

16 A norma nacional que limita o efeito retroactivo de um pedido apresentado com vista a obter uma prestação de incapacidade de trabalho satisfaz as condições supra-referidas.

17 A Comissão entende todavia que, segundo o acórdão Emmott (n.os 21, 22 e 23), é somente a partir do momento em que um Estado-membro transponha correctamente as disposições de uma directiva que os prazos nos quais os particulares podem fazer valer os seus direitos lhes podem ser opostos e que essa jurisprudência deve aplicar-se igualmente no caso em apreço.

18 Este argumento não pode ser retido.

19 É verdade que o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Emmott, já referido, que, enquanto a directiva não seja transposta correctamente para o direito nacional, os particulares não estão em condições de conhecer a plenitude dos seus direitos e que, portanto, até ao momento dessa transposição, o Estado-membro em falta não pode alegar a extemporaneidade de uma acção judicial movida contra si por um particular com vista à protecção dos direitos que lhe são conferidos pelas as disposições dessa directiva, de modo que um prazo de recurso de direito nacional não pode começar a correr que a partir desse momento. Não é menos verdade que a situação que deu origem ao acórdão Emmott se distingue claramente da do caso em apreço no processo principal.

20 No processo Emmott, a recorrente no processo principal tinha reclamado, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter (286/85, Colect., p. 1453), o direito a ser-lhe aplicado, por força do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, a partir de 23 de Dezembro de 1984, o mesmo regime de prestação de invalidez que aos homens que se encontrassem na mesma situação. Em seguida, as autoridades administrativas em causa tinham recusado pronunciar-se sobre esse pedido, em virtude de a Directiva 79/7 constituir ainda objecto de um litígio perante um órgão jurisdicional nacional. Finalmente, e mesmo que a Directiva 79/7 não tivesse sido ainda transposta correctamente para o direito nacional, foi-lhe oposta a preclusão da sua acção em justiça tendente a fazer declarar que essas autoridades deveriam ter deferido o seu pedido.

21 Importa sublinhar, em primeiro lugar, que, contrariamente à regra de direito interno que fixa o prazo de recurso, a visada na presente questão prejudicial não atenta contra o próprio direito dos particulares de invocarem a Directiva 79/7 perante um órgão jurisdicional nacional contra um Estado-membro em falta. Mais não faz que limitar o efeito retroactivo dos pedidos apresentados com vista a obter a prestação em causa.

22 Convém observar, em seguida, que a preclusão resultante do decurso dos prazos de recurso corresponde à necessidade de evitar que a legalidade das decisões administrativas seja posta em causa indefinidamente. Ora, resulta do acórdão Emmott que tal necessidade não pode prevalecer sobre a de proteger os direitos que um particular extrai do efeito directo das disposições de uma directiva, enquanto o Estado em falta de que emanam essas decisões não tiver transposto correctamente essas disposições para a sua ordem jurídica interna.

23 Quanto à regra que limita o efeito retroactivo dos pedidos apresentados com vista a obter uma prestação de incapacidade para o trabalho, esta prossegue uma finalidade diferente da norma que impõe um prazo peremptório de recurso. Com efeito, tal como alegaram o Governo neerlandês e a recorrida no processo principal, nas suas observações escritas, tal norma, que se encontra igualmente noutras leis neerlandesas de segurança social, corresponde às exigências de uma boa administração, relativas à possibilidade, nomeadamente, de controlar se o interessado preenchia as condições do direito à prestação e de fixar a taxa de incapacidade, de resto variável no tempo. Corresponde igualmente à necessidade de preservar o equilíbrio financeiro de um regime no qual os pedidos apresentados pelos segurados ao longo de um ano devem, em princípio, ser cobertos pelas quotizações recebidas durante esse mesmo ano.

24 Há, portanto, que responder à primeira questão que o direito comunitário não se opõe à aplicação de uma regra de direito nacional, segundo a qual uma prestação de incapacidade de trabalho começa a ter efeito no máximo um ano antes da data da apresentação do pedido, quando um particular invoque os direitos directamente conferidos pelo artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, a partir de 23 de Dezembro de 1984 e quando, à data da apresentação do pedido, o Estado-membro em causa não tenha ainda transposto correctamente essa disposição para a sua ordem jurídica interna.

Quanto à segunda questão

25 Segundo jurisprudência constante, ainda que não caiba ao Tribunal de Justiça, no quadro do artigo 177. do Tratado CEE, pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma regulamentação nacional com o direito comunitário, ele é, em contrapartida, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação desse direito que possam permitir-lhe apreciar essa compatibilidade para o julgamento da causa que tem de efectuar (v., nomeadamente, o acórdão de 18 de Junho de 1991, Piageme, C-369/89, Colect., p. I-2971, n. 7).

