61991J0148

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 3 DE FEVEREIRO DE 1993. - VERONICA OMROEP ORGANISATIE CONTRA COMMISSARIAAT VOOR DE MEDIA. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: RAAD VAN STATE - PAISES BAIXOS. - LIVRE PRESTACAO DE SERVICOS - LIVRE CIRCULACAO DE CAPITAIS - LEGISLACAO NACIONAL QUE VISA PRESERVAR UMA REDE DE RADIODIFUSAO PLURALISTA E NAO COMERCIAL. - PROCESSO C-148/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-00487
Edição especial sueca página I-00017
Edição especial finlandesa página I-00017


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre prestação de serviços ° Restrições impostas aos prestadores de serviços que procurem subtrair-se ao respeito das regras profissionais ° Admissibilidade

(Tratado CEE, artigo 59. )

2. Livre prestação de serviços ° Livre circulação de capitais ° Restrições ° Legislação que proíbe um organismo de radiodifusão estabelecido no território nacional de participar no capital de uma sociedade de radiodifusão que orienta as suas actividades para o referido território a partir de um estabelecimento num outro Estado-membro ° Condições

(Tratado CEE, artigos 59. e 67. )

Sumário


1. Não se pode negar a um Estado-membro o direito de tomar medidas para impedir que a liberdade garantida pelo artigo 59. do Tratado seja utilizada por um prestador cuja actividade é inteira ou principalmente destinada ao seu território para se subtrair a disposições que lhe seriam aplicáveis caso estivesse estabelecido no território deste Estado.

Particularmente, no quadro de uma política cultural que visa instituir um sistema de radiodifusão e de televisão de carácter pluralista e não comercial, não se pode considerar incompatível com as disposições dos artigos 59. e 67. uma legislação que impede que, a coberto do exercício das liberdades garantidas por estes artigos, organismos nacionais de radiodifusão possam subtrair-se abusivamente às suas obrigações legais relativas ao conteúdo dos programas.

2. As disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais e à livre prestação de serviços devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que a legislação de um Estado-membro proíba que um organismo de radiodifusão estabelecido no seu território participe no capital de uma sociedade de radiodifusão estabelecida ou a estabelecer noutro Estado-membro, lhe preste uma garantia bancária ou elabore um "projecto comercial" e pareceres jurídicos para uma sociedade de televisão a criar noutro Estado-membro, quando estas actividades são orientadas para a criação de uma estação de televisão comercial destinada a atingir em especial o território do primeiro Estado-membro e quando tais proibições são necessárias para garantir o carácter pluralista e não comercial do sistema audiovisual instituído por essa legislação.

Partes


No processo C-148/91,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela secção jurisdicional do Nederlandse Raad van State, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Vereniging Veronica Omroep Organisatie

e

Commissariaat voor de Media,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 59. e 67. do Tratado CEE, bem como da primeira directiva do Conselho, de 11 de Maio de 1960, para execução do artigo 67. do Tratado (JO 1960, 43, p. 921; EE 10 F1 p. 6), e da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67. do Tratado (JO L 178, p. 5),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e D. A. O. Edward, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretário: H. von Holstein, secretário-adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação de Vereniging Veronica Omroep Organisatie, por R. A. A. Duk, advogado no foro de Haia,

° em representação do Commissariaat voor de Media, por G. H. L. Weesing, advogado no foro de Amesterdão,

° em representação do Governo neerlandês, por T. P. Hofstee, secretário-geral em exercício do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Smulders e P. van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Vereniging Veronica Omroep Organisatie, do Governo neerlandês, representado por J. W. De Zwaan, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 6 de Outubro de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Novembro de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 27 de Maio de 1991, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de Junho seguinte, a secção jurisdicional do Nederlandse Raad van State (Países Baixos), submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, cinco questões prejudiciais sobre a interpretação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e movimentos de capitais para avaliar da compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação nacional que impõe restrições às actividades de organismos de radiodifusão.

