61991J0237

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 16 DE DEZEMBRO DE 1992. - KAZIM KUS CONTRA LANDESHAUPTSTADT WIESBADEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HESSISCHER VERWALTUNGSGERICHTSHOF - ALEMANHA. - ACORDO DE ASSOCIACAO CEE-TURQUIA - DECISAO DU CONSELHO DE ASSOCIACAO - CONCEITO DE TRABALHO REGULAR - DIREITO DE RESIDENCIA. - PROCESSO C-237/91.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-06781
Edição especial sueca página I-00243
Edição especial finlandesa página I-00255


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Acordos internacionais - Acordo de associação CEE-Turquia - Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Acesso dos nacionais turcos a uma actividade assalariada da sua escolha num dos Estados-membros - Condições - Exercício prévio de um emprego regular - Conceito

(Acordo de associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia)

2. Acordos internacionais - Acordo de associação CEE-Turquia - Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Acesso dos nacionais turcos a uma actividade assalariada da sua escolha num dos Estados-membros - Nacional turco que preenche a condição do exercício prévio de um emprego regular mas que dispõe de uma autorização de residência em virtude do seu casamento com uma cidadã do Estado-membro de emprego - Dissolução do casamento - Falta de pertinência face ao direito à renovação da autorização de trabalho

(Acordo de associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia)

3. Acordos internacionais - Acordo de associação CEE-Turquia - Conselho de associação instituído pelo Acordo de associação CEE-Turquia - Decisão relativa à livre circulação de trabalhadores - Efeito directo - Nacional turco que preenche as condições exigidas para a prorrogação da autorização de trabalho - Direito correlativo à prorrogação da autorização de residência

(Acordo de associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia)

Sumário


1. O artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador turco não preenche a condição de ter ocupado um emprego regular há pelo menos quatro anos, prevista nessa disposição, quando tenha exercido esse emprego ao abrigo de um direito de residência que só lhe foi reconhecido por efeito de uma regulamentação nacional que permite residir no país de acolhimento enquanto dura o processo de concessão da autorização de residência, mesmo que a legalidade do seu direito de residência tenha sido confirmada por uma sentença proferida por um tribunal decidindo em primeira instância, contra a qual foi interposto recurso.

2. O artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia deve ser interpretado no sentido de que um nacional turco que tenha obtido uma autorização de residência no território de um Estado-membro para aí casar com uma nacional desse Estado-membro e aí trabalhe há mais de um ano para a mesma entidade patronal ao abrigo de uma autorização de trabalho válida tem direito à renovação da sua autorização de trabalho por força dessa disposição, mesmo que, no momento em que se decida sobre o pedido de renovação, o seu casamento tenha sido dissolvido.

3. Um trabalhador turco que preencha as condições do artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE-Turquia pode invocar directamente essas disposições para obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência, sendo o direito de residência indispensável ao acesso e ao exercício de uma actividade assalariada.

Esta conclusão não é infirmada pela consideração de que, por força do artigo 6. , n. 3, da Decisão n. 1/80, as modalidades de aplicação do n. 1 são fixadas pelas regulamentações nacionais. Com efeito, o n. 3 do artigo 6. da referida decisão mais não faz do que precisar a obrigação que incumbe aos Estados-membros de tomar as medidas de ordem administrativa que implica, eventualmente, a aplicação dessa disposição, sem lhes conferir a faculdade de condicionar ou restringir a aplicação do direito preciso e incondicional que reconhece aos trabalhadores turcos.

Partes


No processo C-237/91,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Hessische Verwaltungsgerichtshof (República Federal da Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Kazim Kus

e

Landeshauptstadt Wiesbaden,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 6. da Decisão n. 1/80 do conselho de associação instituído pelo acordo de associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente de secção, exercendo funções de presidente, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: L. Hewlett, administradora

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de Kazim Kus, por Reinhold Wendl, advogado no foro de Wiesbaden;

- em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério federal dos Assuntos Económicos, e Joachim Karl, Regierungsdirektor no mesmo ministério, na qualidade de agentes;

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Joern Pipkorn, consultor jurídico, e Pieter Jan Kuyper, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de K. Kus, representado por Hagen Lichtenberg, professor na Universidade de Bremen, e Reinhold Wendl, do Governo alemão, do Governo neerlandês, representado por J. W. de Zwaan, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por Sue Cochrane, do Treasury Solicitor' s Department, e Richard Plender, QC, na qualidade de agentes, e da Comissão na audiência de 15 de Setembro de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Novembro de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 12 de Agosto de 1991, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de Setembro seguinte, o Hessischer Verwaltungsgerichtshof apresentou, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 6. da Decisão n. 1/80 do conselho de associação instituído pelo acordo de associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir "Decisão n. 1/80").