26 Há que entender, portanto, a segunda questão como incidindo, em substância, sobre o problema de saber se o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 se opõe à aplicação, pelo tribunal nacional, de uma disposição legislativa segundo a qual só a uma mulher é retirada a sua prestação de incapacidade de trabalho na sequência da atribuição de uma pensão de viuvez, quando esta disposição é aplicada, por força de uma jurisprudência nacional constante, tanto às viúvas como aos viúvos em estado de incapacidade para o trabalho.

27 Convém salientar, em primeiro lugar, que o Governo neerlandês e a Detam observam que a Directiva 79/7, segundo o seu artigo 3. , n. 2, não se aplica às disposições respeitantes às prestações de sobrevivência e que, por isso, há que decidir quanto ao problema de saber se uma disposição que regula o concurso de uma prestação de incapacidade para o trabalho com uma prestação de sobrevivência, tal como o artigo 33. , n. 1, parte inicial, e alínea b), da AAW, se insere no domínio de aplicação da directiva.

28 A esse propósito, basta declarar que o artigo 32. , n. 1, parte inicial, e alínea b), da AAW, diz respeito à retirada de uma prestação de incapacidade para o trabalho e que a Directiva 79/7 se aplica a tais prestações por força do seu artigo 3. , n. 1, alínea a). Esse reconhecimento não é infirmado pela circunstância de a retirada ser efectuada na sequência da concessão de uma prestação que não cabe no domínio de aplicação da Directiva 79/7, na ocorrência, uma prestação de sobrevivência.

29 Há que recordar em seguida que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, no que toca nomeadamente às condições de acesso aos regimes legais, entre os quais o da protecção contra o risco de invalidez.

30 Em aplicação dessa disposição, as mulheres têm o direito de reclamar uma prestação de incapacidade de trabalho nas mesmas condições que os homens.

31 Uma disposição nacional que prive as mulheres do direito de reclamar uma prestação que os homens, na mesma situação, continuam a receber, constitui, por isso, uma discriminação na acepção da Directiva 79/7.

32 Convém salientar, finalmente, que importa, segundo jurisprudência constante, que cada Estado-membro dê às directivas uma execução que corresponda plenamente à exigência de segurança jurídica e traduza, por conseguinte, os termos das directivas em disposições internas que tenham carácter coercivo (v. acórdão de 2 de Dezembro de 1986, Comissão/Bélgica 239/85, Colect., p. 3645, n. 7).

33 Segue-se que um Estado-membro não pode manter uma disposição que, segundo o seu teor literal, efectue uma discriminação entre mulheres e homens na acepção do artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7.

34 Se, todavia, tal disposição, por força de uma jurisprudência nacional constante e apesar do seu teor literal, for aplicada indistintamente às mulheres e aos homens que se encontrem na mesma situação, nada se opõe a que o tribunal nacional, nos litígios nele pendentes, continue a aplicar essa disposição no quadro de tal jurisprudência que lhe permite assegurar a plena eficácia ao artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7, enquanto o Estado-membro não tomar as medidas legislativas necessárias para a pôr completamente em vigor.

35 Há, por isso, que responder à segunda questão que o artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 não se opõe à aplicação pelo tribunal nacional de uma disposição legislativa segundo a qual só às mulheres é retirada a sua prestação de incapacidade para o trabalho na sequência da atribuição de uma pensão de viuvez, quando essa disposição for aplicada, por força de uma jurisprudência nacional constante, tanto às viúvas como aos viúvos em estado de incapacidade para o trabalho.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

36 As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch, por decisão de 17 de Dezembro de 1991, declara:

1) O direito comunitário não se opõe à aplicação de uma norma de direito nacional, segundo a qual uma prestação de incapacidade para trabalho começa a ter efeito no máximo um ano antes da data de apresentação do pedido, quando um particular invoque os direitos directamente conferidos pelo artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, a partir de 23 de Dezembro de 1984 e quando, à data da apresentação do pedido, o Estado-membro em causa não tenha transposto ainda correctamente essa disposição para a sua ordem jurídica interna.

2) O artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7 não se opõe à aplicação pelo tribunal nacional de uma disposição legislativa segundo a qual só às mulheres é retirada a sua prestação de incapacidade para o trabalho na sequência da atribuição de uma pensão de viuvez, quando essa disposição for aplicada, por força de uma jurisprudência nacional constante, tanto às viúvas como aos viúvos em estado de incapacidade para o trabalho.