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a associação de direito neerlandês Veronica Omroep Organisatie (a seguir "Veronica"), organismo não comercial de radiodifusão com sede nos Países Baixos, à instituição encarregada do controlo da exploração da radiodifusão, o Commissariaat voor de Media, quanto às restrições constantes do artigo 57. , n. 1, da lei neerlandesa de 21 de Abril de 1987 que regulamenta o fornecimento de programas de radiodifusão e televisão, as taxas de radiotelevisão e as medidas de ajuda aos órgãos de imprensa (Staatsblad n. 249 de 4.6.1987, a seguir "Mediawet"). Veronica entende que estas restrições são contrárias aos artigos 59. e 67. do Tratado, bem como à primeira directiva do Conselho, de 11 de Maio de 1960, para execução do artigo 67. do Tratado (JO 1960, 43, p. 921; EE 10 F1 p. 6), e da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67. do Tratado (JO L 178, p. 5).

3 Como resulta do artigo 31. da Mediawet, o tempo de antena das emissões de rádio e de televisão na rede nacional neerlandesa é atribuído pelo Commissariaat voor de Media a organismos de radiodifusão. De acordo com o artigo 14. desta lei, esses organismos são associações de ouvintes ou telespectadores constituídos com o fim de representarem uma determinada corrente social, cultural, religiosa ou espiritual, que figura no seu estatuto, e dotadas de personalidade jurídica. Devem ter por finalidade exclusiva, ou pelo menos principal, realizar programas de radiodifusão e procurar satisfazer com estes as necessidades sociais, culturais religiosas ou espirituais do público neerlandês. Quanto ao artigo 57. , n. 1, em causa no presente processo, estabelece: "Para além da realização dos seus programas, os organismos que tenham obtido tempo de emissão não podem exercer outras actividades além das previstas nesta lei ou autorizadas pelo Commissariaat voor de Media". De acordo com o n. 4 do artigo 57. , os rendimentos destas actividades devem ser afectados à realização dos programas do organismo. Por último, de acordo com o artigo 101. , os organismos de radiodifusão são financiados na sua grande maioria por subsídios atribuídos pelo Commissariaat voor de Media. Estes são constituídos pelas taxas pagas pelos ouvintes e telespectadores, bem como pelas receitas da publicidade comercial.

4 No caso vertente, o Comissariaat voor de Media acusa, fundamentalmente, a Veronica de ter infringido o artigo 57. , n. 1, da Mediawet, ao contribuir para a instalação no Grão-Ducado do Luxemburgo de um emissor comercial de radiodifusão destinado a atingir os Países Baixos, fornecendo-lhe um apoio efectivo. Em apoio desta acusação, o Comissariaat voor de Media invoca três factos. Antes de mais, o presidente e o secretário do Conselho de Administração de Veronica elaboraram, respectivamente, um plano (a seguir "projecto comercial") e pareceres jurídicos, com vista à criação de uma sociedade anónima de direito luxemburguês, RTL-Véronique, que tem por objecto a exploração de uma estação de televisão no Luxemburgo, e a realização de emissões que podem ser transmitidas por cabo para os Países Baixos. As despesas relativas a estas prestações foram assumidas por Veronica. Em seguida, esta aceitou prestar caução de um crédito em conta corrente concedido à RTL-Véronique por uma instituição bancária. Por fim, Veronica acordou com outra sociedade colocar à disposição os meios financeiros para a criação de uma nova sociedade que adquiriria uma participação minoritária no capital de RTL-Véronique.

5 O órgão jurisdicional nacional considerou tratar-se de actividades proibidas pelo artigo 57. , n. 1, da Mediawet. Interroga-se, no entanto, se estas proibições são compatíveis com o direito comunitário.