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe Kazim Kus, nacional turco, à Landeshauptstadt Wiesbaden, representada pelo seu Oberbuergermeister, quanto à recusa da prorrogação de uma autorização de residência na Alemanha.

3 Resulta do acórdão de reenvio que K. Kus entrou no território da República Federal da Alemanha em 24 de Agosto de 1980 para aí casar, em 16 de Abril de 1981, com uma nacional alemã. Resulta igualmente do acórdão de reenvio que, desde 1 de Abril de 1982, K. Kus exerceu no território alemão, ininterruptamente, uma actividade assalariada ao abrigo de uma autorização de trabalho válida. Começou por trabalhar durante cerca de sete anos para a mesma empresa, antes de mudar duas vezes de entidade patronal.

4 Por decisão de 6 de Agosto de 1984, o Oberbuergermeister da Landeshauptstadt Wiesbaden recusou a prorrogação da autorização de residência de que K. Kus dispunha, enquanto cônjuge de uma cidadã alemã, desde 27 de Abril de 1981, e que expirara em 17 de Agosto de 1983, em virtude de a razão que tinha estado na origem da residência de K. Kus ter desaparecido, tendo o divórcio do casal Kus sido decretado por sentença de 18 de Outubro de 1983, transitada em julgado em 26 de Abril de 1984.

5 Tendo sido indeferida a reclamação apresentada contra a decisão do Oberbuergermeister de 6 de Agosto de 1984, K. Kus interpôs recurso para o Verwaltungsgericht Wiesbaden. Por despacho de 23 de Maio de 1985, este suspendeu provisoriamente, com efeito retroactivo, a decisão impugnada e, por sentença de 30 de Outubro de 1987, anulou essa decisão e ordenou à recorrida que prorrogasse a autorização de residência de K. Kus.

6 Esta recorreu para o Hessische Verwaltungsgerichtshof, que, reconhecendo que K. Kus não tinha qualquer direito à concessão de uma autorização de residência com base no direito alemão, perguntou-se se uma solução mais favorável a K. Kus não podia decorrer da aplicação do artigo 6. da Decisão n. 1/80, que dispõe:

"1. Sem prejuízo do disposto no artigo 7. relativo ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-membro:

- tem direito nesse Estado-membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

- tem direito nesse Estado-membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-membros da Comunidade, a candidatar-se dentro da mesma profissão numa entidade patronal da sua escolha a outra oferta, feita em condições normais, registada nos serviços de emprego desse Estado-membro;

- beneficia nesse Estado-membro, após quatro anos de emprego regular, de livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.

...

3. As modalidades de aplicação dos n.os 1 e 2 serão fixadas pelas regulamentações nacionais."

7 Assim, o Hessischer Verwaltungsgerichthof decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:

"1) Um trabalhador turco preenche as condições previstas pelo artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE/Turquia, relativa ao desenvolvimento da associação, quando a sua estada é permitida pelo direito nacional enquanto decorre o processo de concessão de uma autorização de residência e quando, ao abrigo desse direito de residência e da autorização de trabalho correspondente, tenha exercido uma actividade assalariada durante mais de quatro anos?

2) O disposto no artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da referida decisão é aplicável a um nacional turco que entrou na República Federal da Alemanha para aí casar com uma nacional alemã e cujo casamento foi dissolvido três anos depois, que, após o divórcio, requereu uma autorização de residência a fim de exercer uma actividade assalariada e que, no momento do indeferimento desse pedido, já se encontrava a trabalhar há dois anos e meio para a mesma entidade patronal, ao abrigo de uma autorização de trabalho válida?

3) Pode um trabalhador turco, nas condições referidas nas primeira e segunda questões, exigir directamente, com base no artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da referida decisão, além da prorrogação da autorização de trabalho, também a prorrogação da autorização de residência, ou o regime aplicável às consequências que resultam, em matéria de direito de residência, das decisões tomadas pelo conselho de associação CEE/Turquia em matéria de emprego faz parte das modalidades de aplicação que os Estados-membros, por força do artigo 6. , n. 3, dessa decisão, devem adoptar por sua própria responsabilidade, sem estarem vinculados pelo direito comunitário?"

8 Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação do processo bem como das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

9 Tendo o Governo alemão expressamente solicitado ao Tribunal de Justiça que reexaminasse a sua competência para se pronunciar, nos termos do artigo 177. do Tratado, sobre a interpretação das decisões adoptadas por um órgão instituído por um acordo de associação para assegurar a execução desse acordo, o Tribunal quer frisar que as observações apresentadas no quadro do presente processo não trouxeram qualquer novo elemento de apreciação susceptível de conduzir o Tribunal a reconsiderar as conclusões que formulou a esse propósito no acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C-192/89, Colect., p. I-3461).

10 A título preliminar, há que notar que as três questões prejudiciais visam todas elas a situação de um trabalhador turco que já se encontra autorizado a permanecer no território de um Estado-membro.

Quanto à primeira questão

11 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador turco preenche a condição de ter ocupado um emprego regular há pelo menos quatro anos, prevista por essa disposição, quando tenha exercido esse emprego ao abrigo de um direito de residência que só lhe foi reconhecido por efeito de uma regulamentação nacional que permite residir no país de acolhimento durante o processo de concessão da autorização de residência.

12 A esse respeito, há que recordar que resulta do acórdão Sevince, já referido, que a regularidade do emprego, na acepção do artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80, pressupõe uma situação estável e não precária no mercado do trabalho (n. 30 do acórdão) e que um trabalhador turco não estava nessa situação durante o período em que beneficiou do efeito suspensivo ligado ao recurso que interpôs contra uma decisão que lhe recusou o direito de residência e em que ele foi autorizado, a título precário, enquanto aguardava o desfecho do litígio, a permanecer no Estado-membro em questão e a aí exercer uma actividade (n. 31).

13 Isto deve igualmente valer num caso, como o do processo principal, em que o efeito suspensivo não está ligado automaticamente ao recurso, por força da lei, mas em que é decretado, com efeito retroactivo, por um órgão jurisdicional. Com efeito, nos dois casos, como salienta o advogado-geral no ponto 30 das suas conclusões, a suspensão apenas vale enquanto decorrer o recurso e tem por efeito permitir ao autor do recurso permanecer e trabalhar a título provisório na expectativa de uma decisão definitiva sobre o seu direito de residência.

14 Esta conclusão não é infirmada pelo facto de, como no processo principal, o interessado obter uma sentença de primeira instância que confirma o seu direito de residência, mas que, tendo em conta a contestação de que é objecto em novo recurso, pode ainda ser revogada e não decide, pois, definitivamente a sua situação face ao direito de residência.

15 Com efeito, a razão por que o Tribunal, no n. 31 do acórdão Sevince, recusou considerar como períodos de emprego regular os cumpridos quando o interessado beneficiava do efeito suspensivo ligado ao recurso interposto contra uma decisão que lhe recusou o direito de residência era evitar que um trabalhador turco pudesse criar a possibilidade de preencher essa condição e, por conseguinte, que lhe fosse reconhecido o direito de residência inerente ao direito ao livre acesso a qualquer actividade assalariada, previsto no artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80, durante um período em que apenas beneficiou do direito de residência a título precário, enquanto aguardava o desfecho do litígio.

16 Ora, essa razão permanece válida enquanto não estiver definitivamente adquirido que, durante o período em causa, o interessado beneficiou legalmente do direito de residência, sob pena de privar de qualquer alcance uma decisão judicial que lhe recusa definitivamente esse direito e de lhe ter assim permitido constituir os direitos previstos no artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, durante um período em que não preenchia as condições para isso.

17 O argumento de K. Kus, segundo o qual a não tomada em consideração de uma sentença de primeira instância, confirmando o direito de residência de um nacional turco, implicaria que uma recusa, mesmo ilegal, da prorrogação de uma autorização de residência seria susceptível de privar o interessado dos direitos que ele pode retirar do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, não é pertinente, pois, no caso de esse direito ser definitivamente reconhecido, o interessado deve ser considerado, a título retroactivo, como tendo beneficiado, durante o período em causa, de um direito de residência já não precário e, portanto, de uma situação estável no mercado de trabalho.

18 Há, por conseguinte, que responder à primeira questão que o artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador turco não preenche a condição de ter ocupado um emprego regular há pelo menos quatro anos, prevista nessa disposição, quando tenha exercido esse emprego ao abrigo de um direito de residência que só lhe foi reconhecido por efeito de uma regulamentação nacional que permite residir no país de acolhimento enquanto dura o processo da concessão da autorização de residência, mesmo que a legalidade do seu direito de residência tenha sido confirmada por uma sentença proferida por um tribunal decidindo em primeira instância, contra a qual foi interposto recurso.