6 Considerou, por consequência, necessário colocar cinco questões prejudiciais. As questões estão assim redigidas:

"1) As disposições relativas à livre circulação de capitais, especialmente o artigo 67. do Tratado CEE, posto em execução pela directiva do Conselho das Comunidades Europeias de 11 de Maio de 1960, incluindo as alterações nela introduzidas, bem como pela Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, devem ser interpretadas no sentido de que proíbem uma limitação da circulação de capitais prevista por uma regulamentação nacional, como a do n. 1 do artigo 57. da Mediawet, em conformidade com a qual estão sujeitas a restrições a participação de um organismo de radiodifusão autorizado segundo a regulamentação nacional no capital de um organismo de radiodifusão criado ou a criar noutro Estado-membro e a prestação, por parte do organismo de radiodifusão autorizado, de garantias em favor de um organismo de radiodifusão com sede noutro Estado-membro?

2) As disposições relativas à livre prestação de serviços, especialmente o artigo 59. do Tratado CEE, devem interpretar-se no sentido de que constitui uma limitação proibida à livre prestação de serviços uma regulamentação nacional, como a do n. 1 do artigo 57. da Mediawet, segundo a qual se sujeitam a restrições a participação de um organismo de radiodifusão autorizado segundo a regulamentação nacional no capital de um organismo de radiodifusão criado ou a criar noutro Estado-membro e a prestação, por parte deste organismo de radiodifusão, de garantias em favor de um organismo de radiodifusão com sede noutro Estado-membro, na medida em que as referidas actuações não devem considerar-se circulação de capitais, tal como se descreve na primeira questão?

3) As disposições relativas à livre prestação de serviços, especialmente o artigo 59. do Tratado CEE, devem interpretar-se no sentido de que constitui uma limitação proibida à livre prestação de serviços uma regulamentação nacional, como a do n. 1 do artigo 57. da Mediawet, de acordo com a qual estão sujeitos a restrições as actuações e comportamentos de um organismo de radiodifusão, criado ou a criar de acordo com a referida regulamentação nacional, destinadas à criação e, por conseguinte, à promoção de um organismo de radiodifusão com sede noutro Estado-membro, designadamente mediante a elaboração de um denominado 'projecto comercial' e a prestação de serviços jurídicos?

4) Ao aplicar as disposições do Tratado em matéria de livre circulação de capitais e de livre prestação de serviços deve exigir-se, para que seja admissível uma regulamentação nacional que contém uma limitação à livre circulação de capitais, bem como à livre prestação de serviços, além do requisito de não discriminação, o requisito de que a regulamentação seja justificada por razões baseadas no interesse geral e que não seja desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido?

5) Se a resposta à quarta questão for afirmativa, pode constituir semelhante justificação o objectivo de manter um sistema de radiodifusão pluralista e não comercial?"

7 Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual, bem como das observações das partes apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

8 Com as três primeiras questões, o Nederlandse van State procura saber, no fundo, se as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais e à livre prestação de serviços devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que a legislação de um Estado-membro proíba a um organismo de radiodifusão fixado neste Estado de participar no capital de uma sociedade de radiodifusão estabelecida ou a estabelecer noutro Estado-membro e de prestar a esta uma garantia bancária ou elaborar um projecto comercial e pareceres jurídicos para uma sociedade de televisão a criar num outro Estado-membro.

9 Importa, antes de mais, lembrar que, tal como o Tribunal de Justiça já decidiu nos acórdãos de 25 de Julho de 1991, Comissão/Países Baixos (C-353/89, Colect., p. I-4069, n.os 3, 29 e 30), e Collectieve Antennevoorziening Gouda (C-288/89, Colect., p. I-4007, n.os 22 e 23), a Mediawet pretende instituir um sistema de radiodifusão e de televisão de carácter pluralista e não comercial e insere-se assim numa política cultural que tem por objectivo proteger, no sector audiovisual, a liberdade de expressão das diferentes componentes, nomeadamente sociais, culturais, religiosas ou filosóficas existentes nos Países Baixos.

10 Resulta, além disso, destes dois acórdãos (v., respectivamente, os n.os 41 e 42 e os n.os 23 e 24), que tais objectivos de política cultural constituem objectivos de interesse geral que um Estado-membro pode legitimamente prosseguir elaborando adequadamente o estatuto dos seus próprios organismos de radiodifusão.

11 Ora, é na realização destes objectivos que entra o artigo 57. , n. 1. , da Mediawet. Este artigo visa, com efeito, proibir aos organismos nacionais de radiodifusão o exercício de actividades estranhas às previstas na lei ou que o Commissariaat voor de Media considera que põem em perigo os objectivos desta. Assim impede, designadamente, que os meios financeiros de que dispõem os organismos nacionais de radiodifusão para lhes permitir assegurar o pluralismo no sector audiovisual sejam desviados desse objectivo e utilizados com fins meramente comerciais.

12 Importa por fim notar que o Tribunal de Justiça já salientou, a propósito do artigo 59. do Tratado, não poder ser negado a um Estado-membro o direito de adoptar as medidas destinadas a impedir que as liberdades garantidas pelo Tratado sejam utilizadas por um prestador cuja actividade seja inteira ou principalmente destinada ao seu território com o objectivo de se subtrair a disposições que lhe seriam aplicáveis caso estivesse estabelecido no território deste Estado (acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Recueil, p. 1299, n. 13).

13 Ora, ao proibir aos organismos nacionais de radiodifusão ajudar na criação de sociedades comerciais de rádio e televisão no estrangeiro com o objectivo de aí prestarem serviços com destino aos Países Baixos, a legislação neerlandesa em causa neste processo leva precisamente a impedir que, graças ao exercício das liberdades garantidas pelo Tratado, estes organismos possam subtrair-se abusivamente às obrigações decorrentes da legislação nacional relativas ao conteúdo pluralista e não comercial dos programas.

14 Nessas condições, não se pode considerar como incompatível com as disposições dos artigos 59. e 67. do Tratado a exigência de que os organismos nacionais de radiodifusão apenas exerçam actividades previstas pela lei ou autorizadas pelo Commissariaat voor de Media.

15 Há, por conseguinte, que responder ao órgão jurisdicional nacional que as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais e à livre prestação de serviços devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que a legislação de um Estado-membro proíba que um organismo de radiodifusão estabelecido nesse Estado participe no capital de uma sociedade de radiodifusão estabelecida ou a estabelecer noutro Estado-membro, lhe preste uma garantia bancária ou elabore um "projecto comercial" e pareceres jurídicos para uma estação de televisão a criar noutro Estado-membro, quando estas actividades são orientadas para a criação de uma estação de televisão comercial destinada a atingir, em especial, o território do primeiro Estado-membro e quando tais proibições são necessárias para garantir o carácter pluralista e não comercial do sistema audiovisual instituído por essa legislação.

16 Considerando a resposta dada às três primeiras questões, as quarta e quinta questões relativas à justificação de determinadas restrições à livre circulação de capitais e à livre prestação de serviços tornam-se inúteis.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

17 As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela secção jurisdicional do Nederlandse Raad van State, por decisão de 27 de Maio de 1991, declara:

As disposições do Tratado CEE relativas à livre circulação de capitais e à livre prestação de serviços devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que a legislação de um Estado-membro proíba que um organismo de radiodifusão estabelecido nesse Estado participe no capital de uma sociedade de radiodifusão estabelecida ou a estabelecer noutro Estado-membro, lhe preste uma garantia bancária ou elabore um "projecto comercial" e pareceres jurídicos para uma sociedade de televisão a criar noutro Estado-membro, quando tais actividades são orientadas para a criação de uma estação de televisão comercial destinada a atingir, em especial, o território do primeiro Estado-membro e quando tais proibições são necessárias para garantir o carácter pluralista e não comercial do sistema audiovisual instituído por essa legislação.