Quanto à segunda questão

19 Pela segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um nacional turco que obteve uma autorização de residência no território de um Estado-membro para aí casar com uma nacional desse Estado-membro e que aí trabalhou desde há mais de um ano para a mesma entidade patronal, ao abrigo de uma autorização de trabalho válida, tem direito à renovação da sua autorização de trabalho por força dessa disposição, mesmo que, no momento em que se decida sobre o pedido de renovação, o seu casamento tenha sido dissolvido.

20 A este propósito, há que recordar em primeiro lugar que o disposto no artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80 se limita a regular a situação do trabalhador turco no plano do emprego, sem se referir à sua situação relativamente ao direito de residência (v. acórdão Sevince, já referido, n. 28).

21 Deve em seguida notar-se que, segundo a sua redacção, ele se aplica aos trabalhadores turcos pertencentes ao mercado regular de trabalho de um Estado-membro e, em particular, que por força do artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, basta que um trabalhador turco tenha ocupado um emprego regular há mais de um ano para que tenha direito à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal. Esta disposição não faz, portanto, depender o reconhecimento desse direito de qualquer outra condição, e nomeadamente das condições em que o direito de entrada e de residência foi obtido.

22 Por conseguinte, mesmo que a regularidade do emprego, na acepção daquela disposição, pressuponha uma situação estável e não precária no mercado de trabalho e implique, por essa razão, a existência de um direito de residência não contestado, ou mesmo, se necessário, a posse de uma autorização regular de residência, os motivos pelos quais esse direito é reconhecido ou pelos quais essa autorização é concedida não são determinantes para efeitos da sua aplicação.

23 Daí resulta que, quando um trabalhador turco tenha exercido um emprego há mais de um ano ao abrigo de uma autorização de trabalho válida, deve ser considerado como preenchendo as condições previstas no artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80, mesmo que a autorização de residência de que dispõe lhe tenha sido concedida, originariamente, para outros fins que não o de exercer uma actividade assalariada.

24 Na audiência, o Governo do Reino Unido alegou que esta concepção poderia ter por efeito que os nacionais turcos fossem tratados diferentemente, consoante a legislação nacional do Estado-membro onde residem lhes permita ou não trabalhar se o motivo inicial da sua residência não era exercer uma actividade assalariada.

25 Há, todavia, que reconhecer que tal situação apenas seria consequência do facto de a Decisão n. 1/80 não colidir com a competência dos Estados-membros de regulamentar tanto a entrada no seu território de nacionais turcos como as condições do seu primeiro emprego, e se limitar a regular, nomeadamente no artigo 6. , a situação dos trabalhadores turcos já regularmente integrados no mercado de trabalho dos Estados-membros. Não pode, portanto, justificar que os trabalhadores turcos que já são titulares, face à legislação nacional de um Estado-membro, de uma autorização de trabalho e de um direito de residência, se este for exigido, sejam privados do benefício dos direitos previstos no artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80.

26 Em consequência, há que responder à segunda questão que o artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um nacional turco que tenha obtido uma autorização de residência no território de um Estado-membro para aí casar com uma nacional desse Estado-membro e aí trabalhe há mais de um ano para a mesma entidade patronal ao abrigo de uma autorização de trabalho válida tem direito à renovação da sua autorização de trabalho por força dessa disposição, mesmo que, no momento em que se decida quanto ao pedido de renovação, o seu casamento tenha sido dissolvido.

Quanto à terceira questão

27 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende, em substância, saber se um trabalhador turco que preenche as condições do artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 pode invocar directamente essas disposições para obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência.

28 A este respeito há, em primeiro lugar, que recordar que no acórdão Sevince o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80 tem efeito directo nos Estados-membros da Comunidade Europeia (n. 2 do dispositivo do acórdão).

29 Deve em seguida notar-se que, no mesmo acórdão, o Tribunal declarou, no contexto do artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80, que, mesmo que esta disposição apenas regule a situação do trabalhador turco no plano do emprego e não relativamente ao direito de residência, esses dois aspectos da situação pessoal do trabalhador turco estão intimamente ligados e que, ao reconhecer a esse trabalhador, após um determinado período de emprego regular no Estado-membro, o acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha, as disposições em causa implicam necessariamente, sob pena de privar de qualquer efeito o direito que elas reconhecem aos trabalhadores turcos, a existência, pelo menos nesse momento, de um direito de residência do interessado (n. 29 do acórdão).

30 Essa declaração é igualmente válida no que toca ao artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80, pois, sem direito de residência, a concessão ao trabalhador turco, após um ano de emprego regular, do direito à renovação da autorização de trabalho na mesma entidade patronal ficaria igualmente desprovida de efeito.

31 Esta conclusão não é infirmada pela consideração de que, por força do artigo 6. , n. 3, da Decisão n. 1/80, as modalidades de aplicação do n. 1 são fixadas pelas regulamentações nacionais. Com efeito, como o Tribunal já salientou no acórdão Sevince, n. 22, o artigo 6. , n. 3, da Decisão n. 1/80 mais não faz do que precisar a obrigação que incumbe aos Estados-membros de tomar as medidas de ordem administrativa que implica, eventualmente, a aplicação dessa disposição, sem lhes conferir a faculdade de condicionar ou restringir a aplicação do direito preciso e incondicional que reconhece aos trabalhadores turcos.

32 Nas observações que apresentou ao Tribunal de Justiça, o Governo alemão contesta expressamente que exista necessariamente uma ligação entre o direito de acesso ao mercado de trabalho e o direito de residência, alegando que, mesmo no que toca à livre circulação de trabalhadores dentro da Comunidade, podem ocorrer situações em que os dois aspectos não coincidam necessariamente. A título de exemplo, remete, por um lado, para a Directiva 64/221/CEE do conselho, de 5 de Fevereiro de 1964, para a coordenação das medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), cujos artigos 3. , n. 2, e 4. , n. 1, permitiriam retirar ou recusar o direito de residência em virtude de certos delitos ou de certas doenças, e, por outro, no acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Antonissen (C-292/89, Colect., p. I-745), do qual resultaria que o direito de residência de um cidadão comunitário, que procurou trabalho sem sucesso, pode ser limitado no tempo, sem que ele perca com isso o seu direito ilimitado de acesso ao mercado de trabalho.

33 Nenhum desses exemplos é, todavia, pertinente. Longe de demonstrar, com efeito, que um particular pode beneficiar do direito de acesso ao mercado de trabalho sem direito de residência, eles sublinham, pelo contrário, que o direito de residência é indispensável ao acesso e ao exercício de uma actividade assalariada.

34 Por um lado, é para evitar que um direito tão fundamental como o da livre circulação dos trabalhadores seja exageradamente limitado que a Directiva 64/221 prevê, no seu artigo 3. , n. 2, que a simples existência de condenações penais não pode automaticamente motivar medidas de ordem pública ou de segurança pública e, no seu artigo 4. , n. 1, que só determinadas doenças, além disso enumeradas taxativamente no anexo, podem justificar a recusa de entrar no território de um Estado-membro ou de emissão da primeira autorização de residência. Há que notar, aliás, que a Decisão n. 1/80, tal como o artigo 48. , n. 3, do Tratado, bem como a Directiva 64/221, permite igualmente, em conformidade com o seu artigo 14. , n. 1, que os direitos que prevê possam sofrer limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas.

35 Por outro lado, o Tribunal, no acórdão Antonissen, já referido, com base nas disposições do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores, reconheceu aos nacionais comunitários um direito de residência no território dos Estados-membros não só para aí se candidatarem a empregos efectivamente oferecidos, mas igualmente para aí procurarem tal emprego.

36 Assim, há que responder à terceira questão que um trabalhador turco que preencha as condições do artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 pode invocar directamente essas disposições para obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

37 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hessische Verwaltungsgerichtshof, por acórdão de 12 de Agosto de 1991, declara:

1) O artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação instituído pelo acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador turco não preenche a condição de ter ocupado um emprego regular há pelo menos quatro anos, prevista nessa disposição, quando tenha exercido esse emprego ao abrigo de um direito de residência que só lhe foi reconhecido por efeito de uma regulamentação nacional que permite residir no país de acolhimento enquanto dura o processo de concessão da autorização de residência, mesmo que a legalidade do seu direito de residência tenha sido confirmada por uma sentença proferida por um tribunal decidindo em primeira instância, contra a qual foi interposto recurso.

2) O artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da Decisão n. 1/80, já referida, deve ser interpretado no sentido de que um nacional turco que tenha obtido uma autorização de residência no território de um Estado-membro para aí casar com uma nacional desse Estado-membro e aí trabalhe há mais de um ano para a mesma entidade patronal ao abrigo de uma autorização de trabalho válida tem direito à renovação da sua autorização de trabalho por força dessa disposição, mesmo que, no momento em que se decida sobre o pedido de renovação, o seu casamento tenha sido dissolvido.

3) Um trabalhador turco que preencha as condições do artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 pode invocar directamente essas disposições para obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